domingo, 15 de setembro de 2013

OPINIÃO DO DIA – Marco Aurélio Mello: ‘à beira do precipício’

É uma responsabilidade enorme para o ministro Celso de Mello. É uma matéria que eu não tenho dúvida sobre a revogação do Regimento Interno. Mas, pelo visto, como tem cinco votos a cinco, e uma matéria polêmica. O tribunal, em termos de perda de credibilidade, está à beira do precipício. Para citar John Steinbeck (autor americano), quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado. A sociedade começou a acreditar no STF e agora, com essa virada no horizonte de se rejulgar, há decepção.

Marco Aurélio Melo, ministro do STF. In “Ministro alerta para risco de perda de credibilidade”. O Globo, 15/9/2013.

STF decide sob 'clamor das ruas', avaliam especialistas

A última sessão do julgamento do mensalão expôs a preocupação de ministros do STF com a opinião pública, avaliam especialistas ouvidos pelo Estado. Juristas dizem, porém, que está longe de o "clamor das ruas" ditar regras no tribunal. O julgamento está empatado e caberá ao decano Celso de Mello a tarefa de decidir sobre embargos infringentes. Ontem, o ex-presidente Lula criticou a imprensa, ao homenagear Luiz Gushiken, morto na sexta. Sem citar o julgamento, Lula disse que Gushiken "foi uma das vítimas das mentiras de parte da imprensa"

Ministros do STF no mensalão: entre o "palanque" e a "prestação de contas"

Daniel Bramatti

Nunca ficou tão evidente a preocupação dos ministros do Supremo Tribunal Federal com a opinião pública quanto na mais recente das cinco dezenas de sessões de julgamento do mensalão. Bastante discutida nos bastidores, aquestão veio à tona diante das câmeras de televisão graças a um debate entre os ministros Marco Aurélio Melo e Luís Roberto Barroso.

De um lado, Marco Aurélio, contrário a um novo julgamento para parte dos condenados no mensalão e preocupado com a repercussão das decisões do tribunal De outro, Barroso, favorável a uma nova análise dos crimes e dizendo-se alheio à voz das ruas.

Na quarta-feira que vem, o voto final sobre a possibilidade dc aceitação dos embargos infringentes - cabíveis, segundo o regimento do STF, nos casos de condenação com placar apertado, mas não previsto mais na legislação brasileira desde 1990 - será dado pelo mais antigo ministro da Cone, Celso de Mello. O pano de fundo sobre o debate de quinta é justamente a pressão que recai sobre o decano: desempatar a votação sobre os infringentes, que está em cinco a cinco. Celso de Mello já indicou que é favorável ao recurso, que pode beneficiar condenados como o ex-ministro José Dirceu.

Para especialistas ouvidos pelo Estado, o diálogo de Marco Aurélio com Barroso evidencia que, por mais técnico que seja, o tribunal dá sim ouvidos à opinião pública ao julgar - mas isso está longe de significar que o chamado "clamor das ruas" dite as decisões do colegiado.

"O Poder Judiciário leva em conta a opinião pública, mas num conceito amplo de confiabilidade nas instituições", diz Marcelo Figueiredo, professor de Direito Constitucional na PUC-SP. "A decisão técnica do tribunal terá impacto na sociedade. Os ministros estão temerosos é de como esse resultado vai ser filtrado para a opinião pública, para que não haja um sentimento de impunidade"".

Sobre o risco de uma decisão "política", o professor ressalta que o tribunal não está a serviço de interesses de partidos. "O Supremo é político. O direito constitucional tem um conteúdo político. Não político-partidário, mas no sentido de traçar políticas de Estado", diz Figueiredo.

"A opinião pública também entra no caldo de formação da decisão de qualquer julgador", afirma o advogado Roberto Delmanto Júnior, que concorda com a posição de Marco Aurélio. O advogado entende que não se trata de ficar refém do público, mas sim ter o dever diante dele. "Os juizes, como servidores públicos, devem se preocupar com a devida prestação jurisdicional, no que diz respeito do direito de todos à Justiça".

Para Luiz Flávio Gomes, ex-juiz criminal, a manifestação de Marco Aurélio foi equivocada. "Lie cometeu um erro crasso, fez um exercício de populismo penal e parecia político em palanque." Para Gomes, Barroso estava correto ao aíirmar que o Supremo não deve votar "com a multidão". "Respeitar multidão é argumento político, isso não condiz com um julgamento".

Flávia Pivesan, professora-doutora de Direito Constitucional e Direitos Humanos da PUC-SP também considera inadequada a discussão sobre opinião pública ocorrida na quinta-feira. "Sc você votou em um deputado, em uma plataforma política, há todo sentido em cobra dele lealdade. Mas isso não se pode exigir do Poder Judiciário, que se afirma em outra legitimação, a guarda das leis e da Constituição", afirma ela.

Por mais que a opinião pública tenha sido levada para o centro do processo, em algo todos os ouvidos pelo Estado concordam: não será esse fator que decidirá o voto de Celso de Mello sobre os embargos infringentes na próxima quarta-feira, "Nenhuma pressão funcionará com ele, que é um ministro ético e trabalhador", afirma Luiz Flávio Gomes.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Ministro prepara voto longo e com recados

Segundo colegas de STF, Celso de Mello defenderá que cabe a juízes servir à Constituição, e não à opinião pública

Discurso seria resposta a Marco Aurélio Mello, que disse que negou recursos do mensalão por dever contas às ruas

Severino Motta, Fernanda Odilla

BRASÍLIA - O ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, prepara o que os colegas chamam de "Sermão da Montanha" em seu voto sobre a corte aceitar ou não novos recursos no mensalão.

O "Sermão da Montanha" foi, segundo a Bíblia, um longo discurso de doutrina moral proferido por Jesus Cristo.

Os ministros do STF analisam se a corte deve aceitar um recurso chamado de embargos infringentes. A votação terminou empatada em 5 a 5 na última quinta -- Mello irá decidir a questão na quarta.

O ponto principal da controvérsia está no fato de o regimento interno da corte prever os embargos nas condenações por votação apertada, quando há ao menos quatro votos pela absolvição.

Porém, uma lei de 1990, que regulamentou os processos no STF e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), não faz referência a este tipo de recurso.

Na semana passada, Celso de Mello indicou que deve aceitar os recursos ao lembrar seu voto na primeira sessão do mensalão, em agosto de 2012.

À época, ele considerou que a Constituição de 1988 deu ao regimento do STF força de lei e ponderou que um novo julgamento garantiria um direito fundamental dos réus: o de de terem um recurso contra eventuais condenações.

Caso os recursos sejam aceitos, réus como o ex-ministro José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Sores terão chances de ser absolvidos ou ter reduzidas suas penas --no caso deles, no crime de formação de quadrilha.

Com isso, poderiam escapar da prisão em regime fechado e passar para o semiaberto, quando só é preciso dormir no presídio.

Sem economia

Conhecido no meio jurídico por não economizar palavras em suas manifestações, Mello estava com seu voto pronto na semana passada.

Ele não pôde votar porque o presidente do STF, Joaquim Barbosa, encerrou a sessão logo após a manifestação do ministro Marco Aurélio Mello, contrário à possibilidade de um novo julgamento.

Aurélio falou sobre a responsabilidade que recairá sobre a decisão de Celso de Mello, já que "os olhos da nação" estarão voltados para a corte.

Na sessão, o ministro Gilmar Mendes destacou que aceitar os recursos eternizaria o processo e significaria dizer que o STF é um "tribunal juvenil, de irresponsáveis, que não sabe como vota".

Um ministro disse à Folha que, mesmo sem citar Marco Aurélio, o ministro deve dar uma resposta citando a necessidade de servir à Constituição, não à opinião pública.

Celso de Mello também pretenderia abordar os problemas apresentados por Mendes.

Com tantas respostas a dar, seu voto deve ser longo --por isso a referência de ministros ao "Sermão da Montanha".

Indicado ao STF em 1989 pelo então presidente José Sarney, Celso de Mello tem 24 anos de corte. Fez fama com votos extensos e tão fundamentados que são tidos por advogados como "pedagógicos".

Fonte: Folha de S. Paulo

Começar de novo

Reabertura do caso com recursos infringentes pode ajudar condenados a ganhar tempo e escapar da prisão, adiando o desfecho do processo por um ano, no mínimo

1) O que são embargos infringentes?

São recursos jurídicos que permitem a réus condenados em decisões muito apertadas obter uma segunda chance, com um novo julgamento. No STF, réus com pelo menos quatro votos a seu favor poderão usar esses recursos se na quarta-feira o tribunal decidir que eles são válidos

2) Se os embargos infringentes forem aceitos, quanto tempo ainda pode demorar o desfecho do processo do mensalão?

No mínimo, mais um ano, calculam ministros do STF e advogados dos réus

3) Quem conduzirá a análise dos novos recursos?

O julgamento do mensalão teve o ministro Joaquim Barbosa como relator e Ricardo Lewandowski como revisor. Os embargos terão um novo relator e um novo revisor. Falta definir se haverá um para cada recurso, ou se dois ministros darão conta sozinhos de todo o trabalho

4) Que benefícios os condenados poderão alcançar?

Todos ganharão tempo, adiando o cumprimento da pena. Petistas como o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro Delúbio Soares de Castro e o deputado João Paulo Cunha poderão ser absolvidos do crime de formação de quadrilha e assim escapar do regime fechado de prisão

5) Há outros recursos possíveis após o julgamento dos infringentes?

Depois que as decisões do STF forem publicadas, os réus poderão apresentar novos recursos, conhecidos como embargos de declaração, para esclarecer pontos eventualmente obscuros ou contradições

6) Há limite para o número de recursos que podem ser apresentados?

Teoricamente, cada acórdão poderá ser alvo de embargos de declaração, e sempre que houver uma decisão mais controversa, poderão ser apresentados novos embargos infringentes, que poderão levar a novos julgamentos, novos acórdãos e novos recursos

7) O STF não pode interromper isso e dar o caso por encerrado?

Pode. No julgamento do deputado Natan Donadon (ex-PMDB-RO), preso desde maio, o processo foi concluído após o julgamento dos segundos embargos de declaração e o deputado foi enviado à prisão. Entre a condenação de Donadon e sua prisão, passaram-se dois anos

8) Os crimes cometidos pelos condenados do mensalão podem ficar impunes com a demora?

Crimes com condenação inferior a dois anos de prisão já estão prescritos. Para que crimes com penas de até quatro anos de prisão também prescrevam, seria necessário que o processo do mensalão se arrastasse por mais oito anos

9) Os condenados sofrem algum tipo de restrição de direitos enquanto o processo não termina?

O STF apreendeu os passaportes de todos no ano passado. Se algum dos réus quiser sair do país, precisa pedir autorização ao tribunal

10) Muda alguma coisa na narrativa política do caso?

Se os embargos infringentes forem bem sucedidos, o STF deixará de caracterizar como uma quadrilha o grupo que organizou o mensalão, mas os réus continuarão condenados por crimes como corrupção, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro

Fonte: Folha de S. Paulo

Decano chamou mensaleiros de delinqüentes

Celso de Mello já defendeu valor dos embargos infringentes

Autor do voto mais duro contra os condenados pelo mensalão em 2102, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, o decano da Corte, decidirá quarta-feira se o julgamento se arrastará por tempo indeterminado. Com o desempate a favor da validade dos embargos infringentes, condenações por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro podem ser revertidas.

Qual Celso de Mello vai prevalecer? O que apontou para "delinqüentes" participantes de um "estranho e pernicioso sodalício" que se instalou no "núcleo mais íntimo da democracia" ou o que permitirá, se votar pelos embargos infrin-gentes, que os condenados tenham a chance de escapar das penas impostas? O ministro já se declarou favorável a embargos infringentes, em sessões anteriores do STF.

Com o placar de 5 a 5, os ministros mostraram que há argumentos técnicos para os dois lados. A Lei 8.038, que disciplinou os tribunais superiores, não revoga expressamente o embargo infringente, previsto no artigo 333 do Regimento Interno do STF. Até agora, para a metade dos magistrados, a admissibilidade do recurso representaria um sistema de Justiça que "não fecha". Para outros, é um dispositivo que se mantém, mesmo após a promulgação da lei, em 1990.

José Dirceu, Delúbio Soares e José Genoino, petistas que deram à luz um esquema de desvio de dinheiro público pa: ra a compra de parlamentares, podem ser absolvidos pelo crime de formação de quadrilha. Eles, no entanto, participaram de uma associação que teve como objetivo "a agressão permanente contra a sociedade civil" segundo Mello.

Os réus agiram, segundo o ministro, "nos subterrâneos do poder, como conspiradores à sombra do Estado, para, em assim procedendo, vulnerar, transgredir e lesionar a paz pública". Em voto histórico, ele disse: "A isso, a essa sociedade de delinqüentes, a essa "societas delinquentium; o Direito penal brasileiro dá um nome: o de quadrilha ou bando" Os ; condenados, para ele, desrespeitaram a República com as práticas criminosas:

"A conduta dos réus, notadamente daqueles que ostentam ou ostentaram funções de governo, maculou o próprio espírito republicano. Em assuntos de Estado ou de governo, nem o cinismo, nem o pragmatismo, nem a ausência de senso ético e nem o oportunismo podem justificar práticas criminosas"

Fonte: O Globo

Especialista alerta para risco de tensão maior

Com aceitação de embargo, julgamento pode acirrar protestos

Caso o ministro Celso de Mello considere válido o uso dos embargos infringentes na próxima sessão do julgamento do mensalão, 12 réus poderão entrar com tal expediente no Supremo Tribunal Federal (STF). Novo relator e novo revisor vão reapresentar os casos.

Ele já indicou algumas vezes estar inclinado,a aceitá-los. Se assim acontecer, é provável que apenas em 2014 os ministros iniciem um novo julgamento, avaliam especialistas.

"Se impõe a todos os cidadãos dessa República um dever muito claro: o de que o Estado brasileiro não tolera o poder que corrompe nem admite o poder que se deixa corromper" disse Celso de Mello no ano passado.

Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB), David Fleisher, caso os embargos infringentes sejam aceitos pelo ministro, a sociedade terá motivos para crer na desmoralização da Justiça.

— Se se permitir o embargo, e não contarem com a Lei 8.038 para revogá-lo, o Supremo pode sofrer grande descrédito. E o pior: vai jogar todo o julgamento para o ano que vem, perto das eleições.

Tratamento diferenciado

Fleisher diz que, se os mensaleiros não forem para a cadeia até junho, a decisão da Corte também contribuirá para a participação de mais pessoas em manifestações:

— O Supremo pode contribuir, em 2014, para um mês de junho pior do que o deste ano. Ano que vem, temos eleições, Copa do Mundo, e, se ainda estiver ocorrendo o julgamento, será o pior mês de junho. Será um barril de pólvora a ponto de estourar.

Cláudio Abramo, diretor-executivo do Transparência Brasil, diz que o problema fundamental da aceitação dos embargos infringentes passa pelo tratamento diferenciado de réus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no STF. No STJ não há previsão de embargos infringentes:

— A grande questão é se as regras gerais do sistema judicial valem ou não. Ou se elas são excetuadas no caso do STF, que calha de ter no seu regimento interno um dispositivo que admite esses embargos. Então, os governadores que serão julgados, por exemplo, terão um tratamento diferente daqueles réus que estarão enfrentando um processo no Supremo Tribunal Federal?

Fonte: O Globo

Julgamento traz debate inédito ao Supremo

Análise dos embargos infringentes jamais foi feita no STF

O ineditismo do caso do mensalão, maior esquema de corrupção julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), trouxe dúvidas de interpretação da lei aos ministros e fez com que os embargos infringentes fossem discutidos pela primeira vez na Corte.

Segundo a jurista da FGV Tânia Rangel, os juizes não poderiam ter uma definição já constituída sobre o assunto porque foi a primeira vez que uma ação penal originada no Supremo chegou tão longe. O Estado, portanto, não poderia ter uma jurisdição sobre o tema porque ela nunca havia sido solicitada.

— O princípio basilar de qualquer coisa no meio jurídico é a inércia. Juizes só podem se manifestar sobre algo quando provocados. Esse assunto só está sendo discutido agora porque é a primeira vez que alguém entrou com um pedido de embargo infringente para uma ação penal originária no STF — explica.

De acordo com o Regimento Interno do STF, os réus que tiverem pelo menos quatro dos 11 votos a favor podem pedir o recurso que leva à revisão do julgamento. Acusado de formação de quadrilha, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, que teve quatro votos favoráveis, pediu que o caso fosse reanalisado. Simone Vasconcelos fez o mesmo.

STF e STJ: duas avaliações

A decisão, contudo, pode beneficiar outros 10 réus, que terão um prazo para pedir a revisão de suas penas caso os embargos infringentes sejam considerados válidos. Segundo Tânia Rangel, a decisão da próxima quarta-feira pode criar um novo precedente.

— Supondo que, em um futuro próximo, alguém seja condenado em uma ação penal originária no STF, é pouco provável que o entendimento seja diferente.

Ela explica também que, enquanto os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão divididos quanto à validade dos embargos infringentes, o Superior Tribunal de Justiça nunca admitiu os embargos.

A Constituição de 1967 autorizava o STF a criar normas processuais (que tinham peso de lei) a respeito dos assuntos de sua competência. Nesse contexto, criaram o Regimento Interno do Supremo em 1980, que previa esses re: cursos. Porém, a Constituição de 1988 vedou que tribunais criassem normas processuais, tirou esse poder do STF e criou o STJ.

O STJ nunca previu esse tipo de embargo. E nem poderia, porque a nova Constituição impede.

Fonte: O Globo

Troca de relator ditará o ritmo do julgamento

O sorteio para definir a escolha do relator dos novos recursos a serem apresentados por réus do mensalão será decisivo para dar um norte sobre o tempo que o Supremo Tribunal Federal (STF) levará para julgar os embargos infringentes, caso sejam considerados cabíveis pela Corte. A depender do ministro sorteado, a Ação Penal 470 poderá ser encerrada ainda em 2013 ou mesmo se estender para o segundo semestre do ano que vem. O Supremo está dividido quanto à validade dos recursos que podem resultar em novo julgamento para até 12 condenados. O placar está empatado em 5 a 5, faltando apenas o voto do ministro decano do STF, Celso de Mello, marcado para quarta-feira. Em mais de uma ocasião, ele indicou ser favorável ao cabimento dos infringentes.

A possível aceitação dos recursos fará com que o julgamento se estenda por tempo indeterminado. Ministros ouvidos pelo Correio alertam, no entanto, que a pressão exercida por integrantes do Supremo, durante as últimas sessões, para que a ação não se prolongue por mais intermináveis meses levará o futuro relator do caso a dar celeridade à etapa final do processo.

Essa opinião é compartilhada não só por ministros contrários aos infringentes, como também por dois magistrados que votaram pela admissibilidade do recurso que permite novo julgamento para os réus que tenham recebido ao menos quatro votos pela absolvição. Um deles avalia que "ninguém quer ficar com esse processo nas mãos", pois será cobrado pelos colegas e pela sociedade.

Caso os embargos infringentes sejam acolhidos, o Supremo iniciará nova fase do julgamento depois da publicação do acórdão (documento que resume as decisões tomadas em plenário) desta primeira etapa de recursos. A expectativa é de que isso leve pelo menos um mês. Depois de concluído o acórdão, os réus terão 15 dias para apresentar os infringentes — os ministros ainda apreciarão pedido para que o prazo seja dobrado para 30 dias.

Depois desta etapa, o processo voltará para o plenário, quando os ministros deverão acolher oficialmente os novos recursos. O passo seguinte é o sorteio de um novo relator, que não poderá ser o atual, Joaquim Barbosa, nem o revisor da Ação Penal 470, Ricardo Lewandowski. O sorteio é feito por um sistema eletrônico.

O ministro Marco Aurélio Mello ainda nutre esperança de que o colega Celso de Mello possa votar contra o cabimento dos infringentes, mas adianta que, caso ocorra o contrário e ele próprio seja sorteado relator do caso, o julgamento terá fim ainda este ano. "Entendo que esse julgamento já está muito demorado. Se eu for sorteado, ouvirei o Ministério Público e darei sequência imediatamente fazendo o relatório e voto para, em uma semana, colocar o processo em pauta. As matérias já estão colocadas e temos conhecimento a respeito delas", disse Marco Aurélio.

O magistrado admite, porém, que a eventual distribuição dos recursos para outros colegas pode levar o julgamento a se estender para o ano que vem. "Dependendo do ministro sorteado, sem dúvida alguma (uma demora maior pode ocorrer). Isso depende de cada qual", afirmou.

Mandatos
Marco Aurélio alerta que a eventual admissão dos embargos infringentes poderá resultar não só na absolvição e redução das penas de réus, como também em uma mudança do Supremo em relação à dosimetria e à cassação dos mandatos dos quatro deputados condenados no julgamento do mensalão. "Quem sabe, ante a mudança na composição do tribunal, teremos o dito pelo não dito. De cara, poderá cair a cassação dos mandatos", enfatizou.

No ano passado, o Supremo decidiu cassar o mandato dos deputados réus, determinando que a Câmara apenas cumpra a ordem. O entendimento foi confirmado há duas semanas, durante a análise de um recurso do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), quando os ministros entenderam que os embargos de declaração — voltados para contestar contradição, omissão e obscuridade — não têm poder para modificar a decisão do plenário sobre a cassação dos mensaleiros.

No entanto, os infringentes (caso aceitos) poderão abrir caminho para uma nova revisão. Isso porque, em agosto último, diante de uma nova composição, devido à chegada dos ministros Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, o STF definiu que cabe ao Legislativo dar a palavra final sobre a perda do mandato de parlamentares condenados. A decisão foi tomada durante o julgamento do senador Ivo Cassol (PP-RO), condenado pelo crime de fraude em licitações.

Antes de a questão dos mandatos ser apreciada nos embargos infringentes do mensalão, caso admitidos após o voto de Celso de Mello, os ministros julgarão em plenário um mandado de segurança do PSDB, que pede a anulação da sessão da Câmara que manteve o mandato do deputado presidiário Natan Donadon (sem partido-RO). Durante esse debate, que deve ocorrer ainda este mês, o Supremo provavelmente adotará uma posição definitiva sobre a obrigatoriedade ou não de o Legislativo decretar a perda do cargo de congressistas condenados.

Fonte: Correio Braziliense

Ministro alerta para risco de perda de credibilidade

O ministro do STF Marco Aurélio Mello afirma que, em termos de credibilidade, o tribunal está à beira do precipício" e diz que a sociedade ficará decepcionada se a Corte aceitar os embargos inftingentes e reabrir o julgamento.

Credibilidade do Supremo está a beira do precipício’

Entrevista: Marco Aurélio Mello

Para o ministro, sociedade ficará decepcionada se o STF decidir prolongar julgamento do mensalão

Um dos cinco votos contrários à aceitação dos embargos infringentes, que poderão prolongar por tempo indeterminado o julgamento do mensalão, o ministro Marco Aurélio Mello faz um alerta aos colegas do Supremo Tribunal Federal (STF): é a própria credibilidade da Corte que está em risco.

* O senhor acredita que a credibilidade do STF será afetada se os embargos infringentes forem aceitos?

É uma responsabilidade enorme para o ministro Celso de Mello. É uma matéria que eu não tenho dúvida sobre a revogação do Regimento Interno. Mas, pelo visto, como tem cinco votos a cinco, e uma matéria polêmica. O tribunal, em termos de perda de credibilidade, está à beira do precipício. Para citar John Steinbeck (autor americano), quando uma luz se apaga, fica muito mais escuro do que se nunca tivesse brilhado. A sociedade começou a acreditar no STF e agora, com essa virada no horizonte de se rejulgar, há decepção.

• O senhor teme que as pessoas tomem as ruas para protestar contra o tribunal?

As pessoas podem ficar decepcionadas, e isso pode levar a atos. A sociedade pode se manifestar, porque mostrou que não está apática. A manifestação pacífica é bem-vinda, é inerente à cidadania.

* Um novo julgamento de réus do mensalão pode gerar sentimento de impunidade na sociedade?

A leitura que o leigo faz é péssima, de que realmente o forno está acesso.

* O julgamento de um mesmo réu com a formação diferente da Corte é prejudicial?

Prejuízo não tem, são capítulos distintos (do processo). Num colegiado prevalece o entendimento da maioria. O colegiado é um órgão democrático por excelência.

• Como a composição do tribunal é outra, o senhor acredita em resultado diferente se houver novos julgamentos?

Será que, se a composição do tribunal fosse a mesma (do ano passado), haveria tanta ênfase por parte da defesa no julgamento desses embargos? Não deveria ser assim. É claro que é possível evoluir. Agora mesmo, mudamos a concepção de o Judiciário cassar mandato no caso do senador Ivo Cassol. Mas mudar muito (a jurisprudência) gera insegurança, e a segurança tem que ser buscada.

* Se o STF aceitar os embargos in-fringentes, estará mudando a jurisprudência?

Não, é a primeira vez que definimos o tema em processo penal de competência originária.

• Como os infringentes não estão previstos no STJ, haverá distorção no sistema jurídico com uma decisão favorável do Supremo?

É um contrassenso, consideràdos os demais tribunais. O STJ, por exemplo, julga governador e não cabem embargos infringentes. O Tribunal de Justiça julga prefeito, e não cabem embargos infringentes. O Tribunal Regional Federal julga juizes federais, e não cabem infringentes. Mas cabe no Supremo. É interessante. O sistema não fecha. O Tribunal do Júri pode condenar por quatro votos a três, e não há revisão.

• Um julgamento apertado deixa margem de dúvida quanto à culpa do réu?

A divergência qualifica o julgamento. Esses acusados deveriam se sentir muito satisfeitos, porque as teses que veicularam ganharam quatro votos. E os outros que tiveram zero? Com escore apertado, o julgamento fica mais aprofundado.

* O senhor se incomoda com os embates em plenário?

Eu estou muito acostumado com a divergência. Aqui em casa mesmo, minha mulher é Fluminense, e eu sou Flamengo. A divergência para mim é salutar.

* Com a aceitação dos embargos infringentes, há risco de prescrição dos crimes?

Não, não sei de onde estão tirando isso. Com o acórdão proferido na ação penal, ocorre a interrupção da prescrição e volta-se à estaca zero na contagem do prazo. Seria necessário passar vários anos para ocorrer prescrição. Não acredito que o novo relator demore tanto para levar o processo a julgamento.

• O senhor gostaria de ser sorteado novo relator do mensalão, nessa nova fase, caso os embargos sejam aceitos?

Brinquei com os colegas ontem no lanche que devíamos restringir a distribuição somente à corrente majoritária. Chega! Hoje estou muito cansado e tenho mais de 200 processos na fila para julgar. Se não, quando me aposentar, vou para casa em definitivo e não vai dar tempo de julgar.

Fonte: O Globo

Deputados à caça de partido

BRASÍLIA – Com o prazo cada vez mais curto para decidir em qual partido vão disputar as eleições em 2014, deputados federais intensificam movimentos para mudança de legenda e quase todas tendem a perder ou ganhar integrantes. Entretanto, os parlamentares devem deixar o anúncio oficial para a última hora. A data limite de filiações válidas para as eleições é 5 de outubro e muitos ainda esperam a concretização de novas siglas para tomar a decisão. Além do novo arranjo partidário, eles levam em conta questões estaduais e planos na hora de escolher para onde vão.

Desde o início do ano, 10 deputados federais já deixaram seus partidos de origem. Desses, quatro ainda não se filiaram a outra legenda – incluindo Natan Donadon, que foi expulso do PMDB após ser condenado à prisão pelo Supremo Tribunal Federal, por fraude em licitações quando era deputado estadual em Rondônia, entre 1998 e 1999. Um deles é Romário (RJ), que saiu do PSB no início de agosto e ainda negocia a ida para o PR para se candidatar ao Senado. Outras agremiações também o convidaram — PT, PP, PDT e PMDB.

Quem também tem sido disputado por diferentes siglas é o polêmico presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marco Feliciano (PSC-SP). Segundo interlocutores, ele já conversou pessoalmente com representantes do PTB, PRB, PEN, PR e PMDB, mas, por enquanto, permanece no PSC, por onde deve se candidatar ao Senado. Mas os planos verdadeiros do pastor são outros. Em entrevista a um programa de tevê nos EUA no início do mês, Feliciano admitiu ter um preço ao demonstrar a vontade de lançar-se ao posto de presidente do Brasil: "Se algum partido me desse essa legenda, eu entraria nesse barco".

Assim como ocorreu com a formação do PSD em 2011, a criação da Rede Sustentabilidade, da ex-senadora Marina Silva, e do Solidariedade, que está em avançado processo para ser fundado pelo deputado Paulo Pereira (PDT-SP), deverá provocar debandadas na Câmara. À época do PSD, 51 deputados foram para a legenda de Gilberto Kassab, reduzindo drasticamente algumas bancadas, principalmente a do DEM.

Agora, o maior ameaçado é o PDT, de onde o Solidariedade deve tirar, pelo menos, sete parlamentares. Ao todo, a nova sigla já contabiliza entre 30 e 40 integrantes com mandato. "O critério de cada um é diferente, desde amizade até a questão do espaço que se pode ter. Quem está concorrendo faz sempre um cálculo se tem chance ou não", comenta Marcílio Duarte, presidente provisório do novo partido. false false true Deputados à caça de partido A menos de um mês do prazo para a troca de legendas, parlamentares se mobilizam para garantir uma vaga. O lançamento de siglas pode intensificar as debandadas na reta final.

Fonte: Estado de Minas

Por 2014, Dilma estuda pôr Cabral na Esplanada

Mesmo com o desgaste do governador do Rio, ministério seria forma de reverter a iminente perda de apoio do PMDB à presidente no Estado

Débora Bergamasco

BRASÍLIA - O governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), que teve a porta de sua casa sitiada por manifestantes por mais de um mês e anda com a popularidade baixa, pode ser um dos escolhidos para ocupar uma pasta na reforma ministerial que a presidente Dilma Rousseff promoverá entre o fim de dezembro e o início de janeiro.

O governo está trabalhando para garantir o maior número de palanques regionais para a petista na eleição do ano que vem. Dar uma pasta para Cabral comandar, segundo as contas presidenciais, poderia ser um modo de reverter a iminente perda de apoio do PMDB a Dilma no Rio.

Como não pode mais dispu tar o Guanabara, o governador vai lançar à sua sucessão Luiz Fernando Pezão, seu atual vice, e pretende se descompatibilizar do cargo para dar mais visibilidade a seu indicado. Mas o senador Lindbergh Farias (PT-R ), já se movimenta para ser o candidato governista ao comando do Rio. Para pressionar, Cabral já disse que se Dilma quiser subir no palanque de Lindbergh, o peemedebista não pedirá voto para ela e, pior, ameaça dar apoio a adversários da presidente.

Mesmo sendo avessa a pressões, ela sabe que não poderá ignorar a importância de obter o máximo apoio possível no Rio, pois se trata do terceiro maior colégio eleitoral do Brasil (11,8 milhões de eleitores). O raciocínio no Planalto e que um ministério importante nas mãos de Cabral pode convencê-lo a aceitar que ela abrace dois postulantes no Estado.

Por ser ainda uma ideia embrionária discutida dentro do núcleo duro do governo, começam a surgir suposições. Uma que, avalia-se, casaria bem com o perfil de Cabral é o Ministério do Esporte ou o do Turismo, pois ele poderia capitalizar, especialmente em seu Estado, durante a Copa em 2014 e na preparação para a Olimpíada de 2016.

Rejeição. Dilma e seus conselheiros sabem que a manobra seria arriscada porque Cabral vive um momento de corrosão em sua imagem. Ele foi o governador mais atingido pelos protestos de junho - manifestantes passaram mais de um mês acampados em frente ao apartamento do governador, no Leblon.

Na última quarta-feira, durante visita de Dilma ao estaleiro Inhaúma, no Caju, a presidente ouviu vaias quando citou as presenças do governador e do prefeito da capital, Eduardo Paes. Mesmo assim, ela estaria disposta a bancar a nomeação de Cabral para arregimentar mais apoio no Estado.

Há vagas
Dilma pretende fazer uma reforma na equipe para ajustá-la ao quadro político-eleitoral. Pelas contas do Planalto, ao menos 12 dos 39 ministros deixarão os cargos para disputar eleições em 2014.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Luzes e sombras - Miriam Leitão

As luzes de setembro, a chegada da primavera; a temperatura amena, tudo toma o mês encantador. Mas a história tem deixado cicatrizes no mês: os 40 anos do golpe do Chile, os 12 anos do atentado às Torres Gêmeas, os cinco anos da crise econômica. Os sinistros de setembro permanecem com suas sombras, exigindo de nós reflexão e superação.

Certas dores precisam ser analisadas, para serem um dia, eventualmente, superadas. Não são simples efemérides. Elas ficaram, de certa maneira. A devastação do 11 de setembro do Chile não foi esquecida. Foram dois mil e quinhentos mortos, e a sombra permanece. Na eleição, concorre mais uma vez a filha do general morto pelo regime. Michelle Bachelet deve governar de novo o país. Mas também concorre, por ironia, Evelyn Matthei, filha de um dos suspeitos pela morte do pai de Bachelet. Companheiros de farda, Bachelet foi preso na Academia de Guerra dirigida por Matthei. Contudo, o Chile avança na economia e na democracia.

O 11 de setembro de 2001 em Nova York encerrou o período iniciado na queda do muro de Berlim e no qual se vislumbrou a chance de um mundo sem as profundas divisões da guerra fria. Na política americana, a direita fundamentalista se fortaleceu e a lei de segurança interna perturbou turistas e atormentou todos os americanos que desafiassem o comportamento padrão. Duas guerras foram deflagradas, alguns direitos individuais foram suspensos, como o de não ser mantido preso sem julgamento. Quem achou que tudo ocorria porque o governo Bush era uma aberração vê agora, no segundo governo do democrata Barack Obama, que a lógica da segurança nacional seqüestra qualquer presidente. A burocracia da segurança interna dos Estados Unidos se da o direito de invasão da privacidade de pessoas, governantes e empresas de outros países.
O efeito do 11 de setembro permanece e acaba de criar, entre Brasil e Estados Unidos, um enorme desconforto diplomático.

O quinto aniversário da crise econômica ocupou as páginas deste jornal nos últimos dias com seus amplos desdobramentos. As finanças dos países continuam arruinadas, as economias permanecem abaladas e a pior herança não foi enfrentada. O desemprego é alto em quase todos os países da Europa e atingiu níveis intoleráveis entre a juventude.

A Europa já fala de uma geração perdida que não consegue entrar na hora certa no mercado de trabalho e que vive o desalento de constatar que o presente é pior que o passado, e o futuro não traz esperança.

Nenhum banqueiro, administrador de fundos, inventor de ativos tóxicos respondeu por seus atos de gestão temerária do dinheiro da população. Nenhuma agência de risco foi constrangida a explicar suas notas máximas para ativos podres, muitos deles criados sob orientação das próprias agências num flagrante conflito de interesses. Elas permanecem no mercado, com sua lista de clientes e sua influência sobre a alocação de recursos. Para não dizer que não houve punidos, houve um único caso: o da quebra do Lehman Brothers, que fez com que seus acionistas perdessem patrimônio. Todos os bancos que quebraram antes e depois foram salvos com dinheiro do contribuinte, elevando as dívidas públicas a níveis extravagantes. Até os Estados Unidos já viveram — e voltarão a viver em breve — o drama de visitar a véspera do calote a cada vez que precisa elevar o teto do endividamento público. Já os bancos voltaram a ficar tão lucrativos quanto antes. Aqui no Brasil, no Proer dos anos 1990, os banqueiros perderam seus bancos, os ativos dos poupadores foram preservados, e os donos e administradores foram responsabilizados na Justiça.

Nada liga os fatos acima. Por fatalidade, ocorreram em setembro. Por coincidência, são eventos, políticos ou econômicos, que se prolongam no tempo. A viúva de Victor Jara, o músico chileno barbaramente morto na tortura, ainda aguarda que os criminosos sejam punidos. A governança americana continua soterrada pelas cinzas das Torres Gêmeas e a NSA, a agência de segurança nacional, iguala na espionagem burra e abusiva países com histórias tão diferentes quanto Brasil e Irã. A economia mundial ainda vive os efeitos da crise detonada pela quebra do Lehman Brothers. As dores, políticas ou econômicas, de setembro são duráveis. Ainda não permitem dizer que o passado passou.

Os pontos-chave

1. Setembro é um mês que tem deixado cicatrizes na história: golpe no Chile, atentado e crise financeira

2. A devastação do 11 de setembro chileno não foi esquecida, com uma ditadura que matou 2,5 mil

3. Os atentados nos EUA levaram à lei de segurança interna, que permite abusos até os dias de hoje

Fonte: O Globo

Asilo diplomático - o caso do senador Roger Pinto - Celso Lafer

A concessão de asilo diplomático ao senador boliviano Roger Pinto Molina e os episódios que levaram à sua saída da Bolívia para o Brasil pela ação do diplomata Eduardo Saboia, embaixador interino em La Paz, vêm suscitando muita discussão. Creio que o bom entendimento do assunto pode ser beneficiado por uma análise jurídica da questão.

O sentido geral e originário do termo asilo é o local onde se estáem segurança contra perseguição e perigo. O asilo visa a dar proteção ao indivíduo e é uma instituição que remonta à Antiguidade. No mundo contemporâneo, o fundamento do direito do asilo está vinculado à proteção e à garantia dos direitos humanos e inspira-se em considerações humanitárias. A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 consagra o direito de asilo no seu artigo XIV ("Toda pessoa vítima de perseguição tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países"), ressalvando, no seu item 2, que o direito não pode ser invocado em caso de perseguição motivada por crimes de delito comum.

A Constituição federal, no seu artigo 4.0, contempla-o, no inciso X. O asilo previsto na Constituição e na Declaração Universal abrange tanto o asilo territorial quanto o asilo diplomático. O texto em vigor, pertinente para a análise do caso do senador Roger Pinto, é a Convenção de Caracas de Asilo Diplomático (CCAD), de 1954, da mesma data da Convenção de Caracas de Asilo Territorial (CCAT). O Brasil é signatário da CCAD e a promulgou pelo Decreto n.° 42.628, de 13 de novembro de 1957. A Bolívia também é signatária da CCAD, mas não a ratificou. Entretanto, a assinatura envolve a obrigação de abster-se de atos que frustrem o seu objeto e a sua finalidade, como estipula a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (artigo 18).

O asilo pode ser outorgado na missão diplomática - como ocorreu neste caso - a pessoas perseguidas "por motivos ou delitos políticos" e "será respeitado pelo Estado territorial". Todo Estado tem o direito de conceder asilo, mas não se acha obrigado a concedê-lo (artigo II). "Compete ao Estado asilante a classificação da natureza do delito" ou dos motivos da perseguição (artigo IV) e, como diz o artigo IX, "a autoridade asilante tomará em conta as informações que o governo territorial lhe oferecer para formar seu critério sobre a natureza do delito ou a existência de delitos comuns conexos; porém, será respeitada sua determinação de continuar a conceder ou exigir salvo-conduto para o perseguido" (grifos meus).

O asilo é concedido em casos de urgência e pelo tempo estritamente indispensável para que o asilado deixe o país com as garantias concedidas pelo governo do Estado territorial, a fim de não correrem perigo sua vida, sua liberdade ou sua integridade pessoal (artigo V). Concedido o asilo, estipula o artigo XII, o Estado asilante pode pedir a saída do asilado para o território estrangeiro, sendo o Estado territorial obrigado a conceder imediatamente, salvo caso de força maior, o correspondente salvo-conduto.

Neste caso, o governo da Bolívia não concedeuo salvo-conduto prontamente, como previsto na CCAD: o senador permaneceu 455 dias na sede da representação brasileira em La Paz em condições precárias. Registro que é da prática da América Latina a concessão de salvo-conduto e dela não se afastaram nem o regime Pinochet nem o regime autoritário militar brasileiro.

Diante desta situação-limite, fruto da má vontade intencional (para usar um termo benévolo) do governo de Evo Morales, voltada para frustrar a prática do Direito Internacional da região, o diplomata Eduardo Saboia operacionalizou, em termos não ortodoxos, um trecho do artigo XIII da CCAD: "Ao Estado asilante cabe o direito de conduzir o asilado para fora do país". Como ex-ministro das Relações Exteriores, tenho perfeita consciência da importância da disciplina na vida do Itamaraty. No entanto, como estudioso de Hannah Arendt, tenho clareza de que, em situações-limite, é preciso parar para pensar e evitar, pela ação, o mal contido em disposições ou inércias burocráticas. Foi o que fizeram o embaixador Sousa Dantas e Aracy e João Guimarães Rosa, concedendo vistos aos perseguidos pelo regime nazista. Por isso, Eduardo Saboia teve a coragem de um homem de bem e agiu certo, em consonância com o artigo 4º da Constituição.

Diz o artigo XVII da CCAD que, efetivada a saída do asilado, o Estado asilante não poderá mandá-lo de volta ao seu país de origem, ainda que não seja obrigado a conceder-lhe permanência no seu território. Creio que esta permanência deve ser assegurada ao senador Roger Pinto.

Cabe lembrar que a CCAT, que o Brasil promulgou (Decreto n.° 55.929, de 19 de abril de 1965), estabelece, no artigo I, que nenhum Estado pode fazer reclamação alguma diante da decisão soberana de um Estado de conceder asilo territorial. Diz o artigo III da CCAT que "nenhum Estado é obrigado a entregar a outro Estado ou a expulsar do seu território pessoas perseguidas por motivos ou delitos políticos".

O direito dos refugiados, extensão do de asilo, resultou da existência, em larga escala, de pessoas deslocadas no mundo, é objeto de regulamentação internacional (Convenção de 1951 e seu Protocolo de 1966) e sobre ele dispõe a Lei n.° 9474, de 22 de julho de 1997. Como o asilo, a função do direito dos refugiados é oferecer proteção aos que correm perigo de perseguição no seu país de origem e, à semelhança da CCAT, tem como princípio fundamental o non refoulementy a não devolução do refugiado ao seu país de origem.

Tendo o Brasil, ao conceder asilo diplomático ao senador, reconhecido a sua condição de perseguido por motivos ou delitos políticos, seria juridicamente inconsistente venire contra factum proprium e não lhe conceder asilo territorial.

*Professor emérito do Instituto de Relações Internacionais da USP, foi ministro das Relações Exteriores do governo Fernando Henrique Cardoso

Fonte: O Estado de S. Paulo

Mais de 50 tons de cinza - Carlos Melo

O melhor para o tribunal, para o governo e a vida que segue seria a página virada – mas há leis, direitos, interpretações

Não sejamos ingênuos: é claro que entre Justiça e política há vários tons de cinza. Quanto mais o País se aperfeiçoa, essa confusão diminui. Mas ainda não chegamos lá. Política envolve paixões, interesses e projetos de poder. A Justiça deveria frear, conter as paixões, limitar interesses ao legal e ao legítimo. Política é conflito na perspectiva de construir consensos, que viram lei, pactos consignados. Lei é a expressão da política. Juízes aplicam as leis de acordo com o espírito que as embalaram. Natural que haja fricção entre esses poderes, mas, cada um na sua esfera, o normal é que acertem o passo.

Não tem sido assim, porém. Não é muito simpático admitir, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) tem assumido posição de proa na representação dos anseios políticos de parte da população e isso abre espaço para confusão desses tons de cinza. Assim, do julgamento da Ação Penal 470, o mensalão, passou-se a esperar o resgate de uma pretensa cidadania que deveria vir pelas mãos da política. Não que exatamente se fizesse justiça, mas que se justiçasse – menos que justiça, a vingança. Em alguns momentos, pairou no ar o julgamento político, como o de Danton. Nada menos que a guilhotina foi aceitável.

Não há santos nem vítimas. Há réus e juízes, direitos e deveres, não há guerra santa. Alguém pode ser acusado por se defender? Perigoso é que o debate produza vilões e heróis, de modo que a figura enérgica do ministro Joaquim Barbosa assumisse o vulto não do juiz, mas do paladino da Justiça. Que, na criatividade dos ângulos em que foi fotografado, se revelasse um Batman – e o Brasil, sua Gotham City. O tribunal, lócus da maior expressão da racionalidade e do direito, não é a Liga da Justiça. Barbosa tem méritos, mas não é maior que a instituição que preside.

Não é salutar que assim seja. Mas, aplaudido pelas ruas, sua importância apenas revela o vazio de lideranças políticas críveis, colocadas acima da miséria dos pequenos interesses partidários. Evidencia a falência da política e sua judicialização. O clichê faz sentido: não há mesmo vácuo em política. Mas na democracia outro clichê também diz que o que se teme é a Justiça, não o juiz. Na personalização da instituição, tudo em torno do mensalão virou dramático, apaixonado, decisivo: ajuste de contas. O local da política e do espetáculo da política se deslocou: os embates entre Barbosa e Lewandowski melhor caberiam nas tribunas da Câmara e do Senado.

Há alguns meses, eufóricos apressados qualificavam o julgamento como "o maior marco histórico da Justiça do País" e o mensalão, "o maior escândalo de todos os tempos", "a maior crise". O exagero deforma imagens e, com isso, a compreensão da realidade. Dizia-se que a partir de então tudo seria diferente. Calma, o processo é necessariamente mais lento. Fez-se uma grande arquibancada com torcidas em cólera e, de cada lado, as imagens se invertiam: heróis viravam vilões; vilões, heróis. A história instantânea daqueles dias foi rapidamente produzida e publicada em pó, para ser diluída no gosto de sangue, na saliva da opinião pública.

Nessa semana, porém, nas ruas e nas redes sociais esse clima se inverteu, e tudo que parecia sólido tornou-se vertigem e frustração. Euforia e precipitação levam a isso. Do Supremo, antes redenção nacional, gritou-se: "Absurdo!" Especulou-se até – há especulação para todos os gostos na internet – que Barbosa pudesse (ou devesse) vir a renunciar à presidência do tribunal. E na expectativa do posicionamento do ministro Celso de Mello, de recentes votos tão duros, a maior apreensão: como pode ou poderá o decano dar agora pelo menos essa razão aos réus que acabara de condenar? Para os anais, ficarão os diálogos de quinta-feira entre Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso, o novato insurgente. Servir ou não às multidões foi a raiz da desinteligência de suas excelências. Mas é o "xis" do problema.

A mesma instituição decantada há apenas alguns dias agora é posta em dúvida. A euforia dá lugar a uma despropositada descrença. É essa a volatilidade de nossa autoestima. Mas nada é tão decisivo nesses embargos aflitivos. Seus críticos que resolvam se o STF que ontem puniu tem ou não legitimidade – agora e no passado. Novos eufóricos que definam: a suposta grandeza e legitimidade de agora não é a mesma de antes?

Contar a história como convém não nos retira do impasse. No mais, esses tons de cinza sempre existirão. Claro, a delonga do processo não é saudável. Provavelmente, nem mesmo para quem vive a expectativa e a agonia da aplicação das penas. O melhor para o tribunal, para o governo e para a vida que segue é que tudo tivesse finalmente seu término, página virada. Mas as coisas não são assim: há leis, direitos, interpretações e nem tudo se constrói sem contradição, idas e vindas. Juízes são humanos, possuem idiossincrasias e, como declarou Barroso, não estão acima da verdade. Nem da lei, certamente, em que pese as crenças de alguns novos heróis e de seus pares, na euforia das multidões que os seguem.

Carlos Melo é cientista político e professor do INSPER

Fonte: O Estado de S. Paulo / Aliás

Os três cintos do governo Dilma - Gaudêncio Torquato

No sistema presidencialista, a avaliação de um governo tende a se confundir com a análise do governante, principalmente em países de forte concentração de poder nas mãos do mandatário. E o caso do nosso modelo, que se, impregna de acentuado traço imperial, a realçar força extraordinária nas mãos do detentor da caneta mais poderosa do País.

Não por acaso, o chefe do Executivo reveste-se da aura de infalibilidade dos papas. O próprio marqueteiro João Santana chegou a dizer que o povo enxerga na presidente Dilma Rousseff uma rainha. Centro das atenções, acaba ofuscando a imagem de seu batalhão de 39 ministros e outros tantos dirigentes de órgãos governamentais. (Quem consegue recitar o nome de metade dos ministros?) Por isso, qualquer apreciação que se faça sobre a administração federal, faltando pouco mais de um ano para as eleições presidenciais, embute o viés gerado pelo perfil presidencial, traduzido na observação de que o governo Dilma se caracteriza pôr uma visão técnico-gerencial, diferente da era Lula, com sua feição populista.

A índole técnica da presidente carimba, portanto, o modus operandi da administração, a confirmar o axioma de George Buffon, ao ser admitido na Academia de Ciências da França, de que o estilo é o próprio homem. A inapetência da presidente para lidar com políticos é consensual, condição justificada por um perfil afinado com a gestão e ds princípios dela decorrentes, como planejamento, cronogramas, fluxogramas, eficiência, eficácia, racionalidade, custo/benefício, produtividade, economicidade, etc. A dificuldade de administrar a frente política é maior quando se sabe que as práticas dos representantes se inspiram no festejado axioma franciscano "é dando que se recebe". Seria esse, então, o ponto de estrangulamento do governo Dilma.

Para uma reflexão mais precisa apliquemos o modelo que Carlos Matus chama de Planejamento Estratégico Situacional. O cientista chileno faz o balanço dos governos sob o manejo de três cinturões: o político, o econômico e o dos problemas rotineiros. Os impactos positivos e negativos de cada um se cruzam, atribuindo, ao final, a nota dos ciclos governativos. Tais cinturões estão frouxos, ajustados ou apertados no corpo da atual administração? Vejamos.

A gestão política, lembra Matus, não diz respeito apenas às formas de articulação com os políticos. Abrange fatores referentes à qualidade da democracia, aspectos como respeito aos direitos humanos, descentralização do poder, apego à ética, transparência, distribuição de renda, etc. Na banda negativa : do balanço político contabilizam-se situações como estilo autoritário, "democratismo" populista, permissividade para a corrupção, incúria administrativa, etc. Sob a ressalva de que não se usam aqui critérios rigorosos para analisar cada variável do cinturão político, é possível indicar algumas ênfases nestes 988 dias do governo Dilma.

Ei-las: o resgate da memória das vítimas da ditadura, tarefa hoje a cargo das Comissões da Verdade; a defesa do ideário da liberdade de expressão, bandeira que emerge diante da postura do governo de não ceder às pressões de parcelas do PT para patrocinar projeto de controle dos meios de comunicação; abrangente programa de distribuição de renda, responsável pelo alargamento do meio da pirâmide social; incentivo aos movimentos populares, que merece aplausos por alargar os caminhos da cidadania e promover a participação social no processo político, e também apupos, por servir de carona ao utilitarismo ideológico; fortes traços neopeleguistas presentes nos dutos que ligam centrais sindicais aos cofres do Estado. Ressalta-se, também, a faxina promovida no início do governo, que depois veio a mostrar-se capenga, haja vista a caudalosa corrente de recursos públicos que inundou os pântanos de ONGs, desvios que culminaram, nos últimos dias, com o esquema de fraudes no Ministério do Trabalho.

Ainda na configuração política, registra-se a continuidade do pendor legiferante do Executivo, caracterizado pela multiplicação de medidas provisórias, ao lado da precária articulação com a esfera política, fator constante de atritos com o Poder Legislativo.

No cordão econômico, as estratégias orientam-se para a preservação dos índices de emprego e da inflação, bem como para o equilíbrio da balança do comércio exterior, sofregamente assegurado pela frente do agronegócio. No centro do debate, o foco aponta para o pífio resultado na planilha do crescimento econômico, eixo nevrálgico do ciclo dilmista, a par de uma carga tributária que beira os 37% do produto interno bmto (PIB).

O terceiro cinturão, no qual se localizam os buracos dos problemas cotidianos - particularmente nos setores de saúde, educação, mobilidade urbana, segurança, moradia, saneamento básico -, é o responsável pela satisfação e/ou indignação das pessoas. Os serviços públicos funcionam como um termômetro a medir a temperatura social, como se pode aduzir dos movimentos que enchem as ruas do País desde junho passado. Não por acaso o governo se esforça para arrumar um símbolo, um fator de diferenciação, um projeto que venha somar-se à força do Bolsa Família. O programa Mais Médicos, por exemplo, entraria nessa formatação e seus resultados começariam a jorrar nas margens eleitorais de 2014. Positivo, ajudaria a consolidar a posição da candidata à reeleição; negativo, teria efeito catastrófico sobre sua imagem.

A agenda cotidiana continuará plena de cronogramas e contratempos. À promessa de que obras em curso serão entregues se contrapõe a desconfiança de que os eventos da Copa Mundial enfrentarão estrangulamentos na frente da logística.

Em suma, juntando os fatores alto emprego e baixa inflação (cinto econômico) com uma dor de cabeça apenas suave (cinto da agenda cotidiana), o governo ganharia fôlego para fazer a travessia. E a presidente evitaria a borrasca. A recíproca é verdadeira.

*Jornalista, professor titular da USP

Fonte: O Estado de S. Paulo

Unha encravada - Ferreira Gullar

O problema são as normas, seja do banco, seja do INSS, seja do Ministério da Fazenda, seja do inferno

Finda, em 1945, a Segunda Guerra Mundial, o mundo passou a viver sob a ameaça de guerra nuclear. Foram anos terríveis, que levaram muita gente ao pânico, a ponto de construir abrigos antiatômicos, providos de alimentos para tentar sobreviver a uma possível hecatombe atômica.

Felizmente, a guerra nuclear não houve. De fato, dificilmente haveria, uma vez que os dois lados em conflito possuíam bombas e foguetes suficientes para se liquidarem mutuamente. Terminaram por instalar, em Washington e Moscou, telefones que lhes permitiriam evitar o desastre.

O fim do sistema comunista pôs termo à histeria nuclear. Só quem viveu aqueles anos pode avaliar o quanto é bom livrar-se de semelhante pesadelo. E pode dizer a quem não o viveu: você é feliz, cara, e não sabe!

É verdade. Sucede que o homem é um bicho especial, particularmente porque o que lhe interessa é ser feliz agora. Se a vida poderia ser pior --como naqueles anos-- pouco importa. Importam mesmo as aporrinhações de agora. A ameaça nuclear se foi, mas ficaram outros problemas, menos assustadores, mas, ainda assim, chatos para cacete.

Um deles é a burocracia. E você dirá: não dá para comparar uma coisa com a outra. Tem razão, mas que a unha encravada dói, dói. Claro, é melhor ter unha encravada do que câncer no estômago, mas bom mesmo é não ter nem uma coisa nem outra. Noutras palavras: a ameaça nuclear era terrível, mas passou, e a burocracia, não; pelo contrário, nos aporrinha cada dia mais.

Não estou querendo dar uma de terrorista, mas às vezes me pergunto aonde vai chegar a burocracia que silenciosamente continua se infiltrando e tomando conta de todos os setores de nossa vida.

Você vai achar que eu exagero, mas a gente só se dá conta do problema quando se vê anulado por ele.

Um pequeno exemplo foi o que ocorreu comigo no banco onde recebia minha aposentadoria. Ia lá todo mês, apresentava meu cartão de aposentado, a carteira de identidade e recebia o dinheiro.

A senhora que me atendia já sorria para mim quando eu chegava ao guichê, reconhecendo-me. Mas eis que um dia esqueci a carteira de identidade e essa mesma funcionária não me pagou a aposentadoria.

Argumentei: mas a senhora me conhece, recebo esse pagamento de suas mãos todos os meses. E ela: "Sim, claro, mas mediante a apresentação de sua carteira de identidade; sem ela, de acordo com as normas do banco, não posso pagar". E não pagou.

O problema são as normas, seja do banco, seja do INSS, seja do Ministério da Fazenda, seja do inferno. Quando me chega uma carta de qualquer dessas entidades, entro em pânico: é aporrinhação na certa.

A burocracia emperra nossa vida e a própria vida do país. Outro dia, vi na televisão uma reportagem que mostrava toda uma rede de turbinas tipo cata-ventos instaladas no Nordeste para a geração de energia eólica. Dezenas de turbinas espalhadas por milhares de quilômetros, que custaram uma fortuna e não produzem energia nenhuma. Sabem por quê? As linhas de transmissão não foram construídas porque o processo burocrático, que autorizaria sua instalação, nunca chega ao fim.

Enquanto isso, grande parte da energia que consumimos está sendo produzida por geradores movidos por óleo e carvão, que são caros e altamente poluidores. A produção de energia limpa, essa a burocracia inviabiliza.

Não sei se você se lembra do ministro Hélio Beltrão, que foi nomeado com o objetivo de desburocratizar o Brasil. Criou-se o Ministério da Desburocratização, faz mais de 30 anos. Eu, como sempre, otimista que sou, vibrei. Pois bem, esse ministério não existe mais e, em vez da desburocratização do Estado brasileiro, o que aconteceu foi exatamente o contrário: nada mais burocrático no Brasil do que o nosso serviço público.

Outro dia soube de mais uma: um pequeno produtor de cinema conseguiu aprovar pela Lei Rouanet o projeto para um filme, mas antes de terminá-lo, achou que era melhor mudar-lhe o nome.

Quem disse que pôde? A resposta dos burocratas foi a seguinte: se trocar o nome do filme, perde o financiamento, vai ter que entrar com outro pedido que será aprovado ou não. Como tinha levado quase um ano para conseguir a aprovação do tal projeto, desistiu de mudar o nome do filme.

Fonte: Folha de S. Paulo

O juiz e a sociedade - Merval Pereira

Ao chamar a atenção de seus colegas na reunião de quinta-feira sobre a provável reação das ruas a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que indiquem retrocesso no sistema jurídico, o ministro Marco Aurélio Mello levantou uma questão que é sempre debatida entre os juizes: até que ponto a sociedade deve ter repercussão nas decisões dos tribunais, especialmente do Supremo, última instância da Justiça?

Marco Aurélio lamentou que o tribunal que sinalizara "uma correção de rumos visando a um Brasil melhor para nossos bisnetos", estivesse "a um passo de desmerecer a confiança que nos foi confiada" Irônico, disse que já não falava em esperança de dias melhores para os filhos e netos.

O comentário suscitou declaração do ministro Luís Roberto Barroso que não se coaduna com o que afirmara em seu discurso de posse no STF. Nele, Barroso disse considerar um ""bom símbolo" a juventude e o povo nas ruas cobrando melhorias para o país. Definiu o movimento social "como algo positivo (...) essa manifestação pacífica, energia criativa e construtiva que está vindo das ruas, da sociedade brasileira, certamente fará muito bem a esta população"

E o que disse Barroso na quinta-feira? "Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas. Sou um juiz constitucional, me pauto pelo que acho correto (...). Se a decisão for contra a opinião pública é porque este é o papel de uma Corte constitucional"

O tema já havia sido abordado pelo presidente do STF, Joaquim Barbosa, em sua posse, quando afirmou que os magistrados devem levar em conta as expectativas da sociedade em relação à Justiça e que não há mais espaço para o juiz "isolado"

Barroso certamente não ignora o que fez o povo sair às ruas para pedir o fim da corrupção, que é o cerne do que se discute nesse momento. Portanto, quando diz não estar à cata de "manchetes favoráveis" mas sim de fazer o que acha certo, está desprezando, com visão personalista, a opinião pública e a imprensa, que a expressa em regimes democráticos. Não é um bom sinal, nem mesmo combina com a imagem de humanista com que sempre foi reconhecido.

E, sobretudo, vai de encontro a textos dele, como o que se segue, de 2008, sobre "a opinião pública"

"O poder de juizes e tribunais, como todo poder político em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Embora tal assertiva seja razoavelmente óbvia, do ponto de vista da teoria democrática, a verdade é que a percepção concreta desse fenômeno é relativamente recente. O distanciamento em relação ao cidadão comum, à opinião pública e aos meios de comunicação fazia parte da auto compreensão do Judiciário e era tido como virtude. O quadro, hoje, é totalmente diverso"

"De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associada à sua capacidade de corresponder ao sentimento social. Cortes constitucionais, como os tribunais em geral, não podem prescindir do respeito, da adesão e da aceitação da sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Se os tribunais interpretarem a Constituição em termos que divirjam significativamente do sentimento social, a sociedade encontrará mecanismos de transmitir suas objeções e, no limite, resistirá ao cumprimento da decisão"

"A relação entre órgãos judiciais e a opinião pública envolve complexidades e sutilezas. De um lado, a atuação dos tribunais, em geral — e no controle de cons-titudonalidade das leis, em particular —, é reconhecida (...) como um mecanismo relevante de contenção das paixões passageiras da vontade popular. De outra parte, a ingerência do Judiciário, em linha oposta à das maiorias políticas, enfrenta, desde sempre, questionamentos quanto à sua legitimidade democrática" "Nesse ambiente, é possível estabelecer uma correlação entre Judiciário e opinião pública e afirmar que, quando haja desencontro de posições, a tendência é no sentido de o Judiciário se alinhar ao sentimento social"(...)

Os pontos chave

1. O ministro Luís Roberto Barroso certamente não ignora o que fez o povo sair às ruas para pedir o fim da corrupção, que é o cerne do que se discute nesse momento.

2. "De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associada à sua capacidade de corresponderão sentimento social" escreveu Barroso em 2008

3. "Nesse ambiente, é possível estabelecer uma correlação entre Judiciário e opinião pública e afirmar que, quando haja desencontro de posições, a tendência é no sentido de o Judiciário se alinhar ao sentimento social" (...)

Fonte: O Globo

Teorias evolutivas - Igor Gielow

Dando sequência à semana das artes divinatórias aplicadas ao Supremo Tribunal Federal, muito será dito até quarta-feira sobre o voto do decano Celso de Mello que ditará o futuro do interminável julgamento do mensalão.

Até aqui, sábios de várias correntes apontam que ele não mudará sua posição favorável aos tais embargos infringentes, jargão para novo julgamento em caso de o réu condenado ter recebido quatro votos a seu favor.

O recurso é anacrônico, como apontou Rosa Weber no curioso voto em que o aceitou. E traz uma contradição sistêmica, como bem lembrou Cármen Lúcia. Mesmo Celso de Mello envergou a típica fleuma tatuiense ao ser perguntado sobre a possibilidade de ter evoluído sua opinião. "Acho que não", seguido por um "será que evoluí?".

Essas idiossincrasias são típicas do STF, uma verdadeira Galápagos com 11 ilhas --possui 18 maiores o arquipélago onde Charles Darwin teve o "insight" da evolução por seleção natural, ao observar que havia diferenças adaptativas entre espécies supostamente iguais em variadas ínsulas próximas geograficamente.

O mesmo ocorre na nossa corte suprema, que ainda agrega pitadas das teorias de "Pokémon". Como se sabe, na animação japonesa os bichinhos sobem a escala das espécies por suas qualidades, mas também por saltos evolutivos exóticos e abruptos, como o uso de pedras mágicas.

Toda essa diversidade nos leva ao questionamento feito por Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes na primorosa dobradinha da sessão de quinta-feira, quando perguntaram se o STF ainda era o mesmo que duramente punira os mensaleiros.

Era pura retórica, prontamente encarapuçada por Luís Roberto Barroso. Claro que mudou, e é provável que a nova composição alivie para os réus se houver novo julgamento. Continuarão mensaleiros e corruptos, mas talvez não mais quadrilheiros. Não deixa de ser uma evolução.

Fonte: Folha de S. Paulo

Planalto das lamentações - Denise Rothenburg

A semana promete. Além do último capítulo dessa etapa do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal, há vetos em pauta, para desespero do governo. E, sabe como é, os partidos aliados não perdem a chance de fazer aquela fezinha junto à presidente Dilma Rousseff nesses momentos de suspense. O PMDB vai ver se consegue marcar para esses dias a reunião com Dilma para tratar dos palanques estaduais, a maior preocupação do partido hoje. De quebra, ao lado do PT, fará coro pela saída de Fernando Bezerra Coelho do Ministério da Integração Nacional.

Dilma acenou com a possibilidade de reforma ministerial em dezembro, ou seja, daqui a dois meses e meio, mas petistas e uma parcela dos peemedebistas não suportam mais o incômodo de ter no governo um ministro com outro candidato a presidente, que não seja a chapa Dilma-Michel Temer. Chegam ao ponto de dizer nos bastidores que Fernando Bezerra Coelho trabalha para Eduardo Campos e que a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (Codevasf) é hoje celeiro do PSB, assim como o próprio ministério. No Nordeste, por exemplo, baianos reclamam que o governo do estado, onde o PT comanda, está praticamente alijado dos convênios, feitos diretamente com as prefeituras.

Um dos propulsores das reclamações nesse momento é o prazo de filiação partidária para candidatos às eleições do ano que vem, que termina em menos de 20 dias. Houve lá atrás algumas especulações de que Fernando Bezerra Coelho iria para o PT. Assim, no momento em que petistas e peemedebistas fazem chegar à presidente esse desconforto, tentam, literalmente nas entrelinhas, ver se o ministro toma alguma atitude no sentido de ficar com Dilma. Ocorre que Fernando Bezerra Coelho é ligado a Eduardo e não pretende "mudar de lado". Ou seja, está no governo enquanto a presidente e seu partido assim desejarem.

Por falar em desejos...
Da mesma forma que a vontade de dar um tchau bem dado a Fernando Bezerra une PT e PMDB, os palanques estaduais afastam. São 13 estados em que os dois partidos apresentam, digamos, dificuldades de relacionamento. No caso do Rio Grande do Sul, é incompatibilidade mesmo. No Paraná, o senador Roberto Requião, do PMDB, deve concorrer novamente ao comando do estado contra o governador Beto Richa, do PSDB, e a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, do PT. No Mato Grosso do Sul, o senador Delcídio Amaral, do PT, é pré-candidato a governador e o PMDB terá um nome, seja Nelsinho Trad seja Simone Tebet, que hoje ocupam espaço político de seus pais, respectivamente, Nelson Trad, que foi deputado federal, e Ramez Tebet, que foi senador.

No Rio de Janeiro, apesar de todos os pedidos do PMDB, a situação não mudou uma vírgula desde o início de julho. Naquele período, a cúpula dos dois partidos se reuniu para conversar sobre os palanques. O PMDB elencou suas prioridades, o PT disse que ia ver, mas, até agora, nada. Os peemedebistas percebem que o tempo está passando, os pré-candidatos a governador correndo léguas mundo afora.

Em política, há um ditado que diz que "quando fato (ou candidatura) cria perna, ninguém segura". Na avaliação do PMDB, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) está em pré-campanha aberta numa posição cada vez mais difícil de reverter. Daí, a vontade dos peemedebistas de conversar logo com a presidente Dilma e acertar os ponteiros.

Os partidos e alguns pré-candidatos cobram essa conversa com a presidente a fim de sentir o terreno antes de terminado o prazo de filiação partidária. Se alguém perceber que não tem grandes perspectivas de futuro ao lado do PT, muitos vão buscar outras praças para realizar os desejos eleitorais. Afinal, chegou a hora da verdade, seja para o processo do mensalão, seja para quem deseja concorrer às eleições do ano que vem. E, pode ter certeza, leitor, toda e qualquer reclamação vai desaguar mesmo é no Palácio do Planalto, um edifício em que, como dizem os políticos, todos entram com problemas e esperam soluções. Faz parte.

A base governista está indócil em relação aos palanques estaduais. Esta semana, os partidos tentarão levar o assunto à presidente Dilma para que ela interceda junto ao PT e ainda despache logo do governo quem não apoia a reeleição

Fonte: Correio Braziliense

O principal está garantido - João Bosco Rabello

Até quarta-feira só uma catástrofe não imaginada - e nem desejada - teria força para se impor ao suspense sobre o voto do ministro Celso de Melo, que decidirá pelo encerramento ou prorrogação do julgamento do mensalão. No melhor estilo novelesco, o tribunal reservou para a reta final seu mistério maior - em que regime o ex-ministro José Dirceu e cia cumprirão suas penas.

Em regime semiaberto ou fechado, porém, o efeito principal do julgamento está garantido na irreversibilidade da condenação à cadeia, que resume a admissibilidade do crime político, o desvio de dinheiro público e o rompimento com a impunidade secular no Brasil, com raízes numa cultura de privilégios - da qual o foro especial, por ironia, é filho legítimo.

O regime fechado, que para alguns ministros é sentença excessiva, para outros é exemplar, por teoricamente desencorajar novas iniciativas de corrupção. E mesmo essa perspectiva parece insuficiente para inibir novos atos criminosos como indicam as denúncias contra o Ministério do Trabalho. O PT está sendo condenado, mas o PDT, a metros do prédio do STF, desvia mais de R$ 400 milhões.

E um de seus deputados, Paulinho da Força, monta um novo partido com fraudes no número de assinaturas exigidas para o registro, alcançado com a apropriação de cadastros de sindicatos. Os sindicatos que estão presentes nas falcatruas do Ministério do Trabalho e, sabe-se agora, também na formação do PSOL, que reproduz o figurino de vestal do PT de outrora, mas cuja máscara começa a cair em menos tempo do que a de sua matriz inspiradora.

A presidente do diretório do PSOL do Rio, Janira Rocha, admitiu desvio de dinheiro do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde, Trabalho e Previdência Social para custear sua candidatura e a própria construção do partido.

O PSOL reagiu como o PT, com a naturalidade de quem não deve explicações, possivelmente por concordar com a desculpa de Janira; "Tem roubo? Não tem roubo. Mas quem tá de fora não entende. Ninguém ficou com dinheiro, foi para ação política. Ou acham que fundar o PSOL foi barato?"

Nada mais representativo do pensamento da esquerda brasileira, de que desvio de dinheiro público tem licença ideológica: se for para a causa em que acreditam, é nobre. Fora disso, é crime dos "conservadores elitistas".

É o que repete o conteúdo da recente entrevista do ex-ministro José Dirceu, atribuindo sua condenação a uma perseguição da elite que jamais aceitou Lula. Acusação recorrente, que elege culpados para seus atos, indiferente ao fato de que Lula governou muito bem com essa mesma elite - parte dela vivendo o governo Dilma com indisfarçável nostalgia.

"Não se faz piquenique em beira de vulcão"
Ex-deputado Ulysses Guimarães
FRASE LEMBRADA MO CONGRESSO PARA MOMENTO DO STF

Vice dos sonhos
O PT sonha com o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues para vice de Alexandre Padilha em São Paulo. Acha que, aliado ao agronegócio, o ministro seria imbatível

Só um
A ala independente do PDT cogitou ir para a Rede, mas só o deputado Antonio Reguffe (DF) vai. O senador Pedro Taques desistiu porque concorre a governador em Mato Grosso, reduto do agronegócio.

Intervenção
Pelo palanque para Dilma, o PMDB pode intervir no Tocantins. O deputado Júnior Coimbra namora com o PSDB, A cúpula quer o ex-governador Marcelo Miranda.

Fonte: O Estado de S. Paulo