quinta-feira, 17 de abril de 2014

Alberto Carlos Almeida: Pedras no caminho de Dilma

- Valor Econômico

Na última coluna chamei a atenção para o fato de que, considerando-se as eleições para governador nas quais havia um candidato à reeleição, a atual avaliação do governo Dilma colocava a candidata no limbo: caso a avaliação melhore um pouco, Dilma se torna favorita; caso piore um pouco, a oposição é que se torna favorita. Limbo significa beira. A avaliação do governo Dilma a deixa próxima de duas beiras: a beira do céu, que é a vitória em outubro, e a beira do inferno, que significa derrota.

Há uma incerteza razoável quanto ao desempenho da economia até as eleições. Ainda que muita gente dedique grande atenção aos possíveis efeitos do noticiário sobre a popularidade do governo, o fator que isoladamente tem maior impacto sobre a disposição do eleitorado em votar (ou não) no governo é o desempenho da economia, mais especificamente a trajetória do poder de compra do eleitorado. O aumento do poder de compra resulta em melhora da aprovação do governo e crescimento da intenção de voto em Dilma.

A eventual redução do poder de compra tem impacto negativo tanto na avaliação quanto no voto no governo. A trajetória de queda de ambas as variáveis de janeiro para cá tem a ver com isso. Não há crise, porém o ritmo de melhora do poder de compra diminuiu, a inflação de alimentos ressurgiu e há uma percepção difusa entre segmentos do eleitorado de que a vida ficou mais difícil.

A grande incógnita diz respeito ao desempenho da economia e seu impacto no poder de compra, às vésperas da eleição. É ruim para o governo que a inflação de alimentos cresça no primeiro semestre; todavia, será pior se isso ocorrer em agosto ou setembro. O aumento da inflação, sem que haja a eventual proteção de um aumento da renda real, reduz o poder de compra. Um fator de risco para qualquer governo na América Latina, e isso está provado por estudos acadêmicos, é a evolução da taxa de juros americana e dos preços das commodities. Juros em alta e commodities em queda podem vir a ter impacto sobre a taxa de câmbio e, consequentemente, sobre a inflação doméstica. Não há crise externa no horizonte, contudo, essa é uma variável que pode influenciar o poder de compra da maior parte do eleitorado e está fora do controle de qualquer governo.

Os fatores de risco para Dilma no terreno da economia, cuja eventual previsibilidade está dentro das habilidades dos pobres mortais, são, portanto, inflação de alimentos próxima à eleição, uma eventual crise externa que tenha impacto sobre o câmbio e uma lenta e imperceptível deterioração mensal da economia cujo efeito cumulativo, ao fim e ao cabo, seja a diminuição da sensação térmica do eleitorado no que tange a seu poder de compra pouco tempo antes do pleito. São esses os fatores que podem ser elencados no momento.

Fora do terreno da economia, mas que pode ter impacto sobre ela, estão a Copa do Mundo e os protestos que ela possa vir a suscitar e o racionamento de energia. Em 2013 a Copa das Confederações foi o sinal que faltava para que a população fosse às ruas para protestar contra os políticos. O humor contrário ao desperdício de recursos, há anos difuso e calado, tomou conta das ruas de maneira repentina e imprevisível.

O futebol foi o grande motivador daquela onda de protestos. Todos sabem que o gasto com a Copa do Mundo, se direcionado para áreas como saúde e educação, não se transformaria em melhoras perceptíveis. Não é essa racionalidade que motiva ou deixa de motivar as pessoas, mas sim o simbolismo de recursos direcionados para estádios quando os serviços públicos são de baixa qualidade. Ainda mais quando esse simbolismo é combinado com a inexistência de argumentos contrários, de um enredo que justifique para a população a vantagem de sediar uma Copa do Mundo.

O ano passado mostrou que aqueles que consideravam que o futebol era o ópio do povo estavam errados. O ópio acalma e a Copa das Confederações levou o povo às ruas. O futebol foi em junho a cocaína do povo, ele excitou e levou a população a protestar contra todos os políticos.

Não se sabe o que acontecerá quando a Copa do Mundo chegar. "Treino é treino, jogo é jogo", já dissera o criador da folha-seca, Didi, batizado de Príncipe Etíope por Nelson Rodrigues. O meio-campo bicampeão de 1958 e 1962 e grande jogador do Fluminense pode ser parafraseado: Copa das Confederações é Copa das Confederações, Copa do Mundo é Copa do Mundo. O fato de a população esperar uma nova onda de protestos, o fato de o governo estar preocupado com essa possibilidade, o fato de manifestantes de outros países estarem dispostos a vir para o Brasil durante a Copa, tudo isso junto não resultará necessariamente em protestos avassaladores durante o torneio. Pode ser que o clima de Copa do Mundo, presente sempre que a Copa é fora do Brasil, venha a contagiar novamente o país e funcione como uma barreira aos protestos. Ninguém sabe se isso acontecerá ou não, mas é uma possibilidade real.

Um acontecimento não econômico, mas que o tangencia, é a possibilidade de racionamento de energia. Trata-se de uma ameaça que paira sobre a popularidade do governo. Com frequência sou chamado a fazer previsões de acontecimentos políticos e sociais e muitas vezes me pergunto se as evidências do que ocorrerá no futuro não estão presentes, com toda a clareza do mundo, bem à minha frente. Penso isso, particularmente, quando vejo o nível da represa de Ibiúna, no condomínio onde tenho casa, agora no fim do verão: nunca esteve tão baixo. A pergunta que fica é evidente: será que aquela evidência tão provinciana, bem debaixo do meu nariz, não está me dizendo que o racionamento é inevitável?

Anedotas à parte, durante o governo Fernando Henrique o racionamento de energia foi responsável por uma queda de aproximadamente 12 pontos percentuais na soma de ótimo e bom do governo. A desvalorização cambial de janeiro de 1999 resultou em uma situação de crise econômica aguda logo no início do segundo mandato de Fernando Henrique. A consequência foi uma queda acentuada na aprovação do governo. A soma de ótimo e bom de Fernando Henrique, que atingiu 44% na véspera da eleição de 1998, despencou para menos de 10% em setembro de 1999. Uma queda de mais de 30 pontos percentuais em um ano. A partir daí a avaliação positiva do governo foi se recuperando até abril de 2001, quando teve início um grande esforço de economia de energia. O nível dos reservatórios estava baixo e sem o racionamento iria faltar energia.

O racionamento mobilizou tanto a indústria quanto os consumidores. Talvez esse tenha sido, do ponto de vista do governo, o grande problema. Os consumidores foram levados a economizar energia por meio do estabelecimento de metas de consumo, e quem ultrapassasse tais metas seria vítima de alguma medida repressiva. O Brasil é um país que rejeita a punição, trata-se de algo cultural. O governo optou por punir aqueles que não economizassem o suficiente, poderia ter dado um prêmio ou algum tipo de incentivo. Reprimir não é nem um pouco popular, muito menos quando se trata de uma população que historicamente se sente injustiçada e explorada pelos políticos.

Alguém já disse que aprender com os próprios erros é obrigação e aprender com os erros dos outros é sabedoria. O atual governo sabe que há várias modalidades de racionamento, e a forma pela qual ele foi realizado em 2001 resultou em uma queda bastante acentuada da aprovação do governo. Assim, é improvável que, em caso de racionamento, o governo Dilma adote métodos parecidos aos utilizados há mais de uma década. Muito dificilmente, portanto, um esforço de economia de energia em 2014 resultará em uma queda de 12 pontos percentuais na aprovação do governo.

Um racionamento cirúrgico e pouco visível, que mobilizasse a indústria que mais intensivamente utiliza energia elétrica, poderia não resultar em uma redução significativa da popularidade presidencial. Não se sabe se essa modalidade de racionamento resultaria em demissões. Em caso afirmativo, não se sabe se essas demissões seriam noticiadas a ponto de aumentar a insegurança no emprego de uma fatia considerável do eleitorado. O que se sabe é que a popularidade de Dilma está no limbo. Isso significa que qualquer redução em sua aprovação, ainda que pequena, pode ser a diferença entre a vitória e a derrota.

Risco de racionamento, possibilidade de protestos durante a Copa do Mundo, incertezas em relação ao desempenho da economia, todos esses ingredientes tornam a eleição de 2014 bem mais equilibrada do que a de 2010.

Alberto Carlos Almeida, sociólogo e professor universitário, é autor de "A Cabeça do Brasileiro" e "O Dedo na Ferida: Menos Imposto. Mais Consumo".

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