terça-feira, 8 de abril de 2014

Opinião do dia: Roberto Freire

Ao contrário do que prega o PT, a Petrobras não ficará manchada por uma CPI. O que destrói sua reputação são os escândalos que se acumulam e parecem não ter fim, desde falta de transparência na divulgação de informações ao mercado e manipulação de dados até compras suspeitas de refinarias, pagamento de propinas e loteamento político. É preciso salvar a Petrobras.

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS, Em defesa da Petrobras, patrimônio dos brasileiros, Brasil Econômico, 04 de abril de 2014

Planalto e petistas rifam André Vargas e pressionam por renúncia

Executiva do PT analisa na quinta relações do deputado com doleiro; temor da sigla é que caso contamine candidaturas

Vera Rosa e Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA e SÃO PAULO - O Palácio do Planalto e a cúpula do PT vão pressionar o deputado André Vargas (PT-PR), vice-presidente da Câmara, a renunciar ao mandato. Na avaliação de ministros e dirigentes petistas, o caso Vargas pode alimentar a CPI da Petrobrás, desgastar ainda mais a presidente Dilma Rousseff, que concorrerá à reeleição, e prejudicar as candidaturas do ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha ao governo de São Paulo e da senadora Gleisi Hoffmann à sucessão paranaense.

No Planalto, o comentário é que o pedido de licença do deputado, apresentado nesta segunda, 7, não resolve a questão. A situação de Vargas é definida no Planalto como "delicadíssima", insustentável num ano eleitoral.

A bancada do PT na Câmara vai se reunir nesta terça para avaliar o assunto. Vargas está em Brasília, mas até agora não se sabe se ele participará do encontro. Na quinta-feira, a Executiva Nacional do partido também vai se reunir, em São Paulo, e deve ser nomeada uma comissão interna para que Vargas dê explicações.

O presidente do PT, deputado Rui Falcão, conversou nesta segunda-feira, 7, com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a crise política. "Até a semana passada o PT tratava o caso como um assunto pessoal do deputado. Agora, diante das novas informações, a executiva nacional terá que discutir o caso", disse o presidente nacional do PT, Rui Falcão. "Sempre temos que trabalhar com a presunção da inocência mas o PT não convalida este tipo de relação, se é que ela existe."

Consequências. O PT teme que a permanência de Vargas no Legislativo dê munição ao PSDB e acabe respingando em Padilha, que era ministro da Saúde e agora é candidato à sucessão do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Além disso, adversários de Gleisi, no Paraná, também já começaram a usar as denúncias para atingir a campanha do PT.

Alguns integrantes da sigla comparam o caso de Vargas ao do ex-dirigente Silvio Pereira, obrigado a deixar o PT após ser presenteado por uma empresa com um Land Rover.

Justiça envia ao STF documentos que ligam doleiro a André Vargas

Operação Lava Jato, da Polícia Federal, mostra relações entre Alberto Yousseff e o parlamentar, que tem foro privilegiado

Fausto Macedo – o Estado de S. Paulo

A Justiça Federal decidiu enviar nesta segunda-feira, 7, ao Supremo Tribunal Federal (STF) todos os documentos dos autos da Operação Lava Jato que ligam o doleiro Alberto Yousseff ao deputado André Vargas (PT/PR). Na condição de parlamentar, Vargas detém foro privilegiado perante o Supremo, ainda que agora tenha pedido licença do cargo por 60 dias.

Caberá à corte máxima encaminhar o caso à Procuradoria Geral da República. A Procuradoria decidirá se pede ou não abertura de investigação contra Vargas.

A Justiça considera que entre os diversos fatos investigados foram colhidos “em verdadeiro encontro fortuito de provas elementos probatórios que apontam para relação entre Yousseff e o deputado”.

A Justiça avalia que ainda é prematura afirmação de que o relacionamento entre o doleiro e André Vargas “teria natureza criminosa”. Mas, as frequentes citações a Vargas nos autos da Lava Jato já são suficientes para o deslocamento dessa etapa do caso para o Supremo.

Atendendo à determinação judicial, a Polícia Federal vai selecionar os “eventuais elementos probatórios e reuni-los em processo apartado” para posterior remessa ao Supremo.

A PF tem 10 dias para reunir esses documentos que mostram a aproximação entre o doleiro e o deputado petista.

Apenas a parte relativa ao parlamentar seguirá para o STF. A investigação aponta para crimes de evasão de divisas, “corrupção de empregado público da Petrobrás (Paulo Roberto da Costa, ex-diretor de Abastecimento da estatal)” e crimes de lavagem de dinheiro, até com produto do tráfico de drogas. Essa parte dos autos continuará aos cuidados da PF no Paraná.

Câmara inicia processo contra André Vargas

Fábio Brandt – Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), iniciou ontem o processo que pode culminar com a perda do mandato do vice-presidente da Casa, André Vargas (PT-PR). Alves recebeu duas representações elaboradas por partidos da oposição. A primeira, escrita por PSDB, DEM e PPS, Alves encaminhou ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara. A outra, elaborada pelo PSOL, foi para a corregedoria. As duas instâncias devem, agora, proferir parecer sobre a carona de Vargas em um jato emprestado pelo doleiro Alberto Youssef, preso pela Polícia Federal na Operação Lava Jato, que investiga um esquema de lavagem de dinheiro que teria movimentado R$ 10 bilhões.

Segundo PSDB, DEM e PPS, a "disponibilização de aeronave para que [Vargas] se deslocasse de Londrina a João Pessoa, ao custo aproximado de R$ 100 mil" é evidência de uma "benesse que, por seu caráter incomum e pelo seu elevado valor, pode ser interpretada como recebimento de vantagem indevida, procedimento incompatível com o decoro parlamentar e punível com a perda do mandato". O PSOL afirma que "a relação mantida [entre Vargas e Youssef] não é a da alegada amizade de 20 anos, mas sim envolve negociatas e possíveis fraudes em processos administrativos, com a utilização da influência do deputado André Vargas".

Vargas pediu, ontem, licença não remunerada de 60 dias para tratar de "interesse particular". Com isso, ele terá até 30 dias para desocupar o apartamento funcional (depois disso, fica sujeito a multa) e precisará exonerar todos os funcionários de seu gabinete. O afastamento, no entanto, não suspende os procedimentos que podem ser abertos contra ele. Até o fechamento desta edição, a expectativa era que o presidente do Conselho de Ética, deputado Ricardo Izar (PSD-SP), convocasse uma reunião do colegiado na quinta-feira com o propósito de examinar se a representação dos oposicionistas está de acordo com a Constituição e com o regimento interno da Câmara. O processo só é iniciado se esses requisitos forem atendidos.

Caso o conselho aceite a representação, designará um relator para o caso e dará 10 dias para Vargas apresentar sua defesa. Em seguida, haverá vários outros prazos para realização de diligências e novas oportunidades para a apresentação de defesa e recursos por parte do petista. O processo todo, porém, não pode exceder 90 dias caso o conselho conclua que cabe a cassação do mandato. Se o conselho optar por uma pena mais branda (como suspensão de prerrogativas parlamentares ou do mandato por até seis meses), esse limite é de 60 dias. Excedidos esses prazos, a pauta de votações fica sobrestada - situação em que nada pode ser votado, nem mesmo propostas de emenda à Constituição.

Na corregedoria, o processo é mais longo. Caso queira pedir a cassação do mandato, o corregedor deve acionar o Conselho de Ética, num processo redundante com o iniciado a pedido de PSDB, DEM e PPS. Segundo especialistas em processo legislativo da Câmara, o corregedor, deputado Átila Lins (PSD-AM), tem até 45 dias para ouvir Vargas e emitir um parecer, que deve ser enviado à Mesa Diretora e, se houver a conclusão de que cabe a perda de mandato, o Conselho de Ética é acionado.

Após Vargas divulgar seu pedido de licença, o que lhe afasta não só do mandato, mas também da vice-presidência da Câmara, o líder do PT, deputado Vicentinho (PT-SP), concedeu uma entrevista coletiva sobre o assunto. "O PT não avalia o que é melhor ou pior. O PT, o nosso partido, espera que as pessoas se defendam e que a verdade venha à tona", disse o líder.

Por meio de sua assessoria de imprensa, Vargas divulgou uma nota sobre a licença. "Com a licença, ele [André Vargas] pretende, antes de tudo, preservar a instituição da qual faz parte, a Câmara dos Deputados, enquanto prepara sua defesa diante do massacre midiático que está sofrendo, fruto de vazamento ilegal de informações", diz a nota.

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Reunião da Executiva do PT selará futuro político de André Vargas

Uma comissão composta por três membros será formada para apurar a conduta do parlamentar, que poderá vir a ser convidado a prestar esclarecimentos aos colegas de legenda

Isabel Braga, Jailton de Carvalho e Thiago Herdy – O Globo

BRASÍLIA e SÃO PAULO — O PT convocou uma reunião de sua Executiva para decidir nesta quinta-feira o destino do deputado licenciado André Vargas (PT-PR), investigado por seu envolvimento com o doleiro Alberto Youssef em negócios suspeitos no Ministério da Saúde. A decisão foi anunciada pelo presidente da legenda, Rui Falcão, depois de se encontrar com o ex-presidente Lula na segunda-feira à tarde em São Paulo.

Uma comissão composta por três membros será formada para apurar a conduta do parlamentar, que poderá vir a ser convidado a prestar esclarecimentos aos colegas de legenda. De acordo com Falcão, o partido trabalha com a “presunção da inocência de Vargas", mas não validará eventuais erros cometidos pelo petista. Participam da reunião da Executiva 18 integrantes do partido, a maioria deles pertencente à mesma corrente de Vargas, a CNB, que é majoritária. Os líderes do partido na Câmara e no Senado também poderão participar, assim como o presidente Rui Falcão. Segundo o blog do Noblat, informações de cinco deputados federais do PT indicam que o partido pressiona Vargas para que ele renuncie ao mandato.

Com o ex-presidente Lula no comando das articulações e sob pressão do PT, André Vargas pediu licença por 60 dias. No PT e fora dele, a pressão continua. A oposição pediu investigação no Conselho de Ética da Câmara por quebra de decoro parlamentar, que poderá resultar em cassação. Além disso, a Justiça Federal no Paraná decidiu enviar para o Supremo Tribunal Federal (STF) os trechos da Operação Lava Jato sobre as relações entre Vargas e o doleiro para que o tribunal decida se autoriza ou não abertura de inquérito contra o deputado.

No pedido de licença do mandato enviado à Câmara, Vargas alegou motivos de interesse particular para sua licença, o que é permitido na Constituição, por até 120 dias. Neste período de licença, o petista não vai receber o salário mensal de R$ 26,7 mil. Em nota entregue à Câmara, o parlamentar disse estar à disposição da Casa para “quaisquer esclarecimentos”. Em outra nota, distribuída à imprensa, a assessoria do petista afirma que “com a licença, ele pretende, antes de tudo, preservar a instituição da qual faz parte, a Câmara dos Deputados, enquanto prepara sua defesa diante do massacre midiático que está sofrendo, fruto de vazamento ilegal de informações."

Vargas é suspeito de ajudar a Labogen, uma empresa do doleiro, a obter um contrato de R$ 31 milhões no Ministério da Saúde e receber favores de Yousseff. A Polícia Federal já está separando os trechos em que o deputado aparece nas investigações de forma incidental. A polícia estava investigando os negócios de Yousseff e, no decorrer do trabalho, acabou interceptando conversas suspeitas entre o deputado e o doleiro. Yousseff está preso em Curitiba desde o dia 17 do mês passado.

Vargas e Youssef, segundo as denúncias, trocaram mensagens comprometedoras negociando contratos suspeitos. Numa delas, o doleiro diz a Vagas que os negócios suspeitos iriam garantir a “independência financeira” dos dois. Em outra, o doleiro diz que precisa de ajuda para resolver
problemas financeiros, e o deputado afirma: “Vou atuar”.

O presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN) pode delegar ao deputado Fabio Faria (PSD-RN), segundo-vice presidente da Casa, eventuais tarefas exercidas neste período de licença do primeiro vice. De acordo com a Diretoria Geral da Câmara, André Vargas não terá, nos 60 dias de licença, direito a subsídio eleitoral e nem às verbas parlamentares. Os funcionários de seu gabinete também terão que ser demitidos. Isso no acontecerá, no entanto, no caso dos funcionários da Vice-Presidência, por ser órgão perene da Casa

Alves contou que recebeu uma ligação de Vargas comunicando o afastamento, mas não quis comentar a decisão do petista:

- Não cabe avaliar, cabe a cada um cumprir seu dever - disse o presidente da Câmara.

Em caso de renúncia, deputado vira ficha suja
A partir de agora, caso o deputado licenciado André Vargas (PT-PR) decida renunciar ao mandato para escapar da perda dos direitos políticos, ele já cairá na Lei da Ficha Limpa. Isso porque, depois de arquivar, na semana passada, pedido do PSOL para investigar as denúncias contra o petista, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), acatou o novo pedido feito pelo partido, com melhor fundamentação, e o encaminhou à Corregedoria da Casa. Além disso, Henrique Alves também encaminhou ao Conselho de Ética da Câmara a representação, assinada pelo PSDB, DEM e PPS, de abertura de processo contra André Vargas por quebra de decoro parlamentar, que poderá resultar na cassação do mandato do petista.

O processo tramitará no Conselho de Ética independentemente do pedido de licença do mandato, feito pelo petista, e só irá parar se Vargas renunciar antes da instauração do processo no conselho. Se optar pela renúncia, no entanto, Vargas cairá na Lei da Ficha Limpa, ou seja, não poderá concorrer em eleições nos próximos oito anos. A Lei da Ficha Limpa pune, com inelegibilidade, os que renunciam ao mandato para escapar de cassação.

Para isso, não é preciso sequer que o processo esteja instaurado no Conselho de Ética, bastam as representações contra Vargas já apresentadas pela oposição. Em uma de suas alíneas, a lei diz que quem renunciar ao mandato para escapar de processo de cassação, também estará inelegível por oito anos, a contar do término do mandato.

Oposição vai acionar STF para garantir CPI da Petrobrás

Pré candidato do PSDB ao Planalto, o senador Aécio Neves usou palavras como 'vergonha' e 'hipocrisia' para qualificar movimentos da base aliada, que tenta ampliar o escopo da investigação

Elder Ogliari e Ricardo Brito - O Estado de S. Paulo

PORTO ALEGRE e BRASÍLIA - O senador mineiro Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à presidência da República, confirmou que representantes de partidos da oposição vão acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira, 8, para garantir a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) voltada especificamente para a investigação da Petrobrás.

"Vamos pedir que se cumpra a Constituição, que se garanta o direito das minorias de investigar", destacou, durante entrevista coletiva em Porto Alegre, no final da tarde desta segunda-feira. Na cidade, Aécio participou, como palestrante, do Fórum da Liberdade.

Aécio criticou a postura do presidente do Senado, Renan Calheiros, que admite que a CPI a ser instalada no Congresso investigue também o metrô de São Paulo e o porto de Suape, em Pernambuco, como querem os aliados da presidente Dilma Rousseff.

O senador usou palavras como "vergonha" e "hipocrisia" para qualificar os movimentos da base governista e afirmou que "eles não querem investigar coisa alguma" e "querem, com esse artifício, impedir que haja foco na investigação da Petrobrás".

Lembrou, ainda, que CPI é um direito das minorias. "Havendo um terço (de assinaturas) e fato determinado, cabe ao presidente do Senado ou da Câmara simplesmente pedir a indicação dos membros dos partidos e instalar a comissão", reiterou. Para Aécio, se a tese da base prevalecer, "a minoria perderá a capacidade de investigar qualquer denúncia em relação ao governo, agora ou no futuro".

O presidente do Democratas, senador Agripino Maia (RN), afirmou que a intenção dos oposicionistas é entregar às 11 horas, o mandado de segurança nas mãos do presidente do Supremo, ministro Joaquim Barbosa.

Segundo Agripino, o pedido deve ser assinado por integrantes do DEM, PSDB, PDT, PSB e PMDB. Os oposicionistas já pediram uma audiência com Barbosa para entregar o documento, embora ainda não tenham tido a confirmação de que o presidente do Supremo aceitou.

Comissão. A expectativa é que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado se reúna nesta terça para discutir o recurso que Renan encaminhou questionando a abrangência do pedido de CPI apresentado pela oposição.


O colegiado também analisará o escopo da investigação proposta pela base aliada, que, além de pedir investigações da Petrobrás, quer apurar fatos que envolvem o PSDB e o PSB, partidos dos prováveis adversários de Dilma em outubro, Aécio Neves e Eduardo Campos.

Nesta segunda, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) foi designado relator dos recursos da CCJ. É possível que o encontro seja adiado para que ele possa concluir seu parecer.
Na semana passada, Renan Calheiros havia anunciado que a decisão sobre qual CPI seria criada sairia na quarta-feira.

Vargas e Petrobrás desmoralizam versão romântica do PT para desvios

João Bosco Rabello – O Estado de S. Paulo

Desponta como o fio de um novelo maior as relações entre o vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT-PR), e o doleiro Alberto Yousseff , que vão além do que poderia sugerir o episódio do voo de férias do parlamentar em jato do contraventor.

Vargas é daqueles perfis que sobrevivem anos no parlamento apesar do telhado de vidro de conhecimento dos seus pares. Na medida em que crescem politicamente, se entusiasmam com perspectivas reservadas a biografias menos comprometidas. É quando são apresentados à ficha corrida que construíram.

Vargas já estava sonhando com a presidência da Câmara, desde que o atual ocupante do cargo, o peemedebista Henrique Eduardo Alves (RN), anunciou a decisão de concorrer ao governo de seu Estado, antecipando sua intenção de não disputar uma reeleição para o parlamento.

A denúncia do voo em jato do doleiro, anterior à prisão de Youssef, foi a primeira tesourada nas asas do petista. Ainda na fase de redução dos danos, foi abatido com uma série de conversas gravadas com o doleiro, que não deixam margem a dúvidas: no mínimo, traficava influência no governo de seu partido, valendo-se do cargo.
Vargas era uma questão de tempo. A desenvoltura com que investiu contra o Poder Judiciário, no gesto ofensivo ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, é reveladora da certeza de impunidade que ainda o orientava, apesar das prisões dos mensaleiros.

As digitais do deputado responsável pela área de comunicação do PT não estão apenas no ministério da Saúde, conforme registram as escutas autorizadas da Polícia Federal. É, por ora, onde elas aparecem.

Estão também na construção da rede de mídia, principalmente digital, montada pelo PT para alimentar o noticiário chapa-branca – aquele destinado a disseminar as versões do partido em oposição à mídia independente – por eles classificada de “imprensa golpista”.

Vargas foi um dos que pressionaram pela demissão da ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Helena Chagas, que se recusava a ampliar esse universo de mídia paralela, bancada por recursos públicos e quantificada pela ex-ministra em quase dez mil veículos e blogs.

Vargas alimenta parte dessa mídia através de uma associação de jornais do interior, do Paraná, sua base eleitoral, para a qual canaliza recursos com origem na Caixa Econômica Federal (CEF).

Podado nas suas pretensões de manter o processo, ou ameaçado de perder o duto dos recursos, passou a exigir, com outros que a tempo serão nominados, a cabeça da ministra. Cedida por Dilma em momento de fragilidade aguda em que precisou ser mais concessiva ao PT.

Vê-se agora que o ardor pelo controle da mídia, mantra do PT, tem intensidade proporcional aos negócios escusos que o partido desenvolve no âmbito da estrutura administrativa para manter-se no poder.

É o mesmo enredo do mensalão, que rendeu à imprensa independente as mesmas agressões e tentativas de amordaçamento. O caso, no entanto, é outro: trata-se de desvio de recursos públicos para projeto de permanência no poder, em alguns casos, e de locupletação pessoal, em outros.

Desnecessário dizer que as duas metas formam uma só: a da prosperidade pessoal e financeira que o poder assegura aos que nele conseguem se manter ocultando as operações que sustentam o objetivo.

O problema é a imprensa, essa inconveniente, cujas investigações não estão atreladas a regimentos protecionistas.

Wikileaks: Casa Branca consultou Dilma antes de autorizar aquisição de refinaria por Petrobrás

Jamil Chade – O Estado de S. Paulo

GENEBRA - O governo dos Estados Unidos buscou garantias da parte de Dilma Rousseff em 2006 quando ela ainda era presidente do Conselho da Petrobrás antes de dar o sinal verde para que a empresa brasileira comprasse uma refinaria em Pasadena. Telegramas confidenciais da diplomacia americana obtidas pelo grupo Wikileaks revelam reuniões e missões enviadas ao Brasil pela Casa Branca diante da possibilidade de que a estatal brasileira comprasse a refinaria americana. Outro consultado foi o ex-diretor internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, epicentro da crise.

Um dos telegramas de 12 de junho de 2006 é explícito em relação ao assunto já em seu título: “A Aquisição da Petrobrás da Pasadena Refining Systems”. O documento foi enviado pela embaixada americana em Brasília ao Departamento de Estado norte-americano e relata os encontros de ministros e delegações de Washington com autoridades nacionais, entre elas Dilma Rousseff.

Uma das preocupações se referia à atuação da Petrobrás concorrendo contra interesses americanos na América Latina e tirando proveito justamente do fato de que governos da região começavam em 2006 a nacionalizar investimentos americanos. O temor era de que esses governos, uma vez recuperado os ativos de empresas americanas, repassariam os investimentos para a Petrobrás.

Em junho de 2006, uma missão encabeçada pelo secretário de Comércio do governo de George W. Bush viajou ao Brasil para debater essa situação. O governo americano queria garantias por parte da Petrobrás de que a empresa não iria ocupar o lugar deixado pelas empresas dos EUA depois que presidente Rafael Correa do Equador nacionalizou operações de petroleiras americanas no país.

O caso era considerado como chave para entender a posição da Petrobrás na região e a concorrência com os americanos. “A missão recebeu garantias de forma repetidas, de maneira mais proeminente durante a visita do Secretário de Comércio Gutierrez no dia 7 de junho com a chefe da Casa Civil do presidente Lula, Dilma Rousseff – que também atua como presidente do Conselho da Petrobrás – de que a Petrobrás não tem interesse em assumir os ativos da Occidental Petroleum’s Ecuador”, indica o telegrama.

“Diante dessas garantias, feitas em nível ministerial, o posto acredita que o caso Occidental não deve ser um obstáculo para a proposta da Petrobrás para adquirir 50% da Pasadena Refining Systems (PRS)”, indicou o governo americano. “O posto não acredita que a aquisição da Petrobrás da PRS signifique um risco à segurança nacional”, indicou a embaixada americana, depois de citar o encontro com Dilma.

Cervero – O governo americano também aponta para reuniões com o ex-diretor internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró. Ele foi o responsável pelo parecer técnico que baseou a decisão do Conselho de Administração da Petrobrás de comprar a refinaria, alvo de investigações.

O encontro ocorreu no dia 26 de maio de 2006 no Rio de Janeiro. Washington queria saber de Cervero se a Petrobrás estava interessada nos ativos nacionalizados pelo Equador. “Seria um má política para a Petrobrás minar sua relação com a Occidental assumindo seus ativos no Equador”, indicou Cerveró.

A aquisição da refinaria nos EUA continuaria na agenda entre os dois países. Em 11 de setembro de 2006, o embaixador americano no Brasil se encontraria com o então presidente da Petrobrás, Sérgio Gabrielli. “Gabrielli disse ao embaixador que, como parte de um esforço para aumentar suas exportações e ativos globais, a empresa planejava forte investimentos nos EUA”, disse o telegrama daquele dia. Segundo Gabrielli, a refinaria em Pasadena faria parte desse projeto e outra na Califórnia estaria sendo estudada pelo brasileiro. A meta era a de incrementar a produção mundial de barris por parte da empresa de 2,4 milhões por dia para 4,5 milhões em 2011.

Num telegrama de 30 de junho de 2008, diplomatas americanos relatam o encontro entre o então embaixador dos EUA no Brasli, Sobel, e o diretor internacional da Petrobrás, Jorge Luiz Zelada. O brasileiro apontava na ocasião como a empresa estava investindo US$ 5 bilhões nos EUA. “Zelada afirmou que a Petrobrás está tentando adquirir os outros 50% da refinaria Pasadena em Houston para a aliviar a pressão no que se refere à refinaria no Brasil”, indicou o documento.

Dilma reage a tentativas de investigar governo

Dilma sobe o tom: ‘Não vamos recuar um milímetro da disputa política’

Presidente discursa em Minas Gerais após denúncias de negócios suspeitos na Petrobras

Ezequiel Fagundes – O Globo

CONTAGEM (MG) - A presidente Dilma Rousseff subiu o tom do discurso e reagiu às tentativas da oposição de investigar seu governo após sucessivos escândalos na Petrobras. Em discurso na solenidade de entrega de máquinas para prefeitos de Minas Gerais, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a petista declarou que não vai recuar um milímetro da disputa política.

— É muito usual nos períodos de pré-campanha a utilização de todos os instrumentos possíveis para desgastar esse e aquele governo. Nos já enfrentamos isso em 2006 com a reeleição do Lula e 2010 na minha eleição. O meu governo vai manter o caráter republicano. Não iremos recuar um milímetro da disputa politica quando ela aparecer — afirmou.

Sem citar nomes, Dilma atacou os governos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

— Não olhamos partido, time de futebol ou religião. Isso não era uma pratica usual no país há dez anos atrás — afirmou.

Por fim, a presidente ressaltou que estava em um evento de governo. Uma a uma, a petista entregou 151 chaves de máquinas para os prefeitos de vários partidos. Porta voz dos gestores, o prefeito de Joaima, Donizete Lemos (PT), deu tom de campanha à solenidade. Em seu discurso, o petista pediu aos colegas ajuda para reeleger a presidente.

— Não acreditem na mentirada que tem por aí. Não tenham medo de apoiar a presidente Dilma. Não tenham medo de encarar a campanha. Vamos manter esse governo. Prefeito não tem que ter medo, a Dilma tem que continuar — defendeu.

Nas duas últimas semanas, os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) têm feito críticas à gestão de Dilma, principalmente sobre condução do governo na economia e na Petrobras.

PSDB aborda crise na Petrobras e inflação em programa partidário

Inserções vão ao ar a partir desta terça-feira

Estado de Minas

Previstas para irem ao ar a partir desta terça-feira, 8, as inserções partidárias do PSDB vão abordar a recente crise da Petrobras e o aumento da inflação, temas considerados sensíveis ao atual governo. Ao todo foram preparados três comerciais que vão ao ar em cadeia nacional de TV nesta terça, quinta, 10, sábado, 12, e novamente na terça-feira da próxima semana, dia 15.

No primeiro, que traz como tema principal a Petrobras, aparecem imagens de uma série de reportagens publicadas recentemente sobre a estatal. Em meio às imagens, o locutor diz que "não precisa ser da oposição para achar que tem muita coisa errada, basta ser brasileiro".

Na sequência, surge o presidente nacional da legenda, senador Aécio Neves (MG), possível candidato à Presidência da República. "O que está acontecendo com a Petrobras é inaceitável. É vergonhoso para o Brasil. Apenas nesse governo ela perdeu metade do seu valor e se transformou numa das empresas mais endividadas do mundo. O que nós queremos é salvar a Petrobras. É devolvê-la aos brasileiros", afirma o tucano.

O segundo vídeo traz como tema principal críticas à inflação. "Há mais de um ano eu venho alertando para o risco da volta à inflação e o governo finge que não está acontecendo nada. Mas eu te pergunto: com o mesmo dinheiro você compra hoje a mesma coisa que comprava há um ano atrás? Claro que não", diz Aécio. "Nós brasileiros, olha, sabemos como foi difícil acabar com a inflação. E essa é uma conquista que nós não temos sequer o direito de perder. Por isso para nós do PSDB, com a inflação é tolerância zero!", acrescenta.

Os dois comerciais são encerrados com o seguinte mote: "Se trabalhar direito, o Brasil tem jeito".

Num terceiro vídeo a imagem de Aécio não é explorada, há apenas a figura de um copo cheio de água prestes a transbordar. Com gotas caindo sobre o copo, o locutor vai narrando "inflação demais, saúde de menos. Corrupção demais, segurança de menos. Impostos demais, educação de menos". No fim, diz: "Já deu. Ou a gente para isso ou isso para o Brasil".

Dilma reage à oposição e chama adversários para o embate durante evento em Minas

Presidente eleva o tom ao afirmar em que não vai recuar da disputa política. Segundo ela, ataques de adversários são comuns para desgastar quem está no governo

Juliana Cipriani – Estado de Minas

A presidente Dilma Rousseff (PT) avisou nessa segunda-feira aos opositores que seu governo já tem “experiência” em ser atacado em anos eleitorais e não irá recuar diante da briga pela sucessão presidencial que começará oficialmente em junho. Ao entregar, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, máquinas para 151 municípios e anunciar recursos para prefeituras a petista, foi firme ao chamar os adversários para o embate. “Podem ter certeza: O meu governo continuará governando, mantendo o seu caráter republicano, mas nós não iremos recuar um milímetro da disputa política quando ela aparecer”, afirmou a petista no mais forte reduto eleitoral do principal adversário nas urnas, o senador Aécio Neves (PSDB).

O recado veio depois de a presidente posar para fotos com cada um dos prefeitos e representantes das cidades – inclusive do PSDB e do DEM –, que subiram ao palco montado em uma avenida de Contagem para buscar as chaves dos equipamentos entregues. Dilma fez referência ao trabalho da oposição para tentar emplacar investigações contra sua gestão, a principal delas no momento é uma devassa na Petrobras. “É muito usual durante os períodos de pré-campanha no Brasil, como é o de agora, e os de campanha, que haja a utilização de todos os instrumentos possíveis para desgastar esse ou aquele governo. Nós temos experiência disso porque já enfrentamos isso em 2006, na reeleição do Lula, e em 2010, na minha eleição.”, afirmou.

Aos prefeitos, que a esperaram com direito a música ao vivo de um artista local, Dilma disse que seu governo atende a todos. “Não olhamos nem partido nem time de futebol nem a opção religiosa de ninguém. É minha obrigação atender sem a menor discriminação”, afirmou, sendo aplaudida. Antes dela, o prefeito de Joaíma, no Vale do Jequitinhonha, Donizete Lemos (PT) – escolhido para discursar em nome dos beneficiados pelas entregas – encarnou o cabo eleitoral e pediu aos demais presentes que multipliquem o apoio a Dilma. “Temos uma série de ações deste governo que o diferenciam dos passados. Por isso quero pedir a todos os prefeitos que não tenham medo de apoiar a presidente Dilma”, afirmou.

O prefeito disse aos colegas que o dinheiro que os moradores de sua cidade recebem do Bolsa-Família movimentam a economia e que, em sua cidade, antes todos iam para os Estados Unidos, agora eles ficam. Donizete Lemos afirmou ainda que a petista entrega políticas a integrantes de todos os partidos. “Não tenham medo de encarar essa campanha, como nas campanhas passadas. Vamos manter esse governo que alavanca este país. É muita mentirada que a gente escuta por aí. A Dilma governa para todos”, disse.

Se Dilma está pronta para a guerra, o que não falta é munição. Além de entregar 95 caminhões caçamba e 56 pás carregadeiras, a petista, acompanhada de quatro ministros e do pré-candidato do PT ao governo, Fernando Pimentel (PT), listou os investimentos do governo federal nas máquinas que vão ajudar na manutenção de estradas vicinais de pequenas cidades. Foram R$ 37 milhões no material de ontem. Cada kit concedido aos prefeitos com três a cinco máquinas custa de R$ 1 milhão a R$ 1,4 milhão aos cofres federais.

A petista aproveitou para dar duas “boas notícias” aos municípios. Dilma disse ter determinado o pagamento dos R$ 1,5 bilhão para custeio dos municípios brasileiros. É o restante da cota de R$ 3 bilhões prometida depois da marchas dos prefeitos a Brasília no meio do ano passado. “Agora determinei que a Fazenda depositasse os outros R$ 1,5 bilhão. Portanto, o valor estará disponível nas contas das prefeituras até amanhã (hoje)”, disse. O outro anúncio foi que os 548 municípios mineiros que pleitearam 1.382 profissionais dos Mais Médicos os receberão até o fim de abril. “Com isso vamos cobrir com assistência médica a 4,837 milhões de mineiros”, disse Dilma.

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Aécio diz que PT é partido ‘à beira de ataque de nervos’

Tucano afirma ainda que contratações de R$ 90 bilhões pela Petrobras sem licitações é uma ‘bofetada na cara dos brasileiros’

Flávio Ilha – O Globo

PORTO ALEGRE – O senador Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à presidência da República, criticou nesta segunda-feira em Porto Alegre a estratégia de protelação da CPI da Petrobras por parte do governo para investigar as denúncias de corrupção e má gestão na estatal e disse que a contratação de R$ 90 bilhões sem licitações é uma “bofetada na cara dos brasileiros”. Segundo Aécio, o PT é um partido “à beira de um ataque de nervos”.

- Esse dado que a imprensa nacional revela hoje (ontem) é assustador: R$ 90 bilhões foram gastos sem licitação (pela Petrobras) usando artifícios de uma lei de 1998. É uma bofetada na cara dos brasileiros – disse durante entrevista coletiva na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

Ciceroneado por líderes do PP, DEM e Solidariedade, com quem tenta fechar alianças para ter um palanque no Estado, Aécio afirmou que o recurso ao STF pedindo que a CPI seja instalada imediatamente, que será apresentado nesta terça-feira, é uma medida para garantir às minorias o direito de investigação.

- É uma vergonha, uma hipocrisia (a estratégia do governo). Seria irresponsabilidade de nossa parte que não apresentasse esse recurso (ao STF) porque se trata de um expediente perigoso. Não permitir a instalação é, no meu ver, quase uma confissão de culpa daqueles que não querem a investigação – afirmou.

O senador também informou que está articulando no Congresso a criação de uma frente parlamentar para investigar os métodos de pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), que na semana passada reconheceu erro na tabulação de um levantamento sobre o comportamento sexual dos brasileiros. Segundo Aécio, o instituto deixou de ser um organismo que representa os interesses do país para ser um órgão “em defesa de um governo”.

- O Ipea é um instituto de pesquisa de excelência, que serve de base para a formulação de políticas públicas. Infelizmente, o aparelhamento da máquina pública chegou a estatais que antes eram inexpugnáveis a intervenções políticas – argumentou.

Aécio também minimizou as pesquisa eleitorais recentes, que o colocam com intenção de votos estagnada entre 14% e 16%.

- É preciso ver as pesquisas com reservas. Mas nos parece que o sentimento isonômico da população é de que são necessárias mudanças profundas. Há quatro anos, nesse mesma época, o sentimento era exatamente inverso – avaliou.

Merval Pereira: O gesto e o fato

- O Globo

Depois de meses acompanhando o julgamento do mensalão, já é de conhecimento público que o crime de corrupção passiva, descrito no artigo 317 do Código Penal, é de mera conduta, sendo consumado com o simples ato de “aceitar promessa” de vantagem, sendo desnecessário o recebimento da propina. Desse ponto de vista, basta o diálogo entre o agora deputado federal petista licenciado André Vargas e o doleiro Alberto Youssef para caracterizar a corrupção.

O doleiro garante que o negócio no Ministério da Saúde, para o qual pede o apoio do deputado, fará a “independência financeira” dos dois. E ainda termina a mensagem de texto com uma gargalhada digital (kkkkk). Vargas não apenas não rejeita a oferta como, em outra mensagem, garante que vai “atuar” para agilizar o processo no ministério a fim de ajudar o “amigo de 20 anos”.

O contrato da Labogen Química Fina e Biotecnologia, que segundo a Polícia Federal é um dos braços do esquema de lavagem de dinheiro do doleiro, com o Ministério da Saúde, no valor de R$ 150 milhões para o fornecimento do princípio ativo do Viagra, foi assinado pelo ministro Alexandre Padilha, outro cardeal do PT, hoje candidato ao governo de São Paulo.

Além disso, haveria um empréstimo do próprio ministério para a empresa de cerca de R$ 30 milhões, que acabou suspenso quando surgiu a investigação que colocou na cadeia os sócios do laboratório, que na verdade era uma empresa de fachada para remessa de dólares para o exterior e contratos fraudulentos como esse.

O ex-provável futuro presidente da Câmara André Vargas agora trata de tentar salvar a própria pele em vez de fazer planos grandiosos que não cabem em seu histórico. Ao pedir afastamento por 60 dias do mandato, ele joga com a possibilidade de esfriar o escândalo nesse período, mas dificilmente isso acontecerá.

A série de telefonemas entre ele e o doleiro está com a Polícia Federal e ele sabe que suas conversas, assim como as do ex-senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, desnudam sua relação com o doleiro, que já está caracterizada pela Polícia Federal como muito mais que uma simples amizade.

Seu processo acaba de ser enviado para o Supremo Tribunal Federal (STF) para que seja feita uma investigação que só essa instância da Justiça pode fazer com os que têm mandato parlamentar. O mesmo Supremo que Vargas tentou desmoralizar ao erguer os punhos cerrados ao lado do presidente Joaquim Barbosa.

O ex-secretário nacional de Comunicação do PT ainda caiu na besteira de enviar uma mensagem pelo celular dizendo que teve vontade de dar uma cotovelada em Barbosa, que estava a seu lado. Não é à toa que o deputado licenciado, prestes a perder o mandato, sempre esteve na linha de frente pelo “controle social da mídia”.

Todos os seus desvios éticos, desde a carona no jatinho do doleiro, os contratos nebulosos com o Ministério da Saúde que lhe dariam “independência financeira”, até a má educada mensagem sobre Joaquim Barbosa, foram revelados pela imprensa que ele sonha controlar um dia através de “conselhos da sociedade”.

Os partidos oposicionistas PSDB, DEM e PPS, por um lado, e o PSOL pelo outro, apresentaram nesta segunda-feira uma representação no Conselho de Ética da Câmara, e sua licença para cuidar de “assuntos pessoais”, como se seu trabalho de lobista de doleiro não fosse exatamente isso, não terá o condão de interromper as investigações.

Ele pode optar pela renúncia ao mandato para evitar a cassação e se candidatar novamente em outubro. Mas nada disso parará as investigações. O gesto “revolucionário” de erguer o punho em sinal de resistência pode ser repetido mais adiante no mesmo cenário que seus companheiros petistas o fizeram, na entrada do presídio da Papuda, em Brasília.

Dora Kramer: Falar é fácil

 - O Estado de S. Paulo

Vamos ser francos: em se tratando de projeto de poder do PT a presidente Dilma Rousseff não tem muito querer. Tal afirmação contraria opinião geral de que, se o ex-presidente Luiz Inácio da Silva resolvesse disputar uma volta ao cargo agora, teria nela o principal obstáculo, mas reflete uma realidade partidária.

Candidatos são escolhidos por partidos. No PT quem manda no movimento das marés é Lula. Dilma ali não tem voz ativa. Da mesma forma como foi imposta poderia, em tese, ser posta de lado caso viesse a representar uma ameaça concreta de retorno dos petistas à planície depois de 12 anos de Planalto.

A troca em si não seria complicada do ponto de vista da relação dos dois, deles com o partido e dos termos do contrato que fez de Dilma candidata em 2010. Lula fez, Lula desfaria e ela diria que já havia dado sua contribuição, precisaria cuidar da saúde e da família. Sairia como entrou, sem compromissos anteriores nem posteriores com a política.

Problemática, contudo, é a política, suas variáveis e variantes. Pela legislação, um partido pode trocar de candidato até 10 dias antes da eleição. Mas esse é só o tempo do calendário. O tempo político para a substituição, segundo gente experiente no ramo, seria mesmo o prazo da escolha em convenção. Vale dizer, final de junho.

Nesses menos de três meses seria necessário avaliar com precisão se a presidente Dilma estaria mesmo descartada como candidata competitiva - ou antes, se estaria previamente derrotada. Só nesse caso, se o PT estivesse mesmo diante da hipótese real de perder, é que valeria o risco de manobra tão radical.

Movimento arriscado, sim. A troca equivale a uma confissão de fracasso; fracasso pessoal de Lula, erro de pessoa cometido por ele. Outro fator: nada é garantido numa eleição. E se, numa hipótese remota, ele perder? E se ganhar e tiver, como previsto, um governo de dificuldades que não permitam chegar nem perto dos 80% de popularidade com que terminou o segundo mandato?

De outro lado: e se as coisas piorarem agora para o governo, mas mais à frente melhorarem, os candidatos de oposição não conseguirem decolar e Dilma ganhar sem a necessidade de "gastar" o trunfo Lula?

Convenhamos, não é uma decisão fácil. E uma operação de difícil execução.

Troca de guarda. Para os donos do dinheiro - sejam eles da área de finanças, da indústria, do comércio ou da agricultura - o nome do jogo eleitoral é "alternância".
Fonte de inspiração dos candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos quando dizem frases como "já deu o que tinha que dar", ou sentido equivalente, referindo-se a gestões petistas em geral e ao governo Dilma em particular.

No osso. Foi-se o tempo em que o PT podia ignorar denúncias e ganhar tempo falando em conspirações dos opositores. Às vésperas do início efetivo da campanha eleitoral, acossado por uma série de notícias negativas originadas no próprio campo governista, o partido não tem mais gordura para queimar.

Daí a decisão, rápida para os padrões vigentes, do deputado André Vargas se licenciar da Câmara por 60 dias. Com Dilma em queda nas pesquisas, o governo fazendo de tudo e mais um pouco para evitar que se investigue a Petrobrás, a base dita aliada saboreando o prato frio da vingança, tudo o que o PT não precisa é de uma causa indefensável para defender.

Os diálogos gravados pela Polícia Federal em que Vargas e o doleiro Alberto Yousseff falam na construção de independência financeira mediante negócios com o governo deixam o petista numa situação muito parecida com a que levou à cassação do mandato do então senador Demóstenes Torres, devido às relações público-privadas com Carlos Cachoeira.

A ideia é que, com André Vargas fora de cena, as cobranças e o escândalo arrefeçam.

Raymundo Costa: "Vamos ganhar com você", diz Lula a Dilma

Ex-presidente diz que CPI em ano eleitoral é "mortal"

- Valor Econômico

Coube ao ex-presidente a iniciativa de tocar no assunto. "Você é a nossa candidata, e nós vamos ganhar com você", disse Luiz Inácio Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff, na longa conversa que tiveram na sexta-feira, em São Paulo. "Eu vou ser seu maior cabo eleitoral", afirmou também.

Esse foi o tom que Lula imprimiu à conversa, mas o ex-presidente não dourou a pílula. Disse que a situação não era boa, razão da queda de Dilma nas pesquisas de opinião, pediu atenção da presidente para a economia, especialmente a inflação.

Depois de tranquilizar a presidente sobre a troca do candidato do PT, Lula deu alguns conselhos à sucessora. O primeiro deles: fazer o que for possível para evitar a instalação da CPI da Petrobras. "Faça tudo para não ter CPI", foram as palavras de Lula, segundo relatos da conversa que chegaram ao PT e partidos aliados. Para o ex-presidente, CPI já é uma coisa muito ruim para o governo; em ano eleitoral, pode ser "mortal".

Lula não quer a instalação da CPI nem que ela seja ampliada para investigar supostas irregularidades no porto de Suape (PE) e na compra de equipamentos para o metrô de São Paulo, uma tentativa do PT para constranger o PSDB do senador Aécio Neves e o PSB do ex-governador Eduardo Campos, os dois principais pré-candidatos da oposição à Presidência da República.

O segundo conselho de Lula a Dilma: dar poder efetivo para o novo ministro da Secretaria das Relações Institucionais, Ricardo Berzoini, aquietar a base do governo no Congresso. Os instrumentos da SRI são conhecidos: liberação de verbas orçamentárias para as emendas dos parlamentares, cargos na administração direta e nas estatais e entendimento sobre os projetos na pauta de votações do Congresso.

Antes da conversa com Lula, a presidente já havia outorgado a Berzoini poderes que a ex-ministra Ideli Salvatti não tinha na coordenação política do governo. Dilma convidou o deputado numa conversa de cerca de 40 minutos de duração. Berzoini respondeu "tudo bem", disputaria a reeleição para deputado, em outubro, e no dia 1º de janeiro de 2015 se apresentaria para assumir um ministério.

Dilma entendeu o que estava nas entrelinhas, mas, a seu estilo, foi direta ao ponto: precisava do deputado já. A presidente assumiu o compromisso de que o deputado continuará ministro em eventual segundo mandato.

Berzoini ainda queria esclarecer ainda a questão do "Aloizio". Referia-se ao chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante. Nove em dez petistas apostam que a trombada entre ambos é só uma questão de tempo. Dilma respondeu ao deputado que ele, Ricardo Berzoini, ficaria encarregado da coordenação política. Mercadante toca o governo.

Lula pediu para Dilma atenção às questões econômicas. O ex-presidente da República disse que está preocupado com o recrudescimento da inflação. O quarto e não menos importante conselho à presidente é para ela "sair às ruas". Lula tem experiência de sobra em CPI em véspera de eleição; também não esquece que ele foi o principal defensor de seu governo quando esteve encurralado pelo escândalo do mensalão.

A conversa do ex-presidente com Dilma não deve parar com o "Volta, Lula", que pode se tornar irresistível na medida em que a presidente perder pontos nas pesquisas. O relato da conversa chegou aos aliados no Congresso e não convenceu muita gente do fim do movimento queremista. O entendimento é que o desmentido de Lula parece protocolar e sem o ímpeto de campanha que teve em outras ocasiões.

A queda de seis pontos percentuais de Dilma no Datafolha alimenta o "Volta, Lula", mas, a rigor, Dilma continua vencendo no primeiro turno e os pontos que perdeu não foram para os candidatos da oposição. O professor da Universidade de Brasília David Fleischer, um dos mais conceituados cientistas políticos da capital, diz que todos os pretendentes ao Palácio do Planalto, no momento, carregam uma nuvem escura sobre a cabeça.

A nuvem de Dilma, além dos problemas conhecidos - desconfiança com o futuro da economia e a CPI da Petrobras - tem a probabilidade de um apagão (46%, segundo consultores do setor privado) e protestos mais violentos na Copa do Mundo; Eduardo Campos tem muito trabalho pela frente para tirar votos de Dilma no Nordeste, ainda o maior reduto eleitoral da presidente, e incorporar totalmente os votos de Marina Silva; Aécio Neves não decolou e agora tem sua principal marca, o choque de gestão, posto em dúvida pelo Supremo Tribunal Federal, que considerou ilegal a contratação de 98 mil comissionados sem concurso público em Minas Gerais.

No rastro das denúncias de irregularidades na Petrobras, o ex-presidente da estatal José Eduardo Dutra (2003-2005) apresentou-se à atual presidente da companhia, Graça Foster, propondo-se a ajudar no que fosse preciso. Dutra, que foi senador, presidente do PT e integrou a coordenação da campanha da presidente Dilma, na eleição de 2010, sugeriu a criação de um pequeno grupo de gerenciamento da crise. Para sua surpresa, Graça Foster limitou-se a perguntar: "Crise, que crise"?

Lula e o PT de São Paulo temem a repercussão negativa da gestão do prefeito Fernando Haddad sobre a candidatura de Alexandre Padilha ao governo do Estado. O que ninguém fala é da participação do PT e do governo federal nos resultados do prefeito. Dilma prometeu renegociar a dívida dos Estados e municípios e deu pra trás; ela e Lula pediram para Haddad recuar no aumento da tarifa de ônibus, no início de janeiro. Deu no que deu em junho. Haddad preparou uma forte campanha publicitária para atacar as críticas de Paulo Skaf ao aumento do IPTU. As peças foram para o lixo por decisão do PT e do Planalto, que não queriam criar problemas com o PMDB.

José Casado: Silêncio eloquente

Sob Lula e Gabrielli, Petrobras fez negócios ruinosos e repassou mais de 75% do serviço de fiscalização dos seus contratos às próprias empresas contratadas

- O Globo

Lula emudeceu. Evita falar sobre os prejuízos e o tráfico de influência em alguns dos maiores negócios realizados pela Petrobras durante o seu governo.

Há inquéritos, prisões e debates no Congresso, mas o ex-presidente da República se mantém calado para o público sobre os bilionários “malfeitos” na sua administração.

Estranhável, porque se trata de um político habituado a sair da cama no meio da madrugada, andar até a cozinha e abrir a geladeira apenas para ter o prazer de fazer um breve e secreto “comício” — cena que ele mesmo já descreveu inúmeras vezes em praças públicas.

Esse silêncio, certamente, não é por recomendação médica: na sexta-feira Lula conversou por quase três horas com a presidente Dilma Rousseff, a sós, num hotel paulistano.

Ex-ministra de Minas e Energia, ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente do Conselho de Administração da Petrobras, sob Lula, ela fez questão de escrever e divulgar no Palácio do Planalto seu testemunho sobre um dos negócios suspeitos da estatal — a aquisição de uma refinaria ferro-velho em Pasadena (Texas) ao custo de mais de US$ 1 bilhão, com base em documentos “técnica e juridicamente falhos”.

“Tiro no pé” foi o comentário mais frequente sobre o gesto de Dilma no plantel de porta-vozes de Lula. A nota foi interpretada como confirmação do “malfeito”. No Congresso houve quem fizesse leitura diferente: Dilma se preocupou em registrar publicamente os limites da sua atuação, estabelecidos nas ordens que possuía como ministra e representante de Lula no conselho da Petrobras.

A fronteira do seu poder estava bem delimitada. No Ministério de Minas e Energia, por exemplo, esboçou uma reforma na diretoria da Petrobras, com alavancagem de Maria das Graças Foster, a quem chama de “Graciosa”. Surpreendeu-se com a reação de José Dirceu, chefe da Casa Civil. Precisou esperar seis anos para conseguir nomeá-la comandante da empresa.

Lula foi o dono do tempo e da agenda de negócios da companhia, em transações com políticos aliados, em linha direta com José Sérgio Gabrielli, que fazia questão de exibir a estrela-símbolo do PT na lapela do paletó.

São do período Lula-Gabrielli iniciativas como a bilionária conta da compra e projetos de reforma da refinaria no Texas, a construção da refinaria em Pernambuco a custo dez vezes acima do orçamento inicial, e, ainda, a porteira aberta em áreas-chave às traficâncias dos associados na “maior base aliada do Ocidente”, conforme a modesta definição de Dirceu.

Foi nessa etapa que a Petrobras desidratou a auditoria interna e repassou mais de 75% do serviço de fiscalização dos seus contratos às próprias empresas contratadas, como registrou o Tribunal de Contas da União. Recebiam de um lado do balcão. E, do outro, forneciam até “as secretárias do gerente e do fiscal” — constatou o TCU em documento apresentado na Comissão Parlamentar de Inquérito que desvendou o mensalão.

O relatório final dessa CPI é instrutivo e está na rede do Senado, com seus três volumes e 1.800 páginas. A capa destaca um versículo bíblico (Mateus, 10:26): “Não tenhais medo dos homens, pois nada há de encoberto que não venha a ser revelado, e nada há de escondido que não venha a ser conhecido.”

Raimundo Santos*: O conjuntural desaparece por trás do “estrutural”

“Discordantes sobre outros pontos, os intelectuais de oposição reconhecem, quase com unanimidade, que a ruptura política é o resultado do esgotamento do modelo de crescimento e que o governo militar, sob ortodoxia econômica, faz apenas uma tentativa de devolver a primazia aos setores tradicionais. Daí uma conclusão, ao mesmo tempo pessimista e otimista: o Brasil corre o risco de ser condenado à estagnação, mas o momento só pode ser um intervalo, já que o governo mergulha num impasse” - Daniel Pécaut

O título e a epígrafe extraídos do livro de Daniel Pécaut, Os intelectuais e a política no Brasil. Entre o povo e a nação (1990), chamam atenção para uma questão por demais atual nestes dias de inúmeros eventos relativos aos 50 anos do golpe do 1964. Trata-se da abstração da história política nas interpretações da destituição do presidente João Goulart divulgadas nos anos imediatos ao golpe de Estado. Os seus autores, intelectuais de oposição, viam a deposição de Jango - e a nova circunstância pós-64 - como uma decorrência de processos estruturais. Nessa ótica, o governo reformista não passava de uma ilusão, tendo que chegar àquele desfecho, e o novo governo, por suas orientações recessivas, levaria a economia brasileira a dificuldades e contradições insalváveis e não iria muito longe.

A ocasião é oportuna para ser relembrada, pois hoje a luta democrática e a derrota do regime de 1964 são descritas em não poucas narrativas como uma espécie de história sem todos os protagonistas visíveis, em que orientações políticas e atores responsáveis pela conquista do Estado democrático de Direito aparecem esmaecidos.

No seu livro, Daniel Pécaut mostra o clima intelectual à volta daqueles intérpretes, apresentando duas linhas de argumentos, influentes nas esquerdas da época: 1) a dos que se centram no tema da estagnação a que estava condenado o país, e veem a situação ditatorial como um intervalo, pois a ditadura logo caminharia para o impasse; e 2) a das visões que pensam a relação entre economia e política igualmente sobredeterminada pelo econômico (Pécault, 1990, p. 222), o que implicaria, como será referido mais adiante, desconsiderar a política como meio eficaz de resistência ao regime de 1964.

Sublinhemos na apresentação de Pécaut alguns traços de cada um desses tipos de pensamento.

O autor toma como referências emblemáticas da primeira linha das argumentações textos de Celso Furtado e de Hélio Jaguaribe, intelectuais já gravitantes na segunda metade da década de 1950 e nos primeiros anos 1960. Furtado, um manheimiano que esteve à frente da Sudene e depois foi ministro do planejamento de João Goulart, considerava, naqueles anos cepalinos, viável encaminhar no Brasil um processo de superação do subdesenvolvimento por meio de reformas capitalistas e nos marcos do Estado democrático (Furtado, 1962). E Jaguaribe, um quadro antigo do Iseb, que já era conhecido polemista nos debates públicos sobre o desenvolvimento do capitalismo nacional e sobre a reforma do Estado (Jaguaribe, 1958){1} .

Em textos de 1967-1968, Furtado retoma e radicaliza - Pécaut marca esta referência - a tese do esgotamento do modelo de crescimento por meio da substituição das importações, anunciada em 1963 por Maria da Conceição Tavares no seu artigo “Ascensão e declínio do processo de substituição das importações”, publicado em 1964 (uma “ilustração das teorizações sobre os bloqueios estruturais, desenvolvidas por outros autores nos anos seguintes”, cf. Pécaut, op. cit., p. 222). Pécaut observa que Furtado se volta não só para os “entraves” ao desenvolvimento brasileiro, sobretudo a perpetuação da solidariedade entre industriais e proprietários das terras (“contrariamente ao tipo ‘clássico’ de desenvolvimento capitalista”), e a fraqueza do movimento sindical por causa dos salários operários “relativamente elevados” (Furtado, citado de texto de 1967; as expressões entre aspas são suas; ibid., p. 223). O economista menciona também o “espectro da estagnação”: “mesmo as decisões racionais, explica Pécaut, não permitem escapar das distorções estruturais que acompanham a industrialização” (idem); “é nesse sentido que se pode atribuir ao problema da estagnação latino-americana um caráter estrutural” (expressão de Furtado em Dependência e estagnação na América Latina: uma abordagem estruturalista, de 1968, originariamente citado por Francisco de Oliveira no seu livro Celso Furtado, de 1983; idem).

A esse diagnóstico dos “bloqueios estruturais", escreve o autor de Os intelectuais e a política no Brasil, acrescenta-se a condenação das orientações econômicas dos novos governos “que levam direto à catástrofe” (idem). Pécaut registra que, em artigo de 1967, Furtado diz que essas orientações visavam a “ruralização do Brasil”, buscando eliminar “a atração exercida pelas cidades, reduzindo os investimentos públicos e privados nas regiões urbanas [de modo que] a economia tenderia a estender-se, horizontalmente, isto é, com modificações mínimas nas formas de produção.” (Furtado, citado de outro artigo de 1967; idem). Caso esse projeto se realizasse, avalia Furtado, “o Brasil talvez alcançasse ilusória paz social”, mas ficaria afastado da “revolução tecnológica”, e os “enormes recursos naturais do país, em especial as terras abundantes, teriam sido utilizados contra o seu próprio desenvolvimento.” (Idem).

Hélio Jaguaribe também procura mostrar o caráter recessivo da ditadura. Pécaut frisa este traço marcante do pensamento do isebiano nessa época, dizendo que Jaguaribe acentua as consequências da abertura incondicional da economia brasileira aos investimentos estrangeiros que levariam o país “para uma insuportável concentração de riqueza e para a estagnação” (expressão de Jaguaribe, citado de artigo de 1967; ibid, p. 224). Para Jaguaribe, estas implicações “revelam 'contradições' que minam o modelo” (idem). A primeira, diz ele, "decorre da impossibilidade classicamente formulada por Marx de manter, por muito tempo um processo de concentração econômica” (idem). A segunda, explica Pécaut, resulta de que, “na ausência de transformações sociais, os investimentos estrangeiros não têm mercado interno que possa atraí-los” (idem). O ponto de Jaguaribe consiste em que nessa abertura se estabelece uma relação “colonial-fascista” entre os EUA e o Brasil, o que provocaria “uma redução da ajuda à economia brasileira e bloquearia o desenvolvimento autônomo e endógeno”. (Jaguaribe citado por Pécaut; idem).

Pécaut assim sintetiza sua apresentação do primeiro tipo de pensamento: “esgotamento da substituição das importações”, “obstáculos ao desenvolvimento”, “contradições ‘explosivas’”: o conjuntural desaparece por trás do ‘estrutural’” (ibid., p. 225). O autor complementa esta sua proposição com observações de Albert O. Hirschman sobre os economistas, em texto de 1971. Pécaut anuncia a primeira desse modo: “A súbita mudança na apreensão das tendências econômicas não pode ser compreendida sem que se introduza a mediação nos modos de percepção. Na fase do desenvolvimentismo, os economistas subscreveram a visão de uma racionalidade sem falhas, concretizada no planejamento” (idem). Outra observação de Hirschman é apresentada nestes termos: os economistas “alimentaram também esperanças de uma ‘homogeneização’ progressiva da sociedade à medida que avançasse o desenvolvimento. O próprio Celso Furtado anuncia que o Brasil havia ‘conseguido os seus centros de decisão e escapado da sua condição periférica’. A interpretação do desenvolvimento era indissociável dessa ideologia.” (A última expressão entre aspas é de Hirschman, citado do texto de 1971; idem). E assim: “Bastaria surgirem uma inflação e restrições à capacidade de importações para que a ideologia voasse aos pedaços. Iniciam-se a pesquisa das causas ‘estruturais’ do ‘fracasso’ e a busca de soluções não menos ‘estruturais’” (idem).

Para o tema da conjuntura, o autor também se vale de Hirschman: “Tudo se passa como se a inflação do nível de preços tivesse produzido, dento do domínio econômico, uma inflação na definição dos ‘remédios fundamentais’” (Hirschman citado de texto de 1979; idem). Pécaut contextualiza sua proposição, no registro da economia: “De uma ideologia passa-se à outra: a do desenvolvimento bloqueado e fadado a auto-alimentar suas distorções, a menos que passe por uma completa reorientação no sentido de uma lógica ‘endógena’. Contra as medidas de rigor do novo governo, defendem-se investimentos maciços nos setores-chaves. Desta forma o economista continua a colocar-se (imaginariamente, pois está afastado do poder) na perspectiva da restauração de uma racionalidade perfeitamente controlada” (idem).

Quanto à questão da relação entre economia e política, Pécaut continua recorrendo ao tema do posicionamento dos economistas, os quais, no período desenvolvimentista, haviam adquirido “uma autoridade de primeiro plano”. Citemos três passagens do autor: 1) (Os economistas) “eles mesmos se encarregavam de anunciar certas correlações entre economia e política” (idem); 2) “A difusão do marxismo acentua-a (a autoridade de ‘primeiro plano’ -- RS) ainda mais: já não há análise do social que possa dispensar as premissas econômicas” (idem); e 3) “Os sociólogos também enveredam por esse caminho e, atrás deles, todos os intelectuais de oposição. O que os economistas propõem é retomado, muitas vezes de forma abrupta, pelos vulgarizadores, tentados pelos modelos explicativos gerais” (idem).

Pécaut observa que “dos ‘bloqueios econômicos’ ao ‘autoritarismo estrutural’, a consequência parece adequada. Os economistas, porém, mostram prudência para efetuar o salto de um a outro. Sem dúvida, Celso Furtado sugere, desde antes de 1964, que o impasse econômico [no tempo do governo de Jango – RS] pode levar ‘à ruptura do atual equilíbrio de forças e à superação dos métodos políticos convencionais’” (esta expressão entre aspas é do próprio Furtado - RS) e que “claramente se entende que as opções econômicas do regime supõem recurso à violência: o retrocesso, o arrocho salarial e o rompimento com o nacionalismo econômico só podem se realizar a esse preço” (ibid., p. 226). No entanto, há “uma grande distância entre esta argumentação e a que prevalecerá após 1968 e que fará do ‘Estado autoritário’ um componente funcional e necessário ao modo de desenvolvimento: o plano político será então totalmente reduzido ao plano econômico” (idem).

Estão aí, muito resumidamente, alguns traços da apresentação de Pécaut de uma “etapa da utilização da ‘causalidade estrutural’”, como ele chama, pois mais um passo será dado com a difusão da teoria do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, elaborada por André Gunter Frank com base na sua interpretação das relações entre economias periféricas e o capitalismo mundial (idem). Pécaut observa que, a partir de 1965-1967, esta fórmula se expande como um “rastilho de pólvora” (ibid, p. 228), e também recebe complementações, como a da tese de Rui Mauro Marini segundo a qual “a integração do Brasil na órbita do imperialismo conduz ao agravamento da lei geral da acumulação capitalista, isto é, a absolutização da tendência ao pauperismo, levando ao estrangulamento da própria capacidade de produção do sistema” (Marini, citado de texto de 1969; idem).

Para Pécaut, entre 1967-68, era a vez da teoria da dependência. Ela devia circular entre o público intelectual “como uma condensação cômoda de todos os temas precedentes: bloqueios estruturais, subdesenvolvimento acompanhando o desenvolvimento imperialista e o pauperismo” (idem).

Visto do plano das estratégias, o espaço público político se divide. Pécaut indica as duas perspectivas da esquerda intelectual dessa época: “Foi só depois de 1968 que o ‘estrutural’ se apoderou também da esfera política. A proclamação do AI-5 influiu nisso, porém houve dois acontecimentos intelectuais não menos importantes. O primeiro, a difusão da ‘teoria da dependência’, que não só condensa temas esparsos como permite uma articulação estreita e ‘estrutural’ entre economia e política. A partir daí, a ditadura se separa de suas origens: a memória da polarização de forças sob Goulart vai se apagando e assume o aspecto da expressão política da dependência” (ibid., p. 229). Pécaut aponta o outro acontecimento intelectual: “Em seguida, a descoberta de que a economia não estava condenada à estagnação. Duas obras impedem, entretanto, que se fechem os olhos para ela. A primeira é o livro de Cardoso e Faletto, Dependência e desenvolvimento na América Latina, publicado em 1969. Suas últimas páginas admitem que pode haver crescimento no contexto de um ‘desenvolvimento associado’. A segunda é o artigo dos economistas Maria da Conceição Tavares e José Serra, com o eloquente título: “Além da estagnação: uma discussão sobre o estilo de desenvolvimento recente no Brasil” (texto apresentado em seminário da Unesco e da Flacso (Faculdade Latino-americana de ciências sociais), em 1970; publicado em 1972, em Buenos Aires; ibid., p. 230). Pécaut recorda os temas do texto: a interpelação à teoria da estagnação, o crescimento acelerado desde 1968, o papel dos setores de ponta e da incorporação tecnológica, o reconhecimento de que a integração à economia internacional não leva necessariamente ao subdesenvolvimento (idem) .

A abertura analítica, “lenta, difícil e polêmica”, no dizer de Pécaut, não supera o dogma da estagnação: “O fato de haver crescimento não constitui um ‘obstáculo’ para a leitura ‘estrutural’ do plano político. Ao contrário, para muitos intelectuais, é um convite para ver no Estado e no regime político simples engrenagens do processo de acumulação” (idem). Esta perspectiva teria desdobramentos no plano das estratégias das oposições à ditadura.

O clima intelectual descrito por Pécaut levava à denúncia da estratégia de frente única não só no tempo de Jango, mas também no imediato pós-64, quando se estruturava a resistência ao novo governo e, mais grave ainda, durante a situação dramática dos anos de chumbo. Ele ainda levava à previsão do fim da ditadura no curto termo, e não contribuía para evitar a radicalização das esquerdas, particularmente da militância jovem, ao induzir a não se ver saída que não fosse o confronto direto com a ditadura, o que teria trágicas consequências.

A resistência política ao regime de 1964
As interpretações de esquemas explicativos gerais descreviam o mundo brasileiro como uma totalidade que abstraía da análise a vida nacional diversificada e dinâmica. O campo da luta contra a ditadura era visto como um terreno sem possibilidades de mobilização da política{2} . Essa abstração levava a pensar a luta antiditatorial como revolução diruptiva e, usando a expressão de Pécaut, “oportunidade de um nova ‘organização’ do poder’” (Pécaut, op. cit., p. 229), em modelo oposto à democracia representativa, tida por não poucos autores como democracia burguesa e formal.

Noutro campo, correntes e grupos partidários derrotados em 1964 permaneceram justamente na esfera da política, buscando se reativar e atrair contingentes atingidos pelo novo regime. Como um dos artífices dessa estratégia unitária, já em maio de 1965, a esquerda pecebista insistia em colocar as liberdades democráticas no centro da resistência à ditadura (PCB, 1965){3} . Nesse campo da oposição, a partir da luta política, se desenvolveria uma mobilização que se expandirá a outros âmbitos sociais e da cultura, como testemunha a história política do período.

Não resulta do acaso que, em outubro de 1965, o novo governo fosse derrotado pelos candidatos da oposição nos estados da Guanabara (Negrão de Lima) e Minas Gerais (Israel Pinheiro), nas eleições para governador. Ainda em 1965, começam as articulações visando criar o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) como ponto de convergência das oposições.

Neste contexto, iria se expandir - nos anos 1966, 1967 até 13 de dezembro de 1968 – um movimento de opinião pública ativado pela resistência política ao governo, pelas iniciativas de intelectuais, revistas de opinião política e jornalistas, por áreas da cultura e ambientes universitários, pelo associativismo, particularmente sindical e outros setores animados pela recuperação das suas entidades representativas. Eram anos de crescente vida intelectual e política, cujo ponto alto foi a passeata dos 100 mil no Rio de Janeiro.

Ante essa incipiente movimentação (ampliada, no plano político, pela aproximação entre Juscelino, Jango e Lacerda, em 1966 na Frente Ampla), a ditadura impôs o Ato-5 em 13/12/68. Fechou o Congresso Nacional, cassou mandatos e suspendeu direitos políticos, aumentou a perseguição aos oposicionistas, espalhando a espionagem em muitas direções. Silenciou aquela ativação politico-cultural e estudantil, extremou a repressão aos grupos de esquerda, levando o pais a um tempo sombrio.
Durante os anos de chumbo (1969-75), a tortura passou a ter uso sistemático nas prisões, um grande número de opositores desapareceram e os exílios aumentaram em grande proporção, se comparados aos do tempo subsequente ao golpe. Cada vez mais o Estado brasileiro assumia traços de um estado policial (MDB, 1974; 1975). Parecia que o governo era comandado por um ente invisível chamado “Sistema” (cf. Castelo Branco, 1969-71; 1979).

O endurecimento do regime revelava que a destituição de Jango não fora um mero golpe de estado. A ditadura fora se convertendo no que então se chamou o “regime de 1964”, em alusão ao fato de que em abril de 1964 começara a alterar-se a forma da dominação estatal. Esta conceituação levava a dois pontos de referência: a circunstância era de derrota e as oposições operavam na defensiva, com isso afastando da luta antiditatorial tanto a aposta em catástrofe econômica que esgotasse o regime no curto termo, como a ilusão da derrubada da ditadura por meio de confrontos.

Em oposição àquelas interpretações, o PCB não se desobrigou da responsabilidade ante o seu momento, e por isso poria as vistas justamente nas conjunturas, vale dizer, nos processos reais e complexos da situação que estava posta; e também iria ser dos primeiros a reconhecer o crescimento sob o autoritarismo{4} . O analista de conjuntura do PCB, Armênio Guedes, via as questões econômicas de um ponto de vista oposto à ótica do catastrofismo estrutural, procurando examiná-las sob o prisma da sua incidência na vida da população e nas reações dos atores. Ele se concentrou na conjuntura pós-AI-5, buscando perspectivas para a resistência ao regime de 1964 por meio da política, terreno onde os protagonistas, com todas as restrições que lhes eram impostas, poderiam mover-se no âmbito das iniciativas por meio das quais se tornava possível ativar um campo oposicionista tendente a crescer. Armênio Guedes procura pontos de referência para seu partido e através dele para as correntes diversificadas das oposições atuarem nos anos mais violentos do regime de 1964. O analista observa, em 1970, no primeiro ano do governo Médici, que a tendência reacionária ainda podia aumentar, no entanto, vista em perspectiva, atentando para a caracterização da ditadura, ela podia ser barrada. Examinando as marchas e as contramarchas do regime, dizia que a radicalização de dezembro de 1968 abria uma perspectiva (“estou otimista”, afirmava em pleno 1970, no tempo do “Brasil, ame-o ou deixe-o”).

Armênio Guedes põe atenção nas áreas de conflito que, segundo ele, ampliavam-se com a exacerbação da natureza do regime em várias direções (liberdades, instituições políticas, economia nacional, intelectualidade e cultura, estudantes, e assim por diante). O publicista via nos “males do regime” possibilidades de oposição, quer seja contestação manifesta, de caráter parcial (em relação a um ou a mais aspectos da ação do regime), quer seja descontentamento latente. Atento aos movimentos da conjuntura, ele observa que, à medida que avançava a tendência fascistizante, crescia a insatisfação e o regime perdia apoios no mundo político, o que era um dado dos mais importantes para o seu isolamento.

Ai estão o perfil e o sentido das ações da frente democrática liderada pelo MDB.

O PCB foi um defensor intransigente da estratégia de resistência de desenvolvimento progressivo, assim nesta ordem: resistência, isolamento e derrota da ditadura.

Depois, a história política mostra como áreas ativas do MDB, aglutinadas desde 1965 (quando da sua criação) iriam suscitar uma mobilização que cresce até tornar-se um movimento nacional. Animada pela anistia de 1979, a "rebeldia nacional" (expressão da resolução do PCB de 1970, já citada) se expande, como se viu em eleições, nas Diretas Já e nas mobilizações e greves trabalhistas urbanas e rurais, até derrotar o regime ditatorial quando foi eleito em 1985, no Colégio Eleitoral, uma presidência civil (Tancredo-Sarney). A Carta Cidadã de Ulisses Guimarães viria, em 1988, consolidar a forma democrática de vida dos brasileiros e assegurar marcos programáticos para as mudanças.

Os eventos ora em curso sobre 1964 são por demais oportunos para firmar a cultura democrática nestes tempos de desvalorização da política e da democracia representativa e suas instituições. A ida aos tempos de João Goulart e do regime de 1964 revive a história política do período, recorda a repressão política, nos anos de chumbo, dura e violenta; e traz até nossos dias um padrão de agir das esquerdas por meio da política referido ao conjunto da sociedade brasileira, cujos marcos se desenvolveram no contexto da frente democrática de resistência ao regime de 1964.

* Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ.

{1}A propósito do sentido da teorização de Jaguaribe sobre o “Estado cartorial”, ver Prado Jr., 1977; 1978).

(2}O tempo do AI-5 foi visto como autocratização completa do sistema político brasileiro, o que punha em dúvida a própria efetividade da resistência democrática. (Santos, 2012, in Guedes, 2012).

{3} O PCB receberia influxos da vivência na longa resistência democrática no seu próprio modo de pensar. Os pecebistas tentariam redimensionar suas concepções de mudança social sob hegemonia de classe, particularmente entre 1976 e os primeiros anos 1980.

{4} Diz a Resolução do Comitê Estadual do PCB do estado da Guanabara (março de 1970), escrita por Armênio Guedes: “O crescimento é um fato, e seria uma estultícia negá-lo. Um dos elementos essenciais da política do Partido é dado pela análise dos fatos. Há muito que ele se esforça para superar aquele tipo de primarismo que vê as esperanças do êxito de uma política revolucionária unicamente no caos e na catástrofe da política econômica das classes dominantes.” (PCB, 1970)





Referências bibliográficas
CASTELO BRANCO, Carlos. Os militares no poder, vol. 3 (1969-1971). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
FURTADO, Celso. Reflexões sobre a pré-revolução brasileira, in Revista Ciências Sociais, II, n. 1, março de 1962.
JAGUARIBE, Hélio. O nacionalismo na atualidade brasileira, Iseb, Rio de Janeiro, 1958.
MDB, “Le MDB face a la conjuncture politique eleitorale (les lignes du programme)”, texto divulgado pelo MDB gaúcho em 1974, in Études Brésiliennes (revista pecebista editada em Paris) n. 1, janeiro de 1975.
PCB. Resolução política do Comitê Estadual do PCB da Guanabara (março de 1970), in Guedes, Armênio. O marxismo político de Armênio Guedes. Brasília/Rio de Janeiro: FAP-Contraponto, dezembro de 2012.
PÉCAUT, Daniel. Os intelectuais e a política no Brasil. Entre o povo e a nação. São Paulo: Ática, 1990.
PRADO JR., Caio. Perspectivas em 1977, in Prado Jr., Caio. A revolução brasileira (1966). São Paulo: Brasiliense, 6ª. edição 1978.
SANTOS, Raimundo. Ensaio introdutório a O marxismo político de Armênio Guedes. Brasília/Rio de Janeiro: FAP-Contraponto, dezembro de 2012.

[Este texto faz parte da coletânea As armas da política contra a ditadura, Fundação Astrojildo Pereira, no prelo].

Marco Antonio Villa: Os gigolôs da memória

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964

- O Globo

A lembrança dos 50 anos da queda de João Goulart ocupou amplo espaço na imprensa. Nenhum outro acontecimento da história do Brasil foi tão debatido meio século depois do ocorrido. Para um otimista, isto poderia representar um bom sinal. Afinal, o nosso país tem uma estranha característica de esquecer o que ocorreu ontem. Porém, a reflexão e o debate sobre 1964 e o regime militar acabaram sendo dominados justamente por aqueles que conduziram o país à crise da república populista e que negaram os valores democráticos nos anos 1960-1970.

A tendência à hagiografia mais uma vez esteve presente. João Goulart foi transformado em um presidente reformista, defensor dos valores democráticos e administrador capaz. Curiosamente, quando esta narrativa é cotejada com relatos de assessores, como o ministro Celso Furtado, ou de um amigo, como o jornalista Samuel Wainer, cai por terra. Furtado, em entrevista à revista “Playboy” (abril, 1999) disse que Jango “era um primitivo, um pobre de caráter”. Wainer relatou que “uma vez por mês, ou a cada dois meses, eu visitava os empreiteiros e recolhia suas doações, juntando montes de cédulas que encaminhava às mãos de João Goulart. (…) Eu poderia ter ficado multimilionário entre 1962 e 1964. Não fiquei.” (“Minha razão de viver”, p. 238).

Não é possível ignorar o caos instalado no país em março de 1964. A quebra da hierarquia militar incentivada pelo presidente da República é sabidamente conhecida. A gravidade da crise econômica e a inépcia governamental em encontrar um caminho que retomasse o crescimento eram mais que evidentes. O desinteresse de Jango de buscar uma solução negociada para o impasse não pode ser contestado: é fato. O apego às vazias palavras de ordem como um meio de ocultar a incompetência político-administrativa era conhecido. Conta o senador Amaral Peixoto, presidente do Partido Social Democrático, que em conversa com Doutel de Andrade, um janguista de carteirinha, este, quando perguntado sobre o projeto de reforma agrária, riu e respondeu: “Mas o senhor acredita na reforma agrária do Jango? No dia em que ele fizer a reforma agrária, o que vai fazer depois?” (“Artes da política”, p.455)

Também causa estranheza a mea culpa de alguns órgãos de imprensa sobre a posição tomada em 1964. A queda de Jango deve ser entendida como mais um momento na história de um país com tradição (infeliz) de intervenções militares para solucionar crises políticas. Nos 40 anos anteriores, o Brasil tinha passado por diversas movimentações e golpes civis-militares. Basta recordar 1922, 1924, Coluna Prestes, 1930, 1932, 1935, 1937, 1938, 1945, 1954, 1955 — tivemos três presidentes da República e dois golpes no mês de novembro – e 1961.

Jogar a cartada militar fazia parte da política. E nunca tinha ocorrido uma intervenção militar de longa duração. Esperava-se um governo de transição que garantisse as eleições de 3 de outubro de 1965 e a posse do eleito em 31 de janeiro de 1966. Esta leitura foi feita por JK — e também por Carlos Lacerda. Os dois principais antagonistas da eleição que não houve imaginavam que Castello Branco cumpriria o compromisso assumido quando de sua posse: terminar o mandato presidencial iniciado a 31 de janeiro de 1961.

JK imaginou que Castello Branco era o marechal Lott e que 1964 era a repetição — um pouco mais agudizada — da crise de 1955. Errou feio. Mas não foi o único. Daí a necessidade de separar 1964 do restante do regime militar. Muitos que foram favoráveis à substituição de Jango logo se afastaram quando ficou patente a violação do acordado com a cúpula militar. Associar o apoio ao que se imaginava como um breve interregno militar com os desmandos do regime que durou duas décadas é pura hipocrisia.

Ainda no terreno das falácias, a rememoração da luta armada como instrumento de combate e vitória contra o regime foi patética. Nada mais falso. Nenhum daqueles grupos — alguns com duas dúzias de militantes — defendeu em momento algum o regime democrático. Todos — sem exceção — eram adeptos da ditadura do proletariado. A única divergência é se o Brasil seguiria o modelo cubano ou chinês. Não há qualquer referência às liberdades democráticas — isto, evidentemente, não justifica o terrorismo de Estado.

A ação destes grupos os aproximaram dos militares. Ambos entendiam a política como guerra — portanto, não era política. O convencimento, o respeito à diversidade, a alternância no governo eram considerados meras bijuterias. O poder era produto do fuzil e não das urnas. O que valia era a ação, a força, a violência, e não o discurso, o debate. Garrastazu Médici era, politicamente falando, irmão xifópago de Carlos Marighella. Os extremos tinham o mesmo desprezo pelo voto popular. Quando ouviam falar em democracia, tinham vontade de sacar os revólveres ou acionar os aparelhos de tortura.

Em mais de um mês não li ou ouvi qualquer pedido de desculpas públicas por parte de ex-militantes da luta armada. Pelo contrário, se autoproclamaram os responsáveis pelo fim do regime militar. Ou seja, foram derrotados e acabaram vencedores. Os policiais da verdade querem a todo custo apagar o papel heroico da resistência democrática. Ignoraram os valorosos parlamentares do MDB. Alguém falou em Lysâneas Maciel? Foi ao menos citado o senador Paulo Brossard? E a Igreja Católica? E os intelectuais, jornalistas e artistas? E o movimento estudantil? E os sindicatos?

Em um país com uma terrível herança autoritária, perdemos mais uma vez a oportunidade de discutir a importância dos valores democráticos.