sábado, 6 de dezembro de 2014

Opinião do dia - Antônio Imbassahy

"Os ministros, talvez pela ansiedade de se cacifarem para a vaga que está aberta no Supremo Tribunal Federal, queiram mostrar serviço e misturem as atribuições de Estado ao papel partidário. É até compreensível que ambos estejam também preocupados com a situação da presidente Dilma, que pode, lá na frente, enfrentar situações mais difíceis ainda, mas não está entre suas atribuições serem advogados do PT. Isso é inadmissível."

Antônio Imbassahy (BA), líder do PSDB na Câmara do Deputados

Planilha de doleiro tem 750 obras no país e no exterior

• Para juiz, tabela é perturbadora e indica que esquema ia além da Petrobras

• No total, valores de empreitadas listados por Alberto Youssef chegam a R$ 11,9 bilhões

Cleide Carvalho – O Globo

SÃO PAULO - Uma planilha apreendida no escritório do doleiro Alberto Youssef, que lista 747 obras de infraestrutura de 170 empresas, a maioria empreiteiras, é um dos principais indícios que levam o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná, a suspeitar que o esquema criminoso que desviou recursos de obras da Petrobras alcança outros setores da administração pública. Usada pelo doleiro para acompanhar suas negociações e projetos em andamento, a planilha lista valores que, somados, chegam a R$ 11,5 bilhões — 59% das obras têm a Petrobras como cliente final.

Num despacho em que negou a revogação da prisão preventiva do executivo Erton Medeiros Fonseca, presidente da Divisão de Engenharia Industrial da Galvão Engenharia, Moro afirma que a apreensão da planilha é “perturbadora” e diz que “o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras”.

A lista de Youssef, a qual O GLOBO teve acesso, é formada basicamente por empreiteiras citadas e investigadas na Operação Lava-Jato por obras com a Petrobras. Os projetos pertencem a setores como aeroportos, irrigação, energia, mineração, transporte e saneamento básico, a maioria feita com recursos federais e, em muitos casos, tocada por governos estaduais. O juiz frisa que é necessária uma “profunda investigação” para que se confirmem as suspeitas de novas irregularidades.

Além de obras no Brasil, a planilha lista obras realizadas no exterior por construtoras brasileiras, incluindo o Porto de Mariel, em Cuba, que recebeu financiamento do BNDES de cerca de R$ 1 bilhão. O valor anotado em relação a esse projeto é de R$ 3,6 milhões.

O nome de uma empreiteira brasileira, investigada na Lava-Jato, também aparece vinculado a obras no Uruguai e na Argentina. Na lista há ainda outras duas empresas, uma de engenharia, associada a uma unidade de gás no Equador; e outra citada por uma obra em Angola.

A planilha não é o único documento que levanta suspeita sobre financiamentos a obras no exterior. A Polícia Federal identificou visitas do advogado Alexandre Portela Barbosa, da construtora OAS, ao escritório do doleiro Alberto Youssef logo após ter retornado de viagens a países da América Latina. No dia 16 de setembro de 2013, Barbosa esteve no escritório do doleiro, onde ficou por cerca de 50 minutos. No dia seguinte, ele embarcou num voo com destino a Lima, a capital peruana. No dia 16 de janeiro passado, Barbosa chegou ao Brasil, vindo de Lima, e, no dia seguinte, foi até o escritório de Youssef: chegou às 14h02m e saiu às 15h31m. Preso temporariamente, Barbosa foi libertado, e não há informação de que tenha colaborado com a investigação. A suspeita é que as viagens estejam ligadas a pagamentos de propinas no exterior.

Indício de fraude vai além da estatal, diz juiz

• Em decisão emitida nesta semana, Moro cita uma 'perturbadora' tabela de 747 obras apreendida com doleiro preso

• Para a PF, documento fortalece a hipótese de 'um grupo criminoso voltado a fraudar licitações' no país

Estelita Hass Carazzai e Fabiano Maisonnave – Folha de S. Paulo

CURITIBA - As evidências recolhidas nas investigações sobre a Petrobras sugerem que o esquema de fraudes em licitações "vai muito além" da estatal, afirmou o juiz federal Sergio Moro, que conduz as apurações da Operação Lava Jato.

Em decisão emitida nesta semana, Moro mencionou uma "perturbadora" tabela apreendida em março com o doleiro e delator Alberto Youssef. O documento, que estava na casa do doleiro, lista cerca de 750 obras de infraestrutura com órgãos públicos e privados, em nível federal, estadual e municipal, espalhadas por todo o país.

Em relatório sobre o documento, a Polícia Federal sustenta que "Youssef tinha um interesse especial nos contratos dessas empresas, onde de alguma forma atuava na intermediação".

Para a PF, a tabela fortalece a hipótese de "um grupo criminoso voltado a fraudar licitações, lavar dinheiro público e traficar influência em contratos da administração pública com grandes empresas" em todo o país.

Moro ressaltou que a investigação ainda deve ser aprofundada, mas que "é perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobras".

Os comentários de Moro foram usados para rejeitar o pedido de revogação da prisão preventiva de Gerson de Mello Almada, vice-presidente da empresa Engevix, que está na carceragem da Polícia Federal em Curitiba com outras 11 pessoas detidas na operação.

Segundo Moro, grande parte do esquema criminoso ainda está encoberto e, por isso, "a prisão preventiva se impõe a bem da ordem pública, para interromper e prevenir a continuidade da prática de crimes graves".

A tabela citada pelo juiz tem 34 páginas e 747 obras, com os respectivos clientes (nesse caso, as empreiteiras) e valores de propostas, que chegam a R$ 500 milhões.

A maioria dos projetos listados é da Petrobras, mas também são mencionados o Rodoanel paulista, o metrô de São Paulo, a ampliação e reforma dos aeroportos de Confins e Manaus, os portos de Suape (PE) e Paranaguá (PR) e obras do DNOCS (Departamento Nacional de Obras contra Secas).

Projetos de órgãos estaduais e municipais também aparecem na lista.

Youssef demonstra ter forte atuação nas áreas de gás e saneamento. Na planilha, estão obras de companhias de gás de Bahia, Ceará, Paraíba e Sergipe, e de saneamento de Rio de Janeiro, Goiás, Alagoas e Maranhão.

Prefeituras de cidades como Maceió e Barueri (SP) também estão na lista. Esta última aparece em uma proposta feita à empreiteira OAS para a construção do estádio municipal Arena Barueri.

Há projetos internacionais no Uruguai, Colômbia e Argentina e outros de grandes empresas privadas.

A análise da Polícia Federal aponta que os contratos de Youssef com as empreiteiras listadas na planilha foram feitos via Sanko Sider.

A Sanko é a maior fornecedora de tubos da Petrobras e é suspeita de intermediar pagamentos de propina.

A empresa nega irregularidades em negócios com a estatal.

Empreiteira deu presentes a políticos e empresários

• Brindes faziam parte de política de aproximação da OAS com autoridades

• Lista apreendida pela PF inclui pelo menos 28 deputados, nove ministros, 13 senadores e oito governadores

Estelita Hass Carazzai, Fabiano Maisonnave, Mario Cesar Carvalho e Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA / SÃO PAULO / CURITIBA - Uma das empreiteiras investigadas na Operação Lava Jato distribuía presentes como política de aproximação com membros do governo e da oposição. A Polícia Federal apreendeu na Construtora OAS, em São Paulo, em 14 de novembro, listas de mimos de aniversário para ministros, senadores, deputados, governadores e empresários.

As listas incluem pelo menos 28 deputados federais, nove ministros, 13 senadores, oito governadores e quatro prefeitos. Não é possível saber se os presentes foram entregues ou se foram devolvidos.

Um exemplo da lista é um relógio de R$ 10.619 para Armando Tripodi, chefe de gabinete do presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, de 2005 a 2012.

O código de ética da administração federal só permite brindes de até R$ 100.

As listas da empreiteira trazem o nome do aniversariante e o que lhe será dado.

Em alguns casos, há observações cifradas. Em outros, anotações indicando que os presentes deveriam ser definidos por outras pessoas, principalmente integrantes da cúpula da empreiteira, como "CMPF", referência a Cesar Mata Pires Filho, vice-presidente da OAS Engenharia.

Os brindes variavam: ternos, gravatas, garrafas de uísque Blue Label Special, vinhos da marca Pêra Manca --produto português cujo preço pode variar de R$ 200,00 a R$ 700,00 por garrafa-- e cortes de tecidos para ternos.

Dilma e Lula
No dia do aniversário da presidente Dilma Rousseff em 2013, a agenda não anota a entrega de presente, mas sim a observação "combinar com J. Fortes", ao lado do nome da petista. Jorge Fortes é diretor da OAS em Brasília. O Palácio do Planalto nega qualquer recebimento.

O ex-presidente Lula também é citado nas listas. Nenhum presente é mencionado, mas aparece o nome de "P. Okamotto", possível referência a Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula, como intermediário. Okamotto, aliás, consta como destinatário de um corte para terno.

O mesmo presente é indicado ao senador Aécio Neves (PSDB-MG) no dia de seu aniversário, em 2013, e de diversos outros aniversariantes, como o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) --com a observação "mais sofisticado"-- e os ministros Paulo Bernardo (Comunicações) e José Eduardo Cardozo (Justiça).

Cunha disse que "é possível que tenha recebido" tal presente, mas não consegue se lembrar. Bernardo confirmou o recebimento do tecido, ainda guardado em sua casa.

Os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Aloizio Mercadante (Casa Civil) e o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) aparecem como agraciados com gravatas. Mercadante nega ter recebido. Aloysio confirma.

Para a ex-chefe do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Noronha, estava previsto a entrega de um "kit churrasco".

Em homenagem ao aniversário do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT-SP), a OAS pretendia dar "vinhos". Em outra anotação sobre o ex-ministro surge a marca portuguesa Pêra Manca. Para o tesoureiro do PT, João Vaccari, a OAS pretendeu dar "uma caixa de Pêra Manca".

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), recebeu um corte de tecido, segundo a lista. Ele confirmou que recebeu vários "cortes", mas não se recorda de algum da OAS. Haddad afirmou que doa a entidades os cortes de tecido que recebe.

O deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ) é citado como destinatário de uma "caixa porta relógio" de R$ 4.950. Ele disse que da OAS só recebeu "agendas, cadernos de anotações" de pouco valor.

Muitos presentes eram entregues "em mãos" por "dr. Léo", referência ao presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, conhecido como Léo

Políticos entram na mira da Operação Lava-Jato

• Procuradoria pedirá investigação de parlamentares suspeitos de receberem recursos desviados a partir de contratos com a petroleira

Humberto Trezzi – Zero Hora (RS)

A Procuradoria-Geral da República (PGR) deve pedir até a próxima semana abertura de inquérito contra políticos citados como envolvidos no esquema de corrupção em contratos da Petrobras, investigado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal.

O pedido pode abranger dezenas de parlamentares do Congresso, na maioria, deputados. Ainda não se sabe quantos estão sob investigação, mas há perspectiva de que chegue a 70 nomes. A decisão de requisitar a abertura de investigação segue dois caminhos principais:

1 – Já foram concluídos os depoimentos à Justiça do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e do doleiro Alberto Youssef, em acordo de delação premiada, além de dois lobistas delatores que trabalhavam para empreiteiras.

2 – É desejo da força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) solicitar investigações de políticos antes do recesso do Judiciário, que começa em 20 de dezembro. Isso daria tempo de o Supremo Tribunal Federal (STF) ingressar 2015 na investigação, sem deixar o caso esfriar.

Costa teria mencionado 35 políticos beneficiados com propina oriunda da Petrobras. Youssef teria falado em 30. A lista pode ter nomes repetidos e inclui, além de parlamentares, ex-governadores. Nem todos seriam investigados, porque, para isso, é preciso indícios que superem a mera delação.

O MPF quer que os processos da Lava-Jato sejam cindidos. Isso significa pedir investigação de políticos, em separado, ao STF, ao mesmo tempo em que são concluídas as denúncias contra pessoas que não têm foro privilegiado – empresários, lobistas de empreiteiras do ramo petrolífero e os próprios delatores do esquema, Costa e Youssef.

As denúncias contra os que não têm foro privilegiado devem ser concluídas antes do dia 20, já que o prazo para término do inquérito policial se esgota dia 15 – e o trabalho dos delegados é acompanhado, simultaneamente, pelos procuradores federais. Policiais dizem que há provas para pedir a condenação de pelo menos 15 investigados, sobretudo executivos das empreiteiras e lobistas. A condenação de Youssef e Costa já foi pedida em outra denúncia, nesta semana.

A outra parte do processo da Lava-Jato, que envolve suspeitos que têm foro privilegiado, será mais lenta. Tanto o pedido de cisão quanto os de investigações devem ser analisados pelo mesmo relator que tem acompanhado a Lava-Jato no STF, o ministro Teori Zavascki. Especialistas dizem que a tendência é de que sejam acolhidos os pedidos. Outra possibilidade é que Zavascki peça ao pleno do STF para examinar a questão – o que implicaria lentidão maior e resposta só em 2015.

Licença para investigar não significa denúncia, mas apenas permissão para averiguar se a delação feita pelos informantes tem fundamento. Os procuradores serão cautelosos porque pode haver resistência a divulgar nomes. Não serão investigadas, por exemplo, delações sobre pessoas que não vieram acompanhadas de outros indícios.

Essas provas podem ser nomes de assessores parlamentares que buscavam ou levavam dinheiro aos escritórios do doleiro, número de contas, endereços onde foram entregues remessas de dinheiro ou gravações de sistemas de vigilância que mostrem esses encontros. Aliás, vídeos e depoimentos desses assessores nem necessitam de ordem judicial para serem requisitados.

O MPF pedirá abertura de investigações individuais para cada suspeito com foro privilegiado. É uma estratégia para evitar a lentidão costumeira no trâmite dos processos com muitos réus. Quanto mais réus, maior a possibilidade de os advogados solicitarem diferentes testemunhos, protelações e perícias, o que, por vezes, pode resultar em prescrição do processo.

Líder tucano diz que ministros querem ‘cacifar’ vaga no STF, ao defenderem campanha petista

• Cardozo e Adams afirmaram que contas da presidente não receberam dinheiro de corrupção

Júnia Gama, Evandro Éboli – O Globo

BRASÍLIA - As declarações dos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Adams, em defesa das contas das campanhas do PT foram criticadas pelo líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA). Para o tucano, Cardozo e Adams confundiram um o Estado com o partido, o interesse público do privado e partidário para conquistarem uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

Doações PT
"Os ministros, talvez pela ansiedade de se cacifarem para a vaga que está aberta no Supremo Tribunal Federal, queiram mostrar serviço e misturem as atribuições de Estado ao papel partidário. É até compreensível que ambos estejam também preocupados com a situação da presidente Dilma, que pode, lá na frente, enfrentar situações mais difíceis ainda, mas não está entre suas atribuições serem advogados do PT. Isso é inadmissível", afirmou Imbassahy em nota.

As afirmações dos ministros foram feitos depois dos depoimentos do executivo da Toyo Setal, Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, de que de que dinheiro desviado de obras da Petrobras para pagamento de propina foram repassados para o PT na forma de doações de campanha entre 2008 e 2011.

Na última quinta-feira, Cardozo, defendeu a lisura da campanha da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014. Segundo ele, as campanhas não receberam recursos ilícitos como insinuaram líderes de oposição, entre eles o senador Aécio Neves (PSDB):

— Não há nenhum indicativo que a campanha de 2010 e 2014 tenha recebido recursos em situação indevida – disse o ministro

No mesmo dia, Adams, garantiu estar confiante de que a campanha petista foi cuidadosa para evitar o recebimento de dinheiro de corrupção. Segundo o ministro a campanha petista contou com uma equipe jurídica que trabalhava justamente para evitar a ocorrência de ilegalidades:

— Tem que terminar a investigação, ver exatamente o que aconteceu, ver se há responsabilidade, se há dolo, inclusive. Mas em princípio eu tenho confiança de que o trabalho de campanha foi o mais cuidadoso, mais atento possível às questões legais. Tinha uma equipe de campanha jurídica que procurava analisar tudo isso e evitar qualquer tipo de situação e eu acho que não vai haver qualquer problema na apuração disso aí.

Cardozo reage às críticas do PSDB e diz que oposição quer politizar as investigações

• Líder tucano afirmou que ministro está em campanha por uma vaga no STF

Júnia Gama, Evandro Éboli – O Globo

BRASÍLIA - O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que a oposição tenta politizar as declarações que deu negando que a campanha da presidente Dilma Rousseff tenha recebido doação para sua campanha de recursos da corrupção. Foi uma resposta de Cardozo às acusações do líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), que nesta sexta, disse que Cardozo agiu como advogado do PT, confundiu as atribuições do Estado com o papel partidários e que está em campanha para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).

— Estão deturpando os fatos (a oposição). E isso é um desserviço a democracia. É engraçado. No caso do cartel do metrô de São Paulo (no qual o PSDB está envolvido) eu disse que não iria prejulgar. E disse, em depoimento na Câmara, que tenho alguns nomes de parlamentares da oposição ali citados em alto apreço. Não deve ser igual? Posso falar da oposição, mas não posso falar do partido ao qual pertenço?! O importante é a imparcialidade dos fatos - disse o ministro José Eduardo Cardozo na tarde desta sexta-feira, num evento com secretários de segurança do país na sede da Polícia Rodoviária Federal.

— Tentam politizar o que falei. O que falei, e repito, não cabe a mim defender partido a,b ou c. Cabe garantir a investigação, seja no caso da Petrobras ou no cartel do metrô de São Paulo...Não se pode fazer especulações politicas com investigações. Isso atrapalha, desinforma a opinião e serve ao revanchismo, que perdeu espaço na democracia brasileira. Cabe a mim defender a democracia, a verdade dos fatos — Cardozo.

Na última quinta-feira, Cardozo defendeu a lisura da campanha da presidente Dilma Rousseff nas eleições de 2010 e 2014. Segundo ele, as campanhas não receberam recursos ilícitos como insinuaram líderes de oposição:

— Não há nenhum indicativo que a campanha de 2010 e 2014 tenha recebido recursos em situação indevida – disse o ministro, na qunta-feira.

Nesta sexta, o ministro comentou também as afirmações do juiz Sérgio Moro de que há indícios de que o esquema de corrupção vai muito além da Petrobras.

— O governo tem uma postura muito clara de que todo e qualquer indício de irregularidade tem que ser investigado. Não importa se na Petrobras ou se em outras empresas. Qualquer magistrado que tiver ciência dessas irregularidades deve tomar as providências legais e o governo agirá com muito rigor, com seus órgãos de controle, e garantindo à Polícia Federal a autonomia plena para que possa investigar - disse o ministro.

No evento, o ministro falou sobre a ação conjunta que está ocorrendo nesta sexta-feira, e se encerra à meia-noite, e que envolve vinte mil homens de várias forças, federais e estaduais, como Polícia Federal, as polícias militares e civil. O ministro afirmou que esta é a primeira operação conjunta de combate ao crime organizado envolvendo governo federal e todos os 27 estados do país.

— Tenho absoluta convicção que a segurança pública começa a fazer história no país — disse Cardozo.

A operação, batizada de Brasil Integrado, atua na apreensão de drogas, de armas, de veículos roubados, de dinheiro, de contrabando de eletroeletrônicos, agrotóxicos e cigarro, entre outras ações. Na próxima segunda-feira será anunciado o balanço completo com o resultado final da operação em todo o Brasil.

Opção - Opinião – O Globo

A PRESIDENTE Dilma, ocupante de cargo político, pode muito bem, sem constrangimentos, defender seu partido de acusações como as feitas por empreiteiros sob regime de delação premiada.

O MESMO não se aplica ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, em cuja área de jurisdição está a PF, e ao ministro da Advocacia Geral da União, Luiz Adams.

OCUPANTES DE postos importantes do Estado, provaram que, em situações-limite, optam por defender o partido, não o interesse público – no caso, o de que tudo seja apurado com seriedade.

FICA o registro.

PSDB quer apuração sobre firma que atuou para comitê de Dilma

• Sigla promete ingressar com representação no Ministério Público

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A oposição vai ingressar com uma representação no Ministério Público Federal pedindo investigação sobre uma empresa que prestou serviços para a campanha da presidente Dilma Rousseff.

A Folha mostrou nesta sexta (5) que técnicos da Justiça Eleitoral suspeitam de irregularidades na contratação da UMTI, que recebeu R$ 874.332 da campanha petista.

A empresa emitiu notas de R$ 41.268 a R$ 160.328 pela locação de computadores e impressoras e prestação de suporte técnico para o comitê de campanha presidencial.

Seu CNPJ está ativo desde 2003, mas ela só obteve autorização da Prefeitura de Florianópolis --um dos locais onde declara estar instalada-- para emitir notas em setembro, já em plena campanha.

No site da UMTI há dois endereços e telefones: um em Florianópolis, outro em Santa Cruz do Sul (RS). O primeiro não é mais da empresa. Os telefones não existem.

A ação será levada pelo PSDB. "É mais uma questão grave que ronda a campanha à reeleição da presidente e só ajuda a construir uma situação cada vez pior para ela", disse o líder tucano na Câmara, Antonio Imbassahy (BA).

Presidente do DEM, o senador José Agripino (RN) reforçou: "É o começo do fio de uma meada [...]. Com o João Vaccari [tesoureiro do PT] envolvido com as denúncias, a campanha de Dilma estará comprometida. É preciso aguardar com muita atenção as constatações que estão por vir. Providências se imporão".

A reportagem foi a Santa Cruz do Sul, mas a sede da UMTI está fechada. A Folha visitou um terceiro endereço, também em Florianópolis, informado nas notas fiscais e na Receita. No local, há um prédio residencial, onde mora o dono da firma, Davi Unfer.

Ele reconheceu não haver empresa ali, mas disse que ela "funciona" provisoriamente no local porque ele tenta, há dois anos, transferir a sede do Rio Grande do Sul para a cidade catarinense.

Reforma do Código Penal aperta cerco à corrupção e transforma caixa 2 em crime

• Senado apresenta na próxima semana uma proposta de mudanças na legislação que endurece as punições a servidores públicos e políticos que cometem desvios na administração

Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - No momento em que a Petrobrás passa pelo maior escândalo da sua história, envolvendo as maiores construtoras brasileiras e com a possibilidade de atingir dezenas de políticos, o Senado apresentará na próxima semana uma proposta de novo Código Penal que endurece as penalidades para quem comete desvios.

O texto eleva a pena pelos crimes de corrupção e desvio de dinheiro público, e pune com prisão quem comete caixa 2 e o servidor ou político que se enriquece ilicitamente. Também prevê sanções severas, até mesmo com a dissolução, de empresas que tenham cometido crimes contra a administração pública.

A minuta do novo Código Penal, obtida pelo Estado, prevê que os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva tenham uma pena mínima elevada de dois para quatro anos de prisão e a máxima, permanecendo em 12 anos. Essa mudança tem por objetivo impedir que o condenado pelos crime tenha direito ao benefício a se livrar de uma punição mais efetiva, pois terão obrigatoriamente de começar a cumprir pena em regime semiaberto. Isto é, podem trabalhar fora e dormir na cadeia. Pelo regime atual, o condenado a pena mínima pode, por exemplo, prestar serviços para a comunidade.

O projeto também propõe que a pena pelo crime de peculato (crime praticado pelo funcionário público contra a administração), terá a mesma punição que a de corrupção. O texto será apresentado na quarta-feira pelo relator da proposta, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A intenção é votar a proposta no colegiado na semana seguinte, dia 17.
Tabus. O texto, entretanto, não mexe em temas tabus, como na legislação que trata do aborto, da eutanásia e do tráfico de drogas. O consumo de drogas continua sendo crime, mas a aplicação de penas alternativas só vai ocorrer se o uso for "ostensivo", uma solução que não havia na versão apresentada pela comissão de senadores, comandada por Pedro Taques (PDT-MT).

"Esse é o Código Penal do equilíbrio", resume o relator.

O texto de Vital é a terceira versão da reforma e tenta chegar a um meio termo entre a proposta progressista da comissão de juristas - uma versão inicial, que, por exemplo, propunha, em alguns casos, descriminalizar o aborto - e uma mais repressiva, da comissão de senadores. A proposta resulta de três anos de trabalhos de todas as comissões e de Vital se debruçando sobre a modernização do atual código, que no domingo completa 74 anos.

Hediondos. Segundo a proposta, a corrupção e o peculato entram na nova lista dos crimes hediondos, isto é, tornam-se crimes inafiançáveis e não passíveis de serem perdoados pela Justiça, tendo regimes de cumprimento de pena mais rigoroso que os demais crimes.

Introduz a figura do crime de enriquecimento ilícito do servidor público, uma das promessas da presidente Dilma Rousseff nas eleições e inexistente na atual legislação. O delito é punido com pena de dois a cinco anos de prisão, além do confisco dos bens. A proposta também cumpre outra promessa eleitoral de Dilma, que prevê pena de prisão de dois a cinco anos para quem for condenado por caixa 2. Atualmente, a prática é punível apenas com a desaprovação das contas do partido ou candidato.

O texto ainda prevê aumento generalizado de penas para crimes como compra e venda de votos e lavagem de dinheiro. Prevê também punições para empresas que cometerem crimes contra a administração pública.

Aécio convoca manifestação contra o governo neste sábado em São Paulo

- Estado de Minas

O senador Aécio Neves (PSDB) – candidato derrotado no segundo turno das eleições à Presidência da República – usou nessa sexta-feira sua página no site de relacionamento Facebook para convocar a população para participar de manifestação neste sábado, às 15h, na Avenida Paulista, em São Paulo, em defesa da ética e da apuração do escândalo da Petrobras e contra o projeto de lei do governo federal que muda a Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) flexibilizando a meta fiscal deste ano, cujo texto-base foi aprovado na madrugada de quinta-feira pelo Congresso Nacional.

O tucano não está sozinho. Outros parlamentares engrossam as convocações para o protesto. Entre eles, está o deputado federal Pedro Simon (PMDB-RS), que fez “um apelo aos jovens” para que se manifestem pela “indignação do povo brasileiro com relação ao que está acontecendo na Petrobras”, e ainda o vice na chapa de Aécio nas eleições presidenciais, o deputado Aloysio Nunes (PSDB-SP).

No vídeo gravado por Aécio Neves, ele afirma que o protesto será um encontro “em favor da democracia”, da “ética” e de “um Brasil melhor”. “Já dizíamos que o escândalo da Petrobras será maior caso de corrupção no país. A coisa não para de crescer, e agora sabemos que não era apenas na Petrobras. Portanto, mais do que nunca, temos que estar mobilizados”, defende.

Em sua página no Facebook, o Movimento Vem Pra Rua, que organiza a manifestação, autodenomina-se “espontâneo, apartidário, democrático”. Na descrição, o grupo informa que sua bandeira é a “democracia, a ética na política e a eficiência na gestão pública”.

Forças Armadas demonstram insatisfação

Tânia Monteiro - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA O sentimento existente na cúpula das Forças Armadas, particularmente no Exército, às vésperas da divulgação do relatório da Comissão Nacional da Verdade, é de irritação e insatisfação.

Os ataques feitos aos militares por integrantes da comissão, que insistem que os comandos das Forças têm de reconhecer que cometeram violações aos direitos humanos, o que é rechaçado por todos, incomoda muito os oficiais-generais da ativa, segundo depoimentos reunidos pelo Estado.

Eles desqualificam o trabalho que está sendo realizado, alegando que a comissão agiu de forma "unilateral", desprezando o "outro lado da história". Para os militares, a comissão funcionou como um "tribunal de exceção" que quer "empurrar goela abaixo dos brasileiros uma história que não é verdadeira porque só tem um lado". Um dos generais ouvidos pelo Estado afirmou que isso não cabe e não pode ser aceito em um país democrático como o Brasil.

A própria presidente Dilma Rousseff, que receberá oficialmente o relatório final na próxima quarta-feira, já sinalizou que não quer, neste momento delicado de economia fragilizada, abrir um novo flanco de problema, em uma área que não lhe dá dor de cabeça. Por isso mesmo, de acordo com um interlocutor direto de Dilma, o tom da presidente sobre este assunto, neste momento, é de conciliação.

Os generais consultados pelo Estado foram unânimes em afirmar que o momento é de espera para avaliação do que será apresentado. Segundo um oficial-general da ativa, que não pode se manifestar publicamente, se houver um ataque frontal, será preciso tomar providências, "mas tudo pelos caminhos normais, legais, seguindo a hierarquia, sem nada que afronte a lei ou os princípios democráticos".

Nos comandos militares, o entendimento é que o Ministério da Defesa está conduzindo a questão de forma satisfatória e não tem nenhum interesse em alimentar uma crise. Portanto, a expectativa é de que as respostas venham exatamente pelo ministro ou o Ministério da Defesa, que falariam politicamente em nome das Forças Armadas. O que mais tranquiliza os militares é a determinação de que não há espaço para qualquer alteração ou revogação da Lei da Anistia.

Aloysio vê consequência grave na mudança da meta fiscal

Estado de Minas / Agência Estado

O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), afirmou nesta sexta-feira que as consequências da mudança da meta fiscal de 2014 são "muito graves". Na madrugada de quinta-feira, 4, o governo conseguiu aprovar o texto base do projeto de lei que altera o superávit primário deste ano, faltando apenas a votação de um único destaque na próxima semana.

Em entrevista, ele afirmou que quando o governo deixa de fazer uma poupança para pagar os juros dos serviço da dívida pública ocorre uma série de efeitos indiretos para toda a economia e a população. Ele citou que a medida pode gerar um aumento de juros, o que atinge empresas que precisam de empréstimos e os brasileiros que precisam de um financiamento.

"Isso abre uma brecha nessa carapaça que temos há tempos para não se gastar excessivamente por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal", criticou o tucano, que foi vice de Aécio Neves na campanha eleitoral de outubro. "É um sinal muito ruim, um sinal de que o governo não tem apreço pela estabilidade da moeda", completou.

O líder do PSDB admite que, do ponto de vista do Congresso, não há mais nada a ser feito, uma vez que só falta uma emenda a ser apreciada. "O governo conseguiu aos trancos e barrancos reunir uma maioria parlamentar", disse. Mesmo assim, ele anunciou que não haverá trégua e que o partido vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para anular a mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2014. "Vamos lutar em todos os campos", disse.

Para Aloysio, a aprovação da medida mostra que Dilma se reelege adotando o mesmo padrão que marca o atual mandato, com o loteamento de cargos públicos a fim de aprovar projetos no Congresso. Ele disse que essa barganha resultará em novos escândalos.

Questionado se a redução da meta de superávit de 2015, de 2% para 1,2%, não apontaria uma mudança de postura da futura equipe econômica em relação à atual, o líder do PSDB disse que o problema não é o cumprimento das metas fiscais. Mas sim da sinalização de que o governo, para cumpri-la adotará uma fórmula diferente à de uma gestão tucana. Segundo ele, o governo acena com aumento de impostos públicos, enquanto o PSDB cortaria gastos públicos.

"Esse ajuste fiscal que o governo propõe não é o nosso ajuste da oposição, que seria no corte de despesas, concessão mais criteriosa de incentivos fiscais, cortes de ministérios", afirmou ele, ao destacar que a bancada do partido ainda vai se reunir para decidir qual posição vai tomar na votação dessa proposta. O líder do PSDB, contudo, já anunciou que é contra a medida provisória editada pelo governo esta semana que prevê a capitalização de R$ 30 bilhões no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Para ele, o governo quer continuar com a mesma linha de juros subsidiados.

Riscos para inflação em 2015

• Reajustes em energia elétrica, ônibus e gasolina fazem analistas projetarem IPCA acima de 6,5%

Lucianne Carneiro – O Globo

RIO, BRASÍLIA e QUITO - A inflação deve fechar o ano dentro do teto da meta do governo, de 6,5%, mas ainda em nível elevado e em alta pelo segundo ano seguido, apesar da estagnação econômica. Em novembro, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 0,51%, abaixo da expectativa de 0,55%. Para que o resultado do ano não ultrapasse os 6,5%, é preciso que o índice de dezembro seja de até 0,86%. Para 2015, o risco de estouro da meta persiste. Já há previsões de que o IPCA chegue ao fim do ano acima de 6,5%, pressionada por altas na energia elétrica, na gasolina e no ônibus urbano, os chamados preços administrados. Em 12 meses, a taxa foi de 6,56%, acima do teto da meta pelo quarto mês seguido. No ano está em 5,58%.

As projeções são de IPCA entre 0,68% e 0,81% em dezembro, fechando o ano dentro da meta. Embora elevada, a taxa é inferior aos 0,92% de dezembro de 2013, o que deve permitir que a alta em 2014 fique entre 6,3% e 6,4%. Confirmados esses números, 2014 será o segundo ano seguido de taxa superior à do ano anterior: 6,5% em 2011; 5,84% em 2012 e 5,91% em 2013.

Para o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Márcio Holland, o IPCA deve ficar entre 6,4% e 6,45%:

- Estamos observando uma grande chance de a inflação ficar em torno de 6,4% e 6,45%, dentro, portanto, das bandas de tolerância do regime de metas. O mercado espera que a inflação (de dezembro) fique entre 0,74% e 0,83%.

Para a economista da Tendências Adriana Molinari, é factível fechar este ano abaixo do teto da meta. A consultoria prevê 0,68% em dezembro e 6,3% no ano:

- Mas é uma inflação bastante elevada.

No resultado acumulado em 12 meses, novembro foi o sexto mês seguido com inflação em 6,5% ou acima desse nível.

- A inflação roda há meses em torno dos 6,5%. Acreditamos que o IPCA ficará em 6,4% em 2014, mas será um acaso. A inflação preocupa - diz Leonardo França Costa, da Rosenberg & Associados.

Ao chegar à sede do Ministério da Fazenda, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou que o IPCA de novembro "foi um bom resultado". Já a presidente Dilma Rousseff, ao final da cúpula da União de Nações Sul-americanas, em Quito, recusou-se a comentar diretamente o IPCA. Ao ser perguntada se estava preocupada com a taxa de inflação, respondeu:

- Um presidente é preocupado todo santo dia, chova ou faça sol. Não tem algo que ocorra que não nos preocupe.

Carne já subiu quase 18% no ano
O economista-chefe do banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal, acredita que a inflação não deve estourar a meta em 2014, mas lembra que alimentos, mais voláteis, serão uma das principais pressões em dezembro. E ele já se preocupa com 2015, para quando projeta IPCA de 6,8%:

- O que mais vai pesar em 2015 serão os preços administrados, em quanto os serviços vão compensar.

A Tendências Consultoria prevê que os preços administrados avancem 8,4% em 2015, enquanto a alta dos preços livres deve ser de 5,8%. Há expectativa de mais reajuste de energia no próximo ano, além da entrada em vigor do sistema de bandeiras tarifárias, que prevê que a tarifa aumente quando o custo de geração for mais alto.

A aceleração de 0,42% em outubro para 0,51% em novembro foi puxada principalmente pelo preço dos alimentos, que subiram 0,77%, ante 0,46% no mês anterior, afetados pela seca. O maior impacto individual veio da carne, com alta de 3,46% e impacto de 0,09 ponto percentual. Até novembro, a carne subiu 17,81%.

Gasolina e energia elétrica foram o segundo e o terceiro maior impacto, de 0,07 e 0,05 ponto percentual, respectivamente. A gasolina subiu 1,99%, ao lado de alta de 1,64% em combustíveis, que reflete o reajuste de 3% do preço nas refinarias em 7 de novembro. Já a energia elétrica avançou 1,67%, puxada pelo reajuste de 17,75% no Rio, também em 7 de novembro, e por alta de PIS/Pasep/Cofins em algumas regiões.

E esse aumento já foi sentido no bolso. Dono do salão de beleza StudioMix, Daniel Brandão viu a conta de luz saltar de R$ 836 em outubro para R$ 970 em novembro, sem alterar seu padrão de consumo.

Rio tem a maior alta de preços no ano: 6,13%
O Rio de Janeiro foi a região metropolitana com a maior inflação em 2014 e nos 12 meses encerrados em novembro: 6,13% e 7,37%, respectivamente. As principais pressões para o Rio ter a inflação mais alta no ano vieram dos serviços: refeição (8,97%), aluguel residencial (10,93%) e empregado doméstico (11,74%).

Brasília teve a menor taxa de inflação no ano (4,93%) e no acumulado nos 12 meses encerrados em novembro (6%). Lá, a inflação de alimentos subiu 5,26% em 2014, abaixo da média nacional de 6,88%.

Goiânia foi a segunda região com maior alta de preços em 2014 (6,02%), seguida de Porto Alegre (5,92%) e Recife (5,87%). (Lucianne Carneiro)

Lagarde recomenda ajuste fiscal e elogia declarações de Levy

• "Reformas estruturais e mais investimento em infraestrutura ajudariam de fato a levantar o crescimento"

• "Nós não estamos excessivamente preocupados com a situação da conta corrente do Brasil"

Sergio Lamucci – Valor Econômico

WASHINGTON - A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, recomenda mais disciplina fiscal ao Brasil para o país reduzir o seu nível de endividamento, num quadro em que as taxas de juros são bastante elevadas. "Juros acima de 10% sobre uma relação dívida/PIB de cerca de 65% resultam em vários pontos percentuais do PIB pagos aos credores", nota Lagarde.

Nesse cenário, ela se diz "encorajada" pelos comentários feitos na semana passada por Joaquim Levy, o futuro ministro da Fazenda, "em que ele ressaltou o compromisso do governo com a sustentabilidade fiscal e com políticas macroeconômicas equilibradas".

Para ela, "essas medidas, combinadas com um foco continuado em manter os índices de inflação sob controle, serão fundamentais para fortalecer a confiança, impulsionar o crescimento e permitir assim que o avanço na inclusão social prossiga no país".

Nas estimativas do Fundo, a dívida bruta brasileira deve ficar neste ano em 65,8% do PIB. Pelo critério usado no Brasil, que exclui os títulos do Tesouro na carteira do Banco Central (BC), ela atingiu 62% do PIB em outubro.

Lagarde falou na semana passada ao Valor e ao jornal chileno "La Tercera". Hoje e amanhã, o FMI e o Ministério da Fazenda do Chile promovem, em Santiago, a conferência "Desafios para assegurar o crescimento e uma prosperidade compartilhada na América Latina". O Valor é parceiro de mídia do evento.

Ao tratar da combinação de baixo crescimento e inflação alta experimentada pelo Brasil nos últimos anos ela diz acreditar que o problema se dá principalmente pelo lado da oferta. Para enfrentar esse quadro e melhorar as perspectivas para a economia, Lagarde sugere projetos de infraestrutura e reformas estruturais que melhorem a educação, a saúde, o ambiente de negócios e facilitem o investimento.

O déficit em conta corrente do Brasil, por sua vez, não é um motivo de preocupação excessiva para Lagarde, ainda que tenha atingido 3,7% do PIB nos 12 meses até outubro. O nível elevado de reservas internacionais e o volume expressivo de investimentos estrangeiros diretos são pontos positivos, segundo ela.

Lagarde também tratou do momento de transição da América Latina, que não conta mais com os preços exuberantes de commodities. Melhorar a infraestrutura e a produtividade dessas economias, investindo em capital humano, são pontos importantes para os países da região lidarem com esse cenário de produtos básicos mais baratos.

Emergentes como o Brasil também terão pela frente a normalização da política monetária americana. Segundo ela, a alta dos juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) deverá elevar as taxas de longo prazo nos EUA, o que pode provocar um movimento de retorno dos capitais para a economia americana. Para esse tipo de instabilidade, "os mercados emergentes podem se preparar trabalhando nos seus fundamentos, garantindo que têm amortecedores, assegurando que têm tanto uma política monetária quanto reservas disponíveis para resistir a episódios excessivos de volatilidade", diz Lagarde.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: O FMI vai realizar a conferência sobre a América Latina em Santiago e no ano que vem o encontro anual com o Banco Mundial será em Lima, no Peru. Isso indica maior proximidade do Fundo com a região? Há uma abordagem diferente, de se aproximar dos países latino-americanos numa situação melhor, em vez de fazer isso num momento de crise?

Christine Lagarde: O FMI deve ter uma abordagem ampla e completa em relação a todos aos seus 188 países membros. Isso significa que nós temos que ser capazes de ser o Fundo Monetário de todas as situações seja na crise, na estabilidade ou na prosperidade. Independentemente se oferecemos supervisão ou aconselhamento de políticas, assistência técnica ou apoio financeiro em caso de dificuldade, nós temos que estar sempre disponíveis. Em relação a conferência em Santiago, nós realizamos um evento de alto nível em Aman, na Jordânia, no ano passado para toda a região do Oriente Médio. E fizemos o mesmo na África neste ano, com uma grande conferência regional em Moçambique. E agora iremos para a América Latina, em Santiago. O objetivo é alavancar o conhecimento e a qualificação intelectual de todos os participantes do encontro, incluindo o FMI, mas também de ministros das Finanças, presidentes de bancos centrais e membros da comunidade acadêmica, para focar nas transições pelas quais todas as regiões, inclusive a América Latina, passam no momento.

Valor: Que transições?

Lagarde: No caso latino-americano, houve uma década de preços de commodities elevados, de crescimento confortável, para um estágio em que os preços desses produtos estão em queda, com a atividade desacelerando. Isso implica uma transição, e uma diversificação será necessária para muitas economias da América Latina. Essa é a abordagem que adotamos, um foco regional quando há um nexo regional. Muitos países latino-americanos exportadores de commodities enfrentam a mesma dificuldade.

Valor: Neste ano, a desigualdade ganhou espaço na agenda. Na América Latina, porém, a classe média cresceu a um ritmo forte na última década. O que fez esse assunto ganhar visibilidade no debate global?

Lagarde: A publicação do livro de Thomas Piketty ("O Capital no século XXI") teve um grande papel. Nós, porém, já vínhamos trabalhando na questão da desigualdade por alguns anos, e publicamos estudos sobre o papel da desigualdade e do crescimento e sobre o impacto de políticas redistributivas na desigualdade, sem esperar que Piketty publicasse o seu livro. Um dos motivos pelos quais Piketty se tornou mais popular, no meu ponto de vista, é que ele reuniu uma grande quantidade de dados e colocou os holofotes nos EUA e em outras economias avançadas. Quando você volta o espelho para uma economia muito próspera, em que as desigualdades cresceram, isso provoca esse tipo de reação. É um bom debate para se ter, porque os resultados do nossos estudos são de que desigualdade excessiva não é boa para o crescimento econômico sustentável. Em relação à melhora do padrão de vida da população pobre e, consequentemente, o aumento da classe média, são bons acontecimentos se forem suficientemente inclusivos.

Valor: A zona do euro e o Japão continuam a crescer pouco e os EUA são a única das grandes economias avançadas a crescer mais rápido. A recuperação global vai continuar fraca e desigual por um longo período, e quais as consequências desse cenário para os emergentes?

Lagarde: Não podemos esquecer que a economia global está crescendo. A tendência é focar em quão frágil e desigual é o crescimento, e em como isso ameaça a recuperação. Mas ela está crescendo. A nossa projeção é que a economia global crescerá um pouco mais de 3% neste ano e 3,8% no ano que vem. Não é como se ela estivesse parada. Os riscos que eu mencionei no encontro anual [do FMI e do Banco Mundial, realizado em outubro, em Washington] são a combinação de um crescente risco geopolítico, da mudança dessincronizada da política monetária nos países desenvolvidos e o impacto que essa mudança pode ter sobre os países receptores de fluxos de capitais. Além disso, existe esse fator que eu chamei de "novo medíocre" para descrever uma combinação em muitos países de baixa inflação, baixo crescimento e alto desemprego. Na América Latina, a situação é um pouco diferente, porque você tende a ter inflação mais alta do que na Europa e no Japão, o que pede uma política monetária diferente. Há também um menor crescimento, mas ainda há crescimento. Em alguns países, não em todos, a taxa de desemprego caiu. O quadro varia a depender dos países, mas eu identifiquei esse "novo medíocre" como uma das ameaças se as autoridades não tomarem as decisões corretas. Eu não acho que seja um destino inevitável para a economia global caminhar nessa direção. Se as autoridades tomarem as decisões corretas, com o objetivo de estimular o crescimento amigável a empregos, isso pode ser evitado.

Valor: E o cenário para os mercados emergentes?

Lagarde: Nós estamos numa grande fase de transição. A China, por exemplo, está saindo de um crescimento liderado pelas exportações para olhar mais dentro do país. Depois de muito investimento, caminha na direção de mais consumo. Em consequência, o nível do crescimento ao longo do tempo caiu de 10%, há cerca de seis ou sete anos, para ao redor de 7% atualmente, e talvez menos do que isso no futuro. Na América Latina, muitos países dependeram pesadamente - e este é o caso do Chile - de uma indústria extrativa, com muitos investimentos indo para a mineração e todo o crescimento que era gerado pelo setor. Bem, isso claramente vai desacelerar, porque haverá menos demanda e a economia chilena vai mudar ao longo do tempo. O Brasil também passa por um fenômeno parecido, com uma economia muito mais ampla, com quase 200 milhões de pessoas e políticas sociais maciças, que tiraram muitas pessoas da pobreza em que estavam há dez anos.

Valor: A normalização da política monetária nos Estados Unidos vai aumentar a volatilidade nos mercados financeiros globais? Como os países emergentes devem se preparar para esse cenário de juros mais altos nos EUA?

Lagarde: Nós tivemos um período de volatilidade inacreditavelmente baixa, e é provável que haja uma transição para um nível mais normal de volatilidade. Com o fim das compras de ativos pelo Federal Reserve, a política monetária americana vai usar, digamos entre o curto e o médio prazo, instrumentos mais tradicionais - as taxas de juros. Isso deverá ter um efeito nos juros mais longos nos EUA, que presumivelmente vão subir, devendo induzir a um movimento de capitais de onde eles são atualmente remunerados de volta para os EUA. Para esse tipo de volatilidade previsível, os mercados emergentes podem se preparar trabalhando nos seus fundamentos, garantindo que têm amortecedores, assegurando que têm tanto uma política monetária quanto reservas disponíveis para resistir a episódios excessivos de volatilidade. Uma coisa, de um certo modo, é que em maio de 2013 e um pouco em outubro deste ano nós tivemos pequenos sinais, como se fossem pequenos ensaios, de que poderia haver um pânico. Então nós vimos os países que reagiram prontamente e estavam fortes praticamente não sofreram nenhum efeito. Estou pensando na Coreia do Sul, por exemplo. Mas se você olhar para a Indonésia e a Índia a situação foi diferente, porque as políticas macroeconômicas não estavam tão sólidas e confiáveis como a de um país como a Coreia.

Valor: O superciclo de commodities acabou. Em que medida os preços mais baixos desses produtos explicam o crescimento mais baixo na América Latina e o que os países da região devem fazer para lidar com essa nova situação?

Lagarde: Para aqueles países que dependem pesadamente da extração, comércio e exportações de commodities, a demanda está provavelmente mais fraca e os preços estão certamente menores. Claramente, isso tem um impacto sobre esse crescimento mais lento. A grande pergunta é o que fazer agora, como melhorar a qualificação da população, tornar o ambiente de negócios mais amigável, encontrar novas fontes de crescimento, como desenvolver o setor de serviços, por exemplo. Essas serão as próximas questões. Já o Brasil é um mercado muito grande e profundo, com muitas oportunidades. Mas, na minha avaliação, um dos princípios comuns que vamos debater em Santiago é - existe a infraestrutura necessária, por exemplo? Nós temos o nível adequado de infraestrutura em termos de energia, transporte e portos? Segundo, como nós podemos melhorar a produtividade dessas economias, e como reforçar o capital humano por meio de um melhor sistema de educação, como o Chile está planejando.

Valor: O Brasil tem experimentado uma combinação de baixo crescimento e alta inflação nos últimos anos. O que explica essa tendência e como o Brasil pode enfrentá-la?

Lagarde: No Brasil, o que parece intrigante é que, por todas as medidas e pelos sinais que observamos, parece existir pouca ociosidade na economia. Quando nós olhamos para a taxa de desemprego, ela está em queda. É um pouco como um quebra-cabeça, na verdade, mas nós acreditamos que é mais um problema do lado da oferta. Reformas estruturais voltadas para o mercado brasileiro e mais investimento em infraestrutura ajudariam de fato a levantar o crescimento. Ter uma combinação de baixo desemprego e inflação alta não é incomum segundo os princípios econômicos, mas na nossa visão isso pode ser enfrentado por esses dois canais - reformas estruturais e projetos de infraestrutura.

Valor: Quais as principais reformas estruturais?

Lagarde: Reformas na educação, na saúde, na infraestrutura, em relação ao ambiente de negócios, para ajudar a facilitar a abertura de negócios. E também há a questão dos projetos de investimento em que as pessoas querem investir, mas há a necessidade de várias autorizações.

Valor: Apesar do baixo crescimento, o déficit em conta corrente brasileiro está na casa de 3,7% do PIB em 12 meses. Em que medida isso é motivo para preocupação?

Lagarde: Não, nós não estamos excessivamente preocupados com a situação da conta corrente do Brasil. Primeiro, porque o Brasil tem reservas significativas e foi muito cauteloso em acumulá-las porque a nossa avaliação é que a moeda está moderadamente sobrevalorizada, ou seja, provavelmente está mais apreciada do que depreciada em comparação com outras. Há muito investimento estrangeiro direto. Nós não estamos excessivamente preocupados com o balanço em conta corrente.

Valor: O déficit fiscal brasileiro está em 5% do PIB no acumulado em 12 meses e houve um aumento da dívida bruta como proporção do PIB, devido a um superávit primário menor e o crescimento baixo. Como a sra. analisa as contas fiscais brasileiras e o que o Brasil deve fazer nesse front?

Lagarde: Há um número que você não mencionou, que são os juros pagos pelo Brasil que incidem sobre a dívida, acima de 10%. Juros acima de 10% sobre uma relação dívida/PIB de cerca de 65% resultam em vários pontos percentuais do PIB pagos aos credores do Brasil. A nossa recomendação seria, por meio de política macroeconômica, tentar reduzir o nível de endividamento, para diminuir o impacto do serviço da dívida sobre o orçamento geral do Brasil e restaurar a situação. Essa seria uma recomendação forte.

Valor: Por meio de mais disciplina fiscal?

Lagarde: Sim. Nesse contexto, eu fiquei encorajada pelos comentários feitos pelo ministro indicado para a Fazenda, Joaquim Levy, em que ele ressaltou o compromisso do governo com a sustentabilidade fiscal e com políticas macroeconômicas equilibradas. Como as novas autoridades afirmaram, essas medidas, combinadas com um foco continuado em manter os índices de inflação sob controle, serão fundamentais para fortalecer a confiança, impulsionar o crescimento e permitir assim que o avanço na inclusão social prossiga no país.

Alberto Aggio* Para além do populismo

• Hoje nele predominam o autoritarismo, o antipluralismo político, a intolerância

- O Estado de S. Paulo

"Há um fantasma que assombra a América Latina: esse fantasma é o populismo." Com essa imagem Ernesto Laclau dá tintas dramáticas a seu A Razão Populista, ao sintetizar suas reflexões a respeito do que caracteriza os governos chamados de populistas na América Latina do nosso tempo. A menção ao "fantasma do populismo" reporta-se a uma temerária e anômala presença que, há algumas décadas, se imaginava definitivamente afastada do continente.

Desde o pós-guerra, no século passado, uma marca pejorativa acompanha o populismo. Ele seria o "outro" repugnante, uma manifestação aberrante e anormal, uma síndrome, um espectro ou mesmo uma recorrente "tentação" que acompanha os atores políticos latino-americanos como via para alcançar e manter-se no poder. A paráfrase de Marx é imediatamente reconhecível e se pode deduzir que Laclau pensa em reservar ao "populismo atual" um lugar idêntico ou semelhante ao que Marx imaginava para o comunismo na Europa dos idos de 1848.

Diferentemente das expectativas de Laclau, o populismo do século 21, pelo menos até o momento, não parece provocar as grandes esperanças que o comunismo haveria de provocar no seu tempo, muito depois da célebre frase de Marx. Nos países onde opera, ao contrário, exibe alguns módicos avanços sociais, baseados principalmente na ampliação do consumo, apresenta extremas dificuldades econômicas, com a exceção parcial da Bolívia de Evo Morales, e em quase todos expressa inclinações antidemocráticas preocupantes.

Para além dessas questões, as diferenciações entre esses governos levam a uma pergunta inevitável: ainda é possível ou produtivo mobilizar o conceito de populismo para pensar a América Latina de hoje? A pergunta tem sentido porque o populismo é reconhecidamente um conceito problemático, por suas ambiguidade, imprecisão, vagueza, generalização, elasticidade, subjetividade, etc.

O populismo emergiu num cenário de crise do liberalismo e de ascensão de massas, na América Latina e no mundo. Buscava a construção de uma sociedade industrial e moderna, politicamente orientada pelo Estado, incorporando as massas à cidadania pela via dos direitos sociais. Realizou uma "fuga para a frente", cujo objetivo era realizar transformações sem rupturas violentas, evitando o que havia ocorrido nos processos capitalistas e socialistas de industrialização retardatária.

O populismo interditou a via de passagem "clássica" para a modernidade, caracterizada pela integração autônoma das classes populares às estruturas políticas da democracia liberal. Ao invés disso, conectou desenvolvimento econômico e espaços institucionalizados de integração político-social de massas, reservando ao Estado um papel central. Essa "história sem síntese" foi vista como a principal razão de a sociedade latino-americana expressar claros limites para vivenciar a modernidade. Mais do que um conceito, o populismo passou a ser, portanto, uma teoria explicativa a respeito dos descaminhos da modernidade latino-americana.

A trajetória do populismo no século 20 foi, em certo sentido, democratizadora, ainda que, em geral, avessa ao constitucionalismo e ao liberalismo. Foi marcada pela incompletude de um Estado de bem-estar social limitado, de um programa nacionalista que estatizava apenas alguns setores da economia, de uma legislação trabalhista e corporativista que organizava as classes populares e, ao mesmo tempo, lhes retirava a autonomia. Entretanto, o grau de coesão foi tão marcante que tais características foram, em geral, mantidas por aqueles que romperam com o populismo e assumiram o poder em aliança com os militares.

A luta política contra os regimes autoritários deslocou o populismo do centro da política latino-americana, recusou a centralidade do Estado e promoveu a autonomia da sociedade civil em sua dinâmica de expansão da cidadania. No plano mundial, as mudanças alteraram as relações entre política e mercados, afetando todos os governos. Tudo isso parecia enterrar definitivamente o populismo como um constructo ideológico passível de ser mobilizável apenas na "era dos Estados nacionais", mas anacrônico no contexto de globalização.

Contudo a mesma conjuntura que viu o avanço das amplas liberdades, do pluralismo e da alternância de poder nas democracias latino-americanas recém-saídas do autoritarismo também produziu uma espécie de "revanche do populismo", que hoje se expressa na moldura do bolivarianismo. Nela se supõe a emergência de uma forma de política na qual a relação entre governantes e governados abriria passagem para a construção de uma democracia direta e participativa, superior à democracia representativa, entendida como obsoleta e ineficiente. O populismo do século 21 busca uma identidade integral entre a instituição do "povo-sujeito" e a política, anulando a ideia de representação, bem como a noção de "governo do povo", entendida como uma contradição em termos.

Para Laclau, a razão populista e a razão política são idênticas, o que desloca para o plano secundário a deliberação racional vigente nas democracias ocidentais. Essa radicalização contraposta à modernidade, avessa ao indivíduo e sua expressão autônoma, que dá sustentação ao populismo do século 21, é sintetizada por Félix Patzi, ex-ministro da Educação da Bolívia, como "uma espécie de autoritarismo baseado no consenso".

O populismo dos dias que correm é visivelmente uma força regressiva no político. Nele predominam o autoritarismo, a intolerância e o antipluralismo. Onde é possível, afronta os direitos humanos, suprime as liberdades, reprime opositores, persegue juízes e jornalistas. Onde a ordem constitucional democrática é mais legitimada, a resistência é maior a esse tipo de movimento, que, em termos mais apropriados, nem deveria ser qualificado de populismo.

*Historiador, é professor titular da Unesp

Merval Pereira - Corrupção institucionalizada

- O Globo

O que todos supúnhamos está ganhando contornos de verdade: o esquema de corrupção nas licitações de obras públicas está espalhado por vários setores no país, e não se restringe apenas à Petrobras.

Com conhecimento de causa, essa certeza já havia sido dada pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, que iniciou o processo de delação premiada nas investigações do escândalo que ficou conhecido como petrolão.

Em recente sessão da CPI mista do Congresso, Costa afirmou que o mesmo esquema de corrupção que existe na estatal se repete em todos os outros contratos públicos do país, incluindo ferrovias, portos, aeroportos e demais obras.

O próprio juiz Sérgio Moro, do Paraná, responsável pelas investigações da Operação Lava-Jato, disse ontem que as evidências já recolhidas indicam que o esquema de fraude em licitação "vai muito além" da Petrobras. Ele classificou de "perturbadora" uma tabela apreendida em março com o doleiro Alberto Youssef, que continha uma lista de cerca de 750 obras públicas de infraestrutura.

Ali, constavam "a entidade pública contratante, a proposta, o valor e o cliente do referido operador, sendo este sempre uma empreiteira", mostrando pelo menos o interesse do doleiro em prospectar novos negócios ilegais no mesmo setor em que já operava.

O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa confirmou para a CPI outro ponto que já se sabia pelas evidências: para ser indicado para diretoria de estatal, "em todos os governos, desde Sarney, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma", é preciso ter apoio político.

O interesse de políticos por indicações para "a diretoria que fura poço" ou para chefe da Receita Federal no aeroporto de Cumbica ou no Porto de Santos ou para diretor da Transpetro sempre existiu, e a ilação mais generalizada na opinião pública é que ninguém se interessa por um cargo desses à toa, para fazer que o Porto de Santos ou a alfândega funcionem melhor.

E dá também para imaginar que os governantes aceitavam que políticos importantes exercessem influência em áreas estratégicas, como diretorias de estatais, fazendo vista grossa para suas reais intenções. Eram esquemas políticos de corrupção pontuais, mesmo tradicionais e que prejudicavam o andamento dos serviços públicos, subvertendo os valores que deveriam orientá-los.

O desvio de licitações e a formação de cartéis sempre foram denunciados e vemos agora em São Paulo, graças a investigações de autoridades suíças, o desmembramento de um cartel que funcionava até recentemente nos governos do PSDB, desde Mario Covas.

Vários executivos de empresas estatais responsáveis pelos transportes públicos, sejam trens ou metrô, foram indiciados, inclusive os atuais presidente e o diretor de operações da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), Mário Bandeira e José Luiz Lavorente. Apesar de o esquema estar em vigor há muitos anos, não há até o momento nenhuma acusação de que o PSDB montou-o para financiar suas atividades políticas.

O assunto está sendo tratado como um esquema de corrupção tradicional, digamos assim, e o que se deve estranhar é que tenha funcionado durante tanto tempo sem que três governos tucanos notassem.

Ao contrário, no petrolão (e já houve a comprovação disso no mensalão) há indicações de que esses esquemas passaram a ser institucionalizados, e o que era área de influência deste ou daquele político ou grupo político passou a obedecer a um esquema mais organizado de financiamento dos partidos políticos.

O Ministério Público Federal já baseava sua investigação na chance de que parte do dinheiro cobrado por diretores da Petrobras para firmar contratos com empreiteiras investigadas pela Lava-Jato pudesse ter sido repassado a partidos políticos para financiar campanhas.

No documento que baseou as primeiras prisões de empreiteiros, o MPF afirmava que as investigações da PF apontam que as doações para campanhas são "mera estratégia de lavagem de capitais" e que o pagamento de propina teria sido utilizado pelas empreiteiras para "obtenção de vantagem indevida".

Esse esquema foi parcialmente confirmado pela delação premiada do executivo Mendonça Neto, da Toyo Setal, que revelou que verba desviada de uma obra da Petrobras fora transformada em doação legal para o PT, por orientação do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, indicado pelo ex-ministro José Dirceu.

A corrupção institucionalizada é um degrau acima na escala da degradação do Estado brasileiro.

Renato Andrade - Falso brilhante

- Folha de S. Paulo

Elis Regina sempre encheu os cômodos da nossa casa. Foi a voz feminina da minha infância.

Mesmo vivendo sob um teto tipicamente de classe média baixa, onde debates sobre as desventuras políticas do país inexistiam, o canto que embalou boa parte da esquerda brasileira na década de 1970 era reverenciado pela dupla que bancava as coisas para a meninada lá em casa.

"Falso Brilhante" foi o disco que mais ouvi na vida. A matriarca sardenta das Minas Gerais se orgulha até hoje de ter assistido --na segunda fila do teatro-- uma das apresentações da famosa turnê de 1976.

No último domingo, resolvi revisitar a obra. Dessa vez, ouvi longe das montanhas que "preenchiam" a janela do meu quarto. O que dá para ver da minha varanda agora, entre os prédios da quadra, é um pedaço da Esplanada dos Ministérios.

É estranho, considerando o cenário político atual, ouvir alguns dos hinos que foram entoados por gente que clamava por democracia e ver o que aconteceu com alguns dos ícones daquela geração. Foi inevitável a sensação de que algo saiu fora do script. "O que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer."

A democracia ainda engatinha por aqui. Mas essa moça já conseguiu produzir cenas marcantes. Fernando Henrique Cardoso, o professor, estava visivelmente satisfeito de passar a faixa presidencial para Luiz Inácio Lula da Silva, o operário, naquela tarde chuvosa de janeiro de 2003.

Foi com Lula que alguns fãs do brilhante chegaram ao poder. Mas eis que o mensalão (todos eles) veio para mostrar que nem tudo era festa.

Para deixar as coisas mais turvas, estamos agora no meio de uma investigação que pode colocar o esquema Marcos Valério no chinelo.

Mais uma vez, o protagonismo, até onde sabemos, é de parte da turma que constatou, há quase 40 anos, que "apesar de tudo o que fizemos, nós ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais".

João Bosco Rabello - Oportunidades da crise

- O Estado de S. Paulo

O governo logrou a aprovação da anistia da meta fiscal, a duras penas, mas a oposição também conseguiu alcançar seu objetivo de impor imenso desgaste político à presidente Dilma Rousseff, ajudada pelo PMDB que deu a maioria que lhe faltava enquanto executava sua estratégia de pressionar o Planalto.

O assunto ganhou visibilidade nacional , assim como a leitura de calote que a oposição conseguiu agregar ao projeto. Na volta mesmo do Congresso Nacional, na madrugada de hoje, era possível a muitos atores secundários da votação constatar que não há motorista de táxi que tivesse interpretação diferente que a disseminada pela oposição para o episódio.

Os telejornais cuidaram de explicar didaticamente o tema, de alguma complexidade econômica e pontuado por terminologias distantes do cotidiano da maioria das pessoas, traduzindo-o em uma conta de assimilação ginasiana.

Ao governo não restava alternativa senão cruzar o rubicão, que implicou o reconhecimento da impossibilidade de cumprir metas que ele próprio estipulara, passando um atestado público de má gestão – de resto, amplamente consolidada na opinião pública, diante das contradições entre o dioscurso de campanha e o dia seguinte à reeleição de Dilma Rousseff.

Não há dúvida para ninguém que o país está com a economia estagnada, as contas públicas destroçadas, investimentos paralisados, crescimento quase zero e que esse conjunto desanimador não pode ser atribuído a uma crise externa.

Ajuda essa última percepção o avassalador avanço das investigações que desnudam um esquema de corrupção de volume ímpar no país, em que um gerente de terceiro escalão da Petrobras se compromete a devolver 100 milhões de dólares.

O cidadão começa a fazer contas e a estabelecer a linha lógica de raciocínio entre corrupção de Estado e ineficiência de gestão, equação que explica a deterioração dos serviços públicos em contrapartida a uma carga tributária altíssima e corrosiva.

Mesmo assim, o PT ainda sonha em voltar a viver perigosamente, estimulando a ideia de que o novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tem prazo de vida no governo, no qual ficaria tempo suficiente para consertar os erros, assumindo o ônus das medidas recessivas.

Pode-se deduzir por pensamentos manifestados por alguns integrantes do partido que a guinada ortodoxa de Dilma tem prazo de validade, estimado em dois anos , ou pouco mais, tempo que se calcula para repor a economia nos trilhos.

Cumprida essa etapa, voltaria o discurso e a prática anteriores para viabilizar a candidatura do ex-presidente Lula em 2018, que se vitoriosa completaria o ciclo de 20 anos de poder petista. É uma nova ilusão, mas com riscos concretos de se levar o país à bancarrota.

A presidente Dilma ainda não deu os sinais necessários para tirar a nomeação de Joaquim Levy do plano da dúvida quanto à sua continuidade como modelo permanente para a economia. A dúvida do mercado em relação ao assunto é alimentada pelas versões como a do líder do PT, Humberto Costa (PE), que dão à nomeação de Levy caráter transitório (“é apenas uma etapa”).

A rigor, a presidente perde a oportunidade de enfrentar o fisiologismo de sua amplíssima base de sustentação no Congresso, ao manter o número de 39 ministérios como base mpara as negociações políticas em troca do apoio parlamentar.

O governo estimula a argumentação de que o número de Pastas, considerando as várias secretarias que têm status de ministério, mas estruturas simples, não é fator essencial no contexto do gasto público, o que orçamentariamente pode até fazer algum sentido.

Mas o nefasto é o que sinaliza e propicia estrutura tão grande. Sinaliza para um modelo de fartura, em época de incontornável austeridade, e propicia gastos fora do interesse público, para abrigar conveniências de uma constelação partidária que vai a 30 legendas, da qual se extraem apenas seis ou sete com legitimidade de representação, configurando uma maioria que se dedica tão somente à extorsão política.

Terá uma nova oportunidade a presidente da República de promover mudança também nesses critérios, quando desabar sobre o Congresso Nacional o telhado de concreto construído pela aliança mafiosa entre construtoras e os partidos da base de sustentação de seu governo.

Se tomados por verdadeiros os frequentes sinais da presidente de que o sistema a torna refém – e a qualquer outro – da chantagem política de um universo de 30 partidos – que, teoricamente, impõe a submissão à vontade dos três maiores para fazer valer a força do governo -, a reforma política é a saída, ainda que nem precise se dar em toda a extensão ideal.

Pois o quadro que advirá das investigações da Petrobrás oferece a oportunidade histórica de somar esses cenários fragmentados em um movimento que possa alterar o contexto nocivo atual. Desde que a presidente se disponha a liderar a reforma em bases plurais ao invés de fazer coro a mudanças sectárias que interessam apenas ao PT.

Marco Aurélio Nogueira - Montagem de governo pode alimentar ainda mais a corrupção

- O Estado de S. Paulo

Em vez de ficarem brigando para ver quem é mais ou menos corrupto, qual turma rouba mais ou menos ou é mais ou menos refratária aos esquemas corruptores, ou ainda para estabelecer se a culpa pela roubalheira se deve ao caráter dúbio dos humanos, à força do vil metal ou aos efeitos colaterais do sistema eleitoral, nossos políticos deveriam dizer ao povo o que farão para que o sistema deixe de se reproduzir. Mais: deveriam tomar medidas para desde logo bloqueá-lo.

Ou será preciso que o juiz Sérgio Moro continue a lançar advertências como a de ontem? “É perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobrás”. Para o magistrado, “os crimes, quer praticados através de cartel de empresas, quer produto de iniciativa individual de cada empresa, revelam quadro extremamente grave em concreto”.

Há um clima de “decomposição política e moral” no ar. Os mecanismos que alimentam o sistema estão em plena efervescência neste momento em que se está a montar um novo governo: loteamento de cargos, indicações partidárias desprovidas de qualidade técnica ou política, esforços governamentais para acomodar e absorver sob suas asas os dirigentes dos partidos aliados, ou seus delegados e representantes, favores pessoais aos montes, promessas de faturamento futuro – tudo faz com que o sistema regurgite de satisfação e ninguém acredite em fim da corrupção.

Duas razões se destacam na explicação do fato, e no exame de ambas podemos nos lembrar de Gramsci.

Uma é que tudo isso acontece porque há uma forte crise do princípio de autoridade no País, coisa que tem a ver com a dificuldade crescente para que se exercite a hegemonia, a produção de consensos, consentimentos e diretrizes intelectuais. Na falta de estatura, de reverência aos cargos e de argumentos lógicos, compram-se apoios. A porteira se abre.

Outra é a fraqueza dos partidos, especialmente daqueles que controlam e sustentam o governo. Em partidos fracos, sempre haverá um pequeno grupo interno que tomará as rédeas para dizer: “sigam-me que eu tenho a força”, arvorando-se assim em protagonista autorizado a fazer o diabo para compensar a fragilidade do organismo.

Não se trata, pois, somente de dissolução moral, mas de prática política estratégica, de um modo de fazer política. Que quanto antes for superado, menos estragos provocará.

Marco Aurélio Nogueira, professor titular de Teoria Política da Unesp