sábado, 22 de junho de 2013

OPINIÃO DO DIA – Roberto Freire: vaia das ruas

Por mais que a propaganda oficial, tão afeita ao ludíbrio da sociedade, tente minimizar o impacto da onda de protestos que tomou conta do Brasil, é evidente que se trata de mais um sinal do esgotamento de um ciclo de poder cujo legado ao país é institucionalmente precário e moralmente indecoroso.

A permanente afronta ao Legislativo, ao Judiciário e à imprensa independente, a cooptação de parlamentares escancarada pelo mensalão, a fisiologia na ocupação de cargos públicos, a corrupção simbolizada por dinheiro na cueca, o uso desenfreado da máquina com fins meramente eleitorais e um completo descompromisso com a liturgia republicana são algumas das marcas deixadas nesses dez anos de governos do PT.

É contra tudo isso que o povo vai às ruas, formando um coro uníssono de milhões de vozes, com diversas causas pelas quais lutar, mas um sentimento comum de indignação que estava represado. A vaia, enfim, tomou conta do país.

Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS, In “A estrondosa vaia que tomou as ruas do país”, Brasil Econômico, 21/6/2013
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Manchetes de alguns dos principais jornais

O GLOBO
Dilma propõe pacto político e chama líderes de protestos
Beltrame: Exército pode ser usado

FOLHA DE S. PAULO
Dilma promete ouvir 'voz das ruas' e coibir 'arruaça'
Manifestantes da av. Paulista apoiam Barbosa e democracia
Principais acessos a aeroportos em SP são bloqueados
Após anunciar fim de atos, Passe Livre volta atrás
O problema é do Brasil, não da Fifa, diz Jérôme Valcke

O ESTADO DE S. PAULO
Dilma diz que ‘não transigirá’ com violência e quer pacto com Estados
MPL encerra protestos após detectar 'infiltrados' nos atos
Criação de emprego tem o pior maio em 21 anos
Para Fifa, jogo de hoje será teste

ESTADO DE MINAS
O Brasil precisa de respostas
Nossa História: Em 1977, a primeira grande mobilização jovem de BH
Inflação em 12 meses supera teto da meta

O TEMPO (MG)
BH espera milhares ocupando as ruas hoje na maior manifestação até agora
Para governador de MG, atos “acendem alerta”
Durante pronunciamento, Dilma apoia protestos, condena violência e propõe pacto

CORREIO BRAZILIENSE
Dilma repudia arruaça e pede diálogo nacional
Em busca de novos rumos
Segurança: Copa está garantida, mas há alternativas
Câmbio: Dólar recua, mas mercado segue tenso

GAZETA DO POVO (PR)
Praça de guerra
Para acalmar país, Dilma pede paz e faz promessas
A força das ruas e a semana que deixou o país perplexo
Juventude nas ruas

ZERO HORA (RS)
Dilma fala ao País "Não vamos transigir com a violência e a arruaça"
Economia em xeque: O desafio da confiança

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
“Não vou transigir com a arruaça”
Pãozinho deve sofrer reajuste

O que pensa a mídia - editoriais de alguns dos principais jornais

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Nenhum partido vai ganhar com protestos, afirma FHC

Cassiano Elek Machado

SÃO PAULO - A trilha sonora na sala do apartamento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no final da tarde de quinta-feira, era composta por sirenes de carros e pelo barulho dos helicópteros que passavam a caminho dos protestos na avenida Paulista.

"As passeatas vão ser grandes?", perguntou à Folha. Aos 82 anos, completados na semana passada, o presidente está lançando o livro "Pensadores Que Inventaram o Brasil" (Companhia das Letras), sobre intelectuais que elaboraram grandes teorias sobre o país. Mas ele diz que nenhum teórico do passado poderia entender o que acontece hoje nas ruas.

Mais do que isso, ele acredita que os políticos não têm condições de compreender a "insatisfação genérica" da população e nem de capitalizá-la. "Tenho dúvidas se os partidos vão ter capacidade de captar tudo isso e transformar ao menos sua mensagem", diz Cardoso. Leia a seguir trechos da entrevista.
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O sr. acaba de lançar um livro sobre intelectuais que fizeram grandes interpretações do Brasil. Como estes pensadores podem ajudar a entender o que está acontecendo no país?

Fernando Henrique Cardoso - Eles não entenderiam e nem poderiam entender. Vivíamos num mundo das classes organizadas, ou desorganizadas querendo se organizar. Estas são manifestações que não são expressões de camadas organizadas. A primeira manifestação disso que eu vi foi em Paris em 1968. E isso ainda sem a internet.

Qual a maior mudança?

Muda muito. Aquele era um movimento a favor da autonomia e da liberdade. Na França, em 1968, eles não tinham linguagem para expressar o sentimento que tinham. Ou era foice e martelo, ou bandeira negra, e cantavam a "Internacional Socialista", que diz "De pé, ó famintos da terra". Não tinha faminto nenhum ali. Mas a França tinha sindicatos, partidos, organização. Agora, com a internet, e com a fragmentação maior de classes, é diferente. O comando é quase inexistente, vai se formar na rua. As demandas são muitas, o pretexto pode ser qualquer um. Esta situação me lembra um ensaio meu dos anos 1970 chamado "A teoria do curto-circuito".

Vivemos um curto-circuito?

Sim. O preço de ônibus foi um estopim. Ali está desencapado um fio. Mas aí pega fogo em outros. Não foi a classe dominada. Foram os jovens. São eles que estão gritando aí. Não foram os que não podem pagar. Estão gritando contra a injustiça em geral, vagamente. Juntam tudo: PEC 37, a corrupção, o custo dos estádios, dos transporte.

Qual o papel dos últimos governos nisso?

Nesses últimos anos, com a ascensão do Lula, o que ele propôs como ideologia? Vamos consumir o que é bom. Não é por que eu uso um macacão que não posso ter um automóvel. Criou um estilo de crescimento que é o oposto da China. Lá fazem poupança e investem. Aqui, consome-se sem investir. A rua está dizendo: não basta o consumo, quero mais. Não há razão objetiva. Não tem desemprego, ditadura ou opressão. Não é mundo árabe, Espanha ou Itália.

A Espanha e a Itália estão vivendo uma grande crise de representação política...

Aqui também. As pessoas não identificam nas instituições os canais que as levem ao que eles querem. Nenhum destes movimentos recentes gerou novas institucionalidades. O apelo do movimento aqui não é a ninguém. No mundo árabe querem derrubar o governo. Aqui não.

Vivemos algo próximo do que passou nas periferias de Paris em 2005?

Lá teve segregação racial e religiosa. Aqui não é isso. Quem está na rua não é a periferia. Aqui está todo mundo na rua. Não são sindicatos, não são grupos de trabalhadores organizados. Há uma insatisfação genérica.

Por que a insatisfação?

Porque a vida é pesada nas grandes cidades. Há sofrimento com o transporte, a poluição, a segurança. São problemas que afetam a todas as classes. O pobre leva duas horas no ônibus sofrendo. O rico fica irritado porque fica uma hora no carro. O rico está cercado de guardas. O pobre não tem guarda nenhum, mas os dois estão com medo.

Os governos recentes agravaram muito isso ao estimularem o consumo de carro. E deixaram a bomba na mão dos prefeitos. Mais carro e crédito. Talvez tenha aí também o começo da inflação e do esgotamento do crédito, agindo por baixo disso tudo. Mas o foco é um mal estar inespecífico. Não acho que qualquer partido possa, deva ou consiga capitalizar o movimento.

O sr. acredita que este movimento vai mudar a maneira de fazer política?

Alguma mudança ocasiona, mas não sei se os partidos vão ter capilaridade para sentir tudo isso e transformar ao menos sua mensagem e a ligação com fenômenos como as mídias sociais.

O sr. mencionou em entrevista recente que tinha dúvidas se as interações em mídias sociais poderiam ser concretizadas em ações políticas. Como avalia isso agora?

Não estamos vendo ações propriamente políticas. O grande teórico disso é o sociólogo espanhol Manuel Castells. Diz que a conexão entre redes e vida institucional não se processou, e ele tem dúvidas se vai se processar. Nenhum partido no Brasil tem ligação com isso. Os manifestantes não se sentem representados pelos partidos e nem sei se querem.

Como o sr. viu a imagem do Fernando Haddad junto com Geraldo Alckmin?

Acho compreensível. São símbolos do que está aí. É como a vaia da Dilma.

Lula também foi vaiado na abertura dos Jogos Pan-Americanos...

Mas foi diferente. No caso da Dilma, o que surpreende não é a vaia, mas a duração dela. Ao citar nome de autoridade em estádio é normal que haja vaia. Mas vaiaram muito tempo. Não sei se é contra a Dilma, em si, mas é contra o que está aí.

Há um desencantamento?

Sim. As pessoas melhoraram de vida, mas o governo é tão propagandista de uma maravilha virtual que há desencantamento. Este governo é tão favorável à propaganda que todos os nomes de programas de governo são "marketagem": "Minha Casa, Minha Vida", "Minha Casa Melhor". Criaram uma camada virtual de bem-estar que agora o pessoal questiona. Não sei se há desencantamento, mas há um descolamento. O dia a dia é mais duro do que o que o governo diz. Não há desemprego, mas não houve melhoria na qualidade do emprego, então a renda, mesmo com as melhorias, é pequena, insuficiente para fazer frente ao consumismo propagado. Por isso as pessoas entram no crédito. O governo está dando mais crédito, mais crédito, e endividando os bancos públicos. O que foi correto na crise virou política permanente.

E a crise de crédito vai estourar antes ou depois da eleição de 2014?

Quem sabe. Quem sabe...

Alguns cientistas políticos defendem que quando a oposição é fraca a saída é ir para as ruas. O sr. concorda que há um vazio na oposição?

Não há vazio. Basta assistir a TV Senado. A oposição é violenta o tempo todo. Só que morre ali. Não passa para a sociedade, não tem eco. Houve uma "parlamentarização" da vida política. Além disso, o governo fechou o debate. A Lei da Reforma do Petróleo não foi discutida por ninguém. A Dilma mudou a Lei da Mineração e ninguém sabe disso. E como este Congresso ficou fechado em si mesmo não temos mais regime de coalização. Agora é República Velha: governo e oposição. Não foi a oposição que diminuiu, foi tudo junto. A rua, nisso, pode ser que tenha ganho.

Mas existe uma possibilidade dos próprios partidos se reinventarem ou surgirão novos atores?

Espero que se reinventem. Mas os partidos precisam reestabelecer vínculos com a população. Para começar, têm de falar o que a população fala. Falei sobre drogas. Nenhum partido fala. Este é um tema real. O que são os temas reais? Um é o transporte. Outro é o direito do consumidor. Eu preferiria, talvez porque sou antigo, que existissem partidos capazes de captar e dialogar com estes problemas. Onde é que está o debate no Brasil? Na mídia, e só. E o governo ataca quem? A mídia.

E a mídia social cumpre um papel importante para o debate?

Para o debate, eu não sei. Para a mobilização, não tenho dúvida.

O sr. acompanha o Twitter, o Facebook e outras mídias sociais?

Twitter não. Facebook, um pouco. E alguns blogs. Não tenho tempo para acompanhar.

O sr. brinca em seu livro que desistiu de escrever o livro "Grande Indústria & Favela". Ao que pretende se dedicar agora?

Desde que saí da presidência publiquei seis livros em dez anos. Um deles, escrevi em inglês, o "The Accidental President of Brazil", que agora vou traduzir e lançar aqui no fim do ano. Mas o que ainda tenho de fazer? Ter, não tenho que fazer mais nada. Tenho 82 anos. Sendo generoso comigo mesmo terei mais cinco anos úteis. Depois, cansa. Anotei, quando estava na Presidência, quase todos os dias as coisas que achava. Tenho de deixar isso preparado para uma edição post-mortem. São umas 15 mil páginas. O único projeto que tenho no momento é este, que já retomei. Não penso em fazer outros livros.

Em seu livro recente, "Pensadores Que Inventaram o Brasil", o sr. trata de grandes retratos do Brasil. Por que não se faz mais interpretações gerais do país?

Como disse um rapaz que não conheço pessoalmente, o Marcos Nobre, este tipo de interpretação não cabe mais. Por trás destes livros, havia um projeto de nação. Estavam todos tentando ver como se fazia disso aqui uma nação. Hoje ninguém duvida: isto aqui é uma nação. Já não tem tanto uma obsessão sobre quem somos, por que somos. Nós somos. Estamos nas ruas, mas somos.

Já se sabe que no Brasil o Estado vai ser sempre importante, que o mercado vai ser sempre importante e que a sociedade civil é crescentemente importante. Já não tem dúvidas sobre quem será o propulsor.

Mas em um dos textos incluídos no livro o sr. fala que faz falta este tipo de livro panorâmico sobre o país...

Falei isso numa de 1993, há 20 anos. Até ali, ainda havia a ideia do projeto da nação. Era uma visão de um alguém iluminado que propõe a nação. Isso é antigo. O país já está aí e ninguém vai propor. Ele se faz e vai se fazendo. Não acho que seja cabível mais este tipo de grandes interpretações. A nação se diversificou muito e a universidade hoje estuda muito mais do que no passado muitas coisas.

O sr. está às vésperas de voltar a disputar uma eleição, depois de muito tempo. Vai concorrer na semana que vem a uma cadeira da Academia Brasileira de Letras. Por que o sr. decidiu concorrer?

Há muito tempo eu resistia aos convites. Primeiro porque não sou literato, até que me convenceram que a Academia não era só para escritores. Ainda assim não queria, para não politizar. Agora estou longe do poder há tanto tempo, e todo mundo sabe que não quero mais o poder, que resolvi aceitar concorrer.

O sr. vai participar hoje nas manifestações?

Não (risos). Talvez eu vá até a rua. Mas não dá mais para ir a manifestações. Seria mal interpretado imediatamente.

Fonte: Folha de S. Paulo

Dilma propõe pacto político e chama líderes de protestos

Presidente condena violência e avisa que não aceitará vandalismo

Diz que ouve a "voz democrática" das ruas por mudança e reforma política

Dilma defende também formas mais eficazes de combater corrupção

Duas semanas depois do início dos protestos, a presidente Dilma propôs um pacto de todas as esferas de governo para melhorar os serviços públicos no país. Num pronunciamento de dez minutos em rede de TV, disse que seu governo está ouvindo a voz das ruas e que o país precisa mudar. Propôs também profunda reforma política. A presidente disse que receberá os líderes de manifestações pacíficas, que fortalecem a democracia. Mas que o país não tolerará a truculência de uma minoria violenta e autoritária, que pratica arruaças e vandalismo. Ontem, os protestos continuaram. No Rio, criminosos aproveitaram manifestação de cerca de mil pessoas na Barra para saquear lojas. Shoppings do bairro fecharam as portas às 14h. Protestos fecharam o trânsito na Via Dutra em vários pontos e cercaram o Aeroporto de Guarulhos (SP).

O apelo de Dilma

Presidente propõe pacto, diz que receberá líderes do protesto, mas sem "transigir com violência e arruaça"

BRASÍLIA - Com o avanço da onda de protestos pelo país, a presidente Dilma Rousseff quebrou o silêncio e convocou cadeia nacional de rádio e televisão para dar apoio às manifestações pacíficas e condenar, com veemência, a violência. Dilma disse que o governo ouve as vozes das ruas, mas que vai agir com firmeza para manter a ordem e evitar o caos e a arruaça nas cidades brasileiras. Para tentar atender a principal reivindicação dos manifestantes, a presidente afirmou que vai se reunir com os dirigentes do Legislativo, com governadores e prefeitos, e com representantes do movimento pacífico para fazer um pacto de melhoria dos serviços públicos. Defendeu uma reforma política para "oxigenar o sistema político", combater a corrupção e valorizar os partidos políticos, que foram duramente atacados nas ruas.

- Irei conversar, nos próximos dias, com os chefes dos outros Poderes para somarmos esforços. Vou convidar os governadores e os prefeitos das principais cidades do país para um grande pacto em torno da melhoria dos serviços públicos - disse Dilma. - Vou receber os líderes das manifestações pacíficas, os representantes das organizações de jovens, das entidades sindicais, dos movimentos de trabalhadores, das associações populares. Precisamos de suas contribuições, reflexões e experiências, de sua energia e criatividade, de sua aposta no futuro e de sua capacidade de questionar erros do passado e do presente.
A presidente comentou a oportunidade de aproveitar "o vigor" das manifestações para produzir mais mudanças que beneficiem o conjunto da população brasileira.

- A minha geração lutou muito para que a voz das ruas fosse ouvida. Muitos foram perseguidos, torturados e morreram por isso. A voz das ruas precisa ser ouvida e respeitada. E ela não pode ser confundida com o barulho e a truculência de alguns arruaceiros - disse Dilma, salientando que não vai "transigir com a violência e a arruaça".

"Liberdade de questionar e criticar tudo"

Ela alertou que se a violência prosperar, o país perderá um oportunidade de fazer mais, de se tornar mais justo e aprimorar as instituições. Assumiu para si a obrigação de ouvir as reivindicações da população, mas dentro da lei e da ordem. Para ela, os manifestantes têm o direito de criticar e questionar, mas não podem destruir o patrimônio público e privado.

- Os manifestantes têm o direito e a liberdade de questionar e criticar tudo. De propor e exigir mudanças. De lutar por mais qualidade de vida. De defender com paixão suas ideias e propostas. Mas precisam fazer isso de forma pacífica e ordeira. O governo e a sociedade não podem aceitar que uma minoria violenta e autoritária destrua o patrimônio público e privado, ataque templos, incendeie carros, apedreje ônibus e tente levar o caos aos nossos centros urbanos.

A presidente destacou que as manifestações conseguiram abaixar o preço das passagens de ônibus e colocar a pauta de reivindicações do movimento no centro do debate nacional. Reconhecendo que a mensagem das ruas exige combate à corrupção e cobra qualidade na educação, na saúde, no transporte e na segurança, ela prometeu um plano nacional de mobilidade urbana, com atenção ao transporte e a destinação de 100% dos royalties do petróleo para educação, além da contratação de médicos estrangeiros para a rede pública.

Abordando todos os temas apresentados nos protestos, a presidente disse que as instituições precisam ser mais transparentes e eficientes no combate à corrupção, mas alertou dos riscos de uma democracia sem partidos políticos:

- Precisamos oxigenar o sistema político. Encontrar mecanismos que tornem nossas instituições mais transparentes, mais resistentes aos malfeitos e, acima de tudo, mais permeáveis à influência da sociedade. É a cidadania, e não o poder econômico, quem deve ser ouvido em primeiro lugar. Quero contribuir para a construção de ampla e profunda reforma política, que amplie a participação popular. É um equívoco achar que qualquer país possa prescindir de partidos e, sobretudo, do voto popular, base de qualquer processo democrático.

A presidente defendeu ainda a realização no país dos eventos esportivos, alvos dos protestos:

- O dinheiro do governo federal gasto com as arenas é fruto de financiamento que será devidamente pago pelas empresas e os governos que estão explorando estes estádios - disse.

O texto foi escrito a quatro mãos pelo marqueteiro João Santana e pelo ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Dilma sugeriu modificações.

Fonte: O Globo

Dilma: Um discurso necessário, mas que pouco acrescentou - Ricardo Noblat

Se não fosse pelo elogio ao caráter democrático das manifestações ainda em curso e a necessária e repetida condenação ao uso da violência, o discurso feito há pouco pela presidente Dilma Rousseff poderia, com alguns ajustes, ter sido pronunciado em qualquer outra ocasião. No Dia do Trabalho, por exemplo, no 7 de setembro, na passagem do ano.

Do discurso de 10 minutos não ficou nenhuma frase da qual as pessoas se lembrarão mais tarde. E nenhuma proposta da qual se possa dizer: "Está aí uma boa ideia".

Dilma falou em reforma política - seus antecessores também falaram. Nenhum fez.Acenou com 100% dos royalties do petróleo do pré-sal para a educação. Há mais de um ano que ela acena com essa proposta. E garantiu importar médicos estrangeiros, projeto acalentado pelo ministro da Saúde há meses.

Prometeu reunir-se com governadores e prefeitos para acertar uma fórmula de atender às principais reinvindicações da chamada "voz das ruas".

E anunciou sua disposição de receber os líderes das manifestações em audiências privadas. O difícil será identificá-los. Uma das marcas fortes dos atuais protestos é a ausência de líderes.

Era um pronunciamento necessário - e Dilma teve a sensibilidade de ceder às sugestões para fazê-lo.

Foi um pronunciamento que pouco acrescentou.

Na Barra, Rio de Janeiro, na região do Shopping Down Town, moradores foram surpreendidos por uma sonora vaia que irrompeu tão logo Dilma começou a discursar.

Alguns foram para janelas e sacadas interessados em saber o que se passava.

E de lá viram dezenas de seus vizinhos em janelas e sacadas vaiando, gritando "Fora, Dilma", apagando e acendendo as luzes de seus apartamentos. .

Um desses moradores teve o cuidado de gravar o que ouviu.

Fonte: O Globo

Protesto-ônibus - José Roberto Toledo

São Paulo está na vanguarda dos protestos. Foi o local da primeira manifestação, dos primeiros atos de vandalismo, do primeiro bombardeio da polícia, do recuo público dos governantes, do confronto entre os manifestantes e, agora, da tentativa de fazer os jovens voltarem da rua para o Facebook.

Mas depois que a pasta de dentes saiu do tubo é impossível colocá-la de volta. A decisão do Movimento Passe Livre de não convocar mais protestos é simbólica. E só. O efeito prático é quase nulo. O vácuo de lideranças já está sendo preenchido por inúmeras tentativas de apropriação do movimento - à direita e à esquerda, e, obviamente, pelos próprios políticos.

O protesto do ônibus virou um protesto-ônibus de reivindicações personalizadas. Mais do que difusas, são díspares. É o skinhead neofascista ameaçando a militante feminista. É o punk anarquista querendo invadir a sede do governo tucano enquanto o filho de pai rico quebra a sede da prefeitura petista. É o revoltado de casaco de couro mordendo bandeira vermelha na Avenida Paulista.

Daqui para frente, dois cenários são possíveis: o movimento sucumbe sob o peso das próprias contradições ou as marchas se dividem em rumos opostos e fins antagônicos - o que pode multiplicar a violência. No primeiro cenário, uns perdem mais que outros, mas não há nocaute. No segundo, tendem a ganhar as forças que conseguirem restituir a ordem.

São Paulo foi vanguarda também na segunda-feira quando o movimento tomou pelo menos três rumos diferentes, antecipando a falta de objetivos comuns. A diferença é que se os diversos braços dos protestos voltarem a se encontrar, não é provável que seja com a mesma harmonia demonstrada sobre aponte estaiada na noite de segunda. As diferenças aparecerão. No rastro dos passantes fica o ressentimento com o sistema partidário, o germe da ideia sedutora, mas perigosa, de democracia direta e os escombros de bens públicos - entre eles, a imagem dos políticos e a popularidade de governantes.

O PT deu um tiro no pé quando aquietou os movimentos sociais para não atrapalhar sua estada no poder. Perdeu capacidade de mobilização e o protagonismo nas ruas. "Onda vermelha", por ora, só em hashtag do Twitter de seus burocratas.

Não há mais unanimidades aparentes. As contradições da sociedade brasileira mais do que aparecer, começaram a se manifestar. Fica difícil para a presidente agradar a gregos e troianos ao mesmo tempo. As aspirações dos emergentes não são as mesmas dos que emergiram há décadas. O interesse de quem pegou o ônibus agora conflita com o de quem já estava sentado junto à janela. Dilma perdeu aprovação de cima para baixo na escala de renda. Terminou o flerte com a classe média estabelecida. E a separação é litigiosa.

O declive por onde escorrega a popularidade da presidente aumentou com os protestos. Como eles, vai das metrópoles para o interior. Está concentrado no centro, mas respinga na periferia. Ainda é incerto onde vai parar, qual o tamanho do bastião de sua resistência. Para sua sorte, Dilma tem capital para gastar.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Governistas e oposição cobram reação firme

Senadores e deputados exigem providências de Dilma

BRASÍLIA O imobilismo e a demora do governo em se manifestar sobre os protestos de rua levaram políticos governistas e de oposição a cobrarem desde as primeiras horas do dia uma reação mais efetiva da própria presidente Dilma Rousseff. Alguns aliados diziam, reservadamente, que o governo estava desorientado e deveria agir com firmeza para acalmar a população. Antes do pronunciamento da presidente na TV, em nome da oposição, o presidente do PSDB e presidenciável Aécio Neves (MG) cobrou que ela falasse à nação. Das tribunas do Senado e da Câmara, os poucos presentes cobraram providências.

O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), um aliado crítico do Planalto, falou de arrogância e cobrou compromissos com reformas verdadeiras:

- Os governos sempre têm um padrão de arrogância, e o governo Dilma não está diferente. O governo está desorientado e precisa tirar a cera do ouvido. Todo mundo se acha acima da discussão política, mas a população quer, sim, reforma tributária, porque acha que paga muito imposto, e não quer o loteamento de cargos. Ou o governo desperta para a necessidade da política em termos orgânicos, ou continua na prática do "é dando que se recebe".

No meio da tarde, Aécio cobrou, por nota: "Tendo em vista a dimensão alcançada pelos últimos eventos, o país continua aguardando a palavra da presidente da República aos brasileiros". O próprio tucano decidiu cancelar, em razão da crise, viagens para um roteiro de festas juninas mais tradicionais do Nordeste que havia programado para o fim de semana, quando encontraria o governador e também candidato à Presidência, Eduardo Campos (PSB).

Líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP) admitiu que não se conseguiu identificar ainda o estopim dos protestos:

- O que não consigo decifrar, e ninguém, é essa liga que ocorreu num dado momento.

- O movimento é legítimo, gigantesco, provoca impacto, e é preciso humildade e sensibilidade para ouvir as ruas. Nós ouvimos e agora vamos usar os meios de comunicação, dizer o que estamos fazendo - disse o líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), defendendo a fala de Dilma.

O ex-presidente do PT Ricardo Berzoini defendeu que o governo deve esclarecer o seu papel na preparação da Copa:

- O governo tem obras na área de mobilidade urbana. O problema é comunicação. Tem muita desinformação, é preciso esclarecer que muitos dos recursos para os eventos não são orçamentários, são financiamentos, e que os eventos trarão recursos para o país.

O senador Eunício Oliveira (CE), líder do PMDB, também deu seu recado à presidente:

- Temos que corrigir distorções. A presidente tem o que mostrar e tem sensibilidade para, se necessário, corrigir rumos.

Fonte: O Globo

MPL encerra protestos após detectar 'infiltrados' nos atos

Após conseguir revogar o aumento de R$ 0,20 das passagens de ônibus, trens e metrô em SP, o Movimento Passe Livre (MPL) anunciou que não convocará novas manifestações na capital. O motivo é a participação de skinheads e ativistas de causas consideradas conservadoras e não apoiadas pelo grupo, como criminalização do aborto e redução da maioridade penal.

MPL anuncia fim das convocações

Após realizar sete protestos nas ruas de São Paulo e obter a redução das tarifas de ônibus, trem e metrô de R$ 3,20 para R$ % o Movimento Passe Livre (MPL) suspendeu a convocação de manifestações na capital Os integrantes do grupo tomaram a decisão ontem. Ò motivo é a participação de ativistas de cansas não apoiadas pelo grupo, como a criminalização do aborto e a redução da maioridade penal.

De acordo com Nina Campello, integrante do MPL, o grupo não é contra a participação de partidos políticos em manifestações públicas nem pede que bandeiras de partidos sejam baixadas. "Somos apartidários (sem ligação direta com partidos), não antipartidários (contra a existência dos partidos)", afirmou.

Eles consideram que surgiram pessoas com objetivos conservadores, incompatíveis com o pensamento do Passe Livre, como representantes do neofascismo, especialmente na manifestação ocorrida anteontem na Avenida Paulista. O grupo, assim como os partidos políticos, foram obrigados a deixar a marcha que estava seguindo pela avenida por causa de ameaças de pessoas identificadas pelos integrantes dos partidos como integrantes de movimentos de ultra-direita - skinheads e carecas.

Com gritos a favor do Brasil e contra os partidos, esses grupos radicais acabaram tendo apoio da maior parte dos manifestantes que estavam ali, que não identificaram nas bandeiras políticas os grupos que apoiaram as reivindicações defendidas pelo MPL.

Futuro* Agora, segundo Rafael Siqueira, outro integrante do movimento, o MPL em São Paulo deverá suspender todas as convocações para decidir o futuro das reivindicações a respeito do transporte público - a reivindicação inicial do grupo, a redução da tarifa de transporte público, foi atendida - e urbanismo e como lidar com ativistas com objetivos contrários a seus ideais.

"A suspensão de novos atos não tem nada a ver com a participação de partidos", disse Siqueira. "A suspensão de novos atos é por dois motivos simples. A gente vai ter de analisar e fazer uma reflexão profunda com as pessoas que são aliadas da gente na luta contra o aumento, de que atitude tomar. Nada é feito por acaso. A segunda coisa é que muita gente da direita, com pautas que a gente discorda totalmente, estão se aproveitando dos atos", afirmou. "Desde os primeiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportunismo é tentar exclui-las da luta que construímos juntos", diz texto.

Legalidade» O próximo passo já definido pelo MPL é propor um projeto de lei de iniciativa popular para implementação do transporte público gratuito na cidade. O grupo deve passar a colher assinaturas e enviar o texto para a Câmara Municipal.

Além disso, estão marcados para o domingo três atos públicos que vão servir para explicar melhor o movimento para a sociedade e discutir formas de melhor organizar o transporte público na capital. Os atos vão ser realizados nas zonas sul, leste e oeste.

Fonte: O Estado de S. Paulo

Movimento suspende protestos, mas volta atrás

Passe Livre afirmou, pela manhã, que novos atos estavam suspensos

À noite, grupo divulgou nota dizendo que não foi bem interpretado e que os protestos vão continuar na cidade

Giba Bergamim Jr. Ana Krepp, Felipe Souza

SÃO PAULO - O MPL (Movimento Passe Livre) anunciou na manhã de ontem a suspensão, por tempo indeterminado, de novos atos na cidade de São Paulo depois da proliferação de protestos violentos pelo país.

No final da noite, entretanto, o movimento recuou e divulgou nota afirmando que os atos vão continuar na cidade.

Segundo Caio Martins, 19, um dos integrantes, as declarações dadas pelo grupo pela manhã não foram bem compreendidas. "Todo mundo publicou uma coisa num tom que não é isso. Você acha que vamos parar de fazer lutas? Não vamos", afirmou.

Segundo ele, o grupo vai agora planejar os novos atos, mas não há nada marcado.

"Protesto não é todo dia. Não temos data, mas uma hora vai acontecer. Acabamos de vencer, vamos vencer mais. Agora temos que formular o que vamos exigir."

Durante o primeiro anúncio, de interrupção dos atos, o Movimento Passe Livre afirmou que um dos motivos para a decisão foi a suposta "infiltração" de "grupos conservadores" nas manifestações.

O recuo foi decidido anteontem, depois que grupos "antipartido" hostilizaram manifestantes com bandeiras do PT, PSTU e PSOL durante um ato que serviria de "comemoração" pela redução da tarifa de transporte na capital.

Na noite de ontem, pouco antes da nova nota do MPL, movimentos sociais e partidos de esquerda começaram uma reunião para discutir a necessidade de apoio a novos atos que forem programados.

Redução

A escalada de protestos pelo país ganhou força a partir do último dia 6 em São Paulo, quando o Passe Livre levou 2.000 pessoas às ruas contra o aumento da passagem de R$ 3 para R$ 3,20.

Treze dias depois, já com a adesão dos protestos em pelo menos 12 Estados, São Paulo, Rio de Janeiro e outras seis capitais reduziram as tarifas.

As reduções foram anunciadas no dia 19, quando os protestos já reuniam 215 mil pessoas em todo o país. Anteontem, mais de 1 milhão de pessoas foram às ruas.

"Conquistamos a reivindicação e, no momento, não faremos mais protestos. Vamos agora discutir para conquistar nosso principal objetivo, que é a tarifa zero", disse pela manhã Erica de Oliveira, 22, integrante do MPL.

Desde a última segunda-feira, o grupo vinha mantendo diálogo com o prefeito Fernando Haddad (PT) e seus interlocutores para que a tarifa fosse reduzida.

No entanto, líderes do movimento e integrantes do governo negam qualquer acordo para encerrar as manifestações após a redução do valor das passagens de ônibus, trens e metrô, que voltarão a custar R$ 3 a partir da próxima segunda-feira.

Para secretários de Haddad, o Passe Livre optou pela suspensão também por causa do desgaste sofrido com a disseminação dos protestos violentos, que já causaram duas mortes --em Ribeirão Preto e Belém (PA).

Já o movimento diz que a violência só ocorreu onde houve repressão policial.

Erica admitiu que, embora o MPL tenha coletivos em outros Estados, as manifestações ultrapassaram a questão do transporte público e, com isso, não havia maneiras de controlar atos país afora.

Estados como Pará não contam com representantes do Passe Livre e mesmo assim houve protestos.

Rafael Siqueira, do Passe Livre, disse que houve invasão de grupos "neofascistas".

"Eles entraram nos últimos atos para defender propostas que não nos representam", afirma. Ele cita entre as causas que surgiram a redução da maioridade penal.

Fonte: Folha de S. Paulo

BH espera milhares ocupando as ruas hoje

Mais de 120 mil pessoas estão confirmadas no Facebook para o protesto até o Mineirão

Na última segunda-feira, 20 mil pessoas ocuparam as ruas de Belo Horizonte rumo ao estádio do Mineirão

Joana Suarez

Há duas semanas, se alguém falasse que 100 mil pessoas iriam sair pelas ruas da capital mineira para protestar, seria difícil acreditar. Agora, no sétimo dia de manifestações, pode-se dizer que “O Gigante Acordou! – Belo Horizonte”. Foi com esse nome que uma página do Facebook conseguiu a confirmação de 122.476 internautas – até as 20h30 de ontem – para participar da mobilização que tomou conta da população brasileira.

“Pelo nosso direito de reivindicar que tudo melhore, que tudo mude”, dizia o trecho do texto na internet para chamar o povo à manifestação.

A principal concentração será a partir das 10h, na praça Sete, no centro da capital. De lá, o grupo segue em direção à avenida Antônio Carlos até o estádio do Mineirão, na região da Pampulha, onde estará ocorrendo o jogo entre Japão e México, pela Copa das Confederações.

Foram vendidos cerca de 50 mil ingressos para a partida, mas a expectativa é que no estádio tenha menos gente que do lado de fora. Hoje, os manifestantes querem mostrar diversas bandeiras: redução das passagens de ônibus, queda dos índices de criminalidade, melhorias na saúde, investimentos na educação, fim da corrupção, solução para os baixos salários etc.

Iniciantes. As mais de 120 mil pessoas confirmadas representam 5% da população belo-horizontina. Muitos que não puderam ir aos protestos durante a semana vão estrear hoje sua vontade de reivindicar, seja pelo o que for. É o caso das arquitetas Carolina Sacco e Ana Cecília Moreno, que vinham acompanhando o movimento pelo Facebook. “Não tivemos como largar o trabalho para ir antes, mas vontade não faltou. Acho que (o protesto) ainda precisa ter um objetivo definido para não perder a força, mas essa união das pessoas já é superválida”, fala Ana Cecília.

Outros que já vêm participando dos últimos protestos foram além. Um grupo de designers vai estar hoje na praça da Liberdade a partir das 10h para “silkar” e estampar camisas para as manifestações. Já foram doadas 200 camisas para o ‘Movimento 20 cents’. “Estamos nos oferecendo para criar estampas com os dizeres dos protestos.

Queremos que seja um trabalho educativo, contra a violência e a depredação”, afirma uma das organizadoras do evento.

Nova Lima. Por volta do 12h, manifestantes prometem fechar a BR-040, na altura do bairro Jardim Canadá, em Nova Lima. Reivindicando a redução no preço da passagem de ônibus e melhorias na infraestrutura do bairro, o grupo deve se concentrar em frente ao posto Chefão, na altura do km 552.

Na Pampulha. Trabalhadores da rede estadual de educação e servidores estaduais da saúde também têm um protesto marcada para este sábado (22). A concentração dos manifestantes está prevista para começar às 11h, na porta da Igreja de São Francisco de Assis, na Pampulha. Segundo nota publicada no site do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), após a concentração, os manifestantes devem se juntar a outros protestos que acontecem na capital.

Segurança. Nas manifestações dos últimos dias e, principalmente, nas redes sociais, muitos falavam em romper os limites de segurança da Fifa no entorno do Mineirão e “testar” o trabalho de segurança da polícia, já que no protesto da última segunda-feira, que reuniu 20 mil pessoas, houve confrontos. O TEMPO fez uma cartilha orientando os manifestantes para que ocorra um evento pacífico.

Fonte: O Tempo (MG)

O Brasil precisa de respostas

- O pacto pela melhoria dos serviços públicos proposto por Dilma vai surtir efeito?

- A redução de R$ 0,10 nas passagens de ônibus acalmará os ânimos em Belo Horizonte?

- O Brasil corre o risco de a Fifa, em caso de novos distúrbios, tirar daqui a Copa?

- Devo deixar meu filho ir ao protesto que promete reunir milhares de pessoas hoje em BH?

- Terei segurança para ir e voltar do Mineirão esta tarde para o jogo México X Japão?

Depois das cenas de extrema violência da véspera o país acordou perplexo e mergulhado na incerteza. Há muitas dúvidas sobre que cenário prevalecerá hoje em BH, quando milhares de pessoas prometem marchar até o Mineirão, onde jogarão Japão e México. O governo do estado e a PM reafirmaram que não será permitido se aproximar do estádio e divulgaram os limites do protesto. Já a Fifa cobrou do governo segurança para as copas das Confederações e do Mundo.

Ontem, com menos gente nas ruas os protestos continuaram. O fechamento de rodovias no entorno da capital tumultuou o trânsito. No Rio, voltaram a chamar a atenção depredações e saques. Em pronunciamento a presidente Dilma repudiou a "minoria violenta e autoritária", garantiu que a ordem será mantida e propôs pacto com governadores e prefeitos por melhoria dos serviços públicos. Ela ainda defendeu a realização da Copa e pediu acolhida carinhosa aos estrangeiros.

Entre a mobilização, a tensão e a incerteza

Protestos se espalham pela Grande BH. Em Neves, policiais militares são baleados. Violência traz preocupação a famílias

Tiago de Holanda, Mateus Parreiras e Pedro Ferreira

Enquanto a onda de protestos deflagrada no início da semana se espalha, ganhando estradas e outros municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, o acirramento dos ânimos nas ruas, com depredações, ataques e incêndios, faz crescer o temor entre familiares de jovens que participam dos atos. No Centro da capital, ontem foi o dia de menor mobilização, mas houve protestos no Barreiro e em Venda Nova e três prisões. A maior tensão, porém, ocorreu na Grande BH, onde a sexta-feira foi de caos, com fechamento de pistas, como a da BR-040, em Ribeirão das Neves, e filas quilométricas. Em Neves também foram registradas as ocorrências mais graves até agora associadas às manifestações, com três policiais militares baleados durante confrontos, a depredação da Câmara Municipal e a destruição de viaturas policiais e de um ônibus, ao qual vândalos atearam fogo. Episódios como esses fazem muitas famílias temerem pela segurança de quem pretende voltar às ruas hoje.

Nas manifestações que tomam ruas de Belo Horizonte desde segunda-feira, é fácil encontrar famílias inteiras, com cartazes, bandeiras do Brasil e rostos pintados. Alguns jovens participam até mesmo estimulados pelos pais, que chegam a dar orientações sobre como agir diante de tumulto ou conflito com a polícia. Porém, depois dos repetidos casos de violência, muita gente teme pela segurança dos filhos nas ruas.

"Se meus pais soubessem que estou aqui...", dizia uma garota, na noite de segunda-feira, enquanto corria de um confronto entre policiais e manifestantes na Avenida Antônio Carlos, na Pampulha. "Se meu pai souber que eu estou aqui, ele me mata", exclamou outra, na noite de terça-feira, encostada às grades do Parque Municipal Américo Renné Giannetti, enquanto vândalos encapuzados depredavam o prédio da prefeitura, na Avenida Afonso Pena, Centro de BH.

É esse tipo de situação que impede a participação de jovens como Áurea Araújo, de 16 anos, estudante do 2º ano do ensino médio. "Eu quis ir na quarta-feira, mas meus pais não deixaram. Alguns amigos meus não foram pelo mesmo motivo", conta. "É muito importante participar desse movimento. Os jovens estão mostrando sua insatisfação. Mas tem gente querendo fazer confusão. Ficamos com medo", explica o pai dela, o contador Luciano Vieira, de 42. "A causa é nobre, mas o rumo que as coisas estão tomando é preocupante", reforça a mãe, a médica Enda Araújo, de 39. Ela teme também a ação de policiais. "A PM está despreparada para encarar o momento. É um absurdo usar bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha", considera.

Para convencer a mãe a deixá-la participar da manifestação de ontem, na Praça Sete, Centro de BH, Carolina Campos, de 16 anos, disse que iria em grupo, embora soubesse que estaria apenas com a amiga Cínthia Santos, da mesma idade. As duas são estudantes do 2º ano do ensino médio. "Muitos colegas não vieram porque os pais não deixaram", contou Cínthia. Em casa, ela diz ser incentivada a ir aos protestos, mas sob muitas recomendações.

Na década de 1970, a médica Lídia Tonon, de 58, lutou pela redemocratização do país. "Eu era do diretório acadêmico do curso de medicina da UFMG. Corri muito de polícia em 1977, respirei gás lacrimogêneo. Tive vários colegas presos", relata. A filha dela, a estudante de economia Giulia Tonon, de 18, foi à manifestação de quinta-feira e planeja participar da que está marcada para hoje, com concentração a partir das 10h, na Praça Sete. "Sinto orgulho não apenas dela, mas desses jovens. É importante que se politizem. A última vez que vi algo parecido foi em 1992, no Fora, Collor", diz Lídia.

Contra os excessos

Ontem, em BH, a maior preocupação dos manifestantes era tentar manter a ordem e impedir excessos. Não houve vandalismo, o que encorajou muita gente a participar do grande ato previsto para hoje, que pretende reunir 130 mil pessoas, segundo o Movimento Vem pra Rua. De acordo com um dos organizadores, o estudante Vander Miguel do Nascimento, de 26, muita gente deixou de participar ontem para se preparar para hoje.

A técnica em contabilidade Eunice Pimentel, de 43, levou a filha Carolina, de 14, para a Praça Sete e hoje pretende voltar. "Quero um país melhor para os meus filhos e netos. O vandalismo me assusta, mas em BH as pessoas estão contra qualquer ato de violência. Vou voltar com minha filha e meus outros dois filhos", planejava. Contudo, ela diz que pretende sair diante de qualquer ato de violência. "Quem faz arruaça é bandido, e não jovem que quer mudar o Brasil", completou.

O securitário José Lopes Carvalho, de 46, levou o filho Brayan Nóbrega, de 10, para a manifestação de ontem, mas ficou com medo de haver confusão. "Sou a favor da manifestação sem violência. Vandalismo afasta as pessoas, esvazia o movimento e não me faz sentir totalmente seguro com meu filho aqui", disse. O mesmo receio tem a funcionária pública Ana Cristina Pereira, de 39 que estava acompanhada da filha Letícia, de 10. Ela acha que as depredações, como as registradas ontem na Grande BH, podem levar o povo a se afastar das manifestações.

Fonte: Estado de Minas

Economia em xeque: O desafio da confiança

Especialistas discutem se turbulência que o Brasil enfrenta é comum a todos os países emergentes ou se está na hora de rever a estratégia do Planalto.

Estratégia econômica em xeque

Baixo crescimento, inflação em alta e dificuldades para conter o câmbio ampliam as dúvidas sobre a condução da economia

Marcado por baixo crescimento e inflação alta, o cenário econômico do país – que anda confuso – ganhou nas últimas semanas novo complicador: a disparada do câmbio. A dúvida agora é se a alta do dólar é apenas reflexo da política monetária americana ou se o país passa por uma crise de confiança, como apontam alguns especialistas.

A segunda opção foi o diagnóstico do ex-presidente do Banco Central (BC) Henrique Meirelles ao seu antigo chefe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em encontro no início da semana para conversar sobre os rumos da economia brasileira. Para Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio, o panorama brasileiro é menos catastrófico do que "alguns gostam de dizer", pois é semelhante ao de outros países emergentes.

Freitas critica o fato de o governo ter tentado suavizar o avanço do dólar antes da posição do banco central americano sobre a continuidade do programa de estímulos à atividade econômica, estendido até o final do ano, quando será reduzido.

– Isso passou uma sensação de descontrole. O BC agia e não conseguia segurar o avanço. Era melhor esperar subir forte e agir de uma vez só – reflete Freitas.

Desde maio, o BC fez 10 intervenções no mercado cambial para evitar a alta do dólar. Para esquentar o já nervoso mercado financeiro, surgiu o rumor – desmentido rapidamente pelo Planalto – de que em conversa com a presidente Dilma Rousseff, Lula teria sugerido a substituição do ministro da Fazenda, Guido Mantega, por Meirelles.

A volta do banqueiro ao governo seria positiva, segundo alguns especialistas. A substituição de Mantega seria estratégica para recuperar a confiança dos investidores.

– A expectativa com o futuro é o que importa. E Mantega já perdeu a credibilidade – avalia o analista de risco político Alexandre Barros.

A visão é compartilhada por outro ex-diretor do BC, Carlos Eduardo de Freitas. No entanto, ele duvida que Meirelles aceite convite para ser ministro de Dilma:

– Ele só aceitaria se tivesse carta branca, como tinha de Lula. A presidente Dilma tem suas próprias ideias como economista, o que torna o relacionamento mais complicado.

Fonte: Zero Hora (RS)

PT quer controlar protestos, diz Aécio

Para o presidente do PSDB, o "oportunismo" petista ameaça a segurança dos filiados ao incentivar a ida deles às ruas

BRASÍLIA - O presidente do PSDB, senador Aécio Neves (MG), divulgou nota ontem em que acusa o PT de tentar se apropriar das manifestações que ocorrem no país, numa prática de "oportunismo" em meio à insatisfação da população brasileira.

Na nota, o tucano diz que a postura do partido da presidente Dilma Rousseff pode colocar em risco inclusive a segurança dos filiados ao incentivar que saiam as ruas com bandeiras e símbolos da sigla.

"Trata-se de decisão irresponsável que desrespeita o sentido apartidário dos protestos, colocando em risco, inclusive, a segurança dos próprios militantes, alguns deles hostilizados ontem (anteontem) em várias partes do país", afirmou Aécio, ao se referir ao apelo do presidente do PT, Rui Falcão, para que os petistas vestissem vermelho, colocassem símbolos da sigla e fossem às ruas.

O senador também cobrou, da presidente Dilma Rousseff um pronunciamento à nação para comentar os protestos que mobilizaram mais um milhão de pessoas esta semana. A presidente falou ontem à noite, em rede nacional.

Apesar de tentar vincular o PT aos protestos, o tucano reconhece que todos os agentes políticos precisam de "humildade" neste momento para reconhecer e compreender a dimensão da insatisfação existente hoje no Brasil.

"É importante que nós, agentes políticos, tenhamos humildade para reconhecer e compreender a dimensão da insatisfação existente hoje no Brasil e que ultrapassa o plano das reivindicações pontuais.", declarou o senador.

"Há um evidente e justo clamor que une a sociedade por mudanças estruturais na gestão do setor público e é inevitável ver, na raiz dessa insatisfação, uma aguda crítica à corrupção e à impunidade que persistem na base do sistema político, impedindo transformações e agredindo diariamente os brasileiros", diz o tucano, na nota.

Os petistas se articularam, nas redes sociais, para que a militância saísse com bandeiras vermelhas e gritos de apoio à presidente Dilma e ao partido - numa tentativa de reduzir os desgastes dos protestos à imagem do governo.

Fonte: Jornal do Commercio (PE

CNBB: Ouvir o clamor que vem das ruas

Os bispos manifestam "solidariedade e apoio às manifestações, desde que pacíficas, que têm levado às ruas gente de todas as idades, sobretudo os jovens". A presidência da CNBB apresentou a Nota em entrevista coletiva e o documento foi aprovado na reunião do Conselho Permanente concluída na manhã desta sexta-feira, 21 de junho.

Leia a Nota:

Ouvir o clamor que vem das ruas

Nós, bispos do Conselho Permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, reunidos em Brasília de 19 a 21 de junho, declaramos nossa solidariedade e apoio às manifestações, desde que pacíficas, que têm levado às ruas gente de todas as idades, sobretudo os jovens. Trata-se de um fenômeno que envolve o povo brasileiro e o desperta para uma nova consciência. Requerem atenção e discernimento a fim de que se identifiquem seus valores e limites, sempre em vista à construção da sociedade justa e fraterna que almejamos.

Nascidas de maneira livre e espontânea a partir das redes sociais, as mobilizações questionam a todos nós e atestam que não é possível mais viver num país com tanta desigualdade. Sustentam-se na justa e necessária reivindicação de políticas públicas para todos. Gritam contra a corrupção, a impunidade e a falta de transparência na gestão pública. Denunciam a violência contra a juventude. São, ao mesmo tempo, testemunho de que a solução dos problemas por que passa o povo brasileiro só será possível com participação de todos. Fazem, assim, renascer a esperança quando gritam: “O Gigante acordou!”

Numa sociedade em que as pessoas têm o seu direito negado sobre a condução da própria vida, a presença do povo nas ruas testemunha que é na prática de valores como a solidariedade e o serviço gratuito ao outro que encontramos o sentido do existir. A indiferença e o conformismo levam as pessoas, especialmente os jovens, a desistirem da vida e se constituem em obstáculo à transformação das estruturas que ferem de morte a dignidade humana. As manifestações destes dias mostram que os brasileiros não estão dormindo em “berço esplêndido”.

O direito democrático a manifestações como estas deve ser sempre garantido pelo Estado. De todos espera-se o respeito à paz e à ordem. Nada justifica a violência, a destruição do patrimônio público e privado, o desrespeito e a agressão a pessoas e instituições, o cerceamento à liberdade de ir e vir, de pensar e agir diferente, que devem ser repudiados com veemência. Quando isso ocorre, negam-se os valores inerentes às manifestações, instalando-se uma incoerência corrosiva que leva ao descrédito.

Sejam estas manifestações fortalecimento da participação popular nos destinos de nosso país e prenúncio de novos tempos para todos. Que o clamor do povo seja ouvido!

Sobre todos invocamos a proteção de Nossa Senhora Aparecida e a bênção de Deus, que é justo e santo.

Brasília, 21 de junho de 2013

Cardeal Raymundo Damasceno Assis
Arcebispo de Aparecida
Presidente da CNBB
Dom José Belisário da Silva
Arcebispo de São Luís
Vice-presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário Geral da CNBB

A polissêmica voz das ruas - Marco Aurélio Nogueira

Pode haver dificuldade para compreender o que anda a ocorrer nas cidades brasileiras desde o início de junho. Mas não faltam teorias, pesquisas e conceitos. O que falta e análise política, análise concreta da situação concreta: humildade, trabalho paciente, espírito indagador e disposição metodológica para articular a estrutura e a superestrutura, a sociedade e o Estado, os interesses, as classes, os valores, a correlação de forças, de modo a que se alcance uma visão de conjunto das molas que fazem com que as pessoas tomem partido e ajam, buscando captar ao mesmo tempo suas implicações e possíveis repercussões.

Isso acontece porque os teóricos sociais não são imediatamente analistas políticos nem a academia é o loais mais adequado para que se façam análises políticas. Essas proliferam com mais facilidade na vida política organizada, onde a correlação de forças ganha materialidade e explicita sua lógica. Fora dela, preponderam boas intenções, poesia, abnegação e ética da convicção, uma racionalidade específica. Se faltam quadros intelectuais, espaços de reflexão e adensamento cultural para a democracia organizada, se os partidos deixaram de ser usinas de ideias e valores, então a análise política sofre para respirar, confundindo-se com a vocalização midiática de solidariedades, com o cálculo eleitoral ou com a crônica jornalística.

Daí a sensação de que os protestos não estão a ser compreendidos, a surpresa diante da rapidez com que eles se espalharam pelo País, causando arrepios e estupor nos políticos e júbilo e entusiasmo em muitas faixas da população. Daí o defensivismo conservador de tanta gente, movida ou pelo medo ou por uma visão elitista da história.

A polissêmica e vibrante voz das ruas, que agora atingiu alto e bom som, tem que ver com a emergência de um novo modo de vida e o esgotamento de um modo de fazer política. Associa-se a uma percepção social de que sociedade está excluída da are-m pública e quer nela ser reconhecida e dela participar. Há muita luta por identidade e reconhecimento no momento atual, além de muito desejo de participação.E tem que ver, sobretudo, com uma correlação de forças que se sedimentou no País ao longo das últimas décadas, formatou um modelo de crescimento e de ascensão social, prometeu mundos e fundos, obteve algumas conquistas, mas criou muitas ilusões e muita insegurança, jogando a sociedade numa armadilha, da qual ela agora mostra querer se libertar.

As vozes dos protestos são amplas, ligam-se por fios que vão da postulação de direitos à contestação da maneira como o País, os Estados e os municípios vêm sendo governados. Escapam ruidosamente da polarização PT x PSDB, mostrando que ela não faz mais sentido. Veem nesses partidos os responsáveis principais pela consolidação de uma prática política que afastou a sociedade do Estado e se mostrou inoperante para renovar e requalificar a política, a democracia e a vida institucional.

São jovens na maioria da ("Velha") classe média porque são eles que têm mais informação, maior disponibilidade e mais energia contestadora. Até certo ponto, também são eles que têm mais a perder (ou menos a ganhar) com a reprodução do estado de coisas atual, que lhes cortou as perspectivas. Mas não são somente eles. Há jovens e não tão jovens que representam outros segmentos, há os que vão às mas por solidariedade ou para demonstrar repulsa à violência, assim como há os que fazem isso por motivações eleitorais e os que vão para zoar, quebrar ou fazer festa. Todos de algum modo dizem: queremos um futuro, que vocês, políticos, empresários, partidos, estão nos impedindo de ter. Não estão totalmente errados.

As vozes são polissêmicas porque nelas cabe tudo. Não há tema ou problema que lhes passe despercebido. São assim porque os problemas sociais são enormes e porque o movimento que as embala não aceita hierarquias, comandos ou planejamento - não tem lideranças nem dirigentes, ainda que este ja organizado e siga algum tipo de plano.

Nessa polissemia que se auto-organiza estão a beleza e a força dos protestos, aquilo que lhes dá impulso e oxigênio. É um avanço político extraordinário que as vozes das ruas estejam sendo | ouvidas. Elas poderão ser a plataforma de lançamento de um novo ciclo democrático no País. O ruído, o atrito, o conflito, a contestação desempenham, assim, papel eminentemente de alerta, de advertência, que somente os pobres de espírito e inteligência poderão desprezar.

O recuo dos prefeitos e governadores no caso das tarifas prova ao mesmo tempo a força do movimento e o despreparo do sistema político. Pode ser um exagero dizer isso, mas tudo leva a crer que não se poderá mais governar como antes. O silêncio dos políticos é constrangedor. A arrogância das cúpulas e das elites - de direita, centro e esquerda - terá de arrefecer. Entramos em outra dimensão. O próprio movimento terá de se reposicionar, após as primeiras conquistas. Na medida em que vierem à tona os desdobramentos da contestação, formas mais organizadas haverão de surgir, sob pena de os protestos serem engolidos por outras dinâmicas. Uma agitação não constrói decisões: pede e exige, mas precisa de articuladores (políticos, partidos, gestores) para que se formate uma agenda. Para que reivindicações cheguem ao Estado, não bastam as redes sociais. Não se trata de lideranças, mas de instâncias que coordenem, processem e lancem pontes para o Estado.

Se o feiticeiro ativou forças com sua magia, não se deve deixar que ele perca o controle sobre elas. O pior que pode acontecer é o movimento desenhado nas mas ser capturado pelo sistema, pelas "forças da reação" ou pela estupidez dos desmiolados.

As mas não têm dono nem voz uníssona e uma hora ou outra baterão no teto. E, quando isso acontecer, poderão se deixar arrastar pelo primeiro demagogo que souber seduzi-las. Populistas de plantão estão de olho nelas. Como sempre.

Professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da UNESP

Fonte: O Estado de S. Paulo

O que vem depois da queda da tarifa? - Luiz Eduardo Soares

Há uma semana escrevi sobre o movimento pelo "passe livre" (www.luizeduardosoares.com), chamando a atenção para o fato de que o novo surpreende e assusta, porque rompe a estabilidade das expectativas, coloca em xeque nossos esquemas cognitivos, revela a precariedade da ordem social e evoca o espectro de nossa finitude. Somos levados a reconhecer que não apenas a vida humana é frágil como aquilo que chamamos "realidade" é débil e movediço. Por isso, o desconhecido tende a suscitar em nós reações defensivas e explicações que funcionam como a confirmação do que já se sabe - ou se supõe saber. Se o propósito é conhecer, devemos buscar, com humildade, a compreensão autorreflexiva e a desnaturalização das descrições correntes. Até porque todo esforço de entendimento é também ação política.

Na sequência, expus o que sabia e, mais importante, formulei perguntas sobre o que não sabia. Descrevi as cadeias metonímicas que conectam questões conjunturais a dilemas estruturais - as desigualdades como pano de fundo -, e analisei o diálogo tácito do movimento com o imaginário global e o vocabulário das ocupações, formando uma espécie de hipertexto virtual, tecido por citações recíprocas. Finalmente, concluí com otimismo: "A força da multidão foi reencontrada por jovens e cidadãos que passam perto e se deixam atrair pelo magnetismo de um pertencimento precário, provisório, sem rosto, mas com alma. Que alma tem o movimento? Sim, intuo, suponho, sinto que ele tem alma, isto é, uma unidade toda sua - não verbalizada - e uma personalidade. Intuo que esta alma não seja aquela que se derivaria - como o negativo ou o avesso - de uma comparação com o que sabemos: não sendo, o movimento, organizado ao modo antigo, deduzir-se-ia que seria inorgânico; não tendo uma plataforma clara e uma visão compartilhada que incorporasse as mediações, deduzir-se-ia que seria irracional, despolitizado, quando não selvagem. (...) Há no movimento magnetismo, há conexão metonímica com questões centrais para o Brasil e o mundo, há um diálogo tácito, consciente e inconsciente, com a humanidade em escala planetária, com nossa memória social e com a tradição de nossa cultura política. (...) De nossa parte, os anciãos e os governantes, autorreferidos e inseguros, ameaçados em nossos esquemas cognitivos e práticos, caberia escutar, acompanhar, respeitar, repelir a violência policial (e qualquer outra), admitir nossa ignorância, e considerar a hipótese de que algo novo esteja surgindo e essa novidade talvez seja virtuosa e republicana, quem sabe a reinvenção da política democrática. Talvez a melhor forma de escutar seja unir-se ao coro, na rua. Para (re)aprender a falar".

Fiz o que sugeri: uni-me ao coro na rua. Haveria muito a dizer, mas não quero ocupar o espaço com o depoimento do velho peregrino, percorrendo a Rio Branco acossado por memórias de outras jornadas. Prometo poupá-los do tom confessional. Entretanto, antes de mudar o canal, mantenho a primeira pessoa para compartilhar o que vi, assombrado e comovido. Assisti a uma cena inverossímil: lado a lado, 100 mil pessoas em festa celebravam o estar ali e evocavam o que ainda não é, enquanto, silenciosa e inadvertidamente, sepultavam o que havia sido, seguindo o doloroso cortejo no funeral do PT.

A imagem dupla - épica, no lado A, trágica, no verso - me ocorreu pela via dos cinco sentidos e da emoção, mas firmou-se, analiticamente. Era isso mesmo. O argumento é simples: a maioria dos presentes era estudante. A UNE esteve lá, bem no centro da praça, no meio da festa, sob a forma de uma ausência fulgurante e um silêncio estridente, preenchidos pelo protagonismo emergente dos jovens indignados. O novo personagem coletivo nasceu sobre os despojos da entidade, descaracterizada pela cooptação dos governos petistas e pelo aparelhismo do PCdoB. E onde estavam tantos outros personagens coletivos de nossa dramaturgia política popular e democrática? Muitos deles trocaram a autonomia pelas benesses do poder, sem perceber que a cooptação esteriliza. O preço dos privilégios é a impotência.

Ao PT que venceu, o país deve muito. Os governos Lula, e mesmo Dilma, ficarão na História como marcos fundamentais na redução das desigualdades. Contudo, quais têm sido suas contribuições para o aprimoramento da democracia e para a mudança das relações entre Estado e sociedade, governos e movimentos sociais?

Pode-se ostentar a arrogância tecnocrática e abraçar Maluf, porque os fins sempre justificariam os meios? Os apologistas petistas do pragmatismo ilimitado não se deram conta de que os meios são os fins, quando a perspectiva adotada é a confiança da sociedade no Estado, em especial a credibilidade do instituto da representação. Hoje, tantos que acreditaram na dignidade da política vagam sem norte como zumbis da desilusão. E a juventude procura um caminho para chamar de seu. São dez anos de PT no poder: uma geração não o conheceu na oposição e não sabe o que é um grande partido de massas, não cooptado, comprometido com as causas populares e democráticas, entre elas e com destaque a reinvenção da representação política e a confiança na participação da sociedade como antídoto ao autoritarismo tecnocrático. Por mais que se façam críticas pertinentes à forma partido, é indiscutível sua importância na transmissão de experiências acumuladas e na formação da militância. Até a linguagem das massas nas ruas tem sua gramática. A espontaneidade é a energia, mas a organização a potencializa e canaliza.

No momento em que emerge o novo protagonismo, com compreensível mas perigosa repulsa por tudo o que de longe soe a partido, deparamo-nos com o vácuo oceânico produzido pelo esvaziamento do PT como agente político independente, esvaziamento por sua vez provocado pela sobreposição entre Estado, governo e partido.

O Movimento pelo Passe Livre declarou à nação que o rei está nu, proclamou em praça pública que a representação parlamentar ruiu, depois que, capturada pelo mercado de votos, resignou-se a reproduzir mandatos em série, com obscena mediocridade, sem qualquer compromisso com o interesse público, exibindo o mais escandaloso desprezo pela opinião pública. O colapso da representação vem ocorrendo sem que as lideranças deem mostras de compreender a magnitude do abismo que se abriu - e aprofunda-se, celeremente - entre a institucionalidade política e o sentimento da maioria. As denúncias de corrupção se sucedem, endossando a visão negativa que, injustamente, mas compreensivelmente, generaliza-se.

E o futuro? O movimento omnibus tem diante de si os mais variados cenários, e outros a inventar. Seu destino provavelmente dependerá de sua capacidade de diferenciar a crítica política da crítica à política, e de não confundir a rejeição ao atual sistema político-eleitoral, e partidário, com uma recusa da própria democracia, em qualquer formato. Essas distinções provocarão divisões internas profundas e inconciliáveis, que já estão aflorando. Toda essa magnífica energia fluirá para o ralo do ceticismo, abrindo mais um ciclo de apatia? A indignação encontrará traduções autoritárias e ultraconservadoras? Múltiplos afluentes seguirão cursos inauditos, nos surpreendendo com sua criatividade e mudando o país, no âmbito da democracia? As respostas não dependem só do movimento, mas também dos que não têm participado e das lideranças governamentais e parlamentares.

E as polícias? O debate sobre a desmilitarização está posto. É urgente incluir na agenda a refundação do modelo policial brasileiro, para estender à segurança pública a transição democrática. Polícia é tema decisivo. Se o relacionamento entre a sociedade e o Estado está no epicentro do movimento, as polícias também estão. Afinal, o policial uniformizado na esquina é a face mais tangível do Estado para a maior parte da população. Não haverá democracia enquanto o Brasil for campeão da brutalidade policial contra negros e pobres.

Luiz Eduardo Soares é antropólogo, escritor, professor da UERJ

Fonte: Prosa / O Globo

Cristovam quer extinção dos partidos

Senador ocupa a tribuna e afirma que, diante das manifestações nas ruas, é preciso abolir os partidos no País

BRASÍLIA - Em discurso ontem na tribuna da Casa, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) defendeu a extinção dos partidos políticos no Brasil. Ao comentar as manifestações que se multiplicam pelo país, Cristovam disse que para atender às reivindicações dos manifestantes "é necessário abolir os partidos". "Talvez eu radicalize agora, mas acho que para atender o que eles querem nós precisaríamos de uma lei com 32 letras: estão abolidos os partidos, estão abolidos todos os partidos. Isso sensibilizaria a população lá fora. Hoje, nada unifica mais todos os militantes e manifestantes do que a ojeriza, a desconfiança, a crítica aos partidos políticos", afirmou.

O senador disse que talvez seja a hora de dizer: estão abolidos todos os partidos para colocar outra coisa em seu lugar. Cristovam citou a ex-senadora Marina Silva, que articula a criação do partido Rede de Sustentabilidade, ao afirmar que sigla vai entrar no mesmo sistema das demais que já existem no país.

"Mesmo que o partido (Rede) tenha o nome do que não é partido, é partido: teve de conseguir as assinaturas, vai entrar no mesmo sistema, vai receber fundo partidário, porque espero que a lei que o proíbe de receber não passe aqui."

O senador defendeu a reorganização dos agentes políticos brasileiros com a criação de um novo formato de partidos e da maneira de fazer política. "Nossos partidos não refletem mais o que o povo precisa com seus representantes, nem do ponto de vista do conteúdo, nem do ponto de vista da forma."

O parlamentar também defendeu a realização Assembleia Constituinte exclusiva para discutir reforma política - no prazo máximo de um ano. A reforma, na opinião de Cristovam, deve incluir permissão para o chamado voto avulso, em candidatos não filiados a nenhum partido. "Creio que essa é uma proposta que poderia levar à revolução. Não há manifestação de um milhão de pessoas em um dia que não exija uma revolução." Na opinião do senador, os milhares de manifestantes não vão aceitar nada menos que um revolução no país.

Discursos

Desde a noite de quinta-feira as manifestações realizadas em diversas cidades do país dominam os discursos dos senadores. Eles mantiveram a sessão plenária até pouco depois da meia-noite, numa espécie de vigília paralela aos protestos nas ruas. Os poucos que permaneceram no plenário, no máximo cinco senadores, se revezaram em discursos para comentar as manifestações.

Os senadores Pedro Taques (PDT-MT) e Pedro Simon (PMDB-RS) também defenderam a convocação de uma Assembleia Constituinte para discutir exclusivamente a reforma política - principal reivindicação dos manifestantes, na opinião dos congressistas. "Quando o senador Cristovam fala em convocar uma Assembleia Nacional Constituinte, eu entendo o porquê. É porque ele, como toda a sociedade, não acredita no Congresso Nacional, duvida que nós façamos alguma emenda positiva a favor do povo brasileiro", disse Simon.

Vice-presidente do Senado, o senador Jorge Viana (PT-AC) afirmou que os protestos nas ruas do Brasil não miram em nenhum partido ou governo, mas no sistema político em geral. "Não há uma ação direta contra governo A, B, C ou D, mas contra tudo e contra todos. É um questionamento às instituições", afirmou o petista.

Fonte: Jornal do Commercio (PE)

Ferreira Gullar: 'Se isso desandar, pode dar em desordem muito grande’

Escritor vê com ressalvas questionamento do poder constituído, mas avalia que seus "donos têm que botar as barbas de molho"

Aos 82 anos, o escritor Ferreira Gullar, que participou da organização da Passeata dos Cem Mil, em 1968, e foi às ruas pelas Diretas Já, em 1984, vê as manifestações recentes como resultado de uma mobilização sem precedentes no País.

"Eu nunca vi manifestações de tal proporção, e durante tanto tempo", disse Gullar. "O grande problema é para onde isso vai, pelo fato de não ter organização política por trás."

O escritor diz ser "impossível saber o desdobramento disso", mas avalia que "os donos do poder têm que botar as barbas de molho,"

Em sua opinião, em que vão resultar os protestos?

E imprevisível. Falam que é a mesma coisa que está acontecendo na Europa, mas não é. O problema da Grécia, Espanha, Turquia, Síría, não é o nosso. O que é comum é a mobilização das redes sociais, mas não é um fenômeno internacional

Estávamos subestimando os Jovens?

Ver os jovens com aqueles cartazes reivindicando coisas é fundamental. Existe uma juventude disposta a brigar. Isso pode ajudar a mudar a qualidade da política brasileira, mas não é do dia para noite. A maioria é classe média, não é o pobre, porque esse ganhou o Bolsa Família.

O que o sr. acha da pauta de reivindicações?

São questões importantes que estão sendo colocadas e que implicam uma mudança profunda de muitas coisas que estão estabelecidas. Se isso desandar, pode dar em desordem numa escala muito grande. Meu medo não é com relação aos baderneiros, e sim com relação à solução política. Está sendo questionado o poder constituído, é o Congresso, é o Executivo, os governos estaduais, prefeituras, que foram eleitos democraticamente. Acho que devia ser procurado o diálogo.

Como comparar essas manifestações atuais com a Passeata dos Cem mil, as das Diretas Já e as do Fora Collor (em 1992)?

Em 68, a própria ideia de ir para a rua se manifestar era algo muito arriscado, porque a polícia atirava com bala de verdade, não de borracha. Como manifestação de massa, essa é a maior que eu vi. Maior que a de 68 e as outras de depois. É impressionante a quantidade de gente, sem ter partidos organizando. Em 68, a igreja participou, sindicato, entidades participaram, ajudaram a organizar. Agora foi mais espontâneo.

Como vê a recusa dos manifestantes em se vincular a partidos?

O movimento é contra todos os partidos, Diima, Lula. Eles foram rechaçados. Os manifestantes tem razão de não quererem partidos. Os donos de poder tem que botar as barbas de molho. E o povo desorganizado fazendo reivindicações pertinentes e sérias. No Egito, na Líbia, os grupos se organizaram para disputar o poder. Aqui o poder é eleito, Isso não deve e não pode acontecer.

Não se previu o que viria... Escrevi um artigo meses atrás dizendo que, como UNE, CUT e os sindicatos foram apropriados pelo governo, o povo não tem representação, a única saída era ir para a rua desorganizados...

Fonte: O Estado de S. Paulo