quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

Não foi a verdade, a sinceridade que venceu essas eleições. Hoje, a presidente da República coloca de cócoras esse Congresso, ao estabelecer que cada parlamentar tem um preço. Cada um vale R$ 748 mil! Isso é uma violência jamais vista nesta Casa! Estarei vigilante. É triste hoje! Hoje, a presidente da República coloca de joelhos sua base no Congresso.

É a institucionalização do toma lá dá cá. Infelizmente é isso: o governo institucionalizou a chantagem. E o que é mais vergonhoso: boa parte da base de sustentação parece que aceita esse tipo de relação com o governo.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB, no discurso no Senado ontem em Brasília. O Globo, 4 de dezembro de 2014.

Esquema na Petrobrás incluía doação oficial de campanha, diz delator

• Em depoimento à PF, executivo da Toyo Setal afirma que pagamento de propina não era única forma adotada por empreiteiras para conseguir contratos da estatal

Fábio Fabrini e Talita Fernandes - O Estado de S. Paulo

Brasília - O executivo da Toyo Setal Augusto Mendonça, um dos delatores da Operação Lava Jato, disse em depoimento à Polícia Federal que o esquema envolvendo contratos da Petrobrás incluía doações oficiais a campanhas eleitorais, além do pagamento de propina. Mendonça, que depôs na PF em 29 de outubro depois de fechar um acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF), disse ainda que o pagamento de propina cobrado pelo ex-diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque era feito de outras duas formas. Além das doações oficiais ao PT, Duque recebeu por meio de remessas ao exterior e em parcelas em dinheiro vivo.

Mendonça disse ainda que Duque tem uma conta "Marinelo", para qual os recursos eram enviados. Uma das propinas supostamente pagas pelo executivo, no valor de US$ 1 milhão, chegou ao ex-diretor por meio de uma transferência com origem no Banco Safra no Panamá, em nome da companhia Stowaway, para a conta Marinelo. Durante o depoimento, Mendonça se comprometeu a apresentar o comprovante da transferência. O PT e Duque, contudo, negam que tenham recebido propina de empreiteiras. O ex-diretor, que nessa terça teve atendido o pedido de soltura, deixou a sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR) na manhã desta quarta-feira, 3.

O delator revelou ainda que o esquema firmado pelo "clube", grupo das empreiteiras que organizaram o pagamento de propina, vinha acontecendo desde 2004. "Houve uma combinação entre Duque e as empresas do "clube", coordenado por Ricardo Pessoa (executivo da UTC), de que se estabelecesse uma lista de convidados em licitações da Petrobrás em troca de pagamento de uma comissão, durante o ano de 2004. A partir de então, todas as empresas passaram a negociar e a pagar suas comissões", disse Mendonça à PF.

Já outro executivo da Toyo Setal que participa do acordo de delação nega ter feito pagamento de propina por meio de doações oficiais. Julio Gerin de Almeida Camargo, também da Toyo Setal, diz ter feito doações oficiais de R$ 4,25 milhões por "conveniência". Em depoimento prestado à Polícia Federal no dia 31 de outubro, Camargo negou que as doações feitas a doze siglas tenham sido motivadas pelo pagamento de propina. Segundo ele, todos os repasses foram feitos oficialmente e "dentro dos limites previstos por lei".

Indagado sobre o motivo pelo qual fez doações nos anos de 2008, 2010 e 2012, ele afirma que algumas foram solicitadas por alguns candidatos e outras pelos próprios partidos. Ele disse ainda que "entendeu ser conveniente contribuir", sem detalhar o por quê. Camargo acrescentou que alguns casos foram motivados por "amizade", caso dos senadores Delcídio Amaral (PT) e Romeu Tuma (PTB), que receberam R$ 450 mil e R$ 100 mil, respectivamente, na campanha de 2010.

Camargo disse ainda que o Partido dos Trabalhadores (PT) foi um dos que mais recebeu doações, R$ 2,65 milhões dos R$ 4,25 milhões doados entre 2008 e 2012. Além do PT, comitês financeiros e políticos do PTB, PRTB, PSDB, PR, PV, PSDB, PMDB, PPS, PSL, PTN e PP receberam doações. O executivo disse ainda não houve doações motivadas por contratos firmados no âmbito da Petrobrás, nem de empresas ou consórcios de empresas dos quais ele participou e recebeu comissões.

Lava Jato. O depoimento foi feito após Camargo ter fechado em outubro um acordo de delação com o Ministério Público Federal no âmbito das investigações da Operação Lava Jato. A própria Toyo Setal também firmou acordo de leniência com o MPF para contribuir com as investigações a fim de desmontar um esquema de corrupção envolvendo a Petrobrás.

Executivo diz que doação ao PT era pagamento de propina

• Segundo empresário, R$ 4 milhões foram pagos à sigla a pedido de ex-diretor

• Toyo Setal admite ter distribuído R$ 152 milhões a envolvidos no esquema; PT diz que doações eram legais

Estelita Hass Carazzai, Fabiano Maisonnave, Mario Cesar Carvalho e Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA / CURITIBA / SÃO PAULO - O empresário Augusto Ribeiro de Mendonça Neto disse a procuradores e policiais da Operação Lava Jato que foi orientado a usar três caminhos para pagar propina em troca de contratos na Petrobras. Um deles era via "doações oficiais ao Partido dos Trabalhadores".

Ele e outro executivo do grupo Toyo Setal, Julio Camargo, disseram ter pago pelo menos R$ 153 milhões de suborno em contratos da Petrobras. Cerca de R$ 4 milhões foram doações eleitorais ao PT, pagas por orientação de Renato Duque, ex-diretor de Serviços da estatal, segundo Mendonça Neto.

Os dois fizeram as acusações após assinarem um acordo de delação premiada. Duque, que nega ter recebido propina, foi preso no dia 14 e libertado nesta quarta (3).

Os valores em "comissões" pagos a Duque eram calculados, segundo o executivo, à base de 1,3% do valor de cada contrato fechado com a Petrobras. Outro ex-diretor da estatal, Paulo Roberto Costa, teria recebido o equivalente a 0,6% do montante.

É a primeira vez que um investigado na Lava Jato associa o pagamento de suborno a doações legais a um partido.

O teor dos depoimentos foi liberado pelo juiz federal Sergio Moro após advogados de empreiteiras solicitarem acesso ao conteúdo. Outros depoimentos estão sob sigilo no STF (Supremo Tribunal Federal) e na Procuradoria.

Mendonça Neto detalhou que fez as doações ao PT por meio de três empresas sob seu controle: a Setec Tecnologia, a PEM Engenharia e a SOG Óleo e Gás.

A Folha identificou, nos registros da Justiça Eleitoral, que as três empresas doaram R$ 3,58 milhões ao diretório nacional do PT entre 2008 e 2011. Desse total, R$ 2,1 milhões foram doados às vésperas das eleições de 2010. Uma parcela de R$ 60 mil foi destinada ao PT nacional em julho, já durante a campanha.

Mendonça Neto disse que, antes de fazer as doações, se reuniu com o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari, para dizer "que gostaria de fazer contribuições". Ele afirmou não ter contado a Vaccari que Duque havia pedido as doações. Duque foi indicado ao cargo por José Dirceu, o que o ex-ministro nega.

O PT disse em nota que o depoimento confirma que a sigla só recebe doações legais.

Clube de empreiteiras
O papel de Duque no esquema, sempre conforme Mendonça Neto, era convidar para as disputas de contratos da Petrobras apenas empresas indicadas por um "clube" de empreiteiras formado no final dos anos 1990 e fortalecido a partir de 2004.

O objetivo do "clube" seria "unificar as informações e preparar uma tabela cronológica, com valores, para que as empresas pudessem a partir daí escolher" os contratos em que tinham maior interesse.

Uma vez definida a lista de prioridades, ela era entregue "pessoalmente" a Duque, "mencionando quais as empresas que deveriam ser convidadas pela Petrobras para o certame específico", afirmou o delator.

Os outros dois caminhos da propina foram, segundo o empresário, dinheiro em espécie entregue em parcelas no Brasil a emissários da diretoria de Serviços e remessas para contas no exterior sob controle de Duque e de Pedro Barusco, ex-gerente de engenharia que também fez acordo de delação premiada e prometeu devolver US$ 97 milhões (R$ 248 milhões).

Mendonça Neto contou que o dinheiro da propina saía do caixa de suas empresas por meio de notas fiscais falsas, simulando o aluguel de máquinas de terraplenagem. Quem emitia as notas era Adir Assad, alvo de investigações por seus negócios com a empreiteira Delta.

O outro delator da Lava Jato, Julio Camargo, disse ter pago US$ 40 milhões (R$ 102 milhões) ao lobista Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, pela intermediação de vendas de sondas da Samsung à Petrobras.

O advogado de Baiano, Mario de Oliveira Filho, disse "que é mentira" que seu cliente tenha recebido US$ 40 milhões. "Julio terá de provar."

Camargo contou ter doado, por meio de suas empresas Treviso, Auguri e Piemonte, R$ 4,2 milhões nas eleições de 2008, 2010 e 2012, a políticos de 11 partidos. Segundo ele, as doações foram legais e espontâneas.

Propina virou doação oficial ao PT, diz delator

'Doação ao PT era propina'

• Executivo da Toyo Setal diz que doou R$ 4 milhões ao partido entre 2008 e 2011 após ganhar contrato

Cleide Carvalho e Renato Onofre – O Globo

SÃO PAULO - O PT recebeu parte da propina cobrada de fornecedores da Petrobras por Renato Duque, ex-diretor da área de Serviços, a empreiteiras na forma de doação oficial para o partido. Somente num único contrato, fechado pela estatal com o consórcio Interpar - formado pelas construtoras Mendes Junior, SOG Óleo e Gás e MPE Engenharia -, foram depositados cerca de R$ 4 milhões na conta do partido. A informação foi dada por Augusto Ribeiro Mendonça Neto, um dos dois executivos da Toyo Setal que negociaram acordo de delação premiada na Operação Lava-Jato. Segundo Mendonça Neto, os depósitos foram feitos entre 2008 e 2011 pelas empresas PEM Engenharia, SOG e Setec Tecnologia.

Na prestação de contas do PT à Justiça Eleitoral, entre 2008 e 2011, há doações feitas pelas empresas mencionadas por Mendonça Neto num total de R$ 3,6 milhões. A maior parte, cerca de R$ 2,6 milhões, entrou no caixa do partido via Setal Engenharia e SOG Óleo e Gás. A Setec Tecnologia doou R$ 500 mil em 2010, mesmo valor da contribuição da PEM, no mesmo ano.

Corrupção também na Infraero
Mendonça Neto também disse ter notícia de comissão cobrada na obra do aeroporto de Brasília, em 2002, licitada pela Infraero. Disse que a MPE foi subcontratada pela construtora Beter. Um sócio da Beter teria contado que teria de pagar comissão e que o pagamento foi negociado por Carlos Wilson Rocha de Queirós Campos, presidente da Infraero no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O dinheiro que chegou ao PT foi desviado de obras da Refinaria Presidente Getulio Vargas (Repar), no Paraná, cujo contrato de R$ 2,4 bilhões foi firmado em 2008. Segundo Mendonça Neto, o valor total da propina alcançou entre R$ 70 milhões e R$ 80 milhões. Houve duas negociações. Uma com José Janene (PP), que representava a diretoria de Abastecimento e havia indicado Paulo Roberto Costa. Outra com Renato Duque e Pedro Barusco Filho, da diretoria de Serviços, que, segundo Costa, representava o PT. Para Janene, foram R$ 20 milhões, distribuídos pelo doleiro Alberto Youssef.

Duque e Barusco levaram entre R$ 50 milhões e R$ 60 milhões. Segundo o executivo, foi Duque quem mandou doar a quantia ao PT. Para isso, Mendonça Neto diz ter se encontrado em SP com João Vaccari Neto, o tesoureiro do partido. Vaccari teria dado a orientação, mas não foi informado de que o dinheiro seria doado por ordem de Duque.

Emissário de Duque se chama "Tigrão"
Mendonça Neto detalhou como foi feita a distribuição do dinheiro. Segundo ele, parte chegava em dinheiro vivo em seu escritório na Chácara Santo Antonio, em SP, num carro-forte, e era entregue a emissários de Duque. O principal deles era "Tigrão", descrito como um homem em torno de 40 anos, moreno, altura entre 1,70m e 1,80m e "meio gordinho". Também foram feitas entregas a outros homens, como "Melancia" e "Eucalipto".

A terceira forma de pagamento foram depósitos em contas no exterior, indicadas por Duque e Barusco. Os depósitos internacionais ficaram a cargo de Júlio Camargo, outro executivo da Toyo Setal, que disse ter depositado R$ 12 milhões para a dupla e citou a offshore Drenos, na Suíça. Mendonça Neto disse que a única conta que conhece de Duque e para a qual fez depósitos chama-se Marinelo.

A conta Marinelo foi usada por Mendonça Neto para pagar a Duque mais de US$ 1 milhão de propina da obra Cabiúnas 3, de 2011. Segundo ele, Duque pediu R$ 20 milhões, mas dois parceiros do consórcio - Promon e Shanska - não aceitaram.

Foi paga então apenas a parte da SOG Óleo e Gás. O depósito na Marinelo foi feito por uma conta do executivo no Safra Panamá. O valor pago a Duque acabou sendo reembolsado pelo consórcio em reais, por meio da empresa Energex, no valor de R$ 3 milhões.

Para justificar a saída do dinheiro na contabilidade do consórcio Interpar foram feitos contratos de falsas prestações de serviços com as empresas Legend, Soterra, Power, SM Terraplanagem e Rockstar. A Rock Star foi uma das duas empresas - a outra é a JSM Engenharia e Terraplenagem - que receberam R$ 49,1 milhões do esquema do empresário Fernando Cavendish, da Delta, e do bicheiro Carlinhos Cachoeira. Mendonça Neto afirmou que também as outras empresas intermediárias eram as mesmas do esquema da Delta.

Propina no Uruguai, na Suíça e em Hong Kong
Mendonça Neto contou que a negociação com Janene era dura e suas demonstrações de poder, "relevantes". Afirmou ter sido ameaçado e intimidado. Contou ainda ter pago propinas em obras das refinarias Paulínia (Replan) e Henrique Lage (Revap), incluindo aditivos. Na obra da Replan, as negociações, feitas com Duque e Janene, tiveram propina de R$ 20 milhões. Os ganhadores foram Mendes Junior, SOG Óleo e Gás e MPE.

O executivo Júlio Camargo também admitiu nos depoimentos, prestados entre 31 de outubro e 3 de novembro, pagamento de R$ 35 milhões em propina a Duque e Barusco em contas na Suíça e no Uruguai, incluindo o repasse da Interpar. Para Youssef, foram feitos depósitos em contas em Hong Kong. E reafirmou o pagamento de US$ 40 milhões a Fernando Soares, o Fernando Baiano, que intermediou a construção de duas sondas com a área de Internacional, então comandada por Nestor Cerveró.

Camargo também confirmou pagamento em espécie a emissários de Duque - os mesmos citados por Mendonça Neto. Ele disse ainda que o presidente da UTC, Ricardo Pessoa, e o executivo da Odebrecht Márcio Farias comandaram diretamente o pagamento de propina de uma das obras do Comperj, sem detalhar valores.

Camargo disse ter feito doações a 11 partidos políticos entre 2008 e 2012, mas diz que não representaram repasse de propina de obras da Petrobras. Ele doou R$ 4,255 milhões no período, dos quais R$ 2,655 milhões foram para o PT. O segundo maior valor, R$ 500 mil, foi para o PTB.

O executivo disse que desconhecia o cartel, que Mendonça Neto disse ter atuado até a saída de Duque da diretoria de Serviços da Petrobras. (Colaboraram Sérgio Roxo e Silvia Amorim)

Oposição já discute pedir impeachment

• Para oposição, agora já se pode falar em impeachment

• Denúncia de uso de verba de propina em campanha é a mais grave, diz Aécio

- O Globo

BRASÍLIA - Até ontem cautelosos em relação a um pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, o presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), e líderes de seu partido passaram a considerar essa possibilidade ontem depois das revelações do executivo da Toyo Setal. Os tucanos e os líderes do DEM dizem que as novas denúncias comprovam declarações de Aécio ao jornalista Roberto D"Ávila de que ele perdeu a eleição para uma organização criminosa.

- Estou estarrecido. Se isso for verdadeiro, temos um governo ilegítimo no Brasil. Pela primeira vez, estamos assistindo a um dos dirigentes de empresas envolvidas nessa organização criminosa que tomou conta da Petrobras dizendo que fez depósitos para o PT em contas no exterior e doações oficiais para a campanha de 2010. Essa é a denúncia mais grave que surgiu até aqui - disse Aécio.

O líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), disse que as novas revelações fragilizam muito a presidente Dilma:

- O impeachment depende de duas condições. A primeira é a jurídica, que exige provas absolutamente incontestes. A segunda condição é política, que se traduz no esvaziamento provocado pela crise, o colapso político. Essas duas condições ainda não se verificaram, mas podem vir a se verificar.

Em discurso, o líder do PSDB na Câmara, Antônio Imbassahy (BA), disse que as revelações do executivo convalidam depoimento do doleiro Alberto Youssef de que em março foi procurado por emissário do PT para discutir como repatriar R$ 20 milhões para serem usados na campanha presidencial de 2014.

- A coincidência dessa cifra reforça que o dinheiro seria usado na campanha de Dilma este ano. Isso atinge frontalmente a legitimidade da ocupante do Planalto, que pode ter usado recursos do petrolão para se eleger em 2010. Se houve uso do petrolão em 2010, e o esquema continuou operando até agora, é necessário apurar se a fonte não irrigou também a campanha de 2014. Temos uma presidente sob suspeita - disse Imbassahy.

Juiz da Lava Jato alerta para ‘crimes que transcenderam a Petrobrás’

• Sérgio Moro considera ‘perturbadora’ lista de 750 contratos com poder público encontrada com doleiro

Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Julia Affonso - O Estado de S. Paulo

Curitiba, O juiz federal Sérgio Moro, que conduz as ações da Lava Jato, considera que existem indícios que os crimes de corrupção e propinas “transcenderam a Petrobrás”. O juiz demonstra perplexidade com a planilha com dados sobre cerca de 750 obras públicas, “nos mais diversos setores de infraestrutura que foi apreendida com Alberto Youssef”.

Doleiro e alvo central da Lava Jato, Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás, Paulo Roberto Costa, fizeram delação premiada e relataram a ação do cartel das empreiteiras na estatal petrolífera. A planilha que incomoda o magistrado da Lava Jato foi apreendida no dia 15 de março, quando a Lava Jato saiu à caça dos investigados.

O documento apreendido com Youssef indica que ele ampliou seu raio de ação para outros órgãos públicos que detêm orçamentos bilionários. Os investigadores suspeitam que o doleiro enriqueceu com as comissões que recebeu intermediando negócios em várias estatais. Assim como na Petrobrás, em outras estatais ele pode ter criado esquema semelhante ao da Lava Jato, na avaliação dos investigadores, inclusive com repasse de propinas e abastecimento de caixa 2 de partidos.

“Na tabela, relacionada obra pública, a entidade pública contratante, a proposta, o valor, e o cliente do referido operador, sendo este sempre uma empreiteira, ali também indicado o nome da pessoa de contato na empreiteira”, observa o juiz.

“Embora a investigação deva ser aprofundada quanto a este fato, é perturbadora a apreensão desta tabela nas mãos de Alberto Youssef, sugerindo que o esquema criminoso de fraude à licitação, sobrepreço e propina vai muito além da Petrobrás”, alerta Sérgio Moro.

Para o magistrado, “os crimes, quer praticados através de cartel de empresas, quer produto de iniciativa individual de cada empresa, revelam quadro extremamente grave em concreto”. Moro observa que “não se pode excluir a possibilidade do mesmo modus operandi ter sido ou estar sendo adotado em outros contratos da Galvão Engenharia com outras empresas ou entidades públicas”.

Dinheiro no exterior não justifica prisão preventiva, diz ministro

• Argumento foi usado por Teori Zavascki, do STF, na decisão que libertou ex-diretor da Petrobras

• Ao determinar prisão, juiz afirmou que Renato Duque tem "verdadeira fortuna" fora do país e poderia fugir

Mario Cesar Carvalho, Severino Motta – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO / BRASÍLIA O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Teori Zavascki afirmou, na decisão que libertou o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, que "manter valores tidos por ilegais no exterior, por si só, não constitui motivo suficiente para a decretação da prisão preventiva".

Para o ministro, o juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, não indicou "atos concretos" atribuídos a Duque que demonstrassem sua "intenção de furtar-se à aplicação da lei penal".

A decisão do ministro foi tomada na noite de terça (2). É o primeiro habeas corpus concedido pelo STF desde que a Operação Lava Jato foi deflagrada, em 17 de março.

Em maio, a corte chegou a libertar o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa por meio de outra figura jurídica, mas logo depois ele voltou a ser detido e, hoje, está em prisão domiciliar.

Duque estava preso desde 14 de novembro, sob acusação de comandar um esquema de recolhimento de propina na diretoria de Serviços da Petrobras, que ele ocupou entre 2003 e 2012. Ele deixou a carceragem da Polícia Federal de Curitiba nesta quarta (3) e voltou de carro para o Rio para evitar a imprensa.

No pedido de habeas corpus ao STF, os advogados de Duque, Alexandre Lopes e Renato de Moraes, diziam que o juiz havia decretado a prisão sem base legal, usando o argumento genérico de risco de fuga, já que o ex-diretor tem recursos fora do país.

Na decisão sobre a prisão, Moro escrevera que o ex-diretor "mantém verdadeira fortuna no exterior, com a diferença de que os valores ainda não foram bloqueados nem houve compromisso de devolução".

O ministro, no entanto, destacou que o próprio Moro, em outros casos, liberou investigados, que, em tese, também contam com recursos para eventuais fugas.

Onze executivos de empreiteiras continuam presos na PF de Curitiba sob acusação de pagar propina para obter contratos na Petrobras.

Em vários casos, o juiz decretou a prisão porque eles viajavam com frequência para o exterior e não dormiam mais em casa, o que foi interpretado como tentativa de evitar a Justiça. Ao libertar Duque, Teori obrigou-o a entregar o passaporte e proibiu-o de mudar de endereço.

Citações
Paulo Roberto Costa mencionou à Justiça o nome de Duque como um dos integrantes do esquema de desvios da estatal. Disse que o PT ficava com 3% dos contratos fechados pela diretoria de Serviços --o que Duque sempre negou com veemência.

Outro delator do esquema, o doleiro Alberto Youssef, citou o nome de Duque associado ao tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. O ex-diretor foi indicado ao cargo na estatal pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu.

O PT nega envolvimento nas denúncias e diz que só recebe contribuições legais.

O advogado de Duque, Alexandre Lopes, afirmou que a decisão do Supremo "restabeleceu a Justiça".

Segundo o defensor, "ninguém pode ser preso porque se imagina, sem que nenhum elemento concreto indique, efetivamente, que o investigado irá fugir do país".

Congresso aprova texto que altera meta fiscal, mas não conclui votação

• Sem quórum para aprovar a última emenda, votação da meta fiscal é adiada

• Projeto de lei que flexibiliza meta do superávit primário está a um passo de ser aprovada, após sessão de mais de 18 horas

Ricardo Della Coletta, Daniel Carvalho, Daiene Cardoso e Fábio Brant - O Estado de S. Paulo

Após mais de 18 horas de sessão, a oposição conseguiu adiar mais uma vez a votação do projeto de lei que flexibiliza a meta do superávit primário, a economia mínima que o governo precisa fazer para o pagamento de juros da dívida pública. Apesar disso, os aliados do Palácio do Planalto conseguiram vencer a grande maioria das manobras regimentais movida pelos oposicionistas e deixaram a proposta, considerada vital pela presidente Dilma Rousseff, a um passo de ser definitivamente chancelada pelo Congresso e enviada à sanção.

O presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), marcou para a próxima terça-feira, 9, a sessão que, segundo espera o governo, liquidará o assunto.

A alteração nas regras da política fiscal, assunto sobre o qual a base e a oposição se digladiaram desde as 10 horas e 30 minutos dessa quarta, esteve a ponto de ser aprovada em definitivo pelo Congresso nesta madrugada. Mas, na votação da última emenda que antecedia a conclusão da tramitação, por volta de 5 horas da manhã, não houve o quórum necessário de 257 deputados para dar prosseguimento aos trabalhos. Apenas 192 marcaram presença, levando ao adiamento.

Para o relator do projeto, senador Romero Jucá (PMDB-RR), mesmo com mais uma postergação o governo saiu vitorioso da longa reunião realizada ontem e hoje de madrugada. "Liberamos a pauta, votamos todos os requerimentos e os destaques (espécies de emendas), a não ser um", comemorou.

As mais de 18 horas de debates foram marcadas por trocas acusações e embates no Plenário Ulysses Guimarães, na Câmara. O PSDB e o DEM alegaram que a presidente Dilma "chantageou" o Congresso com promessas de emendas e pediu uma "anistia" ao Legislativo, enquanto que o PT argumentou que as mudanças nas regras da política fiscal servem para garantir os investimentos e o baixo nível de desemprego.

"Esse é o debate da eleição, quando a presidente Dilma disse que não faríamos política fiscal às custas do desemprego", declarou o senador Lindbergh Farias (PT-RJ). "Não queremos que o País fique com dinheiro na poupança precisando de investimentos", afirmou o senador Wellington Dias (PT), eleito governador do Piauí.

"Não podemos avalizar essa irresponsabilidade fiscal de forma alguma", rebateu o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE). "O que ela (Dilma) quer é apenas se livrar da consequência de ter infringido a lei orçamentária", acrescentou o líder do PSDB no Senado, Aloysio Nunes (SP). No meio da sessão, ontem, o senador Aécio Neves (MG) subiu na tribuna para atacar o projeto que altera a meta fiscal, momento no qual foi vaiado por petistas. Ao citar o decreto de Dilma editado na segunda-feira (1º) que condicionou a liberação de R$ 444 milhões em emendas parlamentares à aprovação da alteração da meta do superávit primário, Aécio disse que a presidente estava colocando o Congresso de "cócoras".

'Aperto'. Com um déficit fiscal acumulado e diante da impossibilidade de cumprir a economia mínima para o pagamento de juros da dívida pública prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) em vigor, de R$ 49 bilhões, a equipe econômica enviou ao Parlamento um projeto de lei que permite que sejam descontados da meta todos os gastos com o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) e as desonerações de impostos. Na prática, a medida abre uma brecha para que a legislação seja dada como alcançada mesmo em caso de um resultado fiscal negativo ao final do ano.

Na sessão encerrada há pouco, Renan foi o maior avalista da aprovação do texto principal do projeto no Congresso e da mobilização para deixá-lo a um passo de ser aprovado. Ele comandou as votações, que entraram madrugada adentro, e contornou a obstrução realizada pela oposição. Deixando claro ser o fiel da balança da governabilidade num tema tido como fundamental pelo Planalto, os peemedebistas esperam garantir mais espaço no novo ministério de Dilma. A meta do partido é comandar seis pastas, uma a mais do que controlam hoje. Dentre os pleitos, está na mira do PMDB manter o Ministério de Minas e Energia e emplacar um indicado na Integração Nacional.

Tumulto. Na manhã dessa quarta-feira, a reunião do Congresso começou sob o clima de confronto que marcou a tentativa anterior de votação da proposta, anteontem à noite. Na ocasião, um grupo de cerca de 30 manifestantes vaiavam os pronunciamentos de governistas quando Renan, alegando que o público atuava de forma "partidarizada", determinou que as galerias fossem esvaziadas. Deputados oposicionistas correram ao local para evitar a remoção e instalou-se uma confusão generalizada, com agressões entre parlamentares, seguranças do Senado e manifestantes. O impasse fez com que Renan suspendesse a sessão, retomada no dia seguinte, mas com as galerias fechadas ao público.

Boa parte da reunião que ocorreu ao longo do dia dessa quarta e nesta madrugada, por sua vez, foi destinada a analisar dois vetos presidenciais que estavam trancando a pauta. A apreciação desses dispositivos, ao final mantidos, era pré-requisito para que a proposta que modifica as regras da política fiscal entrasse na pauta de votações. Depois dos vetos, os parlamentares ainda se debruçaram sobre um projeto de lei que abriu R$ 248 milhões em créditos para que a União cumpra uma decisão judicial e pague pensões a aposentados e pensionistas do Fundo Aerus, das extintas empresas aéreas Varig e Transbrasil.

Com todo esse périplo, o projeto de lei que flexibiliza a meta de superávit primário só entrou efetivamente em deliberação depois das 23 horas desta quarta-feira, após uma determinação de Renan que invalidou uma série de requerimentos da oposição que visavam atravancar a votação.

Aécio afirma que presidente deixa Congresso 'de cócoras'

• Em discurso na tribuna, tucano volta a atacar decreto do governo

Cristiane Jungblut – O Globo

BRASÍLIA - A oposição não poupou críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff na sessão de ontem no Congresso. No mais inflamado e ácido discurso feito em plenário desde a campanha eleitoral, o presidente nacional do PSDB e candidato derrotado nas eleições, senador Aécio Neves (PSDB-MG), disse ontem que cada parlamentar da base aliada tem um "preço" para votar a favor da proposta que muda a meta fiscal de 2014 e que Dilma deixa o Congresso de "joelhos e de cócoras".

Aécio afirmou que se referia ao fato de Dilma ter condicionado a liberação de verba para pagamento das emendas parlamentares à aprovação da proposta que permite ao governo descumprir a meta fiscal de 2014. A presidente editou decreto liberando uma verba de R$ 444,7 milhões para as emendas, o que dá uma cota individual de R$ 748 mil para cada um dos 594 parlamentares (513 deputados e 81 senadores).

Aos berros, base reage a discurso
O discurso do tucano provocou gritos, aplausos e vaias dos parlamentares dos partidos da base.

- Não foi a verdade, a sinceridade que venceu essas eleições. Hoje, a presidente da República coloca de cócoras esse Congresso, ao estabelecer que cada parlamentar tem um preço. Cada um vale R$ 748 mil! Isso é uma violência jamais vista nesta Casa! Estarei vigilante. É triste hoje! - disse Aécio, aos gritos e tendo a voz abafada por aplausos e protestos dos governistas. - Hoje, a presidente da República coloca de joelhos sua base no Congresso.

Depois, em entrevista, o tucano disse que é a oficialização de uma prática:

- É a institucionalização do toma lá dá cá. Infelizmente é isso: o governo institucionalizou a chantagem. E o que é mais vergonhoso: boa parte da base de sustentação parece que aceita esse tipo de relação com o governo - afirmou Aécio.

Os aliados reagiram, aos gritos:

- Está enganado, está enganado - gritavam parlamentares da base.

O líder do DEM, deputado Mendonça Filho (PE), disse que o governo tentava impor um "tratoraço à oposição":

- É responsabilidade da base do governo vir aqui - disse Mendonça.

Mais enfático, o líder da Minoria no Congresso, deputado Ronaldo Caiado (GO), disse que o Parlamento do Brasil não era "na Venezuela".

- Aquela imagem de uma senhora sendo engravatada por um segurança do Congresso está correndo o mundo! - disse Caiado.

Já o PSOL anunciou que vai ingressar com um projeto de decreto legislativo (PDL) suspendendo o artigo do decreto presidencial que vincula a liberação de emendas à aprovação da proposta que muda a meta fiscal de 2014. No Senado, o senador Pedro Simon (PMDB-RS) já havia apresentado PDL pedindo a suspensão de todo o decreto.

Lula diz que está 'estranhando' vazamentos de delações da Lava Jato

• No Equador, ex-presidente se recusou a comentar acusações de executivo sobre pagamentos de propina ao PT

Lisandra Paraguassu - O Estado de S. Paulo

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se recusou a comentar diretamente as acusações de Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, executivo da empresa Toyo Setal, de que propinas devidas ao ex-diretor da Petrobras Renato Duque foram pagas como doações eleitorais ao PT. Ao sair de um seminário sobre integração sul-americana na cidade equatoriana de Guayaquil, nesta quarta-feira, 3, Lula apenas afirmou que estranhava ver informações que deveriam ser sigilosas serem vazadas.

"Eu estou pensando em falar sobre isso um dia desses para colocar umas verdades no lugar. Porque como a delação é sigilosa só a Polícia Federal e o Procurador que sabem tudo isso", afirmou. "Se é sigilo eu estou estranhando como está vazando, a quem interessa e quem está promovendo isso". Perguntado se achava fantasiosas as declarações de Mendonça Neto, disse que sim.

O executivo da Toyo Setal deu depoimento em 29 de novembro para a Polícia Federal como parte de um acordo de delação premiada. O nome de Duque já havia surgido durante as investigações, mas Mendonça Neto fez as primeiras acusações diretas ao ex-diretor, que é ligado ao PT. As propinas devidas a ele teriam sido pagas de três formas. Além da doação ao partido, envolveria transferências ao exterior e parcelas em dinheiro vivo.

Lula está no Equador para participar de um seminário sobre integração na região organizado pelo governo do país e por seu instituto. Ao terminar o encontro, sua assessoria tentou evitar de todas as formas o acesso da imprensa brasileira ao presidente, chegando a cancelar uma entrevista prometida a rede de TV venezuelana TeleSur. Ao sair da sala onde se encontra com outros convidados, no entanto, Lula não tentou fugir. Apenas afirmou que não comentaria.

'Tigrão' e 'Eucalipto' arrecadavam recursos

• Operadores eram chamados por apelidos

Rubens Valente, Fabiano Maisonnave e Estelita Hass Carazzai – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA / CURITIBA - Três misteriosas figuras, conhecidas pela alcunhas de "Tigrão", "Melancia" e "Eucalipto", eram os responsáveis por arrecadar o dinheiro em espécie de parte da propina do esquema na Petrobras, segundo o empresário da Toyo Setal Augusto Ribeiro de Mendonça Neto.

A Polícia Federal tem feito indagações em vários depoimentos de empreiteiros presos na Lava Jato para tentar descobrir a real identidade dos três personagens.

O primeiro foi descrito por Mendonça Neto como "moreno, 1,70 m a 1,80 m de altura, meio gordinho, e com idade aproximada de 40 anos".

Outro delator da Lava Jato, o executivo da Toyo Setal Julio Camargo, disse que os emissários "eram todos homens, sendo que um deles era mulato, forte, 1,85 m, idade aproximada de 55 anos e outro era de estatura baixa, bem branco, idade aproximada de 60 anos".

Em seu depoimento, Julio Camargo afirmou que doou, por meio de suas empresas Teviso, Auguri e Piemonte, R$ 4,2 milhões nas eleições de 2008, 2010 e 2012, a políticos de 11 partidos.

Segundo ele, as doações foram feitas "dentro dos limites previstos em lei e de forma espontânea", a pedido dos candidatos ou dos partidos. Com alguns deles, como o senador Delcídio Amaral (PT-MS) e o ex-senador Romeu Tuma (PTB), morto em 2010, Camargo disse ter apenas relações de amizade.

Miami
No depoimento, Julio Camargo também contou que pagou compras em Miami (EUA) feitas por Eduardo Leite, vice-presidente da Camargo Corrêa e um dos executivos presos na Operação Lava Jato, que investiga fraudes em licitações da Petrobras.

Camargo, que fez acordo de delação premiada, disse que desembolsou cerca de US$ 400 mil (R$ 1,02 milhão) para "fornecedores de móveis em Miami" de Leite entre 2012 e 2013. A transferência teria sido feita por meio de uma conta do executivo da Toyo Setal na Suíça.

O executivo afirmou também que pagou R$ 1 milhão para a empresa Maquian Design, que pertence à mulher de Leite, Mylene, em troca de ela ter apresentado um projeto para equipar um de seus escritórios. Outra empresa acabou sendo contratada para fazer o serviço.

Camargo disse no depoimento que o pagamento a Mylene foi para atender "a uma reciprocidade pelo bom relacionamento" e que o valor "foi de fato muito superior ao que deveria ser cobrado".

Sobre contratos da construtora Camargo Corrêa com a Petrobras, o executivo afirmou que tinha a função de "viabilizar os compromissos na área de engenharia, isto é, efetivar os pagamentos das propinas exigidas".

Com o dinheiro recebido em contratos como consultor, Camargo pagava as propinas a funcionários da Petrobras, segundo seu relato. Em uma das obras, contou à equipe da Lava Jato, chegou a receber uma comissão de R$ 48 milhões, dos quais R$ 12 milhões eram para suborno.

Procurada pela reportagem, a defesa de Eduardo Leite não respondeu aos pedidos de esclarecimento.

Propina virou doação oficial ao PT, diz delator

• Executivo afirma à justiça que teriam sido pagos ao partido cerca de R$ 4 milhões entre 2008 e 2011 a pedido de ex-dirigente da Petrobras

Humberto Trezzi - Zero Hora (RS)

Via de regra, era pago 1% de propina à diretoria de Abastecimento da Petrobras (ligada ao PP) e 2% à diretoria de Serviços (ligada ao PT). Isso, em síntese, é o que falou o executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, que trabalhou para a empreiteira Toyo-Setal, em delação premiada feita na 13ª Vara Federal de Curitiba. O conteúdo do depoimento dele, prestado em 29 de outubro, foi divulgado ontem pela Justiça.

Segundo Mendonça Neto, parte da propina paga ao ex-diretor de Serviços Renato Duque era direcionada ao PT como doação oficial ao partido. O delator detalha como as maiores empreiteiras do país formaram um cartel para ganhar as principais concorrências na Petrobras. O delator afirma que isso foi conseguido mediante propina a dirigentes da estatal.

Apelidado de "clube", o cartel era inicialmente composto de oito empresas. Com o tempo, passou a ser formado por 16 empreiteiras, que se revezavam no ganho de contratos. Além de detalhar os privilégios obtidos pelas companhias – listando uma a uma as obras viabilizadas mediante suborno –, Mendonça Neto fala que o dinheiro era canalizado para partidos que compõem as diretorias.

Os arranjos com relação ao PP, por exemplo, foram feitos pelo deputado federal José Janene (falecido em 2010). Ele procurou todas as empresas do "clube" e afirmou ser o responsável pela nomeação de Paulo Roberto Costa para a Diretoria de Abastecimento da Petrobras, diz Ribeiro.

O delator conta que Janene era extremamente duro nas negociações e exigia "regularidade" no pagamento de propinas, feito a empresas indicadas por Costa.

Mendonça Neto relata que houve combinação entre Duque (indicado pelo PT) e integrantes do "clube" de empreiteiras para que se estabelecesse uma lista de convidados para licitações na Petrobras, em troca de uma "comissão". Teria começado em 2004 e, a partir dali, todas empresas começaram a negociar sua participação mediante pagamento de "comissões", avaliadas em 2% do valor dos contratos. "Uma comissão, na Repar, chegou a R$ 65 milhões", diz o executivo.

O delator afirma que os pagamentos em favor de Duque se deram de três formas: parcelas em dinheiro, remessas em contas indicadas no Exterior e doações oficiais ao PT. Em valor aproximado de R$ 4 milhões, as doações teriam sido feitas entre 2008 e 2011 a pedido de Duque. O valor seria referente ao pagamento de propina para a realização de obras na Refinaria do Paraná (Repar).

Mendonça Neto conta ainda que, para entregar o suborno a Duque, as empreiteiras faziam contratos simulados de aluguel de equipamento de terraplenagem em refinarias, sem o respectivo serviço, para empresas com nomes como Rockstar, Legend, Soterra, Power e SM Terraplenagem. Essas empresas eram pagas em contas no Exterior ou em dinheiro em espécie, entregue pelo próprio declarante no seu escritório em São Paulo a um emissário de Duque. Em outras ocasiões, era um subordinado do diretor, Pedro Barusco, quem solicitava a entrega de dinheiro.

O que diz o PT
Nota oficial da secretaria de finanças do partido

-"Reiteramos que o PT somente recebe doações em conformidade com a legislação eleitoral vigente. No caso específico, o próprio depoente reconhece em seu depoimento que foi orientado pela Secretaria de Finanças do PT a efetuar as doações na conta bancária do partido. Os recibos foram declarados na prestação de contas apresentada ao TSE. Ou seja, todo o processo ocorreu dentro da legalidade."

Governo faz nova manobra fiscal

Novo discurso, velhas manobras

• Na contramão do que prometeu futuro ministro, Tesouro faz aporte no BNDES e usa artifício fiscal

Martha Beck, Cristiane Jungblut e Cristiane Bonfanti - O Globo

BRASÍLIA - Menos de uma semana depois de o futuro ministro da Fazenda, Joaquim Levy, fazer um discurso em defesa do equilíbrio fiscal e dizer que a prioridade agora é reduzir aportes nos bancos públicos, para baixar a dívida bruta, o governo editou uma medida provisória (MP) que vai na contramão desse propósito. Publicada ontem no Diário Oficial, a MP 661 autoriza a União a conceder crédito de até R$ 30 bilhões ao BNDES. No texto, o governo incluiu ainda mais uma manobra para fechar as contas de 2014. A MP autoriza a equipe econômica a utilizar receitas do chamado superávit financeiro para o pagamento de despesas primárias obrigatórias, como pessoal e previdência, por exemplo.

Para colocar mais recursos no BNDES, o Tesouro Nacional poderá emitir títulos da dívida pública, o que terá impacto sobre o endividamento bruto do governo, que já está em 62% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país). De 2009 até agora, o governo destinou mais de R$ 360 bilhões ao banco para dar mais fôlego à instituição e estimular o crescimento. O problema é que isso impactou a dívida bruta, um dos indicadores de solvência mais observados pelo mercado financeiro.

Manobra fiscal
A parte mais polêmica da MP, no entanto, é a nova manobra fiscal de 2014. A parte do superávit financeiro que o governo quer usar para pagar despesas primárias obrigatórias é composta por recursos que estão no caixa do Tesouro, mas foram arrecadados antes de 2014. Eles foram recolhidos com uma destinação específica e não foram gastos. É o caso, por exemplo, de fundos setoriais que o governo contingencia para fazer superávit primário. Até agora, esses recursos só poderiam ser usados para pagamentos da dívida pública. A nova MP flexibiliza a regra e permite que o dinheiro do superávit financeiro seja usado para pagar outras despesas mesmo que elas não sejam vinculadas às receitas.

Na visão de técnicos do orçamento, a MP fere os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No parágrafo único do artigo 8º , a LRF estabelece que "os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso". Na interpretação do subsecretário de Política Fiscal do Tesouro Nacional, Marcus Pereira Aucélio, a MP não fere a LRF:

- Estamos criando mais uma vinculação para o superávit financeiro.

Com a manobra, o governo conseguirá uma ajuda para quitar os gastos de 2014 com a sobra que foi obtida em 2013 e que não podia ser usada. Essa não foi a primeira vez que o mecanismo é usado. Em 2010, o governo se valeu dessa mesma manobra e editou uma MP que permitia o pagamento de servidores com recursos do Fust, que é destinado à universalização dos serviços de telecomunicações no país. No entanto, a ação foi pontual e só valeu para aquele ano. Agora, a mudança é permanente.

O subsecretário adiantou ainda que uma das despesas de 2014 que será paga com o superávit financeiro de 2013 é a da previdência social. Segundo dados da Consultoria de Orçamento da Câmara, o superávit financeiro hoje está em R$ 489 bilhões, sendo que metade disso compõe o colchão de liquidez da dívida pública - parcela de recursos que o governo reserva para administrar o financiamento da dívida.

O novo aporte no BNDES já estava nos planos da equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Segundo fontes do governo, a pasta não vê contradição entre a medida e o discurso de Levy, uma vez que o futuro ministro sequer tomou posse. Além disso, a promessa de Levy, alegam os técnicos, é para uma política que será implementada a partir de 2015. Levy não se manifestou sobre a MP. Já Mantega defendeu a medida.

- (A autorização é) para fechar o ano, (para) a demanda para a compra de máquinas, equipamentos, caminhões, ônibus e tratores. Isto é para este ano. No próximo ano, certamente será menor - disse o ministro da Fazenda.

Mas, em evento no Rio, o presidente do BNDES deu a entender, em entrevista a jornalistas, que o aporte poderá ser usado no ano que vem:

- Os R$ 30 bilhões atendem à conclusão do ano. Não se sabe quanto porque depende dos ajustes, mas parte (dos recursos) é para 2015.

Oposição vê inconstitucionalidade
A oposição criticou a manobra fiscal e o novo aporte ao BNDES. O senador e candidato derrotado à presidência Aécio Neves (PSDB-MG) disse que a MP é inconstitucional, argumentando que esse tipo de assunto só pode ser tratado por lei complementar. Para o tucano, a edição da MP é mais uma demonstração do "viés autoritário" do governo e uma atitude de "achincalhe" para com o Congresso.

- Ela (a MP) é mais uma violência. Porque, a partir do momento em que o Congresso se permite ser violentado, obviamente o governo também se permite outros absurdos, como essa medida provisória, que também é inconstitucional. Não pode haver esse remanejamento na utilização de recursos, como propõe essa MP, sem uma lei complementar. Estamos vendo o viés autoritário do governo cada vez mais claro, ou cada vez com menores escrúpulos. Se o Congresso aceitar ser um apêndice do Poder Executivo, lamentavelmente é a democracia que se fragiliza - disse Aécio.

O líder do DEM na Câmara, deputado Mendonça Filho (PE), também criticou o teor da MP 661.

- É mais uma manobra fiscal que contraria todos os requisitos de responsabilidade fiscal e contábil - disse.

O deputado Pauderney Avelino (DEM-AM) destacou que o aporte de mais R$ 30 bilhões ao BNDES é uma contrariedade às declarações da futura equipe econômica. Ele disse que destinar superávit financeiro para pagar despesas primárias obrigatórias contraria a legislação e sinaliza que o governo terá déficit este ano.

- É mais uma manobra fiscal do governo e mostra que deverá haver déficit. É inconstitucional, formal e materialmente. Não pode editar MP para efeito orçamentário. Tem que ser por projeto de lei e tem que demonstrar o que ela vai financiar e não deixar solto, com despesas primárias obrigatórias generalizadas - disse.

Banco Central eleva juro pela 2ª vez seguida, para 11,75% ao ano

• É o maior patamar da taxa básica de juros em três anos; decisão foi unânime entre os membros da autoridade monetária

Célia Froufe - O Estado de S. Paulo

O Banco Central prometeu e cumpriu: acelerou o ritmo de alta de juros este mês para 0,50 ponto porcentual e levou a taxa básica Selic para 11,75% ao ano, mesmo em um cenário de economia estagnada. É o maior patamar desde outubro de 2011, quando a taxa estava em 12% - no fim daquele mês, a Selic foi reduzida para 11,5%. A decisão unânime era aguardada por uma parte pequena do mercado financeiro, que acabou se tornando majoritária nos últimos dias após sinais emitidos pela própria instituição.

De acordo com o comunicado que se seguiu à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), o esforço adicional de política monetária "tende a ser implementado com parcimônia". Isso, conforme os diretores, considerando os efeitos cumulativos e defasados dessa política. A nota é bem diferente da divulgada na decisão anterior e, ao mesmo tempo que avança na magnitude de alta, apresenta como contraponto, ao usar a palavra "parcimônia", a necessidade de cuidado nesse ciclo de alta que se iniciou em outubro. A próxima reunião está marcada para 21 de janeiro.

Esse aumento maior estava na conta de dois terços dos analistas consultados peloAE Projeções, já ressabiados pela "bola nas costas" que tomaram na reunião de outubro. Na ocasião, o BC surpreendeu ao elevar a taxa em 0,25 pp, quando unanimemente se aguardava estabilidade. Passado o susto, houve quem falasse até que a instituição tentou passar pistas, mas que a comunicação foi prejudicada pelo ruído eleitoral da campanha à Presidência da República.

Desta vez, o BC fez questão de deixar claro que poderia elevar o tom em suas ações. Em evento da autarquia em Florianópolis (SC), o diretor de Política Econômica, Carlos Hamilton, garantiu que o Copom não seria complacente com a inflação e acrescentou que, se considerasse adequado, poderia recalibrar a política monetária. Para quem ficou com dúvidas sobre a mensagem pretendida, o diretor foi ainda mais claro: "para bom entendedor, pingo é I".

Vigilante. Na semana passada, quando confirmado à frente do BC no novo mandato de Dilma Rousseff, foi o presidente Alexandre Tombini que reforçou o recado. Ele admitiu que a inflação acumulada em 12 meses ainda seguia elevada e que, nessas circunstâncias, a política monetária deve se manter "especialmente vigilante" para evitar que ajustes de preço se espalhem para o resto da economia. Tombini apenas repetiu o que a ata do Copom anterior já havia trazido. Mas foi o presidente, em carne e osso, dizendo com todas as letras que estava preocupado com uma difusão da inflação pela economia. Isso tem peso maior. Ainda mais no cenário em que foi dita a frase, ao lado dos dois novos nomes da equipe econômica (Joaquim Levy, no Ministério da Fazenda, e Nelson Barbosa, no Planejamento).

A expectativa em relação à atuação da equipe econômica - largamente aprovada pelo mercado financeiro - é um ingrediente a mais nas formações das apostas dos analistas sobre a condução da política monetária. Acredita-se que haverá mais austeridade fiscal, o que pode contribuir para o trabalho desempenhado pelo BC nos juros em 2015, quando a alta começa a impactar a economia.

Ao contrário da decisão anterior, que foi dividida por causa de dúvidas de alguns diretores a respeito sobre a magnitude e a persistência dos ajustes de preços, a decisão agora foi tomada de forma unânime. Todos devem ter chegado a um consenso de que a incorporação da alta do dólar sobre os preços domésticos - tornando-os mais próximos dos internacionais - e o ajuste dos preços administrados pelo governo em relação aos livres é, sim, um fator de pressão a mais sobre a inflação. Esta era uma dúvida expressa nas comunicações anteriores da autoridade monetária.

A grande questão que fica é sobre como essa alta mais forte dos juros, que é repassada de forma quase que automática ao mercado de crédito, pode prejudicar a atividade econômica, que dá poucos indícios de recuperação. No ano até o terceiro trimestre, a alta do Produto Interno Bruto (PIB) está em 0,2%.

Veja abaixo a íntegra do comunicado:
"O Copom decidiu, por unanimidade, intensificar, neste momento, o ajuste da taxa Selic e elevá-la em 0,50 p.p., para 11,75% a.a., sem viés.

Considerando os efeitos cumulativos e defasados da política monetária, entre outros fatores, o Comitê avalia que o esforço adicional de política monetária tende a ser implementado com parcimônia.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Alexandre Antonio Tombini (Presidente), Aldo Luiz Mendes, Altamir Lopes, Anthero de Moraes Meirelles, Carlos Hamilton Vasconcelos Araújo, Luiz Awazu Pereira da Silva, Luiz Edson Feltrim e Sidnei Corrêa Marques."

Parlamentares ignoram TCU e dão aval a obras suspeitas

Murillo Camarotto - Valor Econômico

BRASÍLIA - Beneficiários de doações das empreiteiras investigadas pela Operação Lava-Jato, parlamentares integrantes do discreto Comitê de Obras Irregulares (COI) rejeitaram nos últimos quatro anos praticamente todas as recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) para que empreendimentos problemáticos deixassem de receber recursos públicos. A "benevolência" de deputados e senadores deu sinal verde para que mais de R$ 30 bilhões em contratos suspeitos seguissem adiante.

Um levantamento feito pelo Valor com base nos últimos quatro relatórios anuais do comitê - que faz parte da Comissão Mista de Orçamento (CMO) - mostra que entre 2010 e 2013 o TCU recomendou a paralisação de 42 empreendimentos com indícios de irregularidades graves, mas somente um foi efetivamente bloqueado. O relatório referente a 2014 deveria ter sido debatido na semana passada, mas a reunião do comitê não atin- giu o quórum mínimo exigido.

Formado por deputados e senadores da Comissão Mista de Orçamento, o COI tem a função de receber as recomendações do tribunal de contas, ouvir os ministérios ou empresas estatais responsáveis e incluir (ou não) os empreendimentos no Anexo VI da Lei Orçamentária Anual (LOA), que é onde são mencionadas as obras irregulares que não devem receber recursos federais no exercício seguinte.

De 2010 a 2013, passaram pelo COI 39 parlamentares, dos quais 31 disputaram algum cargo nas últimas eleições. Desses, 19 receberam - diretamente ou por meio de seus partidos - R$ 7,85 milhões em doações das empreiteiras Odebrecht, Galvão Engenharia, OAS, Camargo Corrêa, UTC, Queiroz Galvão e Engevix - todas investigadas pela Lava-Jato. Do total de integrantes agraciados pelas construtoras, sete são do PT e do PMDB, legendas que controlam os trabalhos do COI nos últimos anos.
O comitê só ganhou atenção do governo em 2009 quando, acatando recomendações do TCU, mandou interromper o fluxo de recursos para importantes obras da Petrobras, como as refinarias Abreu e Lima (PE) e Getúlio Vargas (PR), além do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O "susto" obrigou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vetar a inclusão dos empreendimentos no Anexo VI da LOA de 2010. Desde então, o comitê foi devidamente "ocupado" para evitar novas surpresas.

Mesmo após o veto presidencial, o TCU continuou recomendando a paralisação de Abreu e Lima. Bilhões de reais em sobrepreço, contratos inadequados, projetos e licitações deficientes eram apenas alguns dos problemas apontados já no ano seguinte ao veto presidencial, mas não foram suficientes para o COI barrar a obra. A principal justificativa foi de que, "apesar do sobrepreço significativo", parar a refinaria seria mais prejudicial do que seguir com os trabalhos.

Desde que o governo começou a "passar o trator" no COI - como definiu um consultor do Senado na área de Orçamento -, apenas um novo empreendimento foi obstruído pelos parlamentares.

Orçadas em pouco mais de R$ 2 milhões, as obras de esgotamento sanitário na pequena cidade de Pilar, em Alagoas, tiveram os repasses bloqueados pelo comitê em 2013.

Os seis demais empreendimentos que passaram pelo Anexo VI nos últimos anos eram todos remanescentes de exercícios anteriores. Escândalos de corrupção, como o protagonizado pela estatal Valec, em 2011, contribuíram para a melhoria dos controles e, consequentemente, o encolhimento gradual da lista de empreendimentos com pedido de paralisação. Isso não impediu, entretanto, que o COI seguisse liberando todas as obras.

Além das unidades da Petrobras, outros projetos bilionários foram sistematicamente "ignorados" pelo comitê nos últimos anos, apesar dos seguidos alertas do TCU. A extensa lista inclui contratos que, somados, passam dos R$ 30 bilhões. À revelia do TCU, foram liberadas, por exemplo, as ferrovias Norte-Sul e Oeste-Leste, a BR-448/RS e o Canal do Sertão Alagoano. Todas essas obras têm ou tiveram contratos firmados com as construtoras investigadas pela Operação Lava-Jato.

As justificativas para não barrar as obras são variadas. A mais comum menciona supostos compromissos dos gestores - ministérios e estatais - de adotar os ajustes pertinentes ou prestar esclarecimentos ao tribunal de contas. O interesse social, o percentual de execução e os prejuízos resultantes da paralisação também são constantemente argumentados. Em alguns casos, os contratos suspeitos são rescindidos previamente, o que dispensa a necessidade de bloqueio orçamentário.

Ainda assim, a benevolência do COI frustra vários técnicos do TCU, incluindo seu presidente, Augusto Nardes. Ele pondera que o Congresso detém a prerrogativa de selar o destino das obras, mas reconhece que muito do trabalho da Corte de Contas acaba não tendo o resultado que a sociedade espera.

"Fizemos nossa parte e alertamos. A partir daí, é com o Congresso que, infelizmente, não acatou. É claro que tem um efeito de frustração para nós e para a sociedade", disse Nardes. Sob condição de anonimato, outro ministro apontou a falta de interesse político, mas também o despreparo técnico dos integrantes do comitê como as principais razões para a postura de não parar as obras.

Cada vez mais esquálida, a relação de empreendimentos obstruídos pelo COI nos últimos anos se restringe a projetos de porte bem mais reduzido, casos de uma avenida em Teresina, um complexo viário em Guarulhos (SP) e uma pequena barragem em Tocantins. Para as demais obras, o veredito é, invariavelmente, o mesmo. "Este Comitê propõe a não inclusão dos contratos de que se trata no Anexo VI do PLOA, sem prejuízo de voltar a examinar a matéria diante de novas informações prestadas pela Corte de Contas".

Merval Pereira - A face cruel da crise

- O Globo

A dificuldade do governo para aprovar no Congresso a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) — apesar da maioria teórica acachapante e da nunca antes vista chantagem oficial, incluindo num decreto o "toma lá " (um aumento de verba de emendas parlamentares) e o "dá cá" (o apoio para transformar o déficit orçamentário em superávit) — é sinal dos tempos em que o PT está tendo que enfrentar uma oposição aguerrida, e disposta a não deixar barato as manobras governistas, com o apoio da população.

Quando as manifestações das galerias eram a favor do PT ou contra a ditadura militar, eram consideradas democráticas. Como estão sendo agora contra o governo petista, passam a ser entendidas pela maioria governista como atentatórias à democracia, como se aprovar uma troca de favores como a proposta oficialmente pelo governo ao Congresso fosse benéfico a ela. O ambiente político está tenso porque, de várias partes, surgem informações que vão formando um quadro tenebroso da atividade política petista dos últimos anos, financiada em larga escala por desvios de dinheiro público, cuja ponta do iceberg parece ser o petrolão.

Depois de ter superado o mensalão em quantidade de dinheiro e sofisticação de métodos, o petrolão parece prestes a ser superado pela revelação de que esquemas do tipo estão espalhados por todos os setores estatais, atingindo até mesmo, e talvez principalmente, os fundos de pensão. Foi o que garantiu o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, hoje em prisão domiciliar, que disse que o esquema do petrolão está espalhado por vários setores do governo em que as mesmas empreiteiras atuam, desde aeroportos até hidrelétricas.

Enquanto as contas da campanha eleitoral deste ano da presidente Dilma estão sendo escrutinadas pelo ministro Gilmar Mendes, com o auxílio de técnicos do TCU e da Receita Federal, surgem depoimentos de executivos que estivera m envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras para informar que uma das desconfianças do Ministério Público estava correta : ele passou a investigar o pagamento de propina a políticos inclusive na campanha de 2014, com a suspeita de que a doação formal, declarada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), possa ter sido transformada em "mera estratégia de lavagem de capitais".

Pois na delação premiada de Augusto Ribeiro Mendonça Neto, executivo da Toyo Setal, fica identificada a trilha do dinheiro sujo que reforçou as campanhas petistas de 2008 a 2010, inclusive a campanha presidencial em que a presidente Dilma foi eleita pela primeira vez. Com as revelações, fica evidente que há sobras de razão para que o Tribunal Superior Eleitoral pesquise para ver se também este ano as contas do partido governista não foram irrigadas por dinheiro do petrolão.

Essas informações se cruzam nos últimos dias com a votação da mudança da LDO e com as medidas que o governo vem tomando ainda neste primeiro mandato, aumentando os juros pela segunda vez no mês depois da eleição, e mais um repasse do Tesouro para o BNDES, que já foi dito pelas futuras novas autoridades econômicas que não acontecerá mais a partir do próximo ano.

Os desmandos do primeiro governo Dilma amaldiçoam as medidas mais sensatas que terão que ser tomadas a partir do próximo ano, inclusive a mudança da LDO, pois os futuros ministros temem assumir os cargos ainda neste mandato e serem eventualmente acusados de crime de responsabilidade por não terem cumprido as metas combinadas com o Congresso. O governo conseguiu superar o prazo eleitoral sem ter que revelar completamente o descalabro das contas públicas. Um mês apenas do fechamento das urnas, a crise está mostrando sua face desagregadora.

Dora Kramer - Saldo político negativo

- O Estado de S. Paulo

Nenhuma quebra de regimento justifica a truculência com que a polícia do Poder Legislativo cumpriu a ordem do senador Renan Calheiros para esvaziar as galerias da Câmara na noite de terça-feira, de onde pessoas que se manifestavam de maneira inadequada foram retiradas à força de tapas, empurrões, pescoções e armas de choque.

A foto de uma senhora de 79 anos levando uma "gravata" de um segurança é o registro maior da exorbitância. Impressiona mais quando contraposta à imagem da Mesa Diretora daquela sessão de onde o presidente olhava a cena, sereno e sorridente, cercado por parlamentares de esquerda que haviam pedido a interferência dele para conter os manifestantes.

Ficaram indignados ao ouvir o que lhes pareceu um insulto pesado dirigido à senadora do PC do B então com a palavra. Ofensa ou palavra de ordem, tudo a favor da defesa dos modos civilizados. Inclusive para serem adotados por integrantes de partidos que reclamaram, mas não costumam agir com o mesmo denodo contra violências quando elas atingem alvos adversários, a propriedade privada e o patrimônio público.

Houve quebra de regimento, de fato. Uma sessão no Parlamento não poderia transcorrer naquele clima de gritaria vindo das galerias. Mas a forma de distribuição de senhas para a entrada de visitantes para circular no Congresso ou mesmo acompanhar a votação foi o que originou protestos, levou à confusão e degenerou em grossa e inadmissível pancadaria. Sob os aplausos e o apoio da esquerda que antigamente costumava se posicionar de outro lado do balcão. No sentido do trato com as vozes e com os votos.

Por isso aquele lamentável pano de fundo estava de certo modo condizente com o conteúdo do assunto mais importante a ser tratado no plenário. A votação da mudança de uma lei para que ao governo seja permitido descumprir a legislação sem vigor. Isso sob a égide de um decreto que condiciona a liberação de R$ 444,7 milhões em emendas de parlamentares ao Orçamento da União à aprovação da Anistia. E com o Congresso com acesso restrito a parlamentares, funcionários e jornalistas.

Quando o projeto chegou ao Parlamento, em novembro, a oposição acreditava que poderia postergar a votação, mas não imaginava que seria tão bem sucedida sob o gentil patrocínio do atabalhoamento governista. Primeiro, a imposição à base de um assunto delicado sem gesto algum de diálogo. Depois, a colaboração dos aliados que por duas semanas proporcionaram a derrubada de sessões de votação por falta de quórum. Sem deixar de apontar a competência e veemência dos oposicionistas no exercício da obstrução.

Em seguida, o decreto da barganha, que expôs o governo à condição de chantagista explícito e seus correligionários no Legislativo ao constrangedor papel de vendidos. Para completar, a truculência dos brucutus nas galerias. Ora, como não poderia deixar de ser, a oposição deitou e rolou.

Afinal, tinha material à farta para discursar, como de fato fez. Ontem, já passava das 17h e os congressistas ainda não haviam conseguido concluir, em sessão iniciada pela manhã, a apreciação dos dois vetos presidenciais que trancavam a pauta, e ainda faltava votar um projeto objeto de acordo antes de partir para a discussão da proposta de mudança da LDO.

Se o dia hoje amanhecer com a meta do superávit posta na lata do lixo, estará atingido o objetivo do Planalto. Mediante um esforço desproporcional ao tamanho da maioria em tese à sua disposição. Pela tranquilidade com que o governo transgrediu a legislação e a ligeireza com que pediu ao Congresso que apagasse os sinais do delito, acreditava que bastava ligar o trator e passar facilmente por cima do Parlamento.

Não foi assim, precisou fazer "o diabo". Se a votação tiver sido de novo adiada, independentemente do resultado final, o saldo político é negativo.

Renato Andrade - Lavanderia oficial

Folha de S. Paulo

Ao que tudo indica, os envolvidos no esquema de desvio de recursos da Petrobras abriram um novo ramo de negócios no país: a lavanderia oficial de propina.
O depoimento de Augusto Ribeiro de Mendonça Neto para a Polícia Federal e o Ministério Público é impressionante. Nada menos que R$ 4 milhões do esquema entraram nos cofres do Diretório Nacional do PT, entre 2008 e 2011, pela porta da doação oficial de campanha.

O que foi dito ainda precisa ser provado. Mas as declarações do executivo foram feitas na tentativa de garantir na Justiça um abrandamento das penas que terá que cumprir por ter participado da roubalheira descoberta pela PF. A diferença entre mentira e verdade, nestes casos, é medida em anos de cadeia.

Lavar dinheiro sujo usando um mecanismo que é checado pela Justiça Eleitoral coloca em suspeição todo o sistema de financiamento de campanhas usado pelos partidos políticos no Brasil. Não é pouca coisa.

Mendonça Neto explicitou a participação do PT no empreendimento. Mas quem garante que a lavanderia não tinha clientela mais ampla?

O doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa já afirmaram à Justiça que a lista de beneficiários do esquema é vasta e de cores políticas variadas.

Suspeitar que o mecanismo de lavagem oficial lançado pelo "clube" de empreiteiras foi usado por outras legendas não é mera especulação.

Mesmo considerando que as informações prestadas por Mendonça Neto ainda precisam ser averiguadas, há um efeito político imediato.

Apesar de todo esforço feito pelo Palácio do Planalto até agora, a distância entre o desfalque dos cofres da maior estatal do país e o gabinete presidencial ficou mais curta.

A oposição vai aproveitar ao máximo o caso para desgastar ainda mais o governo petista, que apanha, sem descanso, desde o final das eleições.

A lista de problemas a serem enfrentados parece não ter fim.

Luiz Carlos Azedo - A bola de neve

• No Congresso nacional, há uma angústia generalizada em relação à revelação oficial dos nomes dos políticos envolvidos na Operação Lava-Jato. Especula-se que seriam os “enrolados” de sempre, com algumas surpresas

Correio Braziliense

O escândalo da Petrobras parece mesmo uma bola de neve, que rola montanha abaixo e não para de crescer. As novidades de ontem foram a decisão da Controladoria Geral da União (CGU) de abrir os processos de responsabilização contra oito empreiteiras envolvidas na operação Lava-Jato, da Polícia Federal; e a denúncia do executivo Augusto Mendonça Neto, da empresa Toyo Setal, de que parte do pagamento de propina ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque era direcionada ao PT como doação oficial ao partido.

Enquanto isso, na CPI Mista do Congresso, aumenta a pressão da oposição para que as investigações sobre o caso avancem, ainda mais depois do depoimento do ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto da Costa. Sem citar pessoas específicas, por causa da delação premiada, o executivo disse que revelou à Justiça Federal os nomes dos políticos envolvidos no escândalo, que seriam parlamentares, ministros e governadores.

Mesmo assim, a base do governo no Congresso tudo faz para esvaziar a CPMI, que agora é presidida pelo senador Gim Argelo (PTB-DF). Seu antecessor, senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), com apoio do Palácio do Planalto, foi contemplado com uma vaga no Tribunal de Contas da União (TCU). Vamos por partes:

Dever de casa
A decisão da CGU de abrir os processos foi tomada em razão dos documentos e informações da Operação Lava-Jato compartilhadas pelo juiz federal Sérgio Moro, do Paraná, que investiga o caso. Órgão responsável por assistir a Presidência da República em assuntos relativos à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, a CGU está sob forte pressão para evitar que as empreiteiras Camargo Correa, Engevix, Galvão Engenharia, Iesa, Mendes Junior, OAS, Queiroz Galvão e UTC-Constran, envolvidas no escândalo, sejam declaradas inidôneas.

Caso isso ocorra, estarão proibidas de celebrar novos contratos com a União. No Palácio do Planalto, a eventual punição das empresas é considerada um “desastre nacional”, pois todas as grandes obras de infraestrutura em execução no país estão sob responsabilidade dessas empresas e seriam paralisadas. Busca-se uma saída jurídica para preservar as empresas e punir os executivos, mas isso pode se tornar impossível caso haja provas robustas de que seus proprietários estariam comprometidos com a farta distribuição de propina.

O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa declarou à Justiça que há um cartel de grandes empreiteiras em obras da estatal, o que é crime. Na CPI Mista, para surpresa geral, disse também que as irregularidades investigadas pela PF acontecem no país inteiro. Ontem, em nota, a CGU esclareceu que abriu os processos com base principalmente em provas documentais, como e-mails, notas fiscais, transferências bancárias e registros de interceptações telefônicas.

Ventilador ligado
O executivo Augusto Mendonça Neto, da empresa Toyo Setal, uma das fornecedoras da estatal, disse em depoimento dado em outubro à Polícia Federal, com base em acordo de delação premiada, que parte do pagamento de propina ao ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque era direcionada ao PT como doação oficial ao partido. O vazamento dessa informação ocorreu no mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, relator do caso na Corte, relaxou a prisão do executivo.

A Secretaria de Finanças do PT sustenta que o dirigente petista nunca tratou de contribuições financeiras do partido, “ou de qualquer outro assunto”, com os envolvidos no esquema investigado pela Polícia Federal. De acordo com Mendonça Neto, a Toyo Setal firmou contrato de prestação de serviços com cinco empresas de fachada para repassar dinheiro em espécie ou remeter os valores ao exterior.

De acordo com ele, no caso da Refinaria do Paraná (Repar), foi firmado um contrato de prestação de serviços com uma das empresas de Camargo, no valor de R$ 33 milhões. Desse total, R$ 20 milhões foram transferidos ao exterior, em uma conta indicada por Duque, denominada “Marinello”. No caso da Refinaria de Paulínia (Replan), Mendonça Neto afirmou que pagou “comissões” tanto para Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal, quanto para Duque.

O executivo afirmou que o percentual partia de cerca de 2% do valor total dos contratos, mas, segundo Mendonça Neto, era negociado posteriormente, como no caso do Repar, cujo valor da comissão chegou a quase R$ 60 milhões. No Congresso Nacional, há uma angústia generalizada em relação à revelação oficial dos nomes dos políticos envolvidos na Operação Lava-Jato. Especula-se que seriam os “enrolados” de sempre, com algumas surpresas.

César Felício - Conservadorismo à moda latina

• Predomínio da esquerda oculta a força continuísta

- Valor Econômico

De cada 100 brasileiros, 63 acreditam total ou parcialmente que as mulheres devem obedecer a seus maridos, de acordo com pesquisa sobre religião coordenada pelo centro de estudos Pew Research, no mês passado. O relatório, produto de 30 mil entrevistas em diversos países latino-americanas, mostra que o Brasil está simplesmente em primeiro lugar na América do Sul em relação a esta convicção. Na Argentina, por exemplo, são 31%. Na Colômbia, 50%.

Chama atenção o fato de a porcentagem ser praticamente idêntica à soma do eleitorado brasileiro que votou em Dilma Rousseff (41,6%), Marina Silva (21,3%) e Luciana Genro (1,5%), todas as três vinculadas, de um modo ou outro, à esquerda. A contradição entre esta pequena amostra de conservadorismo extremo com um voto dito "progressista" não é uma exclusividade brasileira na região. O levantamento mostra uma sociedade arraigada a valores tradicionais em diversos outros temas e em todos os países do continente.

Em 12 eleições em países latino-americanos nos últimos dois anos, em oito venceu a opção ideologicamente situada mais à esquerda do oponente imediato. O ex-presidente uruguaio Tabaré Vasquez fechou o ciclo no último domingo, ao vencer com facilidade o segundo turno.

Mais que uma suposta onda vermelha na América Latina, a marca do último biênio é a continuidade. A vitória de Tabaré e as reeleições de Dilma Rousseff no Brasil; Rafael Correa no Equador; Evo Morales na Bolívia e Nicolás Maduro na Venezuela marcaram em cada um destes países a mais longa hegemonia de um grupo político em regime democrático.

As guinadas políticas foram poucas, apenas quatro, e não tiveram sentido propriamente renovador. Rejeita-se o grupo político que está no poder para se buscar o que o antecedeu. No Paraguai, o Partido Colorado voltou ao poder depois de apenas cinco anos de afastamento, em 2013. Também no ano passado, a socialista Michelle Bachelet voltou ao governo no Chile. No Panamá, quem ganhou a eleição foi o vice-presidente, que rompeu com o presidente durante o mandato.

O contraste com as rupturas que aconteceram entre 1998 e 2006 é evidente. Neste período, houve eleições desestruturantes como a de Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia, Lula no Brasil e do próprio Tabaré no Uruguai. Eram, cada um a seu tempo, novidades absolutas.

Na América Latina, os governos são predominantemente de esquerda, mas suas sociedades estão bem distantes dessa opção. Segundo a pesquisa Latinobarômetro do ano passado, no Brasil um importante contingente populacional é o "kassabiano", como o ex-prefeito de São Paulo que definiu o seu PSD como "nem de esquerda, nem de centro e nem de direita". Nada menos que 32% dos pesquisados brasileiros se negaram a assumir qualquer posição ideológica, até mesmo a centrista. No Equador comandado pelo bolivariano Rafael Correa, o contingente de pesquisados que se declararam de esquerda (21%) é inferior aos que se definiram como de direita (28%).

"A chave para o continuísmo, seja o governo de esquerda ou direita, é a realização de políticas sociais de largo alcance. Isso fideliza o eleitorado, que teme a descontinuidade dos programas", definiu o advogado argentino Daniel Zovatto, diretor do Instituto pela Democracia e Assessoria Eleitoral (IDEA, em inglês), um organismo intergovernamental com sede na Suécia mantido por 29 países, entre eles o Brasil.

Zovatto cita o caso do Chile no ano passado como o exemplo clássico de como as políticas sociais se tornaram mais relevantes do que o crescimento econômico como fator sugestivo de um resultado eleitoral. O Chile teve um crescimento econômico bastante expressivo durante todo o governo de Sebastián Piñera, de centro-direita. Mas muito antes do processo eleitoral chegar ao fim, Michelle Bachelet já era a favorita, e de fato ganhou com muita facilidade a eleição.

O desempenho econômico do Chile no seu primeiro mandato (2006/2010) foi apagado, mas a sua promessa de um "Chile de todos" seduziu o eleitorado. "Os latino-americanos não identificam o crescimento econômico com políticas governamentais. O processo político em certo grau tem caráter clientelar", disse Zovatto.

O advogado chama a atenção também para a predominância de um determinado perfil dos candidatos opositores os governos alinhados à esquerda. É uma safra formada por políticos relativamente jovens, solidamente ancorados em setores urbanos e de classe média, com níveis de educação e renda elevados, que durante a campanha fazem um movimento em relação ao centro do espectro político.

Foi o caso de Luis Lacalle Pou no Uruguai, de Aécio Neves no Brasil e de Henrique Capriles na Venezuela. Tende a ser o caso do prefeito de Buenos Aires, Mauricio Macri, que tenta se viabilizar como a alternativa antiperonista na Argentina no próximo ano.

"No Brasil e na Venezuela, a insatisfação com os governos de Dilma e de Maduro era bastante expressiva. Flertavam com a mudança, mas o queriam era a mudança sem ruptura. Aécio e Capriles, sobretudo o último, avançaram muito no sentido de sair dos nichos tradicionais de direita, mas faltou credibilidade no compromisso que assumiram com a manutenção de políticas sociais", comentou Zovatto.

Resta saber se o continuísmo manterá a força em um contexto externo desfavorável e com ajustes batendo à porta. A nomeação de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda no Brasil prenuncia uma fase de cortes de gastos públicos em um momento de baixa de "commodities" e de demanda externa enfraquecida. O petróleo rondando os US$ 60 o barril compromete a expansão de gastos que sustenta Correa e Maduro no poder no Equador e na Venezuela. No ar rarefeito dos próximos anos, não haverá vento de cauda.