domingo, 9 de novembro de 2014

Opinião do dia – Aécio Neves

A oposição sai extremamente revigorada da eleição. A campanha teve duas marcas muito fortes. A primeira, protagonizada pelo PT e pela candidata que venceu: a utilização sem limites da máquina pública, do terrorismo eleitoral, aterrorizando beneficiários do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida. Inúmeras regiões ouviram durante meses, isso sim uma grande lorota, que, se o 45 ganhasse, seriam desfiliados dos programas. Infelizmente, essa é uma marca perversa. Mas há uma outra, extraordinária, que é um combustível para construir essa nova oposição. O Brasil acordou, foi às ruas. Minha candidatura passou a ser um movimento. Nosso e desafio é manter vivo esse sentimento de mudança, por ética.

Aécio Neves, senador (MG) e presidente nacional do PSDB, entrevista em O Globo, 9 de novembro de 2014.

Dilma e seu labirinto

Marcelo Sakate – Veja

Mateus, o evangelista, registrou em um tom que soa mais como ameaça do que mesmo conforto: "Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra". Dilma pediu votos e os recebeu e, agora de volta a sua sala no Palácio do Planalto, guardada por três imagens de Nossa Senhora Aparecida, encontrou o que buscou com tanta volúpia na campanha eleitoral: o segundo mandato. Antes mesmo que ele comece, porém, a presidente está sentindo os primeiros efeitos de pedir mal, como alertou outro apóstolo, Paulo.

Dilma viu Aécio Neves, o candidato que ela derrotou, ser recebido em triunfo em Brasília, aclamado como líder, enquanto ela se isolou no Palácio, com a melancolia de quem não tem o que comemorar verdadeiramente por, talvez, não ter perguntado a si mesma antes, não "como" ganhar as eleições, mas "por quê" e "para quê". Reeleita, ela ainda não tem as respostas. e, por isso, depois de abertas as urnas, a presidente parece fechada em um labirinto.

Seu espaço de manobra é restrito. De um lado, a economia colhe resultados ruins que, em grande parte, ela mesma plantou. De outro, os problemas políticos são maiores, com desconfianças insufladas em seu próprio partido, o PT, e ambições magnifica-das entre os aliados. Para retomar o comando político, Dilma terá de ceder na economia, liberando as energias do mercado, cortando gastos, aliviando o peso do Estado sobre os ombros dos brasileiros. No fundo, ela tem de esquecer os dogmas de seu partido e suas próprias convicções econômicas e executar o projeto que ela derrotou nas urnas — o do seu adversário Aécio Neves. Na semana passada, a presidente, em entrevista aos principais jornais do país, acenou com a promessa de ajustes: "Vamos fazer o dever de casa. Vamos apertar o controle da inflação." O Banco Central, logo depois da eleição, elevou a taxa básica de juros, a Selic, para 11,25% ao ano, justificando a decisão com a ameaça de que a alta nos preços superasse os limites da meta oficial. Até outro dia, a então candidata afirmava que eram os tucanos que "plantavam inflação para colher juros". Na sexta-feira, a Petrobras reajustou o preço da gasolina e do óleo diesel, em outra medida impopular que, apesar de urgente, foi jogada convenientemente para depois das eleições.

Esses ajustes, que poderiam ser classificados de "estelionato eleitoral", apesar de a presidente rejeitar tal classificação, eventualmente podem sinalizar um mea-culpa, o reconhecimento de que o quadro econômico não é na realidade tão favorável quanto aquele apresentado anteriormente. Dado o volume de desequilíbrios acumulados, entretanto, esses ajustes são ainda tímidos e insignificantes para restabelecer a confiança dos empresários e dos investidores, e sem essa confiança negócios deixam de ser feitos, projetos não saem do papel e a economia não cresce de maneira saudável e sustentável.

A crença na estabilidade monetária e na situação fiscal do governo é um requisito essencial para ancorar qualquer plano de investimento de longo prazo. Por isso, é aguardado ansiosamente o nome do sucessor de Guido Mantega no comando da Fazenda. A depender do nome. poderá ficar claro se Dilma está disposta a assumir uma nova trajetória, mais parecida com o início do mandato de Lula. ou se seguirá fazendo "mais do mesmo". Uma sinalização de um governo mais austero — e mais distante da cartilha clássica do PT — seria a nomeação do ex-pre-sidente do Banco Central Henrique Meirelles para o cargo. Seria um ministro que com toda a certeza contaria com o respaldo dos investidores, capaz de restabelecer, da noite para o dia, a confiabilidade perdida pelo governo. Meirelles tem o apoio de Lula. Não é para menos. Ele foi o fiador da estabilidade monetária e dos bons dias da economia que contribuíram para a popularidade elevada de Lula no governo. Entretanto, Meirelles seria alvo de ataques constantes do fogo amigo de parte do PT, além de ser um antigo desafeto de Dilma. Ambos não se bicavam quando eram colegas de ministério de Lula. Tê-lo em seu governo significará para a presidente renunciar a parte de seu poder.

Desconfiança custa caro
O maior risco de retrocesso para a economia brasileira é a perda do "grau de investimento", atestado internacional emitido por agências especializadas que representa o grau de confiabilidade de um país como devedor. Em termos práticos, esse selo dá a chancela de que os maiores fundos de investimento e de pensão do mundo precisam para justificar a escolha do Brasil. Isso ocorre porque os estatutos desses fundos limitam muito ou mesmo vedam a aplicação de dinheiro em países ou empresas que não sejam classificados como "grau de investimento". 0 maior fundo da Pimco, uma das principais gestoras de recursos do mundo, só pode destinar a países sem o grau de investimento 5% do total de dinheiro sob sua responsabilidade. Se o Brasil for rebaixado, os investidores terão de imediatamente se livrar de títulos da dívida brasileira. Livrar-se como? Colocando os papéis à venda. Para evitar que os títulos virem mico por excesso de oferta, o governo vai ter de aumentar os juros de tal modo que o rendimento dos papéis supere a insegurança dos investidores. A dívida pública, já em patamares perigosos, aumentaria ainda mais. Para as empresas brasileiras, as conseqüências também seriam catastróficas. Primeiro, pelo efeito recessivo na economia. Depois, pelo aumento exponencial das dívidas delas em dólar e pelo custo de captação de recursos internacionais. O Brasil tem 20% dos títulos de sua dívida (400 bilhões de dólares) nas mãos de investidores estrangeiros. Além disso, só fecha as contas neste ano com mais 84 bilhões de dólares de poupança externa. Se perder a confiança internacional, o Brasil quebrará.

Os ajustes feitos até aqui. ainda módicos, já provocaram reações entre os quadros mais à esquerda do PT e também em meio à intelectualidade que apoia Dilma. "A presidente parece não ter percebido que os dizeres contam e que o preço de afirmar uma coisa e fazer outra é muito maior do que parece", escreveu em artigo André Singer. ex-secretário de Imprensa de Lula. Um grupo de economistas encabeçado por Maria da Conceição Tavares e Luiz Gonzaga Belluzzo divulgou na semana passada um manifesto que rejeita que o governo adote "juros altos, câmbio valorizado e cortes excessivos de gastos públicos" como meios para tirar o país do baixo crescimento. O texto, assinado por "economistas pelo desenvolvimento e pela inclusão social", afirma que "a austeridade agravou a recessão, o desemprego, a desigualdade e o problema fiscal nos países desenvolvidos mesmo tendo sido acompanhada por juros reais baixíssimos e desvalorização cambial". É uma pena para Dilma que esses economistas só saibam dizer a ela o que "não fazer". Quando tiveram chance em governos passados de fazer alguma coisa, eles afundaram o país — claro, puseram a culpa no ambiente externo e na ganância dos empresários. Mas fazer isso Dilma já sabe. Não precisa de conselhos.

Para Rafael Cortez, analista politico da consultoria Tendências, duas forças vão determinar o grau de intensidade dos ajustes: a pressão da piora na economia e a reivindicação popular por serviços públicos melhores. "No cenário mais provável, serão feitos ajustes pontuais na política econômica, mas isso mais como uma reação do que por iniciativa própria da presidente." Para ganhar a eleição, Dilma atacou a autonomia operacional do Banco Central e chegou a afirmar que, em caso de vitória de Marina Silva, quem mais a ameaçava naquele momento, o comando da economia seria entregue aos bancos. Funcionou como retórica. Não vai funcionar como política econômica.

"Lula e Dilma falaram muito da herança maldita de FHC e do PSDB, mas ela terá de lidar no segundo mandato com uma herança negativa de sua própria autoria", avalia o cientista político Murillo de Aragão, presidente da consultoria Arko Advice. Ele mapeia as maiores dificuldades de Dilma à frente. A primeira é aprender a lidar com a base aliada, propensa a rebeliões, em parte como decorrência da falta de aptidão da presidente para negociar com deputados e senadores. A segunda é a falta de credibilidade do governo, resultado da incapacidade da presidente de entender o funcionamento das economias de mercado em sociedades abertas. A terceira é a que domina o ambiente político: como sobreviver ao petrolão? Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Pe-trobras, e Alberto Youssef, o doleiro encarregado do caixa do esquema de corrupção na estatal, continuam fornecendo resmas de provas à Justiça. Costa foi íntimo do poder nos governos de Lula (que o chamava, carinhosamente, de Paulinho) e de Dilma. Pelas mãos de Youssef, segundo ele, passaram recursos que financiaram a campanha de Dilma. "Pois todo o que pede recebe; o que busca encontra."

Mais gastos na hora de cortar

Ana Luiza Daltro – Veja

O Senado aprovou um projeto de lei que vai fazer com que estados e municípios diminuam o que vêm pagando para abater as suas dívidas com o governo federal. Antes corrigidos pelo IGP-DI e cobrados com juros entre 6% e 9% ao ano, condições que foram favoráveis nos anos 90 (época em que os débitos foram renegociados), os valores agora serão reajustados pelo IPCA acrescido de 4% ou pela Selic, a taxa de juros de referência - o que for menor. Como já havia sido aprovada pela Câmara, a proposta agora segue para a sanção da presidente Dilma. Cálculos do Itaú Unibanco estimam o impacto da medida entre 0,1% e 0,2% do PIB por ano. A princípio, parece pouco. Mas, levando em consideração apenas o cenário do ano passado, em que o Ministério da Fazenda chegou a defender a troca do indicador de correção, o valor significaria 15 bilhões de reais. A diferença entre a proposta original e a que foi aprovada no dia 5 de novembro é que esta valerá de forma retroativa, o que resultará em ainda mais perda de arrecadação para a União.

"Essas dívidas dificilmente seriam pagas nas atuais condições, e eventualmente ocorreria algum ajuste. Mas esse projeto foi aprovado em um mau momento", afirma o economista Raul Velloso. "0 governo sofre com a piora na situação fiscal e corre o risco de ser rebaixado pelas agências de classificação de risco. Existe ainda a possibilidade de se abrirem brechas para o descumpri-mento da Lei de Responsabilidade Fiscal." A cidade mais beneficiada será São Paulo, governada por Fernando Haddad, do PT. A dívida passou de 11 bilhões de reais em 2000 para os atuais 57 bilhões de reais, ou 189% do total da arrecadação municipal, limite superior ao estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 120%. O salto maior ocorreu nos tempos em que Marta Suplicy era prefeita.

Pressão de todos os lados

• À desastrosa indecisão de Dilma na economia, somam-se os apertos na política: focos de resistência nos aliados, derrotas inevitáveis no Congresso e o petrolão

Daniel Pereira e Adriano Ceolin – Veja

PT e PMDB são os grandes partidos da base de apoio a Dilma Rousseff e também — em paradoxo apenas aparente — as maiores fontes de pressão política sobre a presidente reeleita. Os peemedebistas se sentem sub-representados na administração pública, e não perdem a oportunidade de lembrar que foram tirados do Ministério da Saúde. Os petistas reivindicam apoio mais explícito da presidente a seus arcaísmos ideológicos e compromissos bolivarianos, que vão da censura à imprensa à estatização crescente da economia. No primeiro mandato, Dilma conseguiu resistir do alto de seus 12 milhões de votos de vantagem sobre José Serra, candidato da oposição. O cenário atual é diferente. Dilma ganhou por uma margem bem menor de votos, tem um PIB estagnado e há um clamor popular por mudanças. Grandes farejadores de fragilidades, os aliados estão vendendo muito mais caro o seu apoio.

O desafio mais urgente do governo é acertar os ponteiros com o PMDB. O partido usa sua estratégia de sempre. São muitos PMDBs. cada um obediente a um líder diferente. Mas, quando ameaçadas, as partes se juntam em um todo organizado e único. É nessa condição que o PMDB tem a presidência da Câmara e do Senado. É nessa condição que reivindica agora os ministérios da Saúde e da Educação. Mais difícil ainda para Dilma é atender à exigência do partido de que ela dê seu apoio à candidatura de Eduardo Cunha, deputado do PMDB do Rio de Janeiro, à presidência da Câmara. Dilma considera Cunha a personificação do fisiologismo. Ensaiou resistir a ele. Chegou a torcer, quem diria, para que os delatores do esquema de corrupção na Petrobras o implicassem no caso — e que isso se tornasse público. O raio não caiu na cabeça de Cunha e ele se fortalece a cada semana. Emissários da presidente já o procuraram para acertar uma conversa. Na semana passada, o vice-presidente Michel Temer pediu ao deputado que se apresentasse como um candidato governista e parasse de desafiar a presidente. As bases do entendimento estão lançadas, como ficou claro na declaração de Cunha: !"Não farei da presidência da Câmara uma trincheira da oposição, mas não serei um subalterno do Planalto".

No Senado, a pauta do PMDB é mais diversificada. O partido quer o apoio de Dilma à reeleição de Renan Calheiros para a presidência da Casa e o direito de indicar os próximos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Contas da União (TCU). O PMDB deixou claro que, pelo menos por agora, não apoiará a esperada indicação do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ao Supremo. "É um nome muito político. Não é o momento disso agora", afirmou o senador Romero Jucá. Os peemedebistas também prometem barrar a indicação da ministra Ideli Salvatti para o TCU. O PMDB tem seu candidato ao posto: o senador Vital do Rêgo. Ele ganhou a confiança dos colegas de partido ao presidir as CPIs do Cachoeira e da Petrobras, mesmo que elas não fiquem para a história como modelos exemplares do Poder Legislativo para investigar e punir. Ou talvez, como maldizem os adversários, por isso mesmo.

Controlar a Câmara e o Senado confere ao PMDB um peso específico na política que não pode ser simplesmente ignorado pelo governo. Como dizer não ao PMDB e, ao mesmo tempo, ver aprovado o projeto de lei que mais vivamente interessa ao governo agora — o que autoriza a redução do superávit primário? Se aprovado, o projeto de lei vai permitir ao governo diminuir a parcela do Orçamento destinada ao pagamento dos juros da divida pública e aumentar os investimentos. Ignorado pelo governo, o PMDB pode também aprovar leis como a que aumenta salários e gastos do Poder Judiciário, o que tem sido visto como uma bomba para as contas públicas. Embora mais ruidoso e rábico, o PT é uma ameaça menor para Dilma. "Eu não represento o PT. Eu represento a Presidência", disse ela. Os petistas de São Paulo, fortemente castigados pela vontade popular nas umas, são os mais ávidos por cargos de primeiro escalão no governo.

Até agora, o segundo mandato de Dilma na Presidência parece que terá todos os vícios do primeiro e nenhuma das virtudes que se espera da vencedora de uma eleição muito disputada e conquistada com uma estreita margem de votos.

Tudo para decolar

• Depois de conceder ao PT a graça de cumprir três mandatos presidenciais sem oposição digna do nome, o PSDB finalmente promete arregaçar as mangas contra o governo — bem, reúne todas as condições para fazê-lo

André Petry – Veja

Era quase ridículo escrever, mas o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entendeu que era preciso fazê-lo mesmo assim. Então, em meados de 2011. ele assinou um artigo sobre o papel da oposição. A certa altura, FHC dizia: "Cabe às oposições, como é óbvio e quase ridículo escrever, se oporem ao governo". Ridículo, mas necessário. No ano anterior, a presidente Dilma Rousseff fora eleita e começava o terceiro mandato consecutivo do PT no Palácio do Planalto — e o partido nunca, nesse tempo todo, sofrerá uma oposição digna do nome. Nesse contexto, era até preciso esclarecer que oposições existem para se opor ao governo. Na semana passada, agora que o PT caminha para completar dezesseis anos no poder, parece que, enfim, o PSDB resolveu encarar a missão de fazer oposição.

Derrotado, mas carregando um vistoso balaio de 51 milhões de votos, o tucano Aécio Neves voltou para Brasília depois do descanso pós-eleitoral e recebeu — ao desembarcar do avião de - carreira, ao deixar o aeroporto, ao chegar ao Congresso, ao entrar no plenário — tratamento normalmente dado às celebridades, com centenas de admiradores gritando seu nome, fotogrando e selfizando. Eis aí a primeira condição para fazer uma oposição eficaz: ter um líder popular e com algum carisma.

No dia seguinte ao seu retomo, numa reunião com aliados, Aécio prometeu fazer "a mais vigorosa oposição a que este Brasil já assistiu". Mais tarde, da tribuna do Senado, fez seu primeiro discurso na condição de líder da oposição, com plenário cheio e galerias lotadas. Criticou com dureza a campanha do PT e definiu seu papel: "Ainda que por uma pequena margem, o desejo maioria dos brasileiros foi que nos mantivéssemos na oposição, e é isso que faremos. Faremos uma oposição incansável, inquebrantável e intransigente na defesa dos interesses dos brasileiros. Vamos fiscalizar, cobrar, denunciai"". Eis a segunda condição: disposição para a luta.

Mais do que nunca, desde que perderam o poder em 2002, os tucanos reúnem todas as condições para exercer uma oposição consistente. Com a popularidade de Aécio, seu carisma e sua disposição, aliados a uma mobilização popular praticamente inédita para os tucanos, o PSDB se completa com uma plataforma programática que, em certa medida, jamais mereceu contestação — tanto que o próprio PT, desde o primeiro governo de Lula, sem nenhuma autocrítica e com muita mistificação, a adotou na política econômica e na política social. Reside aí, aliás, uma das razões que levaram o PSDB à inércia: seu discurso mais ou menos social-democrata foi surrupiado por um PT que migrou da esquerda para o centro na mesma medida em que deixava de ser a legenda defensora dos trabalhadores e dos fracos para virar o partido dos desempregados e dos pobres.

Juras de oposição implacável, no entanto, não são inéditas no repertório tucano. Em 2002, com Lula eleito, os tucanos anunciaram a formação de uma equipe técnica para assessorar os parlamentares na tarefa de "fiscalizar, cobrar, denunciar". Chegaram a elaborar um documento com críticas premonitórias ao Fome Zero, programa com que o PT pretendia refazer a paisagem social do país e que acabou enterrado pelo Bolsa Família. Foi um bom início, mas logo os tucanos, sempre tão indolentes quando o assunto é oposição, desanimaram. José Serra, candidato natural a líder da tropa, foi passar uma temporada nos Estados Unidos, estudando em Prince-ton. A missão de sustentar o fogo ficou nas mãos do desfibrilado PFL.

Quando perdeu a eleição para Fernando Collor, em 1989, o PT levou a sério o papel de oposição. Inspirado na experiência inglesa do shadow cabinet, criou um governo paralelo, com um ministério completo cuja tarefa era contrapor-se às políticas colloridas. Tinha dezesseis "ministros". Durou até o impeachment de Collor, depois virou o Instituto Cidadania, que. por sua vez, organizou as Caravanas da Cidadania, com as quais Lula percorreu o Brasil. Seis anos depois das caravanas, tinha a faixa presidencial no peito. Oposição, como se vê, não é coisa impossível, mas dá trabalho. O PSDB, doze anos fora do poder, ainda não aprendeu a vestir o figurino de partido de oposição. Em 2010, quando Dilma foi eleita pela primeira vez, Aécio se apresentou como um líder da resistência. Como na semana passada, fez até discurso no Congresso. Parecia, no entanto, pedir desculpas por falar um pouco mais alto.

A experiência do shadow cabinet dos ingleses, na qual o PT foi beber depois de 1989, tem muito a ensinar. Começou a surgir na segunda metade do século XIX, quando os oposicionistas passaram a fazer reuniões informais para discutir suas posições. Depois, trans-formaram-se num grupo organizado, que deveria espelhar o que seria de fato um governo de oposição, com reuniões formais — sempre às 17 horas, todas as terças-feiras. Hoje, a composição do shadow cabinet é noticiada pela imprensa inglesa como a composição de um ministério de verdade. Os ministros paralelos, se não fazem um bom trabalho, são demitidos. Sua função não é só fustigar o governo. Em caso de vitória da oposição, o ministro paralelo tende a ser empossado como ministro oficial. Além de definir táticas e conceber políticas alternativas, o shadow cabinet serve como treino para o exercício do governo. Tony Blair foi membro do governo paralelo por anos a fio antes de tornar-se o mais longevo primeiro-ministro trabalhista da história inglesa.

A oposição não é um efeito colateral deletério da democracia. Está na sua essência. O aristocrata Benjamin Disraeü (1804-1881), duas vezes primeiro-ministro da Inglaterra, quando seu país era a potência hegemônica, no século XIX, sabia o valor de um governo e de uma opção. Em seu tempo, Disraeli. do Partido Conservador, travou batalhas memoráveis com William Gladstone (1809-1898). seu antípoda perfeito, lider do Partido Liberal que foi quatro vezes primeiro-ministro. Com a autoridade de quem esteve nos dois lados do balcão. Disraeli, cujo sucessor nas duas vezes em que comandou o governo foi o próprio Gladstone, assim definiu sua experiência: "Nenhum governo pode dizer que é um sucesso sem uma oposição formidável".

A oposição, porém, não se faz apenas nos gabinetes — faz-se nas ruas, como aconteceu em mobilizações históricas. como a campanha dos americanos contra a Guerra do Vietnã, nos anos 60, ou a imensa mobilização dos brasileiros pelas eleições diretas, nos anos 80. Nos gabinetes ou fora deles, a ausência de oposição eqüivale à presença de um poder hegemônico — e hegemonia é coisa do DNA petista. Se o PSDB pretende mesmo barrar as pretensões hegemônicas do PT, precisa aproveitar as condições

favoráveis de agora — nos gabinetes e nas ruas — e fazer o dever de casa. Urna oposição não nasce no grito, nem no embalo de 51 milhões de votos. Em 2010, os tucanos tiveram 43 milhões de votos — menos, mas ainda assim uma votação estupenda. No entanto, nada disso ensejou uma oposição organizada. Para chegar lá, o PSDB precisa estudar as razões da derrota e extrair as lições correspondentes. Na semana passada, Aécio fez questão de reclamar da campanha do PT — "a campanha da infâmia, da mentira". Mas acusar o PT de travar uma disputa que "chegou às raias do impensável" poderia explicar tudo se o PSDB estivesse amargando sua primeira derrota, e não a quarta consecutiva. É ululante que alguma outra coisa — que não a infâmia petista — está desterrando o tucanato.

As duas primeiras semanas de oposição tucana produziram um saldo controvertido. O PSDB começou mal ao pedir uma auditoria ao Tribunal Superior Eleitoral para examinar os votos do segundo turno. Levantou uma suspeita grave com base em nada e ficou com fama de perdedor chorão. Afinal, suas "desconfianças" quanto à "confiabilidade da apuração dos votos" só surgiram com a derrota, mas não quando Aécio foi para o segundo turno com uma votação surpreendente e inesperada até para ele mesmo. Passado esse equívoco, o PSDB acertou em cheio ao desassociar-se das manifestações de rua em que muitos cidadãos pediram o impeachment de Dilma e alguns celerados clamaram por uma intervenção militar. "Não sou golpista. Sou filho da democracia", disse Aécio, ao afirmar que não via fato concreto que justificasse um processo de impeachment.

É um desalento constatar que ao acerto de repudiar golpes e golpistas tenha se seguido um novo erro — um con-chavão, do qual os tucanos participaram, destinado a poupar a carcaça de uns apaniguados na CPI da Petrobras (veja o quadro ao lado). O conchavão foi selado no dia em que, da tribuna do Senado, Aécio condicionava a proposta de diálogo de Dilma à investigação e punição exemplar dos propineiros da Petrobras. Assim, vira piada pronta. Assim, o ex-presidente Fernando Henrique vai ter de escrever, mais uma vez, que a oposição existe para se opor ao governo.

A falta que os fatos fazem - O Estado de S. Paulo / Editorial

Foram apenas palavras - ainda que as mais surpreendentes que a presidente Dilma Rousseff terá pronunciado em muito tempo. Na quinta-feira, dois dias depois de se reunir com o mentor Luiz Inácio Lula da Silva, o que decerto contribuiu em não pouca medida para algumas de suas inesperadas afirmativas, Dilma deu uma entrevista de duas horas aos quatro principais jornais brasileiros, cumprindo um compromisso assumido em seguida à reeleição. Pela primeira vez, ela abriu uma fresta para se admitir a possibilidade de que não será, nos próximos quatro anos, cópia fiel do que tem sido - uma combinação tóxica de soberba, dogmatismo e incompetência.
Não é nada, não é nada, a governante que se comportava como a proverbial rainha da cocada preta do léxico popular pelo menos agora usa a expressão para dizer como não devem agir os ganhadores de uma eleição. Com algum otimismo, pode soar como indício de autocrítica.

Em matérias substanciais reconheceu - ainda que no limbo das generalidades - que terá de fazer "o dever de casa" para enfrentar a inflação. Salvo melhor juízo, não se recorda de Dilma ter recorrido alguma vez a esse termo, de emprego corrente no jargão ortodoxo, segundo o qual a arrumação das contas públicas é condição necessária, embora não suficiente, para o crescimento sustentado da economia. Isso dito, literalmente, a reeleita deu um pequeno passo em direção ao mundo real, ao admitir, além do aperto imperativo do controle da inflação, que existem restrições fiscais para fazer "a política anticíclica que poderia ser necessária agora" - traduzido do jargão, significa gastar mais quando as coisas vão mal, o que é o caso de um país que deverá fechar o ano com um PIB crescendo menos de 1%. E assinalou que combaterá a carestia com a arma fiscal, não com a monetária - segurando e racionalizando gastos, de preferência a aumentar os juros.

Derramando um saleiro nas feridas petistas que ela abriu de caso pensado com o aparente aggiornamento de suas ideias, respondeu no melhor estilo Dilma a uma pergunta sobre a hidrófoba resolução aprovada três dias antes pela Executiva Nacional do PT - que declarava guerra de extermínio à oposição e à liberdade de imprensa, e ainda deixava escancarada a pretensão de tomar de assalto o Banco Central. Ela até que poderia ter se limitado a retrucar, da forma convencional como fez, que não representa o PT, mas a Presidência, e que não é presidente da agremiação, mas "dos brasileiros". Houve situações em que o seu próprio patrono Lula disse algo assemelhado. Mas a afilhada escolheu ir além. "A opinião do PT é a opinião do partido, não me influencia", fulminou. De notar que ela nem sequer amenizou a estocada, dizendo respeitar os pontos de vista da sigla pela qual chegou ao Planalto.

Quem comprar as palavras de Dilma pelo seu valor de face poderá, ou não, fazer um bom negócio no mercado de especulações sobre o que será o seu novo período de governo. O desembolso será de pouca monta: o farto retrospecto da presidente respalda, ainda, o ceticismo em relação ao que virá depois de 1.º de janeiro. Mas a leitura da íntegra de sua entrevista, claramente concebida como uma minuta do discurso de posse, deixa no ar a sensação - não mais do que uma sensação - de que a entrevistada está "na dela", de maneira diferente daquela a que acostumou os brasileiros a vê-la. Quando ela explica, por exemplo, que o diálogo que prega não é algo "metafísico", mas a busca de pontos em comum "que podemos levar juntos" em áreas específicas de governo, como a educação, quem sabe não seja mais do mesmo. O óbvio problema é a ausência de fatos que corroborem essa generosa avaliação.

Pior é a deliberada demora da presidente em apresentá-los, supondo que existam. Enquanto o País, com justos motivos, espera para ontem o nome do sucessor do submisso Guido Mantega no Ministério da Fazenda, Dilma informa que só anunciará o escolhido depois de regressar da reunião do G-20, a começar no próximo sábado, em Brisbane, na Austrália. E não será de imediato, como avisou com perversa ênfase, "mas nas semanas seguintes - com vários esses". Ela simplesmente não atina com a gravidade do momento econômico.

Aécio Neves: ‘Para a direita não adianta me empurrar que eu não vou’

• Senador tucano reafirma que não irá abdicar do papel de oposição e que PT enfrentará “oposição conectada com a sociedade”

Maria Lima, Lydia Medeiros e Silvia Fonseca – O Globo

RIO - Aécio Neves chega caminhando sozinho pela rua. Vem do pediatra e entra na casa do amigo onde daria entrevista, em Ipanema, contando que os filhos gêmeos, nascidos prematuros, engordaram. Diz que depois de olhar tanto no olho da adversária que o derrotou na campanha mais acirrada da História não abdicará de seu papel de fazer oposição. Admite erros. Mas diz que, pela primeira vez, o PT enfrentará uma “oposição conectada com a sociedade, e isso os assusta”.

Como o senhor viu a entrevista da presidente Dilma, que chamou de lorota o corte de ministérios e de ideia maluca sua proposta de choque de gestão?

A candidata Dilma estaria muito envergonhada da presidente Dilma. Para a candidata, aumentar juros era tirar comida da mesa dos pobres. Três dias depois da eleição, o BC aumentou os juros. Para a candidata, não havia inflação. A presidente agora admite que há e que é preciso controlá-la. A candidata dizia que as contas públicas estavam em ordem, e descobrimos que tivemos um setembro com o pior resultado da história. A candidata dizia que cumpriria o superávit fiscal, e agora se prepara para pedir a revisão da meta de 1,9%. Estamos assistindo ao maior estelionato eleitoral da História. O choque de gestão, que incomoda tanto o PT, nada mais é do que gastar menos com o Estado e mais com as políticas fins. É o contrário do que o PT pratica. O próximo mandato, que se inicia, já começa envelhecido. A presidente não se acha no dever de sequer sinalizar como será a política econômica. E é curioso vermos a presidente correndo desesperada atrás de um banqueiro para a Fazenda. Eu hoje chego na minha casa, coloco a cabeça no travesseiro e durmo com a consciência muito tranquila. Fiz uma campanha falando a verdade, não fugi dos temas áridos, sinalizei na direção da política econômica que achava correta. Não sei se a candidata eleita pode fazer o mesmo.

A oposição também não está envelhecida?

A oposição sai extremamente revigorada da eleição. A campanha teve duas marcas muito fortes. A primeira, protagonizada pelo PT e pela candidata que venceu: a utilização sem limites da máquina pública, do terrorismo eleitoral, aterrorizando beneficiários do Bolsa Família, do Minha Casa Minha Vida. Inúmeras regiões ouviram durante meses, isso sim uma grande lorota, que, se o 45 ganhasse, seriam desfiliados dos programas. Infelizmente, essa é uma marca perversa. Mas há uma outra, extraordinária, que é um combustível para construir essa nova oposição. O Brasil acordou, foi às ruas. Minha candidatura passou a ser um movimento. Nosso e desafio é manter vivo esse sentimento de mudança, por ética.

Como atuar de forma diferente?

Pela primeira vez, o PT governará com uma oposição conectada com a sociedade. O sentimento pós-eleição foi quase como se tivéssemos ganhado. E os primeiros movimentos da presidente são de desperdiçar a oportunidade de renovar, de admitir equívocos, mudar rumos. Ela começa com o mesmo roteiro: reúne partidos para discutir um projeto de reforma política ou uma agenda de crescimento? Não! Reúnem-se em torno da divisão de ministérios, de nacos de poder. As pessoas não se sentam para ouvir da presidente: "Quero o apoio para um grande projeto de país." Era o que eu faria. A grande pergunta dos brasileiros será: para que novo mandato se não há projeto novo de país? Para continuar distribuindo cargos e espaço de poder para as pessoas fazerem negócios? A presidente corre o risco de começar o mandato com sentimento de fim de festa.

O PSDB fará um “governo paralelo”?

Vamos constituir dez grupos, de dez áreas específicas, para acompanhar as ações do governo. Comparar compromissos de campanha com o que acontece em cada área. Queremos subsidiar nossos companheiros, lideranças da sociedade, vereadores, governadores, parlamentares.

Isso não reforça o discurso de que vocês precisam desmontar o palanque?

Chega a ser risível ouvir o PT falar que é hora de descer do palanque. O PT, sempre que perdeu, nunca desceu. E quando venceu também não desceu. E quem paga a conta são os brasileiros. Cumprimentei a presidente pela vitória. Agora vou cumprir o papel que me foi determinado por praticamente metade da população. Vamos ser oposição vigilante, fiscalizadora, e não vamos deixar que varram para debaixo do tapete, como querem fazer, esses gravíssimos escândalos que estão aí.

Mas não houve acordo na CPI da Petrobras para blindar políticos, com apoio do PSDB?

Quero dizer de forma peremptória e definitiva: vamos às últimas consequências nessas investigações, não importa a quem atinjam. Até pelo nível de insegurança de setores da base do governo, o que pode estar vindo por aí é algo muito, mas muito grave. Não depende mais apenas da ação do Congresso ou da Justiça no país, porque essa organização criminosa que, segundo a PF, se institucionalizou na Petrobras, tem ramificações fora do Brasil. E outros países estão agindo. Nosso papel é não permitir, do ponto de vista político, tentativas de limitação das investigações. Se alguém pensou em algum acordo, e no caso do deputado Carlos Sampaio ele foi ingenuamente levado a isso, será corrigido.

A desconstrução marcou a campanha. Como enfrentar isso em 2018?

O marketing petista deseduca a população porque não permite o debate. Será que vai dar certo sempre? Queremos transformar o Bolsa Família em política de Estado para que saia dessa perversa agenda eleitoral. Apresentamos o projeto, e agora ficou claro porque o PT votou contra. O PT prefere ter um programa para manipular as vésperas das eleições, como se fosse uma bondade. Há uma manipulação vergonhosa de instituições como Ipea e IBGE. A presidente usou o marketing de que tinha tirado não sei quantos milhões da miséria já sabendo que a miséria aumentara. Mais um estelionato. Setembro foi o pior mês do século em geração de emprego. Há 20 milhões de jovens sem ensino fundamental e médio. Nossa educação, comparativamente a nossos vizinhos, é péssima. E o governo acha que política social é o Bolsa Família. Não. Tem que ser saúde, educação de qualidade e geração de emprego para incorporar essas pessoas ao mercado formal.

Como o PSDB se manterá unido com uma disputa interna que se anuncia para 2018?

Antecipar uma divisão no PSDB hoje é uma bobagem. Não tenho obsessão em ser candidato a presidente. O que há hoje é um PSDB, ao lado de outras forças, conectado a setores da sociedade com os quais não estávamos vinculados. Esse é o grande fato novo. Lá na frente, o candidato será aquele que tiver melhores condições de vencer.

Há uma nova direita indo às ruas e pedindo a volta dos militares. Como fazer com que o PSDB não se confunda com esse movimento?

Com nosso DNA. Sou filho da democracia. O que houve foi a utilização de movimentos da sociedade por uma minoria nostálgica que nada tem a ver conosco e com nossa história. A agenda conservadora, antidemocrática, totalitária, é a do PT. Esse documento do PT, lançado depois das eleições, é muito grave. Fala no cerceamento da liberdade da imprensa, de um projeto hegemônico de país, sem alternância de poder. Fala de uma democracia direta que, de alguma forma, suplantaria ou diminuiria a participação do Congresso na definição das políticas públicas. Teve um momento na campanha do meu avô Tancredo, em 1984, que pregaram uns cartazes em Brasília com o símbolo do comunismo. Era um movimento da direita mais radical para dizer que ele era comunista. Tancredo disse: "Olha, para a esquerda não adianta me empurrar que eu não vou." Ele era um homem de centro. E, agora, eu digo: "Para a direita não adianta me empurrar que eu não vou".

E os erros na campanha? Faltou conexão com minorias, movimentos de base?

Faltaram poucos votos que não conseguimos por falta de estrutura. Nas eleições municipais teremos candidatos com capilaridade em segmentos muito mais amplos. Em dezembro, reuniremos a Executiva com esse foco. Faremos ampla campanha, uma semana de filiação no Brasil. Com gente nas ruas, sindicatos, universidades. Estarei em Maceió, numa grande teleconferência, para sinalizar que o Nordeste sempre será prioridade para o PSDB. As pessoas estão procurando saber como participar, como se filiar. Isso nunca acontecera. Voltamos a ser depositários da confiança de parcela importante da sociedade que nunca fez política e está querendo fazer.

Quais foram os erros em Minas? É consenso que o senhor perdeu porque foi derrotado lá.

Ainda estou tentando entender. Meus adversários tiveram ação organizada muito forte nas regiões mais pobres de Minas. Temos imagens de deputados com megafones dizendo: "Aécio vai acabar com o Bolsa Família". Os Correios não levavam nosso material, e não estávamos atentos. Houve talvez certa negligência do nosso pessoal. E nossa candidatura estadual também não foi bem. No segundo turno, a força do governador eleito acabou sendo um contraponto forte. Ninguém é invencível. Eu não sou infalível. É do jogo político. Souberam ser mais competentes do que nós. A responsabilidade é minha mesmo. Vamos recuperar esse espaço. Lançar candidato a prefeito em Belo Horizonte, onde ganhamos por 60% a 30%, e em todas a grandes cidades.

E a derrota no Rio?

Eu ter tido 45% dos votos no Rio foi um ato de heroísmo. Os dois candidatos do segundo turno estavam com Dilma. E ainda espalharam jornais apócrifos me colocando como inimigo do Rio.

A aliança de oposição será mantida?

É bom que a oposição tenha várias caras. É um erro estratégico, além de gesto de absoluta arrogância, achar que sou o líder das oposições. Não sou. Somos um conjunto de pessoas credenciadas para falar em nome de uma parcela importante da população. Sou cioso da autonomia do Congresso. Mas gostaria de ver alguma forma essa aliança reeditada na eleição para a presidência da Câmara. Quem sabe num gesto em direção do PSB. A mim agradaria, mas é uma decisão que será tomada com absoluta autonomia pelos deputados.

O senhor sempre repete a frase de Tancredo que ser presidente, mais do que projeto, é destino. Ainda concorda?

Não é obsessão, como jamais foi. Sou hoje um homem de bem com a vida, conheci um Brasil novo, vibrante, com esperança. Não é frase de efeito. Vi coisas de emocionar. Gente que via esperança em mim. E isso é muito sério.

PT debate concessões para viabilizar reforma política no Congresso

• Setor do partido propõe abdicar de Constituinte exclusiva e plebiscito em prol do financiamento público de campanha

Fernanda Krakovics - O Globo

BRASÍLIA - O PT se divide entre a reforma política considerada ideal e a possível. Integrantes da cúpula petista defendem que, para aprovar o financiamento público de campanhas eleitorais no Congresso, o partido abra mão de pontos como o voto em lista preordenada, a defesa da reeleição, a Assembleia Constituinte exclusiva e o plebiscito sobre o tema. Uma negociação nesses moldes, no entanto, encontra resistências internas porque, na visão de alguns, “rebaixaria o debate”.

A defesa das concessões está em texto apresentado pelo secretário-geral do PT, deputado Geraldo Magela (DF), em reunião da Executiva Nacional do partido, na última segunda-feira. Magela coordenará um grupo que vai redigir a resolução política a ser aprovada pelo Diretório Nacional do PT, no fim do mês. O documento apresentado por ele na segunda-feira fará parte dessas discussões.
“Não é demais lembrar que nossa posição de querer votar a reforma perfeita na Câmara inviabilizou sua votação”, diz o documento que circulou na reunião da Executiva.

Depois das manifestações de junho do ano passado, a presidente Dilma Rousseff propôs a realização de uma Constituinte exclusiva para discutir o assunto. A proposta abriu uma crise com o PMDB. 

Embora constitucionalista, o vice Michel Temer sequer foi consultado previamente e lançou críticas abertas à proposta. A presidente recuou e passou a defender, com aval do vice, a realização de um plebiscito. O PMDB, no entanto, continuou considerando que se tratava de uma usurpação das funções do Congresso — crítica que foi ecoada por boa parte dos partidos da base e da oposição.

“Também não é fundamental que a reforma seja feita por uma Constituinte exclusiva ou que seja submetida a plebiscito prévio, pontos sobre os quais podemos avançar para garantir que a reforma política seja pauta do Congresso com ampla participação da sociedade. Participação da qual não podemos prescindir”, diz outro trecho do documento.

Outras alas do PT, no entanto, resistem a fazer concessões:

— Não dá para debater a reforma política eliminando itens importantes. Temos que discutir o ideal para chegar no possível. O eleitor tem que conhecer tudo. A reforma política tem que ser para o país, e não para os políticos — defendeu Jorge Coelho, um dos vice-presidentes do partido.

Sem apoio suficiente no Congresso, o PT está colhendo assinaturas para apresentar um projeto de lei de iniciativa popular com quatro itens: convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva para fazer uma reforma política, instituição de financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais, voto em lista e aumento compulsório da participação feminina nas candidaturas.

Proposta teve resistências na reunião da Executiva
O PT sustenta que a escolha de deputados em uma lista preordenada fortaleceria os partidos políticos; que a convocação de uma Assembleia Constituinte exclusiva seria necessária para criar um ambiente político específico, que não atrapalhasse a rotina do Congresso; e que o financiamento público acabaria com a influência do poder econômico nas eleições.

“O financiamento público das campanhas é mais importante do que a eleição parlamentar em listas. Portanto, não pode o PT se fixar em aprovar o financiamento público apenas na condição de vê-lo aplicado à aprovação das listas partidárias. Também não deveremos adotar como posição inflexível a defesa da reeleição”, diz o texto apresentado pelo secretário-geral do PT na reunião da Executiva.

A oposição tem defendido o fim da reeleição com mandato de cinco anos. Durante a campanha eleitoral deste ano, a presidente Dilma considerou essa proposta casuística ao lembrar que a reeleição foi aprovada com o apoio do governo Fernando Henrique.

De acordo com integrantes da Executiva Nacional do PT, Magela, autor do texto, sustentou sua posição na reunião da última segunda-feira, afirmando que o modelo de reforma política defendido pelo PT não passa no Congresso. A proposta do secretário-geral do partido encontrou resistências assim que foi apresentada.

O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP) foi execrado no ano passado por ter defendido posição divergente do seu partido e alinhada com a do PMDB. Presidente da comissão formada pela Câmara para discutir a reforma política, ele virou persona non grata no PT depois de ter declarado que as mudanças só valeriam para as eleições de 2018, contrariando posição da presidente Dilma, que insistia em plebiscito com efeito já para as eleições deste ano.

O PT se agarrou à defesa da reforma política como bandeira ética e para tentar recuperar conexão com as ruas. Por isso, mesmo depois de a presidente ter recuado do plebiscito e admitido a realização de um referendo, como sugeriu o PMDB, petistas continuam defendendo a consulta popular prévia.
— Em determinadas lutas, perder não é perder. Temos que segurar essa posição do plebiscito. Se perdermos, teremos cumprido nosso papel — disse o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE).

Necessidade de cortes e economia frágil atrasarão compromissos de campanha

• Ao longo da campanha e durante os debates na televisão, Dilma assegurou a ampliação do Minha Casa, Minha Vida, do Programa Ciência sem Fronteiras e do Pronatec

Paulo de Tarso Lyra - Correio Braziliense

O Brasil prometido pela presidente Dilma Rousseff durante a campanha eleitoral poderá começar a sair dos planos e se tornar realidade em janeiro… de 2017. Com as contas públicas em desalinho, a inflação no teto da meta, os juros em alta e a necessidade de um arrocho fiscal que deve superar um contingenciamento de R$ 50 bilhões no Orçamento do ano que vem, dificilmente a petista conseguirá, no próximo ano, deslanchar o que prometeu durante a disputa contra o tucano Aécio Neves.

Em 2016, a situação poderá estar melhor, dependendo das escolhas feitas e dos remédios adotados pelo governo no ano que vem. Mas, por ser um ano eleitoral — disputa para prefeituras e câmaras municipais —, contratos de obras e liberação de recursos só poderão ser feitos até o meio do ano, por conta das restrições do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com isso, as ações de Dilma poderão ficar para a segunda metade do segundo mandato.

Ao longo da campanha e durante os debates na televisão, Dilma assegurou a ampliação do Minha Casa, Minha Vida, do Programa Ciência sem Fronteiras e do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), além da conclusão de várias obras de infraestrutura. Mas na última sexta-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já anunciou redução do fôlego do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A tesourada poderá atingir outros bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal, responsável justamente pelos contratos do Minha Casa, Minha Vida.

Daqui para a frente, tudo vai ser diferente

• A oposição volta com ânimo novo depois da eleição e quer se organizar para fazer um combate sem trégua a Dilma

Leopoldo Mateus – Época

Após a derrota nas eleições presidenciais de 2010, o candidato do PSDB, José Serra, fez um pronunciamento em que constatava um desafio. "Chego hoje nesta etapa final com a mesma energia que tive ao longo dos últimos meses. O problema é como despender essa energia nos próximos dias e semanas", disse. Após alguns dias de reclusão, Serra decidiu dar uma palestra na França. Seu vice, índio da Costa, foi descansar na Espanha, enquanto o então presidente do PSDB, Sérgio Guerra, preferiu os Estados Unidos. Em 2014, a oposição decidiu recomeçar de forma diferente. Após uma semana de repouso em sua fazenda no interior de Minas Gerais, Aécio abortou a ideia de uma viagem ao exterior e voltou ao Senado. O motivo estava na recepção que o aguardava em Brasília: centenas de pessoas o esperavam no Congresso Nacional na última terça-feira. É um sinal que a oposição promete atuação implacável contra o governo Dilma e poderá encontrar em grande parte da sociedade ressonância para manter-se atuante.

Por esse motivo, a ambição dos correligionários de Aécio é torná-lo o porta-voz das oposições brasileiras, mais que mero líder do PSDB. Com esse objetivo, Aécio será preservado do pinga-fogo do Congresso. Esse trabalho ficará a cargo da forte bancada oposicionista no Senado. Ela agora passará a contar também com José Serra (PSDB-SP), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Ronaldo Caiado (DEM-GO). A prioridade de Aécio será fazer a interlocução com segmentos da sociedade. De acordo com os planos, ela fará, em 2015, viagens frequentes aos Estados. "Vamos deixar o fim de ano passar, porque mobilização obedece a ondas e a sociedade está exausta após as eleições", diz o deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), aliado de Aécio. Os tucanos pretendem também ampliar sua atuação nas redes sociais, onde o PSDB tem presença débil em comparação com o PT. A equipe de comunicação do partido será reforçada.

No âmbito do Congresso, o PSDB se movimenta para unir os partidos de oposição em torno de um nome que seja bem recebido pela opinião pública para a disputa da presidência da Câmara dos Deputados. A intenção é que PSDB, DEM, PSB, Rede, PV e PSC se unam em torno de um dos três nomes que aparecem na lista de preferências dos oposicionistas: Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), Miro Teixeira (Pros-RJ) ou Julio Delgado (PSB-MG). O PSDB pretende também se estruturar para fazer o que não conseguiu fazer, com êxito, nos últimos anos: uma fiscalização permanente do governo. Quer montar uma espécie de gabinete paralelo, inspirado nos "shadow cabinets" da oposição no Reino Unido. Será formado por núcleos de especialistas. Para mostrar que o compromisso de fiscalizar é sério, Aécio desautorizou o acordo feito na CPI da Petrobras, atualmente em funcionamento no Congresso, para que políticos não sejam convocados a depor. Segundo Aécio, o PSDB quer a abertura de uma nova CPI sobre o petrolão em 2015.

Merval Pereira - Sinais ambíguos

- O Globo

Em cenários feitos antes da eleição, pelo cientista político Octavio Amorim Neto, da Fundação Getulio Vargas do Rio, não havia um quadro tão confuso como o que emergiu das urnas, uma mistura de cenário otimista, do ponto de vista político, e pessimista para a presidente Dilma.

O cenário pessimista previa uma vitória no segundo turno por uma pequena diferença, e isso foi o que aconteceu.

Mas o PT continuou sendo o maior partido na Câmara, apesar de ter perdido 18 deputados federais, manteve-se mais ou menos o que era no Senado e teve uma grande conquista nas eleições estaduais que foi o governo de Minas.

A relação do governo com o Congresso vai depender muito dos sinais que a Dilma vier a dar nas próximas semanas, e o cientista político da FGV tem três critérios para a presidente melhorar sua relação com a base governista: primeiro, tratar melhor os aliados no que concerne à distribuição de cargos, sobretudo o PMDB.

Ele esclarece que insiste no PMDB por que a pulverização partidária é tal que os partidos estão muito pequenos para pedir mais de um ministério, só o PMDB teria direito a mais ministérios. Outra coisa que sinalizaria uma maior disposição da Dilma de ouvir, consultar e cooperar seria reduzir a emissão das medidas provisórias.

Para Octavio Amorim Neto, Dilma é uma das presidentes mais decretistas desde a promulgação da Constituição que 1988, se relacionarmos o número de decretos com a promulgação de projetos de lei.

 Nos três primeiros anos, Dilma emitiu 116 medidas provisórias e propôs apenas 81 projetos de lei.No segundo mandato de Fernando Henrique, por exemplo, foram 206 medidas provisórias e 236 projetos de lei ordinária, muito mais equilibrado. O terceiro critério seria a presidente respeitar os vetos de seus aliados a determinadas iniciativas.

Isso já não aconteceu no discurso da vitória, ressalta Amorim Neto. Em junho de 201, após as grandes manifestações populares, ela propôs um plebiscito para a reforma política e o PMDB vetou. Passados 1 ano e meio, ela propõe novamente o plebiscito, forçando o PMDB a vetar no dia seguinte, esgarçando a relação dos dois partidos.

Isso tem a ver com problemas intrapartidários da Dilma, lembra ele. Ela tem problemas dentro do PT e dentro da coalizão. No PT, tem que lidar não apenas com Lula, e sua proposta de se adotar uma política econômica mais pragmática, mas também com a esquerda do partido, que demanda projetos mais vigorosos. A sinalização dela tem sido muito ambígua, refletindo perfeitamente o resultado da eleição.

Dentro da ambiguidade dos resultados, a redução da bancada do PT na Câmara, que perdeu pela primeira vez a hegemonia dos votos de legenda para o PSDB, um indicador que sempre foi a seu favor. Mas a situação do PSDB também é ambígua. Nunca teve um desempenho tão bom no segundo turno, saiu renovado da eleição, mas teve essa derrota em Minas que é uma marca muito séria. Por pouco também o PSDB não cai à condição de partido médio na Câmara, ressalta o cientista político da FGV. Como temos um sistema muito fragmentado, um partido médio no Brasil é o que tem menos de 10% das cadeiras. O PSDB teve um pouco mais que esses 10% (52), com 54 cadeiras na Câmara.

Temos, portanto, analisa Octavio Amorim Neto, um sistema bipartidário no plano presidencial há 20 anos, um sistema altamente fragmentado no Congresso, porém os três maiores partidos continuam sendo os mesmos: PT, PMDB e PSDB. Há indicadores de pulverização por um lado, mas estabilidade por outro.

A conseqüência do processo do “petrolão” vai depender, segundo o cientista político Octavio Amorim Neto, do que acontecer no plano econômico. Se se fizer necessário um ajuste profundo, como alguns economistas estão dizendo, é muito provável que o Executivo tenha que propor reformas constitucionais ao Congresso. Nesse caso, a coligação da Dilma, que tem 59% da Câmara, teria que pedir a cooperação da oposição, especialmente do PSDB e do PSB.

Nesse caso a oposição vai pedir em contrapartida uma investigação mais dura do escândalo da Petrobras, que pode tomar um tempo enorme do Congresso ao longo de 2015. Essa ambiguidade da Dilma vai se traduzir em um fosso muito grande entre a retórica da presidente e as ações do governo. 

É muito possível, avalia Amorim Neto, que ela utilize uma clássica tática peronista, ir para a direita sinalizando para a esquerda. Lula é mestre em fazer isso, uma retórica pública muito à esquerda para compensar decisões que vão em sentido contrário.

Dora Kramer - O embate continua

- O Estado de S. Paulo

O andar da carruagem não deixa dúvida: a disputa pelo comando da Câmara dos Deputados vai repetir o clima de beligerância que marcou a eleição presidencial. Guardadas as devidas proporções e observado o reposicionamento dos personagens na arena, o PT estará de novo no centro de um embate pesado na defesa de seus espaços de poder.

A escolha do novo presidente é só em fevereiro, mas os partidos já delimitam seus terrenos, mostram suas armas e, pela primeira vez desde que se tornaram parceiros no Planalto, PT e PMDB partem para um enfrentamento direto. São as duas maiores forças com representação na Câmara.

O PMDB apresenta Eduardo Cunha, o líder da bancada, como candidato. O PT anuncia que não aceita e lançará um dos seus para combatê-lo. Faz o gesto inesperado do veto, carimba em Cunha a marca de "oposicionista" e, com isso, dá margem à interpretação de que considera declarada a guerra.

Enquanto os dois aliados polarizam, o PSDB, adversário na eleição, em princípio aposta na terceira via e pensa seriamente em lançar a candidatura do deputado Júlio Delgado (PSB). Na eleição passada ele teve 167 votos para a presidência da Câmara contra Henrique Eduardo Alves. Delgado examina a conveniência da empreitada, pois não vê sentido em entrar numa disputa apenas para marcar posição. "Ou vou para tentar ganhar e qualificar o Parlamento ou não vou."
Para "ir" ele precisa transpor dois obstáculos: a decisão do PSB sobre apoio ao governo ou à oposição e a tomada de posição dos tucanos entre sustentar realmente um nome de oposição ou preferir aderir a Eduardo Cunha no intuito de derrotar o Palácio do Planalto.

O líder do PSDB na Câmara, Duarte Nogueira, tende a achar que o melhor é a oposição não ficar a reboque do PMDB. "Não podemos perder de vista que, divergências à parte, o partido é governo." Em outros termos, de certa forma concorda com ele o deputado Lúcio Vieira Lima, do PMDB, que rechaça a pecha de candidatura "oposicionista" para Eduardo Cunha.

"Ele não é chapa branca, representa a insatisfação da Casa com a imposição de vontades do Executivo. Com essa candidatura, não queremos derrotar ninguém, mas apenas afirmar a independência do Legislativo. Se a oposição compreender isso, entenderá que é melhor vir conosco, embora tenha todo o direito de apresentar um nome, assim como o PT."

Já petistas que participaram da reunião da bancada em que foi decidido o veto a Eduardo Cunha e o lançamento de candidatura própria argumentam que não são justos os ataques que apontam para o desejo de o PT conquistar hegemonia de poder.

Ainda mais partindo do PMDB, que tem nas mãos as presidências da Câmara e do Senado, além da vice-presidência da República. "A menos que reconheçam que Michel Temer na vice-presidência não vale nada", diz um deles, lembrando que o PT tem o maior número de deputados e, assim, tem o mesmo direito de aspirar à presidência da Câmara que o PMDB de presidir o Senado, onde tem a maior bancada.

Presença vip. Além do anúncio das medidas adiadas em função das necessidades eleitorais, outra mudança é possível observar na presidente Dilma Rousseff marcando desde já o início do segundo mandato: ela está muito mais loquaz. Sociável, até.

Recebeu parlamentares, deu entrevista coletiva para os principais jornais, falou para emissoras de televisão, discursou em cerimônia oficial abordando tema político, enfim, fez o que lhe cabia "no que se refere" a não deixar a oposição tomar sozinha conta da cena.

Quanto às questões de conteúdo necessárias para refazer os malfeitos, a presidente continuou devendo maiores esclarecimentos. Tanto é assim que da longa entrevista o que se extraiu de destaque no noticiário foi a promessa de fazer "o dever de casa". Depois de quatro anos de mandato.

Ferreira Gullar - Caixinha de surpresas

• O PMDB pode tolerar a arrogância petista, mas não ao ponto de aceitar seu próprio fim

- Folha de S. Paulo / Ilustrada

Gostaria de deixar claro que, muito embora tenha criticado a atuação de Dilma Rousseff e do PT durante a campanha eleitoral, não torço para que seu governo fracasse, mesmo porque o que está em jogo, neste caso, é o interesse do país e, consequentemente, o interesse de todos nós.

Na última crônica, afirmei que Dilma terá de enfrentar graves problemas, tanto no plano econômico e político, como nos escândalos que envolvem a Petrobras e o próprio partido do governo. Não me rejubilo com isso. Apenas constato o que está evidente para todo mundo que acompanha a vida política brasileira.

Não resta dúvida que o escândalo das propinas, na Petrobras, não foi inventado pela imprensa, como já agora admite a própria Dilma.

Não sei qual é o grau de envolvimento que têm ela e Lula com esses escândalos, mas espero, como todo cidadão, que os fatos sejam apurados e os culpados, punidos. E certamente ela própria, a presidente da República, pensará assim, uma vez que, durante a campanha eleitoral, sempre se declarou contra a corrupção e a favor da punição dos culpados. Quanto a esse ponto, portanto, podemos ficar tranquilos. Ou não?

Que Dilma neste segundo mandato enfrentará grandes dificuldades não é opinião apenas minha, mas sim da maioria dos comentaristas políticos e até mesmo de gente do governo. E isso se tornou evidente, mais cedo do que todos esperavam, uma vez que, dois dias após sua vitória nas urnas já a Câmara dos Deputados recusava sua proposta de criação dos conselhos populares. Ela já havia feito a proposta de reforma política através de plebiscito, como resposta às manifestações populares de junho do ano passado. Não houve receptividade dos parlamentares.

A derrota de Dilma, agora, surpreendeu a todo mundo, inclusive, creio eu, a ela própria e seu pessoal, conforme se deduz da declaração do secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, para quem a decisão da maioria dos deputados foi uma vitória de Pirro, que seria, além do mais, "anacrônica e contra a vontade irreversível da população". Quem disse isso a ele, não se sabe.

Trata-se, sem dúvida, da declaração de alguém que ficou surpreso e indignado com a tal derrota, e a tal ponto que agrediu a seu principal aliado no Congresso, que é o PMDB, cujos dirigentes consideram a criação dos conselhos populares um modo de enfraquecer o Legislativo.

Na verdade, a criação dos conselhos populares seria um avanço. Errado seria entregar a eles a realização da reforma política, que implica o conhecimento cabal das questões jurídicas e políticas envolvidas em tal tarefa. É claro que a maioria das pessoas --e aí me incluo-- não tem conhecimento e capacidade exigidos para a realização de uma reforma dessa natureza.

Falando francamente, a proposta de Dilma Rousseff é, como frequentemente ocorre, populista, ou seja, apela para aquele setor da sociedade que, usufruindo da generosidade oficial, pode ser facilmente manipulado.

Ao contrário do que afirmou o ministro Gilberto Carvalho, anacrônico é tentar sobrepor a chamada massa popular ao Congresso, democraticamente eleito para legislar, como têm feito os governos bolivarianos. O PMDB pode tolerar a arrogância petista, mas não ao ponto de aceitar seu próprio fim.

Em sua declaração, o ministro dá a entender que a derrota da proposta de Dilma se deveu à oposição, quando se sabe que esta não tem o número de deputados suficiente para derrotar o governo. Renan Calheiros chegou a garantir isso, ao afirmar que também no Senado a proposta oficial seria rejeitada.

Outra surpresa destes primeiros dias após a reeleição foi a inesperada decisão do Banco Central, aumentando a taxa Selic para 11,25%.

Ninguém contava com isso, mesmo porque, durante toda a campanha eleitoral, a candidata petista garantia que seu oponente, se eleito, aumentaria os juros e com isso provocaria milhões de desempregos. Por isso, ninguém sabe se esse aumento dos juros foi decisão dela mesma ou rebeldia do Banco Central.

Nesta semana, mais surpresas: caiu para 0,24% a previsão do crescimento e surgiu novo escândalo, agora envolvendo a Transpetro, subsidiária da Petrobras. E o segundo mandato de Dilma ainda não começou.

Luiz Carlos Azedo - O fetiche da classe média

• O governo resolveu adotar os critérios “africanos” do Banco Mundial para mitigar a pobreza no Brasil, que foi dividida entre crônica, transitória, situação de vulnerabilidade e “melhor situação”

- Correio Braziliense

O Brasil é um pais que gosta de mitigar suas contradições e conflitos sociais. Um belo exemplo é o que se faz com as favelas brasileiras. Poucos países do mundo passaram por uma degradação urbana como o nosso, onde o padrão de moradia popular passou a ser a favelização. Basta olhar para a paisagem para ver a crescente expansão do número de moradores na favela nas nossas cidades.

A solução para o problema é chamar a favela de bairro, com maciços investimentos em serviços, o que é bom, mas nenhuma preocupação em mudar o padrão das moradias, que vão se reproduzindo e se ampliando, com as lajes e puxadinhos, mal-ventiladas e mal-iluminadas, ao longo de becos, vielas e escadarias. Com a elevação do padrão de consumo, da renda e da oferta de serviços, chamar a favela pelo seu verdadeiro nome passou a ser elitismo e discriminação.

É óbvio que existem favelas no Rio de Janeiro que são verdadeiros cartões postais, elevadas à condição de bairros de classe média, seja pela excelente localização e facilidades de acesso — como Chapéu Mangueira, Pavão e Pavãozinho e Vidigal —, seja pela valorização dos imóveis depois que deixaram de ser domínio absoluto do tráfico de drogas. Mas são exceções. A maioria das favelas nas cidades brasileiras continua merecendo o nome. O pior é que não param de crescer.

O que está por trás dessa degradação das cidades brasileiras? Um modelo macroeconômico cujos pólos dinâmicos são a construção civil e o mercado imobiliário, pela capacidade de gerar empregos e captar a poupança familiar, e o transporte individual, que absorve a produção de automóveis e alimenta a rede de serviços ao seu redor. Como esse mercado não é acessível à grande massa da população, a ocupação urbana irregular passa a ser opção para quem não pode pagar alugueres mais caros e é obrigado a andar de ônibus, trem ou metrô.

No discurso político que fomenta e legitima esse processo a palavra mágica chama-se “nova classe média”. A mesma borracha que apaga do dicionário a palavra favela, tenta apagar miséria e pobreza, que caracterizam as condições de vida dessas pessoas. A gana atrás de votos se encarrega de construir o discurso populista que mascara a realidade e mantém de pé o novo fetiche: virar classe média num passe de mágica.

A miséria da política
O fetichismo é uma relação social entre pessoas que foi “coisificada”, ou seja, é mediatizada por coisas. O resultado é a aparência de uma relação direta entre as coisas e não entre as pessoas. Sendo assim, as pessoas agem como coisas e as coisas, como pessoas. É uma fenômeno que está na essência do capitalismo, no qual a troca de mercadorias é a única maneira em que os diferentes produtores se relacionam entre si.

O governo vende a ideia de que está promovendo uma revolução social no país, o que não é bem o caso. A ascensão social à classe média depende mais do esforço individual e das condições da economia do que das políticas públicas, cuja obrigação é garantir a igualdade de oportunidades. As políticas de transferência de renda apenas mitigam a miséria e a pobreza, mas estão sendo transformadas num grande fetiche.

O Ministério do Desenvolvimento Social, por exemplo, resolver criar indicadores que alteram a condição social da população de baixa renda mitigando indicadores sobre suas condições de vida. Por exemplo, estar fora da condição de miserável quem tem renda acima de R$ 70.

É sério isso? Claro que não, tanto que a população miserável do país, pela primeira vez desde quando foi criado esse indicador, aumentou em 3,7% em 2012 em vez de diminuir. Em números absolutos, passou de 10,08 milhões para 10,45 milhões de indivíduos na iniquidade social absoluta.

Acontece que o governo resolveu adotar os critérios “africanos” do Banco Mundial para mitigar a pobreza no Brasil, que foi dividida entre crônica, transitória, situação de vulnerabilidade e “melhor situação” (em inglês, “better off”). Segundo esses critérios, a “pobreza crônica” no ano passado caiu de 1,4% para 1,1% da população. Para onde foram esses pobres, voltaram a ser miseráveis ou melhoraram de vida?

A resposta está nos critérios de acesso a serviços públicos e bens: água, esgoto, luz, escola, celular, geladeira, televisão e computador. A renda média per capita dos pobres caiu de R$ 47 para R$ 45. Todavia, por causa desses indicadores, 5% da população mais pobre melhorou de vida. Ou seja, já podem dizer que estão “better off”. É isso aí!

João Bosco Rabello - De roupa nova

- O Estado de S. Paulo

Na forma, a reaparição da presidente reeleita Dilma Rousseff cumpriu o objetivo de sugerir uma chefe de governo mais consciente da crise econômica e determinada a combater a corrupção - os pontos vulneráveis que marcam o fim de seu primeiro mandato.

O conteúdo da primeira entrevista coletiva, porém, trai esse discurso em várias passagens. Foi uma entrevista caracterizada pela negação - de causas da crise econômica e dos meios para enfrentá-la.

A alta dos juros, logo após o fechamento das urnas, é agora atribuída a uma conveniente autonomia do Banco Central, usada para recusar-se a comentar a medida.

Dilma repete o discurso que torna excludentes combate à inflação e emprego ao não se comprometer com a meta da primeira, sugerindo mais uma vez que pretende governar com um pouquinho de inflação.

Coletiviza a dificuldade pessoal e de governo ao abordar o resgate do crescimento. "Não acho que ninguém tenha receita prontinha", diz sobre o tema, em uma evasiva que é o pior recado para os investidores.

Para quem entra no quinto ano de um mandato que será de oito, é inquietante ouvir da presidente que não tem uma meta quantitativa de redução de gastos. "Se eu tivesse, dizia tudinho aqui", afirmou.

Insiste em que não há queda de empregos, desprezando a tendência descendente no cômputo geral, mas especialmente as baixas no setor industrial, e contesta as estatísticas do Ipea sobre o crescimento da pobreza extrema, ocultado durante a campanha, quando os dados já estavam disponíveis.

Continua negando as dificuldades e prejuízos bilionários no campo energético, celebrando o uso das usinas térmicas, mesmo ao custo de agravamento do rombo no setor.

A entrevista sugere que os maus resultados não produziram a autocrítica necessária sobre o primeiro mandato, que registra um rombo recorde de R$ 20 bilhões nas contas públicas, inflação alta, crise energética (negada), juros na casa dos 12%, com viés de alta, aumento das tarifas de gasolina e luz, descrédito internacional e um cenário de corrupção da qual a Petrobrás passou a ser o símbolo.

A fala da presidente remete à leitura de que não pensa o novo ministro da Fazenda sob o prisma da delegação de responsabilidade, prospectando a permanência do conceito centralizador para a próxima gestão.

Tal constatação reforça o sentimento de que pouco adiantará o anúncio de um ministro da Fazenda sem autonomia mínima. Seja quem for o escolhido, fica a impressão, estará submetido às convicções econômicas da presidente, que não parecem ter mudado.

Elio Gaspari - O lado Steve Jobs de Dilma

• Como o gênio da Apple, ela opera com um "campo de distorção da realidade", mas a conta vai para os outros

- O Globo

Na sua biografia de Steve Jobs, Walter Isaacson mostra que o gênio da Apple operava com um "campo de distorção da realidade". Um sujeito trazia uma ideia, ele dizia que era estupidez e dias depois anunciava que tivera uma grande ideia, a mesma. Se uma ideia dele acabava em encrenca, era de outro. Jobs lidava à sua maneira com a verdade.

A doutora Dilma não é nenhum Jobs, mas confirmou que opera com um campo de distorção da realidade. Ao mesmo tempo em que seu governo anunciava ter aceito o pedido de licença de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, soltava a informação de que ele não voltaria ao cargo. Claro, o afastamento do doutor fora uma exigência da empresa que audita as contas da Petrobras. Desde setembro sabia-se que ele estava no catálogo de percentagens mostrado pelo "amigo Paulinho" ao Ministério Público. Em áudio, ele informou que recebera de Machado um capilé de R$ 500 mil.

É comum que se disfarcem os defenestramentos de hierarcas, mas a doutora exagerou. E não foi só nesse caso. Durante os debates da campanha, disse duas vezes que "Paulinho" foi demitido da diretoria da Petrobras. Falso. Ele renunciou e foi elogiado pelo ministro Guido Mantega na ata que registrou seu desligamento.

Dois outros episódios mostram que a doutora opera temerariamente no campo de distorção da realidade. Em 2009 o repórter Luiz Maklouf Carvalho revelou que, apesar de ser apresentada oficialmente como doutora em economia pela Unicamp, ela nunca recebera o título, pois não concluíra o curso. Em setembro passado ela repetiu que "fui para a cadeia por crime de opinião". A jovem Dilma Rousseff foi para a cadeia por ter pertencido a duas organizações envolvidas em atos terroristas. O Comando de Libertação Nacional, que ajudou a fundar, dizia em seu programa que "o terrorismo, como execução (nas cidades e nos campos) dos esbirros da reação, deverá obedecer a um rígido critério político". (Com esse cuidado, em 1968, antes do AI-5, mataram um major alemão pensando que fosse um capitão boliviano).

Steve Jobs adaptava a realidade, mas mexia apenas com os interesses dos acionistas da Apple. A doutora governa um país de 202 milhões de habitantes.

Pedro S. Malan - Jogando agora os próximos quatro anos

- O Estado de S. Paulo

Meu amigo Everardo Maciel, em brilhante e recente discurso de posse, citou a bela frase de Raymond Aron a uma turma de alunos. "Decerto, este curso não se destina a ensinar o que vocês devem pensar; mas desejaria que ele lhes ensinasse duas virtudes intelectuais: a primeira, o respeito aos fatos; e a segunda, o respeito aos outros". Lembrei-me da observação de Norberto Bobbio sobre a maior lição de sua vida: "Aprendi a respeitar as ideias alheias, a deter-me diante do segredo de cada consciência, a compreender antes de discutir e a discutir antes de condenar. E a detestar fanáticos com todas as minhas forças".

As sábias lições de Aron e Bobbio talvez, quem sabe, pudessem ter maior presença no fundamental debate público brasileiro ao longo dos próximos quatro anos. Quanto mais não seja, porque, passadas as eleições, se espera que não seja possível ao "novo" governo continuar com seus marqueteiros e militância "chamada às armas", como nas semanas pré-eleição. Agora, trata-se de governar um país complexo, rico em sua diversidade e de enorme potencial. Mas com sérios desafios de curto, médio e longo prazos à frente, impossíveis de lidar com marquetagem/militância, insistente retórica contra um vago "eles" e plebiscitos sobre questões que não comportam simples respostas.

Na verdade, será com seus atos concretos, e não com discursos e gerúndios, que a presidente Dilma estará definindo agora, isto é, nos próximos dois a seis meses, todo o seu segundo mandato. E em circunstâncias que não lhe são muito favoráveis. Em boa medida, como notei em meu artigo anterior neste espaço, por dois tipos de pesada herança que deixa para si própria.

Primeiro, pelas consequências de suas decisões (ações e omissões) ao longo, pelo menos, dos últimos quatro anos; e de implicações de legados que criou para si (ou permitiu que seus marqueteiros criassem) pelo teor de seu discurso de campanha, a forma "estarrecedora" com a qual procurou desconstruir os seus dois principais adversários.

Na área econômica, pela taxativa recusa de reconhecer problemas sérios de crescimento, que vai ser negativo em termos per capita em 2014 e menos de 1% per capita na média nos quatro anos de seu primeiro mandato; de inflação, que vai pelo quarto ano consecutivo de novo roçar o teto da meta. Reconhecer o grave desequilíbrio causado no setor elétrico por sua Medida Provisória (MP) 579, de fins de 2012, bem como problemas com a Petrobrás e com o etanol.

As contas a pagar estão chegando, todas, e rápido: para o contribuinte, para o consumidor, para as empresas, para o investidor, para o Tesouro. E não há mais como culpar "heranças malditas", a situação internacional, a mídia, um cambiante "eles", e assim por diante. As heranças com as quais o governo iniciará seu democraticamente conquistado segundo mandato são de sua própria lavra.

Vale lembrar, a propósito, que cerca de um ano e meio atrás (24/6/2013) a presidente Dilma convocou reunião de governadores, prefeitos e lideranças partidárias, em Brasília, para ouvirem o que seriam as respostas do governo às manifestações de rua que haviam marcado aquele mês. Ali, a presidente propôs cinco pactos. E em entrevista à Folha (29/7/2013) a presidente anunciou um sexto pacto: Pela Verdade.

Mas o pacto que nos interessa aqui e agora (apresentado, se me lembro bem, em primeiro lugar dentre os cinco) era sobre "responsabilidade fiscal", definida como "controle de gastos para garantir a estabilidade da economia e conter a inflação". À época, junho de 2013, o governo vinha reafirmando seu compromisso com um esforço fiscal de 2,3 % do PIB. Como este ano agora até as eleições, procurou manter a ficção de que estaria empenhado em realizar um esforço fiscal perto de 1,9% - sem mágicas contábeis do tipo das que subtraíram credibilidade à política fiscal do governo.

Em sua longa entrevista aos principais jornais do Brasil e publicada na sexta-feira, a presidente voltou ao tema do pacto, que havia ficado completamente esquecido ao longo da campanha (que durou bem mais que um ano e meio). Na verdade, passaram-se nove longos anos desde que, ao final de 2005, a então chefe da Casa Civil da Presidência da República detonou o embrião de uma sugestão em andamento na área econômica do governo, tachando a proposta de "rudimentar" e asseverando que "gasto é vida".

Na entrevista de sexta agora, passados nove anos, a presidente reeleita afirma que "ao longo do governo, você descobre que várias coisas estão desajustadas. Várias contas que podem ser reduzidas... o que vamos tentar é um processo de ajuste em todas as contas do governo, vamos revisitar cada uma e olhar com lupa o que dá para reduzir, o que dá para tirar, o que dá para modificar e o que dá para mandar para o Congresso".

O reconhecimento, ainda que tardio, tentativo e um tanto tortuoso (o que vamos tentar fazer, o que quer que venha a ser, não é o que "eles" fariam), deve ser saudado porque representa não só uma imperiosa necessidade, como a busca de uma credibilidade e um rumo meio que perdidos na área fiscal. Que, como se sabe, envolve o nível, a composição e a eficiência tanto do gasto público quanto da carga tributária.

Todos os jornais registraram as palavras da presidente "vamos fazer o dever de casa", em termos de combate à inflação e de controle da velocidade de crescimento do gasto público. No agregado, muitíssimo acima do crescimento do PIB nos últimos anos.

Todos registraram também as palavras com que, caracteristicamente, mandou seu recado aos leitores: "Estou dizendo que vou manter o emprego e a renda. Ponham na cabeça isso".
A presidente sabe, quero crer, que será com ações efetivas, e não com palavras, que estará jogando, a partir de agora, o Brasil dos próximos quatro anos. Pessoalmente, desejo-lhe boa sorte. Mas sempre com as lições de Aron e Bobbio na cabeça.

*Pedro S. Malan é economista e foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso.

José Roberto Mendonça de Barros - O longo 2014 ainda não terminou

- O Estado de S. Paulo

Passada a eleição, todo mundo começa a pensar no ano que vem e, especialmente, qual será a nova equipe econômica e sua proposta de trabalho.

Embora isso seja normal, é necessário ter presente que 2014 ainda não terminou. E tudo indica que vai acabar pior do que se imaginava, em muitas frentes.

Em primeiro lugar, consideremos o crescimento econômico, medido pelo PIB. Com os dados disponíveis até agora, está ficando claro que o segundo semestre não será muito melhor do que o primeiro, ao contrário do que se imaginava. Nosso economista-chefe, Sergio Vale, está projetando que o PIB do terceiro trimestre será, mais uma vez, negativo, evoluindo menos 0,1% em relação ao anterior. Com isso, o resultado do ano será de, no máximo, um crescimento de 0,1% do PIB.

O pior da evolução recente da economia brasileira é que o investimento segue caindo forte: projetamos uma contração de quase 10% na formação bruta de capital no terceiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano passado. Nos primeiros nove meses do ano, a importação de equipamentos caiu quase 7,0%, enquanto a produção doméstica dos mesmos caiu 8,2%. Outro indicador do enfraquecimento da economia no período recente vem do comércio exterior. A média diária das exportações, da quinta semana de outubro é 20% menor que a média observada em julho, um movimento sem precedentes. As importações, por outro lado, caíram 8,0% no mesmo período.

Ademais, a seca atual continuará a atrapalhar a atividade, seja na produção agrícola, seja em paradas temporárias de unidades industriais, como foi o caso recente da Rhodia, em Paulínia, de frigoríficos no interior do Estado de São Paulo, bem como de várias outras indústrias menores em muitos lugares do Sudeste. No caso da energia elétrica, a perda de qualidade no fornecimento também vem afetando a produtividade de muitas companhias, pois como mencionou o relatório recente do Instituto Acende Brasil, tem sido cada vez mais comum a necessidade de desligamento de equipamentos, como consequência de flutuações na tensão da energia. Além disso, as autoridades elétricas se preparam para a possibilidade de cortes seletivos de energia, no início do ano, caso as chuvas sigam fracas como até agora. Finalmente, a retomada da elevação da taxa Selic, decidida na última reunião do Copom é mais um instrumento a levar a postergação de projetos de investimentos e a restrições no crédito.

Balanços. Um fator adicional que leva bancos e empresas a uma atitude mais conservadora, é a nítida piora na situação dos balanços, fenômeno que já mencionei neste espaço mais de uma vez. São muitas as companhias nas quais a elevação de custos e a redução de vendas e de margens estão levando a encolhimento patrimonial e redução na capacidade de operação.

O mês de setembro revelou uma piora muito significativa na situação fiscal. Na verdade, não é que a situação ficou pior, é que a redução do adiamento de pagamentos por parte do Tesouro (conhecido como "pedaladas") revelou uma situação fiscal bem pior do que se imaginava. O déficit nominal do setor público no mês foi de quase 5,0% do PIB, uma piora muito significativa em relação aos 3,0% de pouco tempo atrás. O resultado primário vai ser muito pequeno neste ano. Na verdade, se corrigíssemos todos os truques contábeis, o resultado verdadeiro seria provavelmente negativo. Nessas condições, a dívida pública bruta e líquida será maior neste ano, o que de fato obriga a um maior esforço fiscal a partir de 2015 sob pena de novas elevações no endividamento.

Mesmo com o IPCA de 0,42% em outubro, um pouco menor do que o esperado pelos analistas, a inflação do ano corrente ficará no topo da meta, pouco mais ou menos. A elevação recente dos preços da gasolina e diesel devem colocar mais 0,1% no índice, da mesma forma que pressões sazonais de alimentos ainda ocorrerão até o Natal, especialmente na área de carnes. Além disso, as tarifas de energia continuarão sendo reajustadas em níveis muito elevados. O resultado é que a inflação brasileira está firmemente ancorada em 6,5% ao ano, e será pressionada ademais pela desvalorização do real, que se afigura como certa, inclusive, pela recuperação da economia americana.

Ajuste. O PIB muito baixo, a dívida pública se elevando e a piora da inflação, abrem a possibilidade de uma revisão na classificação de risco do País em algum momento do próximo ano. Daí, porque, a necessidade premente de elaboração de um programa de ajuste na área fiscal e da continuidade de elevação das taxas de juros que visem a melhoria nas condições econômicas, precedente necessário para a recuperação dos investimentos e do crescimento em 2016.

O ajuste necessário enfrenta, entretanto, uma forte dificuldade inicial, que é a pouca credibilidade da política econômica atual, reforçada pelo fato que o discurso de campanha foi incisivo ao dizer que não haveria nenhum tipo de ajuste recessivo. Dizer uma coisa na campanha e fazer o inverso na política terá um custo enorme. Daí, porque, existe uma grande ansiedade para se saber qual será a equipe econômica.

Em conclusão, vamos entrar em 2015 com a economia parada e com o processo de investimento ainda em contração. Este continuará sendo negativamente afetado pela paralisia existente na Petrobrás e no setor elétrico. A política macroeconômica será restritiva, ainda que minimamente, o que fará com que os empresários só pensem em novos projetos após verificar as chances de sucesso da nova equipe. Isso significa um crescimento pífio em 2015 (que estimamos ser de 0,5% do PIB) e que a chance de crescer em 2016 vai depender de o investimento voltar a ser positivo na segunda metade do próximo ano. O que me parece difícil, é que para dar certo, tudo tem de dar certo. Infelizmente, a vida não é assim. É essa a dúvida sobre a qual os mercados estão refletindo.