segunda-feira, 28 de julho de 2014

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

• Na sua relação com o ex-presidente Lula, o sr. falou em parar de jogar pedra um no outro. E as pedradas quase sempre dizem respeito à corrupção. O que falta para superar essas diferenças?

"O que falta é vontade dele. Ele é hegemônico, quer tomar conta de tudo. E quem quer tomar conta de tudo quer esmagar quem? O principal adversário! Quando fizemos a transição do meu governo para o dele, logo eles definiram que o inimigo era o PSDB. Não era adversário, era inimigo. No mesmo dia falaram em herança maldita. É o hegemonismo: "Eu sou tudo. O mundo começa comigo, eu sou o bom, os outros são maus." Esse é um jogo, não há como fazer acordo."

Fernando Henrique Cardoso, ex-presidente da República na entrevista 'Povo espera do governo qualidade de vida'. O Estado de S. Paulo, 27 de julho de 2014.

Protestos de junho pautam candidatos

• Em resposta aos protestos de junho do ano passado, presidenciáveis prometem garantir e ampliar a participação popular

Amanda Almeida – Correio Braziliense

Primeira eleição depois de a população ocupar as ruas do país em junho do ano passado e cobrar mudanças da classe política, a disputa que chega às urnas em outubro une os candidatos quando o assunto é a tentativa de construir um perfil de político que ganhe a simpatia e o voto dos manifestantes. Para atrair esse público, os três principais candidatos à Presidência — a presidente Dilma Rousseff (PT), o senador Aécio Neves (PSDB) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) — prometem garantir a participação popular em seus governos.

É o que mostram as três diretrizes de governo apresentadas à Justiça Eleitoral, com discurso comum de reforçar a participação popular. Os três destacam que os programas finais de governo das candidaturas vão ser construídos em parceria com a sociedade. A nuvem de palavras feita pelo Correio com a união dos três textos mostra em destaque as palavras "desenvolvimento", "políticas", "social", "participação". "Qualidade" também é recorrente no texto dos presidenciáveis.

Direta ou indiretamente, Dilma, Aécio e Eduardo lembraram as manifestações de junho e tentam se mostrar atentos às reclamações da população. Na prática, no entanto, eles vão ter de se esforçar para convencer o eleitor.

Ao lado de Marina Silva, Eduardo Campos reforça no texto entregue à Justiça eleitoral que a união entre os dois é uma "aliança programática", e não uma "pragmática". A ideia, repetida em entrevistas, é se diferenciar das "velhas raposas políticas", alvejadas pela população em junho de 2013, que, segundo ele, fazem alianças apenas para garantir minutos na televisão. Em seu governo em Pernambuco, no entanto, Eduardo fez uma ampla aliança com partidos, quase não teve oposição e recebeu apoio de políticos geralmente tachados como representantes da "velha política", caso de Inocêncio de Oliveira e Severino Cavalcanti.

Sobre o assunto, Eduardo costuma dizer que a diferença é que esses políticos não tiveram importância na sua gestão, ao contrário, segundo ele, do peso de caciques como o senador José Sarney (PMDB) no governo petista. Secretário-geral do PSB, Carlos Siqueira diz que as manifestações de junho são "objeto de preocupação" da campanha e tenta vincular o partido às demandas da população. "Os protestos refletiram reclamações que já são bandeiras do PSB, como uma reforma urbana", diz. E aproveita para atacar o PT. "São reivindicações justas. Refletem as incompetências de quem está no governo há 12 anos (dos quais o PSB participou 11 anos e sete meses) e não foi capaz de responder a essas questões sociais."

Já a presidente Dilma quer mostrar que, embora no governo há 12 anos, o PT ainda tem potencial de levar novidades à população. Ao público que protestou, o programa tenta passar a ideia de que as reivindicações são consequência de uma mudança já feita pela legenda. "Para os cidadãos brasileiros, o necessário para o futuro mudou porque o patamar de exigências passou a ser outro: não querem mais o mínimo necessário para viver, mas o máximo possível para que mantenham o seu poder de consumo e possam acenar para seus filhos com vidas melhores que as deles."

O deputado Paulo Teixeira (PT-SP) diz que a "agenda de junho de 2013" vai pautar a campanha. "Aqueles governantes que foram ao encontro dos clamores das ruas vão ter melhores resultados do que aqueles que não ouviram as reclamações", disse, destacando que o PT reagiu aos pedidos. A presidente Dilma, na época, lançou cinco pactos com a população, como uma reforma política, mas não conseguiu tirar do papel parte deles.

Pacote de reformas
O senador Aécio Neves reuniu as reivindicações da população em um pacote de cinco reformas: dos serviços públicos; da segurança pública; política; tributária; e da infraestrutura nacional. Quando fala em reforma política, costuma se posicionar contra a reeleição. Mas terá de convencer o eleitor de que realmente vai levar a iniciativa à frente, uma vez que a possibilidade de reeleição foi aprovada pelo Congresso durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, que, com a vitória no Poder Legislativo, conquistou mais quatro anos de gestão.

Coordenador-geral da campanha de Aécio, o senador José Agripino Maia (DEM-RN) avalia que o respeito às manifestações de junho vai ser fator importante nas eleições. Ele avalia que quem estava em cargo eletivo na época e não reagiu aos protestos terá dificuldade para convencer o eleitor. "Aquele político que estava no poder e não mudou vai ser visto como insincero (ao prometer mudanças). Por que não fez antes e propõe apenas na eleição?", questiona.

No papel
Como os candidatos à Presidência traçaram um perfil em seus programas de governo que tenta agradar o eleitor que saiu às ruas para cobrar mudanças da classe política

DILMA ROUSSEFF
"É preciso inaugurar um novo ciclo de mudanças, para superar problemas estruturais e seculares que ainda impedem o desenvolvimento pleno de um país mais justo."

"O novo ciclo histórico que propomos ao Brasil passa pelas reformas política, federativa, urbana e dos serviços públicos."

"Ao mudar as condições de vida desse enorme contingente de pessoas, trouxe-os à esfera pública, conscientes de seus direitos. São eles que (...) pressionam o poder público com demandas por mais serviços e de melhor qualidade."

AÉCIO NEVES
"Propõe-se, especialmente, que haja ampla participação popular (...) de modo a se obter, ao final, um programa de governo que espelhe, de forma bem fidedigna, os maiores anseios da sociedade brasileira."

"Transparência, com efetivo acompanhamento da sociedade na execução das políticas públicas."

"Reforma dos serviços públicos, com o propósito de implementar a radical melhoria da prestação de todos os serviços públicos oferecidos aos brasileiros, com especial destaque para as áreas de saúde, educação, segurança e mobilidade urbana."

EDUARDO CAMPOS
"Dessa forma, o realinhamento político deve estar associado a uma forte contribuição da sociedade, com a mobilização e participação de seus diversos setores, especialmente aqueles historicamente excluídos das decisões."

"O povo já demonstrou sua vontade de ser autor, diretor e personagem principal da cena política. Coerentes com essa vontade, as bases programáticas de nossa coligação expressam um compromisso: o de nos integrarmos aos esforços da sociedade brasileira para ajudar a expressar suas legítimas demandas."

Sem agenda de campanha
Os três principais candidatos na disputa pelo Palácio do Planalto evitaram as ruas no domingo. A presidente Dilma Rousseff (PT), que concorre à reeleição, e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) não tiveram compromissos oficiais. O senador Aécio Neves ( PSDB-SP) também não teve agenda pública de candidato, mas aproveitou o dia para fazer filmagens que serão usadas na propaganda eleitoral. Embora não tenha saído às ruas, a campanha da presidente Dilma seguiu firme na internet, com uma série de publicações sobre os avanços do país nos últimos anos. Já Eduardo Campos usou a rede para lamentar a ausência na Missa do Vaqueiro, em Serrita (PE).

Nordeste: a preocupação de Dilma

• Campanha petista tenta consolidar hegemonia em seu histórico reduto eleitoral, mas esbarra no crescimento da oposição e na insatisfação da população com promessas não cumpridas

Izabelle Torres – IstoÉ

Depois de perder força no Sudeste, a campanha à reeleição de Dilma Rousseff (PT) preocupa-se agora em não abrir espaço para a oposição na região onde o PT historicamente registra seus maiores índices de aprovação. A presidenta lidera as pesquisas na região Nordeste, mas se vê diante de um cenário bem diferente de 2010, quando a então candidata conseguiu a adesão de quase 90% dos nordestinos na disputa contra o tucano José Serra. Agora, quatro anos depois, além de perder eleitores para a chapa encabeçada pelo pernambucano Eduardo Campos (PSB), Dilma sofre com a migração de integrantes da sua base aliada para campanhas dos opositores e vê o senador Aécio Neves (PSDB) celebrar alianças com puxadores de votos em Estados estratégicos como Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia.

No domingo 20, ao participar da missa pelos 80 anos da morte de Padre Cícero, na cidade de Juazeiro do Norte (CE), Aécio Neves deu o tom da ofensiva do PSDB na região e anunciou que vai apresentar este mês um plano estratégico para o Nordeste, incluindo o aumento de repasses financeiros para municípios de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Na prática, atendeu a um pleito dos prefeitos nordestinos, que reclamam que são tratados de maneira desigual em relação às cidades mais ricas. "Será um conjunto de ideias que vai permitir o desenvolvimento do Nordeste", disse ele. Já Eduardo Campos planeja intensificar a campanha na região na reta final das eleições. Ele acredita que a divulgação de suas realizações em Pernambuco, Estado que governou por oito anos, pode gerar uma identificação dos nordestinos com a candidatura socialista. "A campanha no Nordeste começa mais tarde. Temos certeza de que, à medida que ela avançar, nós teremos um cenário semelhante ao que ocorre no Sudeste: a migração de antigos aliados para candidaturas de oposição", aposta.

Outra preocupação no PT é com a lista de pendências do atual governo com a região. O Nordeste viveu a pior seca dos últimos 50 anos durante o mandato de Dilma Rousseff e o Executivo não conseguiu cumprir nem metade das promessas que fez a produtores rurais e aos moradores que perderam plantações, ficaram sem água e amargaram prejuízos financeiros estimados, por um estudo da Organização Mundial de Meteorologia, em R$ 15 bilhões. O governo do PT também não concluiu obras consideradas essenciais, como a transposição do rio São Francisco e a ferrovia Transnordestina. A conta já começou a ser cobrada pelo eleitor.

Santander atribui a analista informe que fez críticas a Dilma

• Presidente do banco diz que texto foi enviado sem consulta; investigação interna resultará em demissões

• Explicação. Emilio Botín: informe "não foi do banco e sim de um analista que o enviou sem consultar quem deveria"

- O Globo

Ao participar ontem no Rio do lançamento de uma plataforma de e-learning, em parceria com a Telefónica, o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, afirmou que o informe enviado este mês aos clientes de alta renda, relacionando a melhora da presidente Dilma Rousseff nas pesquisas de intenção de votos a uma piora na economia, "não foi do banco e sim de um analista que enviou o informe sem consultar quem deveria consultar". Botín disse que o presidente do Santander no Brasil, Jesús Zabalza, "já deu as explicações às autoridades e à presidente Dilma".

Depois da declaração do presidente mundial do Santander, um executivo brasileiro do banco informou que todos os responsáveis pela elaboração e pela aprovação do texto serão demitidos após uma investigação interna, sem dar um prazo para a conclusão dos trabalhos. O texto distribuído aos clientes da categoria "Select", que ganham mais de R$ 10 mil por mês, provocou repercussão negativa no Planalto, o que levou a um pedido formal de desculpas do Santander, enviado à Presidência da República. Segundo o presidente do PT, Rui Falcão, que classificou o caso de "terrorismo eleitoral", a mensagem enviada pelo banco já falava em demissões.

Pesquisa e queda do Ibovespa
O episódio veio à tona na última sexta-feira, quando se tornou público o texto enviado aos clientes de alta renda do Santander. Sob o título "Você e seu dinheiro", a mensagem dizia que a queda de Dilma nas pesquisas eleitorais vinha contribuindo para a subida do Ibovespa. E completava: "Difícil saber até quando vai durar esse cenário e qual será o desdobramento final de uma queda ainda maior de Dilma Rousseff nas pesquisas. Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes. Esse último cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos fundamentos macroecônomicos".

A mensagem acabou provocando um constrangimento no banco e uma revolta no Planalto. Mesmo após o pedido de desculpas de Botín, o vice-presidente Michel Temer cancelou sua participação na abertura do III Encontro Internacional de Reitores, promovido pelo Santander, a partir de hoje, no Rio.

Banco pediu desculpas em site
O Santander divulgou um pedido de desculpas no site do banco no Brasil, afirmando que o texto não refletia o posicionamento da instituição. "O Santander Brasil vem a público esclarecer que o texto enviado a um segmento de clientes, que representa apenas 0,18% de nossa base, em seu extrato mensal, e repercutido por alguns meios da imprensa, não reflete, de forma alguma, o posicionamento da instituição", dizia o comunicado, acrescentando: "O referido texto feriu a diretriz interna que estabelece que toda e qualquer análise econômica enviada aos clientes restrinja-se à discussão de variáveis que possam afetar a vida financeira dos correntistas, sem qualquer viés político ou partidário".

O Palácio do Planalto evitou manifestações oficiais, e coube ao presidente do PT condenar a análise do banco.

- Vou aceitar a desculpa do banco, mas isso não elide o que aconteceu. O que houve é proibido. Não se pode fazer manifestação em uma empresa que, por qualquer razão, interfira na decisão do voto - disse Rui Falcão, na sexta-feira.

O presidente do PT lembrou que episódios semelhantes já ocorreram em relação a outras campanhas do partido, como a do ex-presidente Lula, em 2002:

- Já vimos esse filme no passado. Eles criaram o Lulômetro para medir como a bolsa oscilava.

O Santander tem no Brasil um quinto do seu lucro, e em 2000 ampliou sua atuação no país ao comprar o Banespa. Matéria publicada sábado no jornal espanhol "El País", lembrou, porém, que após a euforia da cúpula do Santander com a compra do Banespa, o banco "tem sentido as dores de uma economia mais difícil", e que, no ano passado houve "uma queda de quase 10% do lucro, em relação a 2012. Foram 5,7 bilhões de reais. No primeiro trimestre deste ano, uma nova queda da lucratividade: 14,92% menos que no primeiro trimestre de 2013, para um total de 518,4 milhões de reais".

O cenário de insatisfação com os resultados no Brasil já fora manifestado por Francisco Luzón, ex-presidente do Santander para a América Latina, durante o Fórum Desenvolvimento, Inovação e Integração Regional, promovido pelo "El País" no mês passado, em Porto Alegre, quando ele afirmara que "atualmente há investimento de menos, incertezas demais e crescimento baixo".

Emilio Botin, no entanto, reafirmou ontem sua fé no Brasil, e disse que entre os dez mercados onde o Santander investe, o Brasil é o mais importante.

- Venho a cada trimestre a este país lindo - afirmou, acrescentando que gostaria de ter vindo também para a Copa do Mundo, mas "ainda bem que não veio", numa referência às derrotas de Espanha e Brasil na competição. ( Com G1)

Responsáveis por informe que criticou Dilma serão demitidos

• Documento 'não é do banco, mas de um analista', declarou o presidente mundial do Santander, Emilio Botín

Mariana Sallowicz - O Estado de S. Paulo

RIO - Em meio à polêmica gerada após o Santander ter enviado neste mês aos clientes de mais alta renda de sua carteira um extrato no qual apontava risco de deterioração da economia brasileira em caso de reeleição da presidente Dilma Rousseff, o presidente mundial do Santander, Emilio Botín, afirmou hoje que o informe "não é do banco, mas de um analista". Segundo o presidente da instituição financeira, foram tomadas medidas internas sobre o episódio.

Botín acrescentou que o presidente da instituição no Brasil, Jesús Zabalza, já prestou esclarecimentos às autoridades e a presidente Dilma Rousseff. Após a declaração do presidente, o banco Santander informou que todas as pessoas responsáveis pela elaboração e aprovação do informe serão demitidas. Não foi informada a data de quando isso ocorrerá, uma vez que o caso ainda está em apuração.

"Para o banco Santander, o Brasil é um País importantíssimo", disse, acrescentando que a instituição financeira já investiu US$ 27 bilhões, montante referente ao valor desde quando está presente no Brasil, em 1982.

No dia 1º de julho, o banco enviou aos seus clientes do segmento Select, que ganham mais de R$ 10 mil por mês, o informe afirmando que se a presidente Dilma Roussef se estabilizar nas pesquisas de opinião para as eleições de outubro ou voltar a subir a Bolsa irá cair, os juros vão subir e o câmbio se desvalorizará.

O presidente do Santander participou de uma coletiva de imprensa no Rio, ao lado do presidente da Telefónica, Cesar Alierta, para o lançamento de uma plataforma de e-learning.

Hoje , terá início o III Encontro Internacional de Reitores Universia 2014, promovido pelo Santander, no Riocentro, no Rio. A presidência foi convidada. O vice-presidente Michel Temer participaria do evento, mas, segundo o Santander, informou que não irá mais do evento.

Espontaneamente, o presidente da Telefónica também se posicionou sobre o caso. Segundo ele, A Telefónica e o Santander são duas empresas que investiram no Brasil "quando ninguém queria apostar e renovaram os seus investimentos". "Estamos convencidos que o futuro do Brasil é espetacular"

Aliado a Dilma, PSD trabalha por Aécio nos Estados

Vandson Lima – Valor Econômico

BRASÍLIA - Montado à imagem e semelhança de seu líder Gilberto Kassab, homem que galgou postos e fez-se poderoso pelo talento para manejar o xadrez político nacional, o PSD converteu-se em símbolo do pragmatismo nas eleições de 2014. Primeiro partido a anunciar apoio à presidente Dilma Rousseff em sua busca pela reeleição, ainda em novembro, o PSD se aliou a chapas contrárias às do PT em 20 Estados brasileiros. Mais que isso, a sigla ocupa as mesmas coligações que o PSDB de Aécio Neves em 14 Estados e que o PSB, de Eduardo Campos, em nove.

No rol de apoios diretos oferecidos pelo partido de Kassab, a discrepância é ainda mais explícita. O PSD apoia candidaturas a governo do PSDB em oito Estados, do PSB em outros quatro e do PT apenas na Bahia e no Ceará. Desses partidos, recebe o apoio petista no Rio Grande do Norte e do PSDB no Amapá.

Ao Valor, Kassab garante que, se Dilma sair derrotada da disputa eleitoral, o PSD irá para a oposição. Mas a promessa não encontra eco em seus pares, que creem que as composições regionais do partido o levarão naturalmente a estar no próximo governo, vença Dilma, Aécio ou Campos. Mais que isso, líderes da sigla atestam que, na maioria dos Estados, a máquina partidária do PSD está trabalhando fortemente pela eleição de Aécio.

"Os quadros vieram de origens diversas. Sempre dissemos que essa identidade partidária iríamos buscar pós 2015, quando o PSD passasse por uma eleição nacional", afirma o deputado Eduardo Sciarra. Presidente do partido no Paraná, seu Estado é um exemplo da falta de vínculos com a candidatura presidencial petista. "Sou coordenador da campanha do governador Beto Richa [PSDB] à reeleição. Nosso grupo político é o mesmo", diz. O material de campanha do governador, que o PSD ajuda a colocar na rua, sai casado com o nacional, que tem Aécio. A maioria dos candidatos do PSD paranaense, conta, fez seu santinho também se vinculando ao tucano. "Não dá para eu ir no palanque da Dilma, fica incoerente. A maioria do PSD aqui está trabalhando pelo Aécio, sem dúvida", atesta.

Não é uma realidade isolada. Reservadamente, dirigentes da sigla dizem que o grosso do PSD nos Estados trabalha para fazer Aécio presidente. Líder da bancada do PSD na Câmara, o deputado Moreira Mendes, de Rondônia, concorre a uma vaga ao Senado aliado aos tucanos locais. "Em Rondônia historicamente essas forças de centro-direita estão sempre aglutinadas. Dependemos de agricultura e pecuária, uma área que não se dá com o pessoal do PT", diz. Ele duvida que o PSD ocupe um espaço de oposição mesmo em uma eventual derrota de Dilma. "Eu me dou muitíssimo bem com o Aécio e o PSD não tem esse espírito de oposição radical. Um partido com 50 deputados sempre vai ter espaço de negociação", avalia. Sciarra segue o mesmo raciocínio. "Teremos peso político e, até pelo apoio dado a ele em vários Estados, é natural que vá haver vínculo com um eventual governo do Aécio".

A consolidação do PSD, um gigante sem rosto da política nacional - formado como escape às restrições de migração partidária impostas pela Justiça Eleitoral, rapidamente o partido, que completa hoje 34 meses de existência, amealhou a terceira maior bancada de deputados do Congresso Nacional, elegeu cerca de 4,6 mil vereadores e 497 prefeitos, mesmo antes de apresentar propostas que caracterizassem sua ação e norte ideológico - contempla essa atuação, sem que isso lhe custe a cobrança da fidelidade nas alianças. Nem aqueles que outrora eram adversários abertos resistiram à disseminação do PSD. DEM, PPS e PMN, que em diferentes momentos investiram com ações junto à Justiça para inviabilizar a formação da sigla agora dividem chapa com o partido em pelo menos uma dezena de Estados cada.

Muito da explicação sobre os movimentos da sigla se espelha na própria trajetória de Kassab. Ouvidos pelo Valor, atuais e antigos companheiros, líderes e dirigentes de outros partidos condensam um perfil desse engenheiro de 53 anos, que compensou o pouco carisma e dom para o palanque sendo um articulador incansável. Kassab, dizem, começa a fazer política às 5h30 da manhã. Em sua agenda não há tempo para abstrações, literatura, música ou cinema. Cresceu na política sabendo o momento certo de deixar para trás antigos aliados - assim o fez com Paulo Maluf, Celso Pitta, com o DEM - e suportando as agruras de novos vínculos. Anúncio da presença de Kassab em evento do PT é vaia na certa. Mas ele comparece a todos e ouve o apupo da plateia sem reagir.

E acima de tudo, avaliam unanimemente: Kassab detém uma capacidade assustadora de levar o blefe às últimas consequências, enlouquecendo negociadores.

O Kassab que se põe diante do gravador, no entanto, é muito diferente. Suas entrevistas costumam ser previsíveis. Não faz o tipo boquirroto, raramente dá recados em público. Suas respostas são curtas e bem editadas, com as vírgulas em seus devidos lugares. Quando defende uma proposta, normalmente é sobre uma questão de consenso, como combate à corrupção, meio ambiente ou pacto federativo. O PSD, diz, é um partido de centro e a célebre frase "nem de direita, nem de esquerda, nem de centro", defende-se, "foi uma desonestidade do jornalista. Ele editou o que eu falei, que o partido estava sendo criado e isso seria definido em conjunto no futuro".

Por ser um partido de centro, diz Kassab, "há propostas um pouco mais sintonizadas com o campo da esquerda e outras, com o campo liberal. O PSD defende com muita intensidade investimentos na saúde pública, educação e segurança, mas no campo da economia tem visão liberal, defende economia de mercado, parcerias público-privadas". E, claro, a liberdade de imprensa. "Triste é o partido que não sabe conviver com a liberdade de imprensa". Chega a perguntar, simpaticamente, como os jornalistas estão vendo o seu partido.

Kassab não nega o insólito da distribuição de apoios regionais do PSD não refletir a posição em âmbito nacional. Rebate com uma questão local. "Se é insólita a nossa posição, é também a do PSDB de São Paulo, que terá 40 comitês em conjunto com o PSB. Vai ter o Geraldo Alckmin circulando numa cédula com o Eduardo Campos. Na verdade, somos todos vítimas da ausência de uma reformulação na legislação partidária. Não é privilégio ou característica do PSD".

Ele avalia que o governo Dilma "teve avanços, mas ela não teve a oportunidade de conviver com uma atividade econômica no mundo intensa. Os patamares são diferentes do que ocorreu no governo do presidente Lula".

O apoio à candidatura da presidente, que não reflete as disposições regionais, foi então uma decisão de cima para baixo? "Não. Foi decisão da maioria", diz, sem explicar. "Vamos participar de seu governo se ela ganhar. Vamos ganhar juntos e governar juntos".

O acordo nacional com o PT, dizem aliados, foi o somatório de opção mais cômoda com pagamento de uma dívida de gratidão. Ao contrário da postura tomada até pelo PSDB, o PT não atrapalhou o caminho do PSD na busca, junto à Justiça, de tempo de exposição em rádio e TV e fundo partidário proporcionais à bancada - e o Palácio do Planalto operou para isso. Aécio, atestam, é ciente dos motivos desse acerto.

No mais, estar com o PT e migrar para a base de um eventual governo de PSDB ou PSB seria algo "sem trauma", avalia um dirigente. O contrário seria um processo desgastante.

Kassab, no entanto, diz que, se Dilma perder, seu partido vai engrossar as fileiras da oposição. A pergunta é refeita três vezes. "Essa é a postura da democracia. Quem perde vai para a oposição", responde na segunda vez. Muda levemente na terceira para "estou dizendo que, se perder a eleição, a tendência natural é que meu partido vá para a oposição".

Kassab nega, mas correligionários seus e tucanos paulistas entregam: a ideia do ex-prefeito paulistano para 2014 era mesmo ser vice na chapa do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que disputa a reeleição. Em que pese os arranca-rabos amiúde com o governador nos últimos anos, Kassab fazia um cálculo pragmático: caso saia vencedor, Alckmin terá de deixar o comando do Estado nove meses antes do pleito de 2018 se quiser continuar na política, seja para disputar uma vaga ao Senado ou buscar novamente a Presidência da República. Como vice, Kassab herdaria o cargo e, sentado na cadeira de governador, concorreria à reeleição, em movimento semelhante ao que fez quando foi vice-prefeito na gestão de José Serra (PSDB) na capital paulista - a diferença é que Serra deixou o posto com apenas um ano e três meses de governo, em 2006, para concorrer ao comando do Estado.

De vice indesejado em 2004 - Serra tanto não o queria na chapa que, informado que o então PFL batia o pé por Kassab, passou os dois dias seguintes dizendo que retiraria sua candidatura a prefeito - Kassab passou a aliado fiel de Serra. Dele, herdou um governo ainda com dois anos e nove meses a cumprir. Agarrou-se à chance, deixou o baixo clero da política nacional e partiu para uma bem-sucedida reeleição na maior cidade do país.

Escolado pelo episódio com Guilherme Afif Domingos (PSD), vice-governador que foi ao paroxismo de assumir uma cadeira de ministro no governo da presidente Dilma Rousseff (PT) sem deixar o cargo estadual, Alckmin não topou dar vice a Kassab. Ofereceu-lhe a vaga ao Senado.

Kassab garante que nunca negociou a vice. Não revela porque, tendo a possibilidade de sair candidato a senador na chapa governista, optou pela aliança com Paulo Skaf, candidato ao governo pelo PMDB. Jura que não foi troco. "O entendimento com o PSDB transcorreu em nível respeitoso. Reconheço a lisura deles no processo, mas esses entendimentos foram mais efetivos com o PMDB", diz.

Com a candidatura de Kassab ao Senado na rua, veio o contragolpe. Alckmin conseguiu convencer Serra a aceitar, no último dia, a candidatura a senador - tucanos garantem que, pelo menos desta vez, Serra não estava mesmo fazendo jogo de cena. Depois de mostrar em fins de 2013 que queria rumar ao Senado e não encontrar respaldo imediato no partido, Serra passou a apontar que preferia se consagrar com uma grande votação na disputa por uma vaga de deputado federal. "Kassab só manteve a candidatura para não desestimular os candidatos a deputado do PSD, que sempre preferiram uma coligação com os tucanos. Ele sabe que disputar com o Serra é bem difícil", diz um dirigente da sigla. Kassab procura mostrar-se despreocupado de disputar com o antigo padrinho político. "Serão três candidaturas de bom nível, contando a do Eduardo Suplicy [PT]. Bom para o eleitor".

Na conta da sigla, serão eleitos este ano entre 45 e 50 deputados federais do PSD. Para 2018, Kassab vislumbra lançar um candidato a presidente da República. "Temos bons quadros. Por que não pensar em ter um candidato a presidente em 2018? Henrique Meirelles poderia sim ser um bom presidente", avalia, lembrando o correligionário e ex-presidente do Banco Central.

Numa passagem aparentemente desimportante, ao comentar sua relação atual com Aécio Neves e Eduardo Campos, Kassab de certa maneira resume a própria trajetória e do pragmático PSD. "Mantenho relações com eles do ponto de vista pessoal e político. Porque um partido de centro comporta esses entendimentos".

Coordenadores do PT criticam boicote de Skaf a Dilma

• Peemedebista é "ingênuo" ou "mal orientado", diz tesoureiro de comitê do PT

• Para Luiz Marinho, que coordena campanha da presidente em SP, Skaf vai "arcar com as consequências"

Natuza Nery – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Coordenadores da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT) criticaram abertamente neste domingo (27) a atitude do candidato do PMDB ao governo de São Paulo, Paulo Skaf, de se recusar a dar espaço em seu palanque à petista.

Com seu candidato em São Paulo, Alexandre Padilha, estacionado nas pesquisas, com 4% de intenção de voto, o PT cobra espaço no palanque do PMDB, partido que nacionalmente é o principal aliado na coalizão de Dilma.

"Ou ele [Skaf] é ingênuo ou é politicamente mal orientado", afirmou Edinho Silva (PT-SP), tesoureiro da campanha de Dilma.

Chefe do comitê de reeleição da petista no Estado de São Paulo, o prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho, foi na mesma direção.

"Acho que é um grande erro [a posição de Skaf]. Um erro de análise. Ele vai arcar com as consequências do erro ", disse Marinho, na posse da direção do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

Skaf deu diversas declarações para explicitar seu desinteresse em combinar sua estratégia com a campanha de Dilma. O principal argumento para resistir ao alinhamento com a petista vem das pesquisas eleitorais: a rejeição à presidente em São Paulo chega a 47% do eleitorado, segundo o Datafolha.

O receio é que isso contamine a candidatura do peemedebista e enfraqueça seu principal mote de campanha: a de ser "terceira via" em uma polarização entre PSDB e PT.

A campanha de Dilma conhece os argumentos do peemedebista e os rebate.

"Como a eleição em São Paulo é muito nacionalizada, quem ficar de fora da polarização terá a votação desidratada. Isso, para nós, é ruim, pois o esvaziamento dele pode inviabilizar o segundo turno", disse Edinho Silva.

"É impossível um candidato do PT, com Lula e Dilma, não crescer. E se o Skaf continuar a evitar entrar na campanha da Dilma, pode ficar esvaziado como ficou em 2010", acrescentou. Há quatro anos, Skaf concorreu ao governo pelo PSB e ficou em 4º lugar, com 4,6% dos votos.

Seus estrategistas afirmam que ficar ao lado da presidente aumenta a dificuldade do candidato de conquistar o eleitor que hoje apoia a reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB) --que tem 54% de intenção de voto no Datafolha.

No sábado (26), durante evento de campanha em Franca (SP), o peemedebista chegou a ser cobrado por eleitores para deixar clara sua posição em relação a Dilma.

O vice-presidente Michel Temer, principal fiador da candidatura do partido, já disse a Skaf que o PMDB abrirá no 1º turno palanque para a presidente. O candidato, porém, resiste às investidas, o que leva petistas a defender intervenção de Temer no comitê local para forçar a "venda casada" das campanhas.

Em maio, Dilma afirmou que a união de candidaturas de PT e PMDB no Estado era a "fórmula do segundo turno". "A gente não pode ser ingênuo e não perceber o que significa uma derrota dos tucanos em São Paulo, sendo bem clara", disse a presidente durante jantar com a cúpula do PMDB. O áudio foi obtido pela Folha à época.

Neste domingo, Alexandre Padilha ironizou a resistência de Skaf. "Comigo não precisa fazer reunião, enquadrar, não precisa nem piscar pra mim. Eu sou louco pela Dilma, sou louco pelo Lula, tenho muito orgulho do que fizemos no Brasil", afirmou.

Procurado, Skaf não retrocedeu em seu argumento. "Temos uma disputa em São Paulo em que tanto o PT como o PSDB são nossos adversários", disse à Folha.

Colaborou Daniela Lima, de São Paulo

PSB articula atos com Alckmin e Campos

• Partido, aliado ao PSDB em SP, pressiona pela abertura de espaço para presidenciável na agenda de campanha tucana

• Aliados do governador avaliam que Campos ainda não tem força eleitoral para ajudar na corrida estadual

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Com o aceno público feito pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) de que poderá fazer eventos de campanha ao lado do presidenciável Eduardo Campos, o PSB de São Paulo começou a articular para os meses de agosto e setembro agendas conjuntas entre os dois candidatos.

A sigla, aliada ao PSDB na eleição estadual, já programa eventos de campanha em Campinas e São José do Rio Preto, as duas maiores cidades paulistas administradas pelo PSB em São Paulo.

A articulação tem como objetivo pressionar a campanha do governador a abrir espaço na agenda também para Campos. Os quatro eventos públicos realizados por Alckmin até agora foram ao lado do presidenciável do PSDB, o senador Aécio Neves (MG).

"O governador, desde o primeiro momento, mostrou-se disposto a participar da campanha e é natural os dois estarem juntos em um evento em São Paulo", defendeu o prefeito de Campinas, Jonas Donizette (PSB).

Os eventos estão sendo articulados para depois do início do horário eleitoral gratuito, em 15 de agosto, quando o presidenciável do PSB reforçará sua presença em São Paulo, onde tem encontrado dificuldades de alavancar sua candidatura.

A ideia é que Campos e Alckmin inaugurem juntos nas duas cidades os chamados "Edualdos", comitês do PSB que pedem votos para os dois candidatos, e participem de eventos fechados com a militância socialista.

"Trabalhamos para que as agendas ocorram em agosto", disse o prefeito de Marília, Vinícius Camarinha (PSB).

Na quinta-feira (27), o governador afirmou que, caso seja convidado, fará campanha com o candidato do PSB. No sábado (26), no entanto, ao lado do presidenciável do PSDB, recuou da declaração e afirmou que "quem é do PSDB apoiará Aécio Neves".

De acordo com lideranças do PSB, no entanto, antes do início da campanha, o governador se comprometeu a participar de pelo menos um evento ao lado de Campos.

Resistência
A campanha de Alckmin demonstra resistência em abrir o palanque neste momento para o PSB. O diagnóstico é de que, com apenas 8% das intenções de voto --segundo o Datafolha--, Campos ainda não tem musculatura suficiente para contribuir com a candidatura tucana.

A campanha presidencial do PSDB, que foi contrária à formação do palanque duplo, já avalia que o tema não causa mais tanta preocupação.

"Não há ambiguidade no comportamento do Alckmin. Ele está do nosso lado", disse o candidato a vice-presidente do PSDB, senador Aloysio Nunes (SP).

FHC no centro da eleição

• Em entrevista à ISTOÉ, FHC faz uma avaliação do atual momento político e diz que o mal-estar no País, os erros da política econômica e a quebra de confiança do empresariado em Dilma ampliaram as chances de vitória de Aécio Neves

Sérgio Pardellas - Revista IstoÉ

Os últimos três infortúnios eleitorais do PSDB na corrida ao Planalto, em 2002, 2006 e 2010, tiveram como característica comum a ausência do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso da campanha. Sem assumir a principal herança do partido – os dois mandatos de FHC, quando o Plano Real estabilizou a economia –, o PSDB parecia se apresentar ao eleitor vazio de identidade. Nas eleições deste ano, os tucanos resolveram se reconciliar com o passado e Fernando Henrique regressou ao epicentro da campanha, tanto pelo lado da oposição como do governo, que vê neste retorno uma possível vantagem comparativa.

O candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, além de aconselhar-se com FHC, insiste nas referências ao legado do ex-presidente e tem exaltado a importância do seu governo. "Os anos FHC começaram a reescrever a história do Brasil", tem dito Aécio em recentes entrevistas. No programa "Roda Viva", da TV Cultura, Aécio mencionou 19 vezes o nome do ex-presidente. Elogiou as privatizações dos setores de telecomunicações, de siderurgia e de aeronáutica e prometeu resgatar programas de FHC, como o Médico da Família. Reunido no Palácio da Alvorada na última semana, o staff da campanha de Dilma também resolveu trazer FHC para o centro do ringue eleitoral. Na esteira da troca de farpas entre FHC e Lula pela imprensa, os petistas apostam suas fichas na comparação entre os oito anos do governo FHC e os 12 anos da gestão Lula-Dilma. Para obter êxito, os petistas ancoram-se em pesquisas em poder do marqueteiro João Santana que apontariam um desgaste de FHC perante a população.

Embora esteja de volta à campanha, FHC se diz afastado do cotidiano partidário. Essa condição permite que, em alguns momentos, o Fernando Henrique sociólogo se sobreponha ao empedernido tucano. Foi o que aconteceu em entrevista concedida na segunda-feira 21 à ISTOÉ na sede do instituto que carrega o seu nome. Aos 83 anos, mais de uma década depois de deixar o Planalto e sem qualquer pretensão política, o ex-presidente se comportou, durante as duas horas de entrevista, como uma figura pública capaz de fazer análises objetivas do momento do País. Fez duras críticas ao governo, mas também ao PSDB. Elogiou determinados aspectos das gestões Lula e Dilma Rousseff, enquanto relativizou alguns de seus próprios feitos. Ao discorrer sobre a economia, tratou com pouca relevância um dos alvos preferenciais da oposição, o crescimento pífio do PIB brasileiro."O importante é a população viver melhor. Portugal não tem PIB nenhum e é mais Primeiro Mundo do que o Brasil", disse. FHC também admitiu pela primeira vez a desunião do PSDB nas últimas disputas presidenciais, classificando de "grave problema", algo que, segundo ele, foi superado no pleito deste ano. "O PSDB uniu todo", afirmou. Na entrevista, o ex-presidente ainda confessou que há dois anos não acreditava no triunfo dos tucanos nas eleições presidenciais. Porém, o cenário, na avaliação de FHC, alterou-se substancialmente de lá para cá. Hoje ele considera provável a vitória de Aécio. 

A mudança de compreensão deriva, segundo ele, de um mal-estar no País, de uma fadiga em relação ao governo, da piora da economia, da falta de confiança do empresariado e da perda de credibilidade do PT, arranhado pelo mensalão. Na campanha, o presidente de honra do PSDB prevê obstáculos adicionais para Dilma pelo fato de ela, em sua visão, não falar com o País.

ISTOÉ – O que mudou no cenário político de 2010 para cá?
Fernando Henrique Cardoso – O Brasil de 2010 tinha tomado medidas contra a crise de 2008 que funcionaram. Era um Brasil que tinha alguma esperança. Basicamente, o governo tentou estimular o crescimento com mais consumo graças à maior oferta de crédito. Então, houve uma expansão grande do crédito, que animou o consumo. Mas levaram muito tempo para entender que, para reativar o investimento, precisavam ter capital público e privado. E parou. Depois, por causa da Copa do Mundo, deu aquela aflição e correram para fechar parcerias público-privadas. Mas o fundamento posto lá atrás, qual seja, o crescimento via consumo e expansão do crédito, continua aí e não vem dando resultado.

ISTOÉ – O que deu errado?
FHC – Houve certa desatenção, não muito grave, à pressão inflacionária. Mas o endividamento é muito grande. É uma sociedade que cresceu no consumo e que chamam de "novas classes médias", embora, sociologicamente falando, não sejam uma nova classe média de fato. Mas isso também trouxe transformações. As pessoas consumiram mais e agora é natural que queiram mais. As explosões de junho do ano passado foram consequência do querer mais. Existe uma corrida pelo crescimento do PIB. O governo está em busca disso. Mas a sociedade não quer só isso. As pessoas querem viver melhor.

ISTOÉ – Mas as manifestações de junho juntaram mais que apenas a chamada classe C.
FHC – É verdade. Todo mundo quer essa mudança. Queremos entrar no Primeiro Mundo. O Primeiro Mundo não é um país que tem muito PIB. É um país em que se vive melhor. Em que se tem segurança, educação, respeito e dignidade. Portugal não tem PIB nenhum e é mais Primeiro Mundo do que o Brasil. Aqui falta educação, segurança, o transporte não funciona. Estourou no governo Dilma. O governo persistiu no estímulo ao consumo e não olhou para os outros lados. Além disso, tem o manejo da política. O Lula sabia manejar o Congresso. Não da maneira correta, pois o mensalão ninguém pode apoiar. Mas ele sabia manejar. A Dilma não sabe manejar o Congresso. E a situação está aí. Vou ser sincero: há dois anos eu não acreditava na possibilidade de uma derrota eleitoral do governo. Porque o governo é o governo, tem recursos enormes e tem a exposição permanente. Os meios de comunicação, sobretudo a televisão, vão para um lado só. A televisão brasileira é esporte, crime, um pouquinho de internacional e muito governo. Por tradição. Nos EUA, ouve-se o outro lado. Aqui, o outro lado não existe para a massa. A pessoa só começa a ver o outro lado durante o período eleitoral. Achava muito difícil que houvesse uma mudança. Hoje eu acho possível transformar esse mal-estar em algo que tenha consequência eleitoral.

ISTOÉ – O sr. acha que a oposição não teve espaço na televisão brasileira?
FHC – É da nossa tradição. No meu governo também era assim, a oposição pouco aparecia na tevê. A diferença é que, no meu governo, não fazíamos tanta propaganda, até porque não tínhamos recursos. Este faz muita propaganda.

ISTOÉ – Isso não acontece hoje porque a oposição propõe pouco, não tem um projeto objetivo e claro?
FHC – O problema da oposição é outro: existe apenas uma oposição congressual. Os partidos existem no Congresso, não na vida da sociedade. A única exceção era o PT, que sempre teve organização partidária. A oposição se faz no Congresso, mas não repercute. O Congresso ficou muito confinado a ele próprio. Quando eu era senador, meus discursos eram publicados na íntegra nos jornais. Isso não acontece mais. Foi se perdendo o elo do Congresso com a sociedade. O mesmo aconteceu com outras instituições, com os sindicatos, com a UNE. Ela era importantíssima no passado. Hoje, qual é a importância?

ISTOÉ – Isso não tem relação com o aparelhamento dessas instituições?
FHC – A UNE, por exemplo, foi aparelhada. Mas talvez tenha sido no passado também. O problema é que a UNE e os próprios sindicatos eram grandes personagens da vida brasileira. Isso tem a ver com a sociedade como ela é hoje. De massas, conectadas, mas não presenciais. O que o governo decide incide sobre as pessoas. A oposição não toma decisão. Ela fala. E isso não aparece, só aparece um lado. O outro lado só aparece na eleição. Tem outra questão ainda: as diferenças, hoje, são lidas no espectro ideológico, direita e esquerda, mas não se dão nesse espectro. Na formulação é como se fosse "uns estão para cá, e outros estão para lá". Na realidade não é assim. A diferença entre o PT e o PSDB é principalmente a concepção que se tem da política e do governo. O PT acredita que se muda o País ocupando o Estado e através do Estado tomando as decisões, controlando mais, sobretudo a economia. O PSDB acredita mais que é preciso não ocupar o Estado e ter uma relação maior com a sociedade. Isso é tênue, claro. Os dois têm um pouco de cada um. Mas a diferença essencial é essa. Na política monetária, por exemplo, o PT pode ter errado aqui ou ali, mas não mudaram o que vinha sendo feito. O juro não baixou como devia, é verdade. Mas isso é algo técnico. Ninguém está discutindo, na essência, a função do Banco Central.

ISTOÉ – No início do seu governo ainda havia uma tensão entre os que defendiam uma política econômica ortodoxa e os que queriam algo mais parecido com o desenvolvimentismo. Mas isso se diluiu. No governo Dilma a questão voltou e escolheu-se o caminho do nacional-desenvolvimentismo. Foi o caminho errado?
FHC –O que se entendia pelo desenvolvimentismo? O José Serra acredita muito no desenvolvimento com ativismo do governo. Acho que deve haver um ativismo mesmo. Quando eu era jovem, só se falava em desenvolvimento e subdesenvolvimento. A fórmula era assim: põe barreira para importação, dá subsídio ao juro e o governo investe. Isso foi mudando com o tempo. Como vai colocar barreira na importação com a economia globalizada?

ISTOÉ – A abertura da economia não tem volta?
FHC – Depois que o Collor abriu a economia não houve mudança nessa direção. Não houve movimento de fechamento. Todo mundo também é a favor da redistribuição de renda. As Bolsas (Escola e Alimentação) começaram no meu governo. E os outros governos só não fizeram porque não tinham como. A grande mudança nesse sentido se deu com a Constituição de 88, que garantiu direitos democráticos e desenhou a possibilidade de um país social-democrático, para usar uma expressão abusiva. A Constituição manda que o governo providencie gratuitamente a educação, a saúde, faça reforma agrária e assegure a previdência social. A partir de então, os governos, queiram ou não, terão de ir nesse caminho. As Bolsas foram para isso. A política de sustentação do saláriomínimo começou no governo Itamar.

ISTOÉ – O sr. não vê no governo Lula uma aceleração do processo de inclusão?
FHC – Acelerou porque ele pôde. Ele teve recursos para isso por causa do boom da China. Acabou a dívida externa na América Latina toda, não só aqui. A folga fiscal foi maior. Mas os princípios foram lançados antes. Progressivamente o Estado foi criando condições para melhorar. Condições estruturais e organizacionais, digamos. Não era possível criar as Bolsas sem internet. O Banco Mundial foi quem propôs primeiro. O PT era contra. Quem primeiro fez foi Honduras e quem melhor fez inicialmente foi o Chile. O cartão para criar o Bolsa Escola fui eu que fiz, copiando o exemplo de Goiás, com Marconi Perillo, para dar cidadania e entregando os recursos para a mulher. Foi decisão do meu governo. As Bolsas também estavam sendo unificadas no meu governo. Era uma questão técnica.

ISTOÉ – Mas o Lula iniciou com o Fome Zero.
FHC – Que nunca existiu. O Fome Zero do Lula ficou um ano sem sair do papel. Depois eles perceberam que era melhor pegar o plano anterior, que era o das Bolsas. Não houve mudanças radicais quando mudou o governo.

ISTOÉ – Nenhuma mudança expressiva?
FHC – O que houve foi maior presença do partido nas empresas. Sempre lutamos para tirar qualquer partido de dentro das empresas. A Petrobras, por exemplo. Nunca pensamos em privatização. É mentira. Nem se cogitou. Queríamos a competição e tirar a influência partidária. O mesmo com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica. Eu diminuí muito a presença de partidos aí. Com o Lula isso se inverteu. E a Dilma está sofrendo as consequências. Ela, quando colocou a Graça Foster, foi para diminuir a influência política. Mas estourou na mão dela. Hoje, o PMDB tem vice-presidente da Caixa, Banco do Brasil, no meu governo não tinha isso. Essa é a diferença. Agora, entre a Dilma e o Lula, existem outras diferenças. Para a Dilma, o Estado tem que ter um papel crucial no investimento e no controle. Ela é intervencionista. Tem uma visão mais general Geisel.

ISTOÉ – E isso é prejudicial?
FHC – É uma visão mais dos anos 60 e 70. Mas, em relação ao Lula, não houve uma mudança muito radical, como não haverá se o Aécio Neves ganhar. O Aécio não vai mexer na política do Bolsa Família. O que deverá fazer é aumentar o mercado de trabalho. Acompanhar a pessoa que é assistida até ter o emprego, como ocorreu no Chile. O ideal é que as pessoas não sejam dependentes. O Bolsa Família é uma solução de emergência, necessária, mas não para o futuro.

ISTOÉ – Uma das críticas que são feitas recorrentemente à oposição é que, além de esconder o sr. nas últimas eleições, ela não soube dizer o que poderia fazer de diferente. Chegou o momento de fazer isso?
FHC – A população está interessada no bolso, e isso pesa muito hoje, porque a inflação para o povo é mais do que 7% – está em cerca de 10%. Hoje, o Bolsa Família é menor do que o bolso. A Bolsa não é suficiente para o bolso. Para as classes mais populares a vida está cara. Para a classe média também. Para o povo, inflação é carestia. Estamos vivendo de novo um problema de carestia. Nisso o candidato de oposição tem que ser claro. O governo atual levou a essa situação.

ISTOÉ – Como o candidato Aécio Neves pode passar a segurança de que tem condições de mudar o quadro atual?
FHC – Eu cultivo o hábito de desligar o som da tevê toda vez que começa o programa eleitoral de algum candidato. Porque sei que as pessoas percebem muito mais é como o candidato fala. O jeitão. Se transmite firmeza, simpatia, segurança. Podem dizer: se for assim, a Dilma dificilmente seria eleita... Mas o Lula não. E quem elegeu Dilma foi o Lula. Então você tem um lado que é como a pessoa se relaciona com o conjunto da população. São 140 milhões de eleitores. Eles não vão ler programa de partido. Mal sabem o nome dos candidatos. Estão começando a aprender, salvo o do governo. E eles vão pensar: eu confio nesse cara ou não confio? Ele falou alguma coisa que tocou no meu coração? Bem, ele vai pensar que é no coração, mas é no bolso também... O candidato tem que ter uma conversa com o País. Eu ganhei duas vezes no primeiro turno. E já era o Lula. Nunca deixei de falar do jeito que eu falo, embora digam que eu falo pedantemente. Não é verdade. Eu tenho meu jeito, não adianta imitar o outro. Mas eu falava com o País. Fui pesquisador de campo e sei como é isso. O Lula fala com o País. Já a Dilma não fala com o País.

ISTOÉ – O Aécio fala com o País?
FHC – O Aécio pode falar. Jeitão ele tem. Ele passa uma simpatia. Mas precisa dizer alguma coisa que faça ele chegar lá. Ele foi governador de Minas Gerais. Conseguiu.

ISTOÉ – Quem, entre os candidatos, pode capitalizar melhor o que aconteceu em junho de 2013, quando houve as manifestações populares?
FHC – Por enquanto, ninguém. E quem for capitalizar agora vai perder. A população vai interpretar como oportunismo. Agora, é muito importante em qualquer eleição o bad ou o good feeling. Hoje existe um mal-estar no País. Isso favorece a oposição. Por isso, acho que temos grandes chances. Há também o cansaço de material. Fadiga. O Geraldo Alckmin, governador de São Paulo, com 54% de apoio, é um dos poucos que contrariam essa tese.

ISTOÉ – Mas no caso do Geraldo Alckmin parece que há o efeito teflon. Nada cola nele, mais ou menos como acontecia antes com o Lula.
FHC – É verdade. Nada cola.

ISTOÉ – Há uma fadiga em relação ao PT?
FHC – Há uma fadiga em relação ao governo. Bem, também existe a fadiga da classe média em relação ao PT. Sobretudo em São Paulo. É assustadora essa rejeição de 47% no Estado e 49% na cidade.

ISTOÉ – O que todo mundo comenta, no meio político, é que a batalha de São Paulo terá um peso maior nessas eleições. O sr. concorda?
FHC – Se for isso, nós vamos ganhar. Olha, o PSDB nunca tinha conseguido isso e estamos alcançando agora. Uma harmonização grande entre São Paulo e Minas. No Rio, nunca tivemos uma grande força e agora o Aécio Neves tem sido hábil e conseguiu desorganizar lá a base do governo. Para vencer, precisamos consolidar o peso que temos por aqui e reduzir a diferença no Norte-Nordeste. No Estado de São Paulo, o Aécio ganha no segundo turno e, na cidade, no primeiro turno. No Sul, a gente ganha. Na Bahia, estamos razoavelmente bem. Em Pernambuco, o Eduardo Campos, candidato do PSB, vai tirar votos da Dilma. No Ceará, fizemos acordo com Tasso Jereissati e Eunício Oliveira, do PMDB. E temos as prefeituras de Maceió, Teresina, Belém, Manaus, algo que nunca tivemos. Por isso, a chance de ganhar aumentou. Claro que o aumento da possibilidade de vitória do Aécio decorre de outros fatores que já elencamos, como o mal-estar no País, o cansaço, os erros de condução da política econômica e, mais recentemente, a quebra de confiança do empresariado no governo.

ISTOÉ – Essa ruptura do governo com o empresariado aconteceu quando?
FHC – Entre seis meses e um ano. No começo havia o sonho do "Volta, Lula", que vinha mais do meio empresarial do que do povo. Depois que essas pessoas se convenceram de que não seria o Lula, começaram a tomar distância. Quem vai decidir mesmo é a massa, mas há uma certa fluidez entre esses segmentos. Não é isolado. Por exemplo, teve o episódio das vaias a Dilma no estádio. E falaram: "Ah, mas é elite branca". É um exagero, não refletiu só isso. Se fosse, as pesquisas agora não iriam apontar essa queda na avaliação da presidenta. Vamos considerar que, de fato, as pessoas de maior poder aquisitivo eram as que estavam presentes no estádio. É verdade. Mas quem chamou a elite branca para lá? Foi o governo. Sobre os xingamentos, a mim me chocou. Soube, depois, que o que disseram para a Dilma se tratava de um bordão comum nos estádios de futebol. Bem, de qualquer maneira, ir ao estádio é chamar vaia. Qualquer governante. Nas atuais circunstâncias, mais ainda. Mas não é algo isolado: um candidato com 47% de rejeição não pode dizer que quem está contra é somente a elite branca.

ISTOÉ – O sr. não acha que essa definição de elite branca se destina a enfatizar que o PSDB é o partido dos ricos e o PT o partido dos pobres?
FHC – É um estigma que o PT quer colocar. Mas o PSDB ganha em Alagoas, em Maceió, em Belém e no Piauí. Essas são algumas das regiões mais pobres do Brasil. O quadro médio do PSDB é o sujeito de classe média universitária. O do PT é o quadro sindical. Tem uma diferença, sim. Mas não é essa coisa de elite branca.

ISTOÉ – Mas o sr. não acha que essa imagem pode ter força eleitoral?
FHC – O que pega na eleição depende do que o eleitor quer ouvir. Há momentos em que o povo está disposto a ouvir certos estigmas. Há outros que não. Isso não é religião: "Eis aqui a verdade, eu sou a verdade". Você pode dar o dado certo, mas, se o povo não estiver querendo ouvir, não vai ouvir. Eu acho que a diferença nessas eleições é que o povo está disposto a ouvir outras coisas. Eu não ganhei do Lula? E não sou de classe média e universitária, da elite branca?

ISTOÉ – Pela sua autodefinição, da elite meio branca...
FHC – Isso, da elite meio branca... Mas a questão é que agora acho que o eleitor está disposto a ouvir o outro lado porque há uma ruptura de confiança, a economia piorou, há um cansaço e uma fadiga de material. Por isso, considero agora que é provável a vitória do PSDB e de Aécio Neves.

ISTOÉ – O escândalo do mensalão não colou no PT em 2005 e 2006. Pode afetar agora depois das prisões de ex-integrantes da cúpula do partido?
FHC – Não pegou porque as pessoas não estavam dispostas a ouvir. Nem a classe média. Mas ali o PT perdeu a credibilidade. O Lula não perdeu popularidade naquele momento, não sei hoje, mas perdeu a credibilidade. O mensalão arranhou muito.

ISTOÉ – E o mensalão mineiro, que atingiu quadros do PSDB?
FHC – Teve pouca repercussão. E, por outro lado, o Eduardo Azeredo é um cara correto. Você acha que se fosse só o José Genoino ele iria para a cadeia?

ISTOÉ – O sr. vê uma diferença entre o José Genoino e os demais presos pelo mensalão?
FHC – Eu falei mais pela percepção da população. Racionalmente, eu acho que o Genoino tinha que ser preso porque ele assinou aqueles papéis. Mas ele não tem a imagem de um cara maquiavélico e que vai se locupletar. O Eduardo Azeredo também é um cara assim.

ISTOÉ – O Joaquim Barbosa é visto hoje como alguém que mudou a cara da Justiça do País, mas, ao mesmo tempo, como uma pessoa autoritária. O sr. acha que ele tem futuro na política?
FHC – Se ele fosse candidato, teria muitos votos. Porque tem esse lado da Justiça, que todo mundo quer, e porque ele é negro e teve coragem. São atributos valorizados. Mas ele teve o bom senso de não se candidatar. Iria esmaecer o que fez. Não acho que ele tenha aptidões políticas. Ele é justo. Mas política não é só isso. Impeachment, por exemplo, não é justiça. É julgamento político.

ISTOÉ – O STF é uma casa política?
FHC – É e tem que ser. Por isso acho que deveria se restringir a discutir assuntos constitucionais. Mas o julgamento do mensalão não foi político. Ele fez um julgamento comum, em última instância, um julgamento de crime. O Joaquim, que é promotor, aplicou a lei. E o povo gostou, porque ele aplicou a lei sobre poderosos. E foi importante, de fato.

ISTOÉ – Qual é a diferença do PSDB que pode chegar ao poder em 2015 daquele de 1994, quando o sr. foi eleito?
FHC – Em 1994, era um PSDB que começava a entender a mudança do mundo. Mas quem chegou ao poder não foi o PSDB, fui eu, por causa do sucesso do Plano Real. O povo viu que mudamos a vida dele. E ali eu ganharia sem apoio de ninguém. Não precisava de aliança. Fiz aliança com o PFL para conseguir governar. Era melhor fazer aliança antes do que depois. Mas eu ganharia sem o PFL. Como o Lula ganhou sozinho em 2002, não foi o PT. O Lula ganharia sozinho. Mas ele foi fazer aliança depois e deu no mensalão. Se tivesse feito antes, seria mais fácil. Ganhamos com o Plano Real e com o sentimento da população de que a vida melhorou. Hoje é diferente. Se o Aécio ganhar, não será ele que vai vencer só.

ISTOÉ – Por quê?
FHC – O peso do PSDB vai ser maior desta vez. O Aécio teve que articular bem. Ele está crescendo por causa da capacidade de articulação que tem.

ISTOÉ – Um dos problemas das últimas eleições foi que o partido rachou. O PSDB está unido hoje?
FHC – O PSDB uniu todo. O Aécio foi lá e fez. Foi, de fato, um dos problemas graves das últimas eleições. Agora, o Aécio vai enfrentar uma situação mais difícil que a minha, se ele ganhar a eleição. Os problemas se acumularam, não foram resolvidos e o PT será duro como oposição.

ISTOÉ – É um exagero dizer que aqui caminhamos para uma situação como a da Venezuela. Mas já se percebe que a campanha será muito acirrada. Há risco de o País sair dividido das urnas?
FHC – O Aécio tem uma grande capacidade pessoal de acabar com divisões. E a força de atração do poder é muito grande. O PT vai espernear, mas não tem capacidade de paralisar certos processos em marcha. Governar é sempre difícil. Você depende de sorte também. Como fazer o PIB crescer quando você tem crise no mundo? O governo Lula teve vacas gordas e não usou.

ISTOÉ – O que o sr. achou da denúncia sobre a construção, pelo governo de Minas Gerais, de um aeroporto dentro de uma área que pertenceu a um tio-avô do candidato do PSDB, Aécio Neves, e qual o impacto eleitoral disso?
FHC – O Aécio explicou que a construção se fez em área já desapropriada e pertencente ao Estado de Minas e que seu tio-avô contesta o valor da desapropriação. Se é isso, qual a acusação? Se há denúncia, que haja apuração, mas não creio que isso arranhe a candidatura.

Marcello Cerqueira: Recado ao tempo

Copiando o Código Penal de Rocco (1930, na ascensão do fascismo na Itália), os autores das leis de segurança nacional da ditadura militar ampliaram os tipos penais: a conspiração, que no direito brasileiro ganharia o nome de "formação de quadrilha ou bando", era o crime que se praticava contra o Estado, então reduzido a miserável ditadura. O que vem causando perplexidade e mal-estar é ver que tais conceitos fascistas estão, em parte, assimilados em pleno Estado de Direito, na vigência da mais avançada Constituição do mundo no que diz respeito aos direitos fundamentais. As "acusações" abusam do tipo penal "crime de quadrilha" para indiciar ou denunciar cidadãos quando não encontram para eles um efetivo tipo penal descrito nas leis.

O crime de quadrilha, abrigado no art. 288 do Código Penal na parte que trata dos "Crimes contra a paz pública", pune a associação "de mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes". Esse tipo penal é uma exceção à dogmática do Direito Penal se admite que um "ato preparatório" constitui-se em crime autônomo. Com tristeza, tenho verificado que, à falta de uma acusação específica, a polícia e o MP têm indiciado ou denunciado cidadãos que rigorosamente não praticaram concretamente qualquer delito punível. O trabalho dos advogados é tolhido pelo arbítrio da "justiça". Juízes decidem por induções e presunções e contaminam suas decisões por premissas "morais" e preconceituosas; a hipótese substitui os fatos e impede a ampla defesa.

Nesses dias, juiz de Direito decreta a prisão provisória por "eventos futuros que poderiam cometer cidadãos brasileiros" com base em "provas" sabidamente "fabricadas" pela polícia. A polícia que matou e escondeu o corpo do Amarildo e acaba de matar crianças, entre tantas e tantas barbaridades que sempre comete. Pois bem: desembargador anula o decreto de prisão provisória e o juiz volta, com as mesmas "provas" (desconsideradas pela instância superior), e decreta a prisão preventiva dos mesmos acusados, desafiando o Tribunal. Com isso, as "autoridades", para além de ferir direitos da cidadania, criam ambiente hostil ao governo do estado, ambiente que antes vitimou o então governador quando a polícia cruzou os braços incentivando a condenável violência de manifestantes mascarados, e agora atinge diretamente o postulante à reeleição, nominalmente chefe das polícias Civil e Militar, que talvez fujam ao seu controle.

Se este alerta que faço, no curso de uma cinquentenária militância na advocacia, objetiva defender princípios constitucionais que garantam todos os cidadãos, especialmente as vítimas da polícia, de promoções iníquas do Ministério Público estadual e decisões judiciais equivocadas, ele deverá alcançar o governador/candidato, ele também vítima dos reiterados desacertos e crimes da polícia que deveria comandar.

Marcello Cerqueira é advogado

Ricardo Noblat: Responsabilidade moral

"Bom mesmo é falar mal pelas costas, porque pela frente é constrangedor" - Ariano Suassuna

Fica combinado: Dilma Rousseff, presidente do Conselho de Administração da Petrobras em 2006, nada teve a ver com a compra pela empresa da refinaria americana de Pasadena, negócio de US$ 1,245 bilhão que deixou um prejuízo de US$ 792 milhões. E Aécio Neves, então governador de Minas Gerais, nada fez de censurável ao asfaltar em 2010 uma pista de aeroporto a apenas 6quilômetros de uma fazenda dele.

CANDIDATO A vice-presidente na chapa de Aécio , o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB- SP) comentou a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que isentou Dilma e os demais membros do Conselho de Administração da Petrobras de responsabilidade pelo mau negócio de Pasadena: "No sentido jurídico, que implica ressarcimento ao dano, ela foi inocentada. Mas, e a responsabilidade moral?"

POR OPORTUNA, a indagação do senador caberia no caso de Aécio e da pista de aeroporto na cidade de Cláudio . Ali foi construída em 1983 uma pista de terra batida quando Tancredo Neves , avô de Aécio , governava Minas. Em 2010, no governo Aécio , o Estado gastou R$ 13,9 milhões com o asfaltamento da pista, o sistema de iluminação do aeroporto e outras benfeitorias .

"NÃO PREJULGO ninguém, acho apenas que todos devem prestar esclarecimento de questões que surgem", disse Aécio na sexta-feira passada. Não, ele não se referia ao aeroporto de Cláudio. Nem a outro em Montezuma, cidade do Norte de Minas, onde a família de Aécio é também dona de terras. A pavimentação da pista custou R$ 309 mil em 2007. O aeroporto ainda não funciona.

AÉCIO COBROU uma palavra de Dilma a respeito de Pasadena. Há quatro meses, Dilma afirmou que ela e os demais conselheiros da Petrobras se basearam num parecer técnico e "juridicamente falho " para aprovar a compra da refinaria . E jogou a culpa na diretoria da Petrobras comandada, na época, por José Sérgio Gabrielli, homem de confiança de Lula . Por mais absurda que soe , o TCU aceitou a explicação de Dilma.

O MINISTÉRIO PÚBLICO de Minas investigou a obra no aeroporto de Cláudio e concluiu que nenhuma ilegalidade foi cometida. Quanto ao aspecto moral... Não se deve misturar investimento público com propriedade privada. Aécio tornou- se vulnerável a ataques. Assim como a antiga diretoria da Petrobras, que responderá pela compra de Pasadena. Quanto à capacidade de Dilma como gestora... Pois é!

PECA O TCU pela falta de rigor no exame de assuntos que envolvem políticos importantes . O inciso IV do artigo 29 do estatuto da Petrobras diz que compete privativamente ao Conselho de Administração "a constituição de subsidiárias , participações em sociedades controladas ou coligadas, ou a cessão dessa participação, bem como a aquisição de ações ou cotas de outras sociedades ". Olha Pasadena aí, gente!

O CONSELHO REPRESENTA os acionistas da empresa. A diretoria da Petrobras não tem autoridade para vender ou comprar algo sem o referendo dele. É simples assim. Tinha duas páginas e meia o parecer que Dilma taxou de técnico e "juridicamente falho". Ora, os conselheiros poderiam ter pedido mais detalhes do negócio. Foram açodados.

NO ÚLTIMO DIA 18, o Conselho aprovou por R$ 600 milhões a venda para a Companhia Energética de Minas da participação acionária da Petrobras na estatal Gasmig. O preço foi estipulado com base numa avaliação feita pelo Unibanco . Insatisfeito , o Conselho encomendou ao Banco do Brasil outra avaliação. Que confirmou a primeira. É assim que se faz

José Roberto de Toledo: Pisos, tetos e bolsas

- O Estado de S. Paulo

Bocejo dos bocejos, a intenção de voto em Dilma Rousseff (PT) não muda desde abril. A falta de movimento e novidade aumenta a frequência de títulos que querem enxergá-los onde não existem. Dilma "cai" e "sobe" em casas decimais imaginárias. Às vezes, a notícia é explicar a ausência de notícia.

Um entediado poderia se indagar sobre o motivo pelo qual Dilma, a despeito da piora dos indicadores e das expectativas econômicas, nunca vai abaixo de 36% - na média dos institutos calculada pelo Estadão Dados. As raras pesquisas em que isso ocorreu foram pontos fora da curva, o que é tão mais esperado quão mais pesquisas são feitas. Os pontos estavam fora porque nas pesquisas seguintes ela voltou aonde estava. Vale a curva.

Por que, então, Dilma tem um piso tão acima do que tem sido, por enquanto, o teto dos seus adversários? A recente pesquisa Ibope permite testar muitas hipóteses, mas confirma poucas.

O primeiro motivo parece óbvio, mas não necessariamente é: Dilma é conhecida de praticamente todo o eleitorado. Ter mais presença na memória do eleitor do que os concorrentes é uma vantagem, porém, apenas quando se é popular. A presidente deve ter saudades de quando 20% dos eleitores achavam seu governo ruim ou péssimo. Desde abril, sua desaprovação supera 30%.

Logo, a alta taxa de reconhecimento do seu nome não explica por que o colchão de Dilma na opinião pública é tão alto e resiliente. Afunda, mas volta. Há de haver outra explicação.

E há. Mais de uma.

O Ibope perguntou ao eleitor se ele ou alguém em sua casa é beneficiário de ao menos 1 entre 16 programas federais, como Bolsa Família, Prouni, Minha Casa Minha Vida, Luz para Todos e Farmácia Popular. Pelas respostas, um terço do eleitorado vive em domicílios onde pelo menos uma pessoa se beneficia diretamente por algum desses programas do governo. Isso, 33%.
A pergunta óbvia é "como votam esses eleitores?"

A maioria absoluta, 51%, declarou que votaria em Dilma. O dado consolidado pode ser enganador, porém. Apenas um dos programas federais faz diferença na eleição, justamente o maior e mais famoso de todos eles: entre os beneficiários do Bolsa Família a presidente chega a 58% das intenções de voto. Na média dos atendidos pelos outros 15 programas, a taxa de voto em Dilma é 38% - alta, mas igual à sua média no eleitoral total.

A interpretação enfadada desses números levaria à conclusão de que a candidata do PT só está à frente dos seus adversários na corrida eleitoral por causa do clientelismo do Bolsa Família.

Infelizmente para a oposição, as coisas nunca são tão simples assim. Entre quem não ganha nada do governo federal - nem ele próprio nem ninguém de sua família - Dilma tem 32%.

E Aécio Neves (PSDB)? O principal candidato oposicionista tem uma taxa de votos muito mais alta entre os "sem programa" do que entre os beneficiários: 25%, contra 16%. Se não houvesse Bolsa Família e similares, o tucano estreitaria sua diferença em relação à presidente, mas ainda ficaria sete pontos atrás.

Dos 38% de intenção de voto em Dilma, 17 pontos percentuais vêm do dito assistencialismo federal, mas os outros 21 pontos são de eleitores que nada têm a ver com o Bolsa Família e quetais. Do mesmo modo, quase metade dos eleitores assistidos pelos programas do governo não declaram voto na presidente: 16% votam em Aécio; 7%, em Eduardo Campos (PSB); 6% nos nanicos; 12% vão anular ou votar em branco; 7% são indecisos.

Dar bolsa ao eleitor aumenta em 60% as chances do candidato ganhar seu voto, mas não o garante. O alto conhecimento de Dilma e o assistencialismo explicam apenas em parte a resiliência da intenção de voto da presidente. O resto vem de quem aprecia o Bolsa Família e similares mesmo sem recebê-los. Quem? Isso é assunto para outra entrevista com os dados.

Valdo Cruz: Caixa de confiança

- Folha de S. Paulo

Mantida a tendência de julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, esta pode ser a última eleição com doação legal de empresas para candidatos, que passaria a ser proibida no país.

Oportunidade única para pôr fim ao período de coleta desenfreada de grana para campanhas, assim definido por um experiente político: humilhante para os honestos e porta da esperança para os corruptos.

Talvez os primeiros sejam maioria, mas não têm acesso aos cofres privados. Os segundos são minoria, mas controlam a maioria porque conhecem o caminho do dinheiro.

Isso me faz recordar fato ocorrido no início dos anos 90. Um empresário foi procurado por um assessor em nome de um candidato a governador no Sudeste. Motivo: um pedido milionário de doação.

Resposta positiva, mas com uma condição. O dinheiro seria entregue diretamente ao candidato. Afinal, o doador não enxergava no emissário alguém com ascendência sobre o destinatário da grana.

Resposta negativa. A verba tinha de ser entregue ao emissário original. Decidido a fazer a doação, o empresário encheu a pasta com a quantia pedida e foi ao encontro do candidato, de quem era próximo.

Depois de um chá de cadeira, não foi recebido. Da secretária, ouviu o recado de que o endereço de entrega estava errado. E teve a garantia de que o interlocutor era, sim, de total confiança. A grana foi doada.

Explicação do empresário para o episódio. Você não pode doar sem ter a certeza de que o candidato sabe que você está sendo muito generoso. É preciso estabelecer um vínculo a ser cobrado mais à frente.

Por isso os verdadeiros caixas de campanha não só falam em nome do candidato como têm influência sobre ele. Esta é a regra de ouro do negócio e a origem de todas as negociatas.

Livrar-nos delas totalmente é utopia. Mas o STF pode, mais uma vez, pressionar o Congresso a se mexer. O risco é criarem novos atalhos.

Renato Janine Ribeiro: Um sistema sofisticado

• Governabilidade é condição para se eleger

- Valor Econômico

Vinte anos atrás, em 7 de junho de 1994, o Congresso promulgou cinco emendas constitucionais "de revisão", encerrando o processo previsto na Constituição de 1988, que mandava revisar a Carta cinco anos após sua promulgação. Para a revisão, o quórum era baixo - somente a maioria absoluta - enquanto as emendas constitucionais de praxe exigem maioria de três quintos. A inspiração veio da Constituição Portuguesa de 1976, a fim de verificar a cada cinco anos o que funcionava e o que não na lei suprema, de modo que ela fosse alterada de uma vez só e não aos pedaços. Mas nosso Congresso revisou apenas pontos secundários e aboliu a revisão periódica. Talvez por isso, talvez não, já emendamos a Carta 87 vezes.

A mais importante das emendas de revisão foi a de número 5, reduzindo o mandato presidencial de cinco para quatro anos. Faltavam quatro meses para a eleição e é provável que tenha sido aprovada para subtrair um ano de um eventual governo Lula, já que o líder petista era favorito absoluto para a Presidência da República. Três semanas após a emenda, porém, a implantação do Plano Real mudaria o panorama político, levando Fernando Henrique Cardoso à vitória. Preocupados com a inflação e com as eleições, os brasileiros não deram muita importância à EMC 5.

Mas ela introduziu uma mudança decisiva e radical nas eleições presidenciais. Pela primeira vez num século de República, a Constituição decretava a coincidência entre a eleição do Executivo e Legislativo federais. Na República Velha, os presidentes eram escolhidos por quatro anos, os deputados por três e os senadores por nove. Sob a Constituição de 1946, o mandato dos deputados subiu para quatro, o do presidente para cinco e o dos senadores baixou para oito. Assim, entre 1894 e 1930, quando ocorreram as eleições, ainda que fraudadas, da República Velha, e de novo entre 1945 e 1960, quando se realizaram os pleitos para presidente sob nossa então tímida democracia, só ocasionalmente coincidiram os mandatos.

Assim ainda se deu a eleição de Fernando Collor, em 1989. O Legislativo tinha sido renovado em 1986 e o seria de novo, com os governadores estaduais, no ano seguinte. Collor foi eleito sozinho. Este fato se somou a outros para eleger um cavaleiro solitário, um salvador sebastianista, um desconhecido. Uma novela do ano ("Que rei sou eu?") promovia a ideia do jovem príncipe que dava cabo de corte e cortesãos, que pela juventude e energia varria de cena o antigo regime. Só que o governo Collor deu no que deu.

Se FHC manteve alguns fins propostos por Collor - a estabilidade monetária, à época prioridade zero, e às privatizações - ele o fez recusando os meios: nada de surpresa ou de choque; tudo votado, anunciado. Substituiu, como já afirmei aqui, a épica (desastrada) pela prosa, até prosaica, mas bem sucedida, dialógica, democrática.

Ora, a EMC 5 acabou com surpresas nas eleições presidenciais. A coincidência das eleições federais, e delas com as estaduais, ancorou a escolha do presidente da República numa rede sólida de compromissos políticos no país inteiro. O sucesso no susto ficou impossível. Collor e alguns amigos seus, "outsiders" como ele, decidiram lutar pelo Planalto num jantar em Pequim, aproveitando um vácuo de opções políticas. Cenas primitivas como essa não são mais possíveis. Hoje, a Presidência é para "insiders". Não basta o candidato ter uma relação direta com os eleitores, pela mídia eletrônica: precisa de inúmeras mediações, acordos, compromissos, para concorrer com alguma chance.

Essa mudança nos marcou. Talvez o governo FHC fosse mais ou menos o mesmo, se sua eleição tivesse ocorrido à parte da escolha de legisladores e governadores. Mas os governos do PT, não. Lula poderia até ter conquistado mais cedo a Presidência, se não precisasse dessa capilarização de apoios. Talvez, dirigindo-se sem intermediários aos cidadãos, conseguisse vencer. Não creio muito. A força do PT, na oposição, estava nos movimentos organizados. Eles fazem uma importante intermediação entre o líder e a sociedade. Mas digamos que ele se elegesse, num pleito solteiro, talvez em 1989. Teria um Legislativo eleito em 1988. Viveria uma situação de total minoria. Precisaria fazer mais acordos, piores para o PT e para o país, do que de fato precisou.

Com eleições simultâneas, Lula percebeu que precisava dos acordos antes, não depois, da eleição. Essa decisão mudou o PT e o país. Acordos prévios à campanha podem ser mais baratos para a candidatura e a sociedade. Ele entendeu a necessidade de compromissos, inclusive um que tranquilizasse os mercados. A Carta aos Brasileiros, a histórica promessa de Lula respeitar os contratos, vem disso. Mudanças maiores ficam mais difíceis, desse jeito, que descontenta os radicais. Mas tem a vantagem de que mudanças, assim introduzidas, ficam. O governo eleito terá maior apoio.

Durante a campanha, descartam-se os candidatos que não passam numa complexa prova dos nove. Talvez eu, professor universitário, goste deste modelo porque lembra um pouco um concurso acadêmico - não por ser acadêmico, claro, mas por serem sucessivas provas, que tiram de cena quem não é apto: no caso, quem não terá apoio depois da eleição. Só consegue apoio para se eleger quem já o tem para governar. O Dia-D, da eleição, é marcado já pelos 1.440 days after que o presidente vai viver.

Por isso nosso modelo político, tão criticado, tem elementos sofisticados. É possível e preciso reformá-lo, mas para isso é necessário entendê-lo. Porque, não sendo assim, se corre o risco de piorá-lo, em vez de melhorá-lo.

Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.