segunda-feira, 6 de agosto de 2012

OPINIÃO DO DIA – Roberto Gurgel:o mensalão maculou a República (II)

O que interessa, e isso está provado nos autos, é que houve um acordo político associado a um acordo financeiro. Parlamentares dos partidos integrariam a base parlamentar do governo e receberiam em troca um determinado valor, que foi pago.

Roberto Gurgel é Procurador Geral da República na peça acusatória do processo do mensalão, 3/8/2012

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Defesa vai negar a compra de votos
Alto desemprego em 32 cidades

FOLHA DE S. PAULO
Cidade grande sofre mais com gargalo nos celulares
‘Salvei o Brasil de Dirceu’, afirma Roberto Jefferson
Usarei a Carta, e não Chico, diz advogado de José Dirceu

O ESTADO DE S. PAULO
Gasto dos Estados com funcionários cresce R$ 55 bi
Marco Aurélio critica sessão extra por Peluso
Crise já afeta criação de novas vagas

VALOR ECONÔMICO
Empresas médias fogem de bancos para aliviar dívida
Governo quer conter gastos com servidor
Aposentadoria aos 67 anos é a nova realidade
Europeus podem vetar carne brasileira

BRASIL ECONÔMICO
Economia com dívida pública é quase o dobro da renúncia fiscal

CORREIO BRAZILIENSE
Governo evita aposentadorias
Mensalão: A hora da defesa

ESTADO DE MINAS
De olho nas joias da coroa
STF retoma julgamento do mensalão
Cerâmicas já veem luz no fim do túnel da crise

ZERO HORA (RS)
Por que o Brasil é um dos líderes mundiais em mortes por gripe A
Em cena, os advogados de José Dirceu e Delúbio Soares

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Geração de emprego desacelera
Jefferson diz que salvou Brasil de José Dirceu
Armas de uso controlado à venda em sites

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Defesa vai negar a compra de votos

Advogados alegarão falta de provas

Representantes de Dirceu, Genoino, Delúbio e Marcos Valério terão uma hora, cada, para convencer os ministros do STF da inocência de seus clientes

A fase de defesa no julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) começa hoje com a sustentação dos advogados dos principais réus, os petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, e também de Marcos Valério e seu sócio Ramon Hollerbach. Todos vão negar que seus clientes tenham se unido para negociar a compra de votos de parlamentares em favor de projetos de interesse do governo Lula. Delúbio, ex-tesoureiro do PT, vai assumir a responsabilidade apenas pelo caixa dois. Os advogados terão uma hora cada para tentar convencer os 11 ministros da inocência de seus clientes. Ontem, ao receber alta, Roberto Jefferson disse que salvou o Brasil de ter Dirceu presidente.

A vez dos advogados petistas

Defesa de Dirceu, Genoino e Delúbio alegará que não houve compra de apoio de partidos

Jailton de Carvalho, André de Souza

UM JULGAMENTO PARA A HISTÓRIA

BRASÍLIA Os advogados dos petistas José Dirceu, José Genoino e Delúbio Soares, os três principais réus do mensalão, vão negar hoje no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) que seus clientes tenham se associado para comprar votos de parlamentares a favor de projetos de interesse do governo no início do primeiro mandato do ex-presidente Lula. Como principal arma, vão alegar a falta de provas concretas nos autos do processo. Delúbio, ex-tesoureiro do PT e apontado como um soldado do partido, assumirá a responsabilidade apenas por caixa dois de campanha, um crime eleitoral já prescrito. Também hoje as defesas de Marcos Valério, denunciado como o operador do mensalão, e seu sócio Ramon Hollerbach vão igualmente negar que eles tenham participado do esquema.

Os cinco advogados terão uma hora cada para tentar convencer os 11 ministros da inocência de seus clientes, acusados pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de terem comandado o "mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público flagrado no Brasil".

Dirceu, Genoino e Delúbio são acusados de formação de quadrilha e corrupção ativa. Marcos Valério e Hollerbach são acusados de formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisa. A defesa do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, a primeira que será sustentada no plenário do Supremo hoje, vai insistir na tecla da falta de provas e explorar supostas falhas e contradições da acusação feita por Gurgel.

"Qual a data dessas reuniões? é ilação"

O advogado de Dirceu, José Luis de Oliveira, dirá que o procurador fez uma acusação meramente retórica. Segundo ele, Gurgel não apontou um único fato concreto que incrimine o ex-ministro, fechou os olhos aos depoimentos que o inocentariam e, além de tudo, cometeu equívocos sobre datas e fatos narrados na sustentação oral na última sexta-feira.

- Ele (Gurgel) disse que reuniões aconteciam entre quatro paredes (da Casa Civil). Quais foram essas reuniões? Qual a data dessas reuniões? Quais os fatos que foram conversados durante essas reuniões ? É a ilação da ilação - disse Oliveira ontem ao GLOBO.

Na denúncia, Gurgel acusa Dirceu de comandar a compra de votos de parlamentares em favor de projetos de interesse do governo Lula, em reuniões "entre paredes" do Palácio presidencial. Para o advogado de Dirceu, Gurgel não apresentou dados concretos de que seu cliente participou de reuniões para tratar de assuntos escusos.

O advogado disse que vai atacar "palavra por palavra, frase por frase" ditas pelo procurador. Segundo ele, Gurgel desprezou os 600 depoimentos colhidos no processo. Alega que os depoimentos citados teriam sido obtidos pela CPI dos Correios e na investigação policial, onde os acusados não tinham o compromisso de dizer a verdade. Para ele, esse não é um detalhe banal.

Como base da defesa, o advogado cita depoimentos de vários dirigentes partidários, em especial petistas, além de integrantes do governo Lula, como o próprio ex-presidente e a então ministra Dilma Rousseff. Nesses depoimentos, o argumento é sempre o mesmo: Dirceu estava afastado do partido e cuidava apenas de assuntos de governo. São mais de 20 depoimentos nessa linha. Dilma foi evasiva e disse que não sabia nada do assunto.

- Minha fonte de inspiração não é o Chico Buarque, são as provas produzidas no processo e a Constituição - afirma o advogado de Dirceu em resposta a Gurgel, referindo-se à citação que o procurador fez de "Vai passar", música de Chico Buarque que fala de "tenebrosas transações".

Uma das supostas falhas que Oliveira apontará é que o procurador errou ao dizer que Marcos Valério se reuniu com o presidente do Banco Espírito Santo (banco português), Ricardo Espírito Santo, no Brasil em janeiro de 2005, a mando de Dirceu. A reunião com o banqueiro teria sido o desdobramento de um encontro anterior de Valério com o presidente da Portugal Telecom, Miguel Horta, um mês antes em Portugal. Segundo Oliveira, a reunião no Brasil apontada como "continuidade" do encontro em Portugal aconteceu um mês antes da viagem de Valério a Lisboa.

O procurador diz que o banco e a empresa estavam interessados na Telemig, e Valério negociaria uma comissão de 8 milhões de euros para facilitar o negócio. Parte do dinheiro seria usada para quitar dívidas do PT com o PTB. Em depoimento à Justiça, Horta disse que Valério não se apresentou como representante de Dirceu ou do governo brasileiro.

O ministro Marco Aurélio Mello elogiou ontem a explanação de Gurgel feita na sexta-feira, e aguarda as explicações dos advogados para formar um juízo definitivo sobre o caso.

- Foi substanciosa, um trabalho sério do Ministério Público. Agora quero ouvir a defesa - disse ao GLOBO.

FONTE: O GLOBO

Ministro contesta exigência de ‘prova cabal’: ‘Querem confissão? É difícil’

Marco Aurélio rejeita tese de que só ato de ofício levaria à condenação e faz alerta sobre sessão extra para julgar mensalão

Fausto Macedo e Felipe Recondo

Um dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal incumbidos de julgar o processo do mensalão, Marco Aurélio Mello disse no domingo, 4, ao Estado que reprova a convocação de sessões extras para garantir a participação do colega Cezar Peluso – que se aposenta compulsoriamente no dia 3 – e mostrou-se crítico à tese de que é preciso um "ato de ofício" para condenar um réu por corrupção.

"O que vão querer em termos de provas (de corrupção)? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil", afirmou Marco Aurélio, ressaltando que não adiantaria seu voto.

Um dos poucos no Judiciário a falar e agir com tal destemor – em especial no STF, onde está desde 1990 –, o ministro faz um alerta em relação à convocação de mais sessões para garantir os votos dos 11 ministros. "Você não pode manipular quórum para chegar a resultado. Mais sessões, a rigor e em última análise, está manipulando o quórum", ponderou, recorrendo a uma dose de ironia para argumentar. "Vamos nos reunir em sessões matinais, vespertinas e até noturnas, quem sabe, para ele (Peluso) poder votar? Qual é o peso do voto dele? É 1, igual ao dos demais."

Para condenar réus por corrupção é preciso prova cabal, um ato de ofício?

Só se você partir para a escritura pública! Roberto Jefferson (delator do mensalão) foi categórico. É no mínimo extravagante um partido gerenciar solução de problemas de outros partidos. Eu não acredito em Papai Noel a essa altura da vida. O que vão querer em termos de provas? Uma carta? Uma confissão espontânea? É muito difícil. Você tem confissão espontânea de ladrão de galinha. Agora, do traficante de drogas ou de um delito mais grave não tem.

Advogados e alguns ministros do STF dizem ser preciso uma prova de que o ex-ministro José Dirceu, por exemplo, estava no comando, que ofereceu ou prometeu vantagens.

Claro que você tem que individualizar a pena. Quantos eram deputados à época da denúncia? Treze? Isso é sintomático. Mas eu quero ouvir as defesas. Segunda-feira (5) é dia importante, são os advogados. Quero estar lá, sentado, ouvindo, é o contraditório, o juiz tem que sopesar. O (procurador-geral da República, Roberto) Gurgel fez trabalho de seriedade maior, mas tem que ouvir as defesas.

A quem beneficiava o esquema? Lula não sabia?

Você acha que um sujeito safo como o presidente Lula não sabia? O presidente se disse traído. Foi traído por quem? Pelo José Dirceu? Pela mídia? O presidente Lula sempre se mostrou muito mais um chefe de governo do que chefe de Estado.

Que caminho o STF segue?

Colegiado é caixa de surpresas. Colegiado é assim, ninguém é mais que ninguém, nem o Joaquim (Barbosa, relator do processo do mensalão). Tenho 33 anos na linha de frente.

O sr. concorda com sessões extras para viabilizar a participação do ministro Cezar Peluso?

Não cabe estabelecer critérios excepcionais. Por enquanto eu sou um espectador, vou me pronunciar, se isso for arguido, seguindo o meu convencimento. Devemos observar as regras costumeiras, principalmente as já assentadas. O tribunal não fecha após 3 de setembro. Eu tenho dúvidas sobre a legitimidade dessa ampliação. Mais sessões para se ter o voto do especialista maior em Direito Penal? Não podemos dirigir o quórum, muito menos partindo da presunção de que ele (Peluso) votando vai absolver ou condenar. Nem sei se o relator tem condições físicas para realizar mais sessões do que o programado. Não podemos julgar manipulando o quórum para ter um certo resultado. O STF com dez compõe o sistema. O Regimento Interno exige mínimo de seis ministros.

Advogados podem questionar?

E vão recorrer a quem? Ao Santo Padre? Daí o nosso compromisso com os princípios, não podemos dar um passo em falso. Há previsão no regimento (da antecipação do voto), mas será que essa norma se coaduna com o sistema natural das coisas? O juiz que integra colegiado deve participar de todas as decisões. E se depois do dia 3 surgir uma deliberação? Eu não antecipo voto, não levanto o dedo para adiantar o voto mesmo quando um colega pede vista. Prefiro aguardar para ver se o colega traz algo importante.

A saída de Peluso já era sabida.

Por que não liberaram antes o processo? Você não pode manipular quórum para chegar a resultado. Eu fico assustado. E se o voto dele for no sentido da absolvição? Até já cogitaram ele votar antes do revisor. Quem sabe ele dê seu voto antes mesmo do relator? Depois dizem que eu sou mordaz.

Gurgel disse que não questionou a suspeição do ministro Dias Toffoli para economizar tempo.

Você deixaria de suscitar (a suspeição)? Vamos prejudicar a certeza da isenção para acelerar o julgamento? Você não pode potencializar o resultado que você quer e atropelar. Eu respeito muito o Roberto Gurgel. Eu tinha certeza que ele suscitaria.

O julgamento do mensalão tem poder simbólico?

Há uma expectativa muito grande da sociedade. Você não vai a um local sequer onde ninguém lhe diga: ‘Ministro, é um absurdo...’ Mas não dá para o Supremo partir para o justiçamento A cadeira (de ministro) é vitalícia, é uma opção de vida, com poder de Império. Tem que julgar com pureza d’alma.

O sr. critica mais sessões para o mensalão, mas defende sessões extras para outros casos.

Não podemos nos transformar em tribunal de processo único. Nossa produção no primeiro semestre: 8 sessões por mês, média ridícula, inferior a 10 processos, tirando os agravinhos. O resíduo está aumentando. Isso me preocupa muito. Tenho um processo que liberei em 2000, até hoje não teve pregão. Tem que conciliar celeridade e conteúdo. A produção do Pleno é decepcionante. Sinto pena dos advogados que vêm, às custas dos clientes, e ficam aqui dias e dias. Enquanto isso, colegas doutrinando. Não me refiro especificamente a ninguém, porque respeito a todos no Supremo. Mas o Pleno não é academia. O ministro Jobim (Nelson Jobim, ex-presidente do STF) disse uma vez que o Pleno não é lugar para se fazer biografia. O que se imagina é que a biografia tenha sido feita antes (de chegar ao STF).

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

‘Salvei o Brasil de Dirceu’, afirma Roberto Jefferson

Roberto Jefferson voltou à atacar José Dirceu, ambos réus no julgamento do mensalão. Ao deixar o hospital após a retirada de um tumor, disse que o petista o "derrubou", mas que salvou "o Brasil dele". O presidente do PTB elogiou a atuação do procurador

Roberto Jefferson afirma que "salvou país" de Dirceu

RIO - O ex-deputado Roberto Jefferson voltou a atacar ontem o ex-ministro José Dirceu, com quem divide o banco dos réus no julgamento do mensalão, e isentou novamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de qualquer envolvimento com o esquema.

"A minha luta era com o Zé Dirceu. Ele me derrubou, mas eu salvei o Brasil dele. Ele não foi, ele não é e não será presidente do Brasil."

Jefferson afirmou não poder avaliar as provas contra José Dirceu, mas disse não ter "nenhum ódio ou ressentimento contra ele". "A minha luta contra ele eu já exauri. A luta agora é de vocês [imprensa], da opinião pública, dos ministros daquela corte."

O presidente do PTB falou com a imprensa ao deixar o hospital Samaritano, no Rio, após retirar um tumor maligno do pâncreas e passar mais de uma semana internado.

Caminhando e falando com certa dificuldade, ele disse que se sentia "muito bem" e demonstrou otimismo ao falar sobre sua saúde.

"Recebi [o diagnóstico de câncer] com serenidade. Eu sou um guerreiro. Já peitei o PT sozinho. O que eu não vou fazer com um cancerzinho de pâncreas? Dou de pau nele."

O ex-deputado teve a doença diagnosticada às vésperas do início do julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) e chegou a atribuir o surgimento dela às pressões que diz receber desde que delatou o esquema, em entrevista à Folha, em 2005.

Ele responde pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele admitiu ter recebido R$ 4 milhões do valerioduto, mas diz que o dinheiro foi repassado pelo PT para financiar candidatos do PTB em 2004, e não para comprar votos no Congresso.

Sobre os atritos pessoais entre os ministros do STF, o presidente do PTB disse que "eles são seres humanos como nós e, às vezes, os defeitos se avultam". "Como aquela casa está sob total controle da mídia hoje, os defeitos estão ficando exponenciais, e as virtudes também."

Ele afirmou que acompanhou o julgamento pela televisão no hospital e o classificou como "o maior momento de afirmação da democracia no Brasil".

Jefferson considerou "eficaz" a atuação do procurador-geral, Roberto Gurgel.

"Ele fez uma bela peça de acusação. Apesar de a prova ser frágil em muitos momentos, ele tem razão em muitas coisas que eu ouvi durante seu relatório. Falou a acusação. Nesta festa democrática que estamos vivendo, falará a defesa a partir de agora."

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Petistas podem ajudar a sustentar defesa de Dirceu

BRASÍLIA - O ex-deputado José Genoino e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares de Castro vão ajudar a sustentar a defesa do ex-ministro José Dirceu hoje, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) começar a ouvir os argumentos dos réus do mensalão, se reafirmarem as versões que mantêm desde o início do processo criminal.

Genoino presidia o PT e Delúbio administrava as finanças do partido quando o escândalo do mensalão veio à tona, há sete anos. Ambos sustentaram desde então que agiam sem prestar contas a Dirceu, que a Procuradoria-Geral da República aponta como o principal responsável pela montagem do mensalão.

A partir de hoje, os advogados dos 38 réus do mensalão terão uma hora cada um para defendê-los no plenário do STF. O tribunal espera concluir esta fase do julgamento na próxima semana.

O primeiro a falar será o advogado de Dirceu, José Luís Oliveira Lima. Depois, será a vez de Luiz Fernando Pacheco, que defende José Genoino, e Arnaldo Malheiros Filho, o advogado de Delúbio.

Dirceu afirma que se afastou da administração do PT quando virou ministro e não sabia nada sobre os empréstimos que alimentaram o mensalão e os pagamentos feitos aos partidos que apoiavam o governo no Congresso.

O ex-deputado Roberto Jefferson, que também é réu no processo, disse em seus depoimentos que todos os acordos negociados pelos partidos aliados com Genoino e Delúbio precisavam ser homologados por Dirceu depois.

E o empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, apontado pela Procuradoria como o operador do mensalão, disse ter sido informado por Delúbio de que Dirceu sabia dos empréstimos que ajudaram a financiar o esquema.

Genoino assinou os contratos que viabilizaram alguns desses empréstimos, mas alega que fez isso apenas por obrigação formal. Segundo ele, quem cuidava de dinheiro no partido era Delúbio.

O ex-tesoureiro assumiu a responsabilidade pela montagem do esquema com Marcos Valério e disse em seus depoimentos que tinha autonomia para fazer isso sem discutir detalhes com o partido.

Caixa dois

O advogado de Delúbio também deverá reafirmar hoje o ponto central de sua defesa. De acordo com Delúbio, o objetivo do esquema era pagar dívidas contraídas em campanhas eleitorais, e não comprar votos no Congresso.

Delúbio também assumiu sozinho a responsabilidade pela negociação dos empréstimos que alimentaram o esquema e pela indicação dos políticos que receberam pagamentos de Marcos Valério.

Ao dizer que era tudo apenas caixa dois de campanha, Delúbio confessa ter cometido uma infração à legislação eleitoral e tenta se livrar da acusação de ter praticado corrupção ativa, um crime mais grave, pelo qual será julgado.

Em sua defesa, Delúbio afirma que, depois das eleições presidenciais de 2002, o diretório nacional do PT se reuniu para discutir dívidas estimadas em R$ 60 milhões e orientou-o a procurar uma solução para o problema.

Ele diz que encontrou a saída com Marcos Valério sem jamais pedir opinião de ninguém na cúpula partidária sobre o que estava fazendo, nem mesmo a Dirceu, que o levou para a direção do PT nos anos 90.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Mensalão: A hora da defesa

Advogados dos cinco primeiros acusados de participar do esquema do mensalão terão hoje a chance de se pronunciar contra a acusação da Procuradoria Geral da República. Para isso, unificarão o discurso. Vão alegar que o escândalo se limitou à prática de caixa dois para pagar contas eleitorais

Com a palavra, a defesa

Acusados de participarem do mensalão unificam discurso e tentam convencer os ministros do STF a partir de hoje de que o esquema denunciado se restringiu à prática de caixa dois eleitoral

Paulo de Tarso Lyra

O Supremo Tribunal Federal (STF) abre hoje uma nova etapa no julgamento do mensalão. Chegou o momento de a defesa dos réus se pronunciar contra a denúncia da Procuradoria Geral da República. Os advogados dos primeiros cinco acusados terão hoje uma hora cada um para tentar provar que o maior escândalo da política recente não existiu, se restringindo a uma usual prática de formação de caixa dois para pagar contas eleitorais. Diante dos 11 ministros do Supremo Tribunal, os defensores do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu; do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares; do ex-presidente do PT José Genoino; e dos empresários Marcos Valério e Ramon Hollerbach alegarão que não há qualquer correlação entre os saques e uma possível compra de votos no Congresso e que os empréstimos foram regulares sem a utilização de recursos públicos.

A escolha da ordem de apresentação dos advogados de defesa está ligada diretamente à sequência em que os réus aparecem na denúncia. José Dirceu foi apontado pelo então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, como o "chefe da quadrilha" que operou, de acordo com alegações do atual procurador-geral, Roberto Gurgel, "o mais ousado e escandaloso esquema de corrupção e desvio de dinheiro público descoberto no Brasil". Delúbio e Genoino, os responsáveis por operar o esquema no PT, e Marcos Valério — ao lado de Hollerbach — escalados para intermediar os recursos perante os bancos BMG e Rural.

O advogado de José Dirceu, José Luís Oliveira Lima, afirmará que não há provas do envolvimento de seu cliente, acusado de formação de quadrilha e corrupção ativa, com o esquema de corrupção. Dirceu alega que não tinha mais qualquer relação com o PT ou com Marcos Valério, já que, assim que tomou posse como ministro, seguiu orientação da direção partidária de abandonar qualquer posto de comando na legenda e se concentrar no governo.

No ataque

A defesa afirma ainda que o mensalão foi criado pelo ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ), acuado diante das denúncias de corrupção nos Correios — a gravação envolvendo o ex-diretor Maurício Marinho — e que não existe qualquer relação entre os empréstimos, os saques e as votações no Congresso. O Correio apurou que uma das tentativas centrais será desqualificar a acusação de formação de quadrilha, que, na opinião de aliados de Dirceu, "essa foi a maneira de incluir Dirceu na denúncia, já que não existem quaisquer provas materiais de corrupção envolvendo o nome do ex-chefe da Casa Civil".

Parte da defesa de Genoino ampara-se, justamente, na decisão do então diretório nacional petista de que ministros do governo Lula não poderiam acumular postos de comando na hierarquia partidária. "Genoino assumiu a presidência em um diretório já eleito anteriormente, que tinha definido Delúbio como o responsável por sanar os problemas financeiros da legenda", disse ao Correio o advogado de Genoino, Luiz Fernando Pacheco. Segundo Pacheco, seu cliente assinou os contratos de empréstimo com os bancos BMG e Rural "porque administrativamente essa era a função que lhe cabia". Além disso, não manteve qualquer relação ilegal com os partidos da base aliada, travando apenas discussões políticas para formação da coalizão que apoiaria o governo recém-eleito do PT.

O ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares admite que cabia a ele a missão de organizar as dívidas do partido. Que, sem deliberar com a então direção nacional do partido, procurou o empresário Marcos Valério, pois soube que ele tinha bom trânsito com algumas instituições financeiras. Mas nega que os empréstimos — segundo ele e seu advogado, Arnaldo Malheiros Filho, já quitados — tenham sido feitos com dinheiro público. Também garante que não há como estabelecer um vínculo direto entre essas verbas e a compra de apoio parlamentar no Congresso.

Na última sexta, antes da acusação feita pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o advogado de Delúbio, Arnaldo Malheiros Filho, chamou atenção para as dificuldades econômicas vividas por seu cliente. "Não conheço ninguém que tenha roubado e more na casa da sogra."

Desmembramento

Os advogados de defesa de Marcos Valério e Ramon Hollerbach afirmam que seus clientes não sabiam que o destino dos recursos dos empréstimos, julgando que, de fato, auxiliariam na quitação de dívidas eleitorais. E que não existe qualquer relação entre eles e a chamada quadrilha, tendo aparecido na denúncia apenas por conta de seus conhecimentos societários e profissionais. Hollerbach afirma ainda que só aparece no processo por ser sócio da SMP&B.

O defensor de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, também deve voltar à tese do desmembramento do processo — que provocou uma discussão acalorada entre o ministro-relator, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. A expectativa é que ele faça um longo arrazoado mostrando que em diversos julgamentos do próprio tribunal os réus sem foro privilegiado tiveram seus processos remetidos para as instâncias inferiores.

Na sexta-feira, Marcelo Leonardo recorreu a uma tática protelatória: como Marcos Valério foi citado 197 vezes por Gurgel na acusação, tentou estender de uma para duas horas o prazo para a defesa de seu cliente. O presidente do STF, Carlos Ayres Britto, negou o pedido. "Que isso fique registrado para a história", ponderou Marcelo.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Gurgel rebate alegações da defesa dos réus

Maíra Magro, Caio Junqueira e Juliano Basile

BRASÍLIA - Ao fazer a acusação do mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, rebateu uma a uma as possíveis "balas de prata" da defesa - as alegações feitas pelos réus para, numa tacada única, desconsiderar provas e obter a absolvição de seus clientes.

Uma das principais alegações rebatidas por Gurgel envolve o crime de lavagem de dinheiro. O procurador afirmou que, caso a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) conclua que os réus não podem ser condenados por lavagem porque a lei penal não prevê a figura da organização criminosa, há outros dispositivos legais que permitem punições. Um deles é o crime contra a administração pública e o outro é o crime contra o sistema financeiro.

"Eu ressalto que todos os crimes [previstos na Lei de Combate à Lavagem de Dinheiro] estão atrelados a três incisos da Lei de Lavagem de Dinheiro, de modo que o afastamento de um deles não invalida a acusação", afirmou o procurador-geral. A fala do procurador foi importante porque, em julgamento realizado em junho pela 1ª Turma do STF, cinco ministros decidiram que os bispos da Igreja Renascer não poderiam ser condenados por lavagem porque a legislação penal não prevê a figura da organização criminosa.

A antiga Lei de Lavagem, que se aplicou ao caso da Renascer e valerá para o mensalão, listava sete crimes "antecedentes", que precisariam ser verificados previamente em uma condenação por lavagem. Um deles é o "crime praticado por organização criminosa", que o plenário do Supremo terá agora que avaliar.

Como 35 dos 38 réus do mensalão são acusados de lavagem, Gurgel adiantou-se a esse argumento para deixar claro que, nesse caso, os réus podem ser punidos por lavagem tendo como antecedentes crimes contra o sistema financeiro, como gestão fraudulenta, ou contra a administração pública, como peculato. O procurador-geral também usou provas colhidas na CPI dos Correios para fundamentar a existência do mensalão. Gurgel citou depoimentos reveladores, como o do publicitário Duda Mendonça, que admitiu ter recebido dinheiro no exterior como forma de pagamento pela campanha do PT à Presidência da República, em 2002.

Ao fazê-lo, Gurgel se antecipou a pelo menos dois advogados. Marcelo Leonardo, que defende o publicitário Marcos Valério, pretende alegar na defesa que fará hoje que as provas produzidas fora dos autos não têm validade. Ele tentará desqualificar tanto as provas recolhidas no inquérito da Polícia Federal quanto as obtidas na CPI. Alberto Toron, advogado do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP), é outro que deve argumentar que as provas da CPI não são fortes o suficiente para embasar uma condenação. "São provas colhidas sem contraditório", sustentou.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Douglas Fischer, procurador: “A culpa está muito bem demonstrada”

Com 16 anos de carreira, o procurador com atuação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região Douglas Fischer teve um momento de celebridade jurídica na sexta-feira, quando foi elogiado pelo chefe do Ministério Público Federal, Roberto Gurgel, durante o julgamento do mensalão.

Gaúcho de Três de Maio, Fischer, 42 anos, teve papel fundamental na construção da peça de acusação contra o ex-ministro José Dirceu. Foi ele quem escreveu um estudo de 20 páginas para Gurgel, fornecendo o que, na visão do MPF, é a solução processual para que Dirceu possa ser condenado por corrupção ativa e formação de quadrilha, mesmo sem a existência de provas documentais contra ele. A seguir, a entrevista:

ZH – Qual foi o seu trabalho na peça de acusação do mensalão?

Fischer – A grande questão do mensalão é como demonstrar juridicamente a prova de autoria dos crimes onde normalmente algumas pessoas não "botam a mão na massa", expressão que a própria Constituição dos Estados Unidos utiliza. Tentei demonstrar a lógica das operações, quem tinha o controle dessas operações, mesmo sem ter uma prova direta. Nesse caso específico do José Dirceu, não tinha nenhuma prova de que ele botou a mão, não tem uma fotografia, uma interceptação telefônica. O x da questão é demonstrar que aqueles fatos somente poderiam ocorrer como ocorreram se tivesse uma determinada pessoa no controle.

ZH – Isso não é uma presunção?

Fischer – Não. Na máfia italiana, por exemplo, os capos dificilmente aparecem executando ou ordenando um homicídio. Mas eu posso encadear as provas e tentar demonstrar que os fatos não aconteceriam sem o controle dessa pessoa. Trata-se de uma solução jurídica.

ZH – O procurador lhe pediu isso especificamente para o José Dirceu?

Fischer – Não. Ele não é de fazer isso. Ele me pediu uma solução jurídica, um estudo da prova para mostrarmos no caso de um crime com várias pessoas administrando o fato. Eu pesquisei, por exemplo, crimes societários em uma operação financeira. Se o dono da empresa diz que é inocente, pois quem cometeu o ilícito foi o setor financeiro de uma empresa, tu podes demonstrar que isso jamais ocorreria se o dono não dissesse: "Façam".

ZH – Para o senhor, a partir do seu trabalho, há elementos para condenar Dirceu?

Fischer – Quem tem de condenar ou não é o Supremo. Mas posso afirmar que pelo que eu vi, a culpa está muito bem demonstrada. O procurador foi perfeito, tem domínio do processo. A solução jurídica dá o suporte para juntar as provas fáticas e mostrar a autoria dos crimes. Claro que os advogados vão questionar. Não tem o batom na cueca contra Dirceu, mas, concatenando os fatos, a prova é cabal.

FONTE: ZERO HORA (RS)

Supremo ganhará visibilidade

Sérgio Ruck Bueno

PORTO ALEGRE - O Supremo Tribunal Federal (STF) não sairá incólume do julgamento do mensalão. A ampla repercussão do caso cria uma variável nova no contexto formado pelo jogo de pressões políticas exercidas sobre a Corte ao dar mais visibilidade às manifestações e decisões dos ministros e pode contribuir para torná-la "mais sensível" à opinião pública daqui para a frente, entende o professor de ciência política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fabiano Engelmann.

Líder de um núcleo de estudos que aborda a "judicialização da política e a mobilização da esfera legal por atores sociais na construção de causas políticas", Engelmann acredita que o STF, um tribunal intrinsecamente "vinculado ao processo político", acabará repercutindo no julgamento as tentativas de influência feitas por setores pró e contra o governo do PT. Mas será uma influência indireta e mediada, pois os ministros precisam preservar o poder e a independência da instituição.

"Uma decisão do Supremo nunca será totalmente técnica", diz o professor, lembrando a própria forma de escolha dos ministros, indicados pelo presidente da República e sabatinados pelo Senado. No caso do mensalão, "a probabilidade é de que existirão influências, com absolvições e condenações para responder à pressão da opinião pública", exercida fundamentalmente por meio da imprensa, acredita. "As pessoas estão discutindo o julgamento."

A essa pressão somam-se movimentos de outros atores envolvidos, como políticos e advogados de defesa, que usam de seu prestígio e relações para tentar influenciar os votos. É o caso de Márcio Thomaz Bastos, advogado de José Roberto Salgado, ex-executivo do Banco Rural, que participou da indicação de ministros quando foi titular do Ministério da Justiça no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Os advogados visitam os gabinetes dos ministros, apresentam memoriais. Mas isso não configura corrupção nem clientelismo", diz Engelmann.

Para o pesquisador, a superexposição do STF no caso do mensalão reforça uma tendência iniciada com a transmissão das sessões plenárias pela TV Justiça, em 2002. É uma espécie de "popularização" crescente do STF. As próprias divergências entre os ministros, como a ocorrida entre o relator Joaquim Barbosa e o revisor Ricardo Lewandowski sobre o pedido de desmembramento do processo do mensalão, ganham contornos mais "midiáticos" por conta da exposição, avalia o professor.

Para Engelmann, a maior sensibilidade à opinião pública, a exemplo do que aconteceu em países como a Itália, com a Operação Mãos Limpas, na década de 90, também gera um risco de "certo populismo" nas decisões do STF, mas ele acredita que o "freio" a esse perigo está na consciência dos ministros sobre a necessidade de preservar a "respeitabilidade" da instituição. Ele considera que o balanço desses movimentos é um equilíbrio "positivo", com mais transparência e até a necessidade de prestação de contas por parte dos ministros em relação a suas posições. O professor participou na semana passada do 8º encontro anual da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), em Gramado (RS).

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Quem cala corrompe - José Álvaro Moisés

"Não tenho vergonha de dizer ao povo brasileiro que temos de pedir desculpas. O PT tem de pedir desculpas..." Lula, em 2005

O escândalo do mensalão em 2005 não impediu que Lula da Silva se reelegesse em 2006 com mais de 60% dos votos. Isso sugere algumas possibilidades: a maioria dos eleitores não estava informada dos fatos; informada ou não, a maioria não estava convencida do envolvimento do presidente; ou a maioria, em qualquer caso, não associou o uso indevido de recursos públicos para fins privados - a corrupção - a crimes políticos passíveis de punição, mesmo o voto sendo o instrumento par excellence dos cidadãos para responsabilizar governos. A cultura política dos brasileiros favorece a corrupção?

A corrupção é um dos problemas mais sérios que assolam as novas e velhas democracias. Envolve o abuso do poder público para benefício privado, inclusive vantagens para partidos de governo em detrimento da oposição. Frauda a igualdade política, pois seus protagonistas ganham poder e benefícios políticos incompatíveis com os que alcançariam através de modos legítimos de competir politicamente. Distorce a dimensão republicana da democracia ao fazer as políticas públicas resultarem não da disputa entre projetos diferentes, mas de acordos de bastidores favorecendo interesses espúrios; e assim, afeta a legitimidade da democracia.

Estudos convencionais sustentam que ela deriva do grau de desenvolvimento social e econômico das nações, do seu desenho institucional ou do desempenho de governos; e tratam de consequências sistêmicas negativas como o clientelismo e o nepotismo ou de suas supostas implicações positivas para a estabilidade política em função do engraxamento de estruturas burocráticas que ela facilitaria. Modernização e desenvolvimento são vistos como condição necessária para inocular o sistema político de crimes contra o interesse público. Sociedades menos desenvolvidas ou de experiência democrática insuficiente tenderiam a não distinguir entre pagamentos legítimos e prebendas ilegais nas relações entre agentes públicos e privados e estimulariam a tolerância social diante de comportamentos antirrepublicanos, tornando letra morta o primado da lei.

Sistemas democráticos competitivos colocam o comportamento de burocratas e políticos sob vigilância dos eleitores. A associação entre indicadores de liberdades civis e políticas e a percepção da corrupção, baseada em índices internacionais agregados, varia, mas a longevidade da democracia e a liberdade de imprensa asseguram a responsabilização de políticos corruptos. Não impedem a existência da corrupção, mas oferecem alternativas para a sociedade punir os responsáveis.

Esses estudos contribuíram para o conhecimento do problema, mas não abordaram a influência da cultura política ao lado de outros fatores que afetam a qualidade da democracia. Estudos recentes sobre a América Latina estão mudando isso. Após a democratização, escândalos de corrupção atingiram a Argentina de Carlos Menem, o Peru de Alberto Fujimori e Alan García, o México de José Lopez Portillo e Carlos Salinas de Gortari, o Equador de Abdala Bucaram e a Venezuela de Rafael Caldera e Carlos Andrés Pérez, este, apeado do poder, como Collor de Mello, por um impeachment motivado por uso ilegal de recursos públicos. A corrupção foi associada a três fatores principais: oportunidades criadas pela dispersão de poder com mais agentes transacionando favores públicos em troca de benefícios privados; reformas neoliberais que ampliaram o poder dos agentes sobre bens como empresas públicas e aumentado as oportunidades de negociações espúrias; e emergência de lideranças personalistas e carismáticas levadas ao governo pela mobilização de massas através da TV.

Campanhas eleitorais caras com o uso da TV e do marketing exigem recursos só alcançáveis pela promessa de favores a financiadores privados. Isso teria levado os partidos a recorrer a mecanismos como o caixa 2 ou os chamados gastos eleitorais não contabilizados, como dirigentes do PT tentaram justificar o uso ilegal de recursos privados no Brasil. Análises da percepção do fenômeno na América Latina confirmaram que países desenvolvidos têm índices mais baixos de corrupção que os menos desenvolvidos, mas isso não explica por que Argentina, Brasil, México e Venezuela são classificados pela Transparência Internacional como muito corruptos. O advento da democracia per se, e mesmo sua continuidade, não garantem o controle da corrupção. O caráter endêmico do fenômeno sugere que, ao lado do aperfeiçoamento de mecanismos institucionais, a cultura política também conta.

As experiências neopopulistas na região com lideranças personalistas e carismáticas estimulando a relação direta entre líderes e eleitores, desqualificando mecanismos de fiscalização como parlamentos e tribunais de conta, sugerem isso. Mas o Brasil não seria passível dessa distorção da democracia, segundo analistas. Seu desenvolvimento econômico e institucional e suas políticas sociais teriam criado condições para a estabilidade política e, aparentemente, menor influência de práticas neopopulistas. O argumento pode ser testado pelo exame do papel da cultura política na continuidade da corrupção. Qual era a percepção dos brasileiros dos fatos quando ocorreram as denúncias do mensalão? Como a opinião pública avaliou a corrupção em momentos-chave da história política como 1993 e 2006, ou seja, um ano após os dois mais importantes casos recentes, o de Collor de Mello em 2002 e o de Lula da Silva em 2005?

As questões envolvem os valores e atitudes dos eleitores diante do abuso do poder. Associada ao exercício do direito de voto, a accountability vertical depende de que as pessoas sejam capazes de identificar se a corrupção existe. É o ponto de partida da decisão de continuar convivendo com políticos que praticam a corrupção ou puni-los em defesa dos interesses públicos. Em 2005, pesquisas mostraram que 58% dos entrevistados tinham conhecimento das denúncias de corrupção envolvendo o governo Lula e 78% acreditavam que o presidente tinha muita ou alguma responsabilidade nos fatos, embora muitos não vissem seu envolvimento direto. Em 2006 os entrevistados consideraram que a situação da corrupção no país tinha piorado não só no governo de Collor, mas também no de Lula em comparação com os dos antecessores. Minhas pesquisas de 2006 incluíram perguntas sobre a corrupção e os resultados mostraram uma relativa aceitação social dela no País. O que explica isso?

Desenvolvimento, desempenho institucional e a ação de governos são determinantes daquela aceitação, mas também a cultura política. Em regiões menos desenvolvidas a aceitação da noção "rouba, mas faz" foi maior, assim como entre os menos escolarizados, mas, mais importante, entre os que avaliaram positivamente o governo Lula. Os conservadores quanto ao papel do Estado diante das desigualdades sociais e econômicas também apoiavam o rouba, mas faz, e só os favoráveis a valores democráticos ou que rechaçaram a volta de alternativas autoritárias eram contra. Ou seja, a aceitação social da corrupção era maior nas regiões menos desenvolvidas, entre os politicamente autoritários, socialmente conservadores e os satisfeitos com o governo Lula. A aceitação da corrupção afeta a adesão à democracia, a confiança nas instituições democráticas ou a participação política?

As análises mostraram que afeta negativamente, ao contrário das avaliações positivas do governo e da economia. A aceitação da corrupção também se associou às opiniões favoráveis a que os presidentes deixem de lado as leis e o Congresso Nacional em situações de crise, à volta dos militares ao poder, à adoção de um sistema de partido único no País e a maiores índices de desconfiança nas instituições públicas.

Esses traços da cultura política impactam a qualidade da democracia ao comprometer a adesão ao regime, estimular a aceitação de escolhas autoritárias e inibir a participação política. Aceitar a corrupção faz as pessoas admitirem que a lei pode ser fraudada, que sua capacidade de fazer valer direitos inexiste e que os rumos da política não mudam nunca. Mas a experiência de democracias consolidadas mostra que a cultura política não é imutável: ela se transforma sob o impacto de mudanças sociais, desempenho de instituições como o STF e, principalmente, o exemplo e a responsabilidade de líderes políticos e de partidos. No Brasil, contudo, como ficou claro no caso de Lula, do PT e de outros partidos, esse é um dos elos de que padece a democracia.

* José Álvaro Moisés - é professor titular do Departamento de Ciência Política da USP e autor do E-Book O Papel do Congresso Nacional no Presidencialismo de Coalizão. Este texto é resumo de um capítulo do livro A Desconfiança Política e os seus Impactos na Qualidade da Democracia - O Caso do Brasil (EDUSP, 2012, NO PRELO)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS

Desobstrução da democracia - Wilson Figueiredo

De tudo se cogitou, menos do que sobrou para Luiz Inácio Lula da Silva, voltado para o terceiro mandato e sem condições de se escafeder – moralmente, bem entendido - da questão central do mensalão. O ex-presidente não perde de vista a oportunidade de voltar em 2014, nem se descuida da carga sobrenatural reservada ao julgamento do mensalão no mês de agosto...

Não há qualquer relação, nem insinuação, entre o problema ético em destaque e o mês sobrecarregado de episódios que, passados sete anos de PT e Brasil, se aproximam da solução final numa equação política de múltiplas incógnitas. Qual seja, o desencontro entre a democracia e a cidadania, desde os primeiros tempos da República, no final do Século 19.

O Brasil paira acima do saldo negativo que o passado acumulou e vai se situar também acima do julgamento que, queiram ou não os personagens da peça, não deixará de ser político. Nem que a vaca tussa. E, como vaca não tosse, o que for possível terá o desenho de ornamento democrático e ajudará o Brasil a se localizar a uma distância, pelo menos razoável, da impunidade que o ronda.

Agosto tem fama, que vem de longe, de cultivar dificuldades, mas com cuidado para não reforçar o viés negativo com que costura a vida política. Para encurtar o tempo que ainda faltava para a proclamação da independência nacional, o príncipe regente dom Pedro de Orleans e Bragança declarou, no dia primeiro de agosto de 1822, que trataria como inimiga qualquer tropa de origem portuguesa que desembarcasse por aqui naquela oportunidade. Não precisou. Nenhuma tropa militar estava a caminho e, depois do versão, Pedro tocou para a frente a história (que se escreveria, logo depois, com inicial maiúscula) do Brasil, rumo ao 7 de setembro. Começou bem aquele agosto.

Falta um nome apropriado ao que se entendeu provisoriamente por mensalão. O ex-presidente Lula, em entrevista que, dependendo das conseqüências, pode vir a ser histórica, foi taxativo ao dizer ao Estadão (leia-se Estado de S Paulo), edição do dia 25 de agosto de 2007, sobre o que ficou do projeto de 20 anos de governo ininterrupto:

_ “Ficou o seguinte: quem erra paga. Eu acho (o ex-presidente sempre acha alguma coisa) que quem errar pagará pelo erro que cometeu”. Foi o começo da contagem regressiva que continua em curso.

-Tem gente que acha que isso é um trauma, observou Lula na entrevista de 4 páginas no Estadão, “mas, para mim, não. Para mim é um canal de desobstrução da democracia brasileira.”

A opinião do ex-presidente não teve a repercussão que merecia, mas Dilma Rousseff ainda pode incluir no PAC, como investimento, a desobstrução proposta pelo seu antecessor para a democracia se livrar das tentações que rondam o petismo e não deixam Lula esquecer que já disse e repetiu que deve sua ascensão política à liberdade de imprensa. E, não, aos veículos que são responsáveis pelo que publicam e a que respondem legalmente. A liberdade de informar e avaliar não é favor a ser pago ou retribuído.

Perguntado sobre José Dirceu, o então presidente se mandou pela janela, simbolicamente, àquela altura da questão política que se encaminhava para as proporções que tomou.

- Quem o traiu? Quis saber o repórter do Estadão, que ficou sem resposta.

Outra pergunta preencheu o silêncio presidencial:

- O senhor teve indícios da existência do mensalão?

-Não. Não. Eu quero ver o resultado do julgamento.

E arrematou: “eu acho determinadas coisas abomináveis”

Por último, Lula retirou do bolso a sovada idéia da reforma política, que de tão desgastada ninguém mais escreve com iniciais maiúsculas, e mandou:

- Reforma política mediante Constituinte exclusiva, porque (no seu modo de entender), não dá para fazer reforma constitucional “com as mesmas pessoas que estão lá” na condição de deputados e senadores.

Vendeu o peixe que não será entregue enquanto o país voltar a ser como tem sido.Enquanto vai e vem, já sem disposição oral suficiente para desobstruir a vida democrática. E saiu pela tangente, sem agradecer à geometria a facilidade, ao se referir a José Dirceu, que chefiava seu Gabinete Civil e o demitiu sem fazer cerimônia.

À indagação sobre quem saiu do governo por força das circunstâncias, Lula não respondeu. O que não deixa de ser uma forma de admitir sem se comprometer. Foi curto a respeito do impacto da demissão de Dirceu no governo:

- “Não. Só teve impacto para ele. No governo, nenhum.”

Jornalista

FONTE: JORNAL DO BRASIL

O que Lula teme - Ricardo Noblat

"Creio que o Supremo fará justiça. E na visão do Ministério Público, justiça é condenar todos" Roberto Gurgel, procurador-geral da República

Em 2001, faltando um ano para a eleição do sucessor do presidente Fernando Henrique, Lula se reuniu com José Dirceu e disse mais ou menos assim: "Só serei candidato outra vez se for para ganhar". A semente do mensalão foi plantada durante aquela conversa. Lula não estava mais disposto a competir por competir. Ou a sonhar com o dia em que a maioria dos brasileiros, espontaneamente, chegaria à conclusão de que ele era, sim, o melhor nome para governá-los.

Traduzindo o que Lula disse para Dirceu: "Olha, Zé, vamos jogar com as armas dos nossos adversários. Precisamos de muito dinheiro, alianças com partidos e um marketing político de primeira linha." Os escrúpulos foram jogados no lixo. Cumpriu-se a vontade do poderoso chefão.

O marqueteiro de Lula foi o baiano Duda Mendonça. Antonio Palocci tomou de empresários montanhas de dinheiro em troca da promessa de que seria mantida a política econômica de Fernando Henrique. Entre outras coisas, o dinheiro serviu para comprar o apoio de partidos.

O PT que subiu a rampa do Palácio do Planalto em janeiro de 2003 pouco tinha a ver com aquele que se dizia diferente dos outros partidos. O PT da ética, que infernizava a vida dos que roubavam ou que deixavam roubar, esse havia perdido a guerra interna. E, por tabela, a eleição presidencial.

Ora, quem se valeu de meios limpos e sujos para vencer não renunciaria depois a tais meios para governar. O que o deputado Roberto Jefferson, presidente do PTB, batizou de mensalão foi o resultado natural do caminho escolhido pelo PT para alcançar a Presidência da República.

O mensalão não foi uma invenção do PT. Foi invenção de governos anteriores. Da mesma forma, o loteamento da máquina pública. Teve até um presidente — Fernando Collor — que, por arrogância, desprezou o franciscano modelo do "é dando que se recebe". Acabou deposto.

Pago por outros governos, o mensalão passou em branco porque faltou um suicida como Jefferson para denunciá-lo. De santo, ele nada tem. Discordou do método de se pagar mesadas a deputados. Preferia que o dinheiro fosse entregue às direções dos partidos para que elas o administrassem.

Jefferson recebeu malas de dinheiro. Seu PTB, cargos. As pessoas empregadas por ele foram obrigadas a desviar dinheiro público e a cobrar comissões de fornecedores. Uma delas teve o azar de ser filmada embolsando a titica de R$ 3 mil. O governo jogou a culpa em Jefferson e nos seus companheiros. O bicho pegou.

O Supremo Tribunal Federal dirá se são culpadas ou inocentes as 36 pessoas apontadas pela Procuradoria Geral da República como integrantes da "sofisticada organização criminosa" que pretendeu se apoderar de parte do aparelho do Estado. O objetivo da organização era o de assegurar vida longa para o PT no poder.

Lula nunca chamou o mensalão de mensalão. Chamava de caixa dois. Que também é crime. Mas é um crime que se alimenta de dinheiro particular. Mensalão se alimenta de dinheiro público. Não basta para Lula ter deixado o governo como o presidente mais popular da História.

Se a Justiça reconhecer que o mensalão existiu, ele entrará também para a História como o líder supostamente inocente de uma gangue. Seus desafetos poderão dizer, sem que ninguém os conteste: nunca antes neste país nada de parecido aconteceu.

FONTE: O GLOBO

Defesa aberta - Melchiades Filho

A alegação petista de que tudo não passou de uma farsa, de invenção dos adversários, ficou de fora do julgamento do mensalão. Vale para atiçar a militância, não para os ministros do STF.

Quem conferir as peças de defesa dos réus notará um "cada um por si" no varejo, mas uma linha comum no atacado. Os advogados não contestam diretamente a existência do esquema paralelo de financiamento político. Sua estratégia é admitir ilegalidades, mas tentar restringi-las ao campo eleitoral.

Os objetivos são claros. A prática do caixa dois não está descrita no Código Penal. Leva a punições apenas de ordem eleitoral: cassação de mandato, perda de direitos políticos, corte do fundo partidário. Em suma, não põe ninguém na cadeia. Além disso, devido ao tempo transcorrido até o julgamento, as ilegalidades eleitorais já prescreveram.

Na versão dos acusados, coletar dinheiro à margem da lei para saldar despesas de campanha seria algo aceitável, porque disseminado. Esse "todo mundo faz" tem propósito também. Procura desresponsabilizar o indivíduo (o réu) para culpar "o sistema" (eu, tu, ele, nós...).

Quando o escândalo veio à tona, em 2005, o então presidente do TSE, Carlos Velloso, percebeu o artifício: "Confessam com a maior cara de pau um crime eleitoral porque estão certos da impunidade".

Cabe imaginar, porém, o que acontecerá se o STF considerar consistentes as provas de que houve desvio de dinheiro público, compra de apoio no Congresso, remessas clandestinas para o exterior e golpes contra o sistema financeiro.

De atenuante, a admissão do caixa dois eleitoral passará a agravante. Restará claro que a quadrilha fraudava eleições para capturar o Estado e, drenando-o, sustentar um projeto de poder de longo prazo.

A essa confissão de atentado à democracia o Supremo terá como não reagir com severidade?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Mensalão e Mãos Limpas - Rubens Ricupero

Não se espere dos processos contra a corrupção o poder miraculoso de mudar a política ou a sociedade

O início do julgamento do mensalão coincide com os 20 anos da operação Mãos Limpas, único escândalo político que se aproxima do brasileiro nas dimensões e características principais. Em ambos, a corrupção se destinava ao financiamento dos partidos, embora muito dinheiro tenha acabado em contas particulares das centenas de envolvidos.

Na Itália, um grupo de cinco promotores conduziu por dois anos uma investigação da qual resultaram 1.300 condenações e penas negociadas, e 150 absolvições cabais, fora as prescrições.

Houve episódios dramáticos como a "estação de suicídios" de vários empresários e políticos de relevo, a fuga e a morte no exílio do ex-primeiro-ministro Bettino Craxi, o desaparecimento de cinco dos maiores partidos -entre eles a Democracia Cristã, que governara o país durante décadas.

O abalo produzido pela "revolução dos juízes" acabou por destruir a Primeira República italiana, dando nascimento a partidos e movimentos improvisados, como a Liga Norte ou a Força Itália.

Não se pode negar que foi feita justiça, imperfeita como sempre, por meios judiciários regulares ou pela morte política.

Não obstante, o dia 17 de fevereiro de 2012, vigésimo aniversário do início da operação, quase passou em branca nuvem. A única lembrança foi o lançamento em Nápoles de uma pizza em honra da efeméride (na Itália não se brinca com comida, e pizza não tem o sentido pejorativo adquirido no Brasil).

É verdade que os italianos, mergulhados na crise econômica e no colapso desastroso do governo Berlusconi, possuíam preocupações mais graves e imediatas. Vale a pena assim tentar extrair do aniversário alguma lição que nos possa ser útil, sem ignorar a profunda diferença de contextos político e econômico-social entre os dois países.

A primeira é que os processos contra a corrupção se justificam por si próprios, pela necessidade de afirmar a justiça. Não se espere deles, a começar do atual, o que não podem dar: o poder miraculoso de mudar a política ou a sociedade.

Outra conclusão é que, mesmo quando produzem efeitos políticos, o sentido e o valor das mudanças dependerão não dos tribunais, mas da capacidade de reformar as instituições para evitar a repetição do mal.

Desse ponto de vista, nem na Itália, nem no Brasil se avançou no financiamento dos partidos, e a corrupção continua a derrubar ministros. Sem reformas, o escândalo se limita ao efeito destrutivo. É ilusório pensar que o vazio político e moral produzirá por si só um sistema melhor. Bobbio previu que a Segunda República começava mal e acabaria pior. Como, de fato, aconteceu com o desonroso naufrágio de Berlusconi e dos partidos que o apoiavam.

A melhor lição é a do poeta Leopardi: "Se queremos despertar e retomar o espírito da nação, nossa primeira atitude deve ser não a soberba nem a estima das coisas presentes, mas a vergonha".

Poucos anos de prosperidade bastaram entre nós para ofuscar o escândalo com triunfalismo beirando a soberba. Agora que o voo de galinha da economia nos deixou de crista caída, é bom ter a vergonha de reconhecer que nada, nem governabilidade nem êxitos econômicos e sociais, justifica a corrupção.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

‘Não te interessa’, diz Paes sobre afilhado de Dirceu

Prefeito ficou irritado ao ser questionado sobre campanha com Marcelo Sereno, do PT

Luiz Gustavo Schmitt

RIO - O candidato à reeleição e prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB), demonstrou irritação ao ser questionado neste domingo sobre a participação do candidato a vereador Marcelo Sereno, do PT, no ato de campanha ontem em Campo Grande, na Zona Oeste, como revelou O GLOBO. Sereno é afilhado político de José Dirceu, um dos 38 réus do julgamento do mensalão. Ao ser perguntado se havia convidado Sereno para o ato de campanha, Paes disparou :

— Não te interessa — disse ele ao repórter.

Anteriormente, Paes tentou se esquivar de responder sobre o encontro com Sereno.

— Eu tenho 1300 candidatos na nossa chapa de vereador. Então vários deles acompanham nossas andanças — afirmou o candidato, após fazer corpo a corpo com eleitores nesta manhã, na Quinta da Boa Vista, em São Cristovão.

Paes, que chegou de bicicleta ao parque, estava acompanhado do ator Marcos Frota e do jogador do flamengo Leonardo Moura. Numa curta caminhada, o trio causou alvoroço em fãs de Frota e de Moura, que pediam para tirar fotos. Em campanha, Paes, que é vascaíno, declarou amor ao flamengo:

— Viva o mengão ! — disse ao posar para fotos ao lado do jogador de futebol. — Essa cidade tem patrimônios imcomparáveis. A Mangueira, o Império Serrano, a Imperatriz, o Flamengo, o Botafogo e o Fluminense. Mas, na hora de um embate direto eu sou vascaíno e portelense — explicou o prefeito.

FONTE: O GLOBO

Sérgio Guerra: 'Dilma invadiu BH e deu peso nacional à disputa'

Christiane Samarco

BRASÍLIA - O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra (PE), acusa o PT e a presidente Dilma Rousseff de terem feito "uma invasão ilegítima em Minas Gerais", ao lançarem o ex-ministro Patrus Ananias para a prefeitura e terem obrigado o presidente do PSD, Gilberto Kassab, a intervir no partido para apoiar o petista. Para o tucano, a ação de Dilma deu importância nacional à eleição na capital mineira. O adversário de Patrus é o prefeito, Marcio Lacerda (PSB), apoiado pelo senador Aécio Neves, potencial candidato a presidente pelo PSDB em 2014. "Aécio lidera a campanha contra o mundo do PT e os invasores", diz Guerra.

Com a entrada da presidente Dilma Rousseff na campanha de BH, o eixo do duelo nacional muda de São Paulo para Minas?

São Paulo é uma eleição importantíssima pelo peso do PSDB, pelo peso do PT, pelo tamanho de São Paulo, pela relevância de José Serra. Mas Belo Horizonte ganha importância similar. O PT e a presidente Dilma fizeram uma invasão ilegítima em Minas, com o grupo que os acompanha. Isto demonstra o caráter autoritário e antidemocrático desse grupo. O PSD está no meio disso e vai se dar mal.

O PSD está com Serra em São Paulo, mas interveio em BH para se afastar do senador Aécio Neves e se aliar ao PT. O PSD está com Serra ou com Dilma?

Nos últimos 40 dias, o PT descobriu o naufrágio do partido nas eleições municipais. Como só liderava em Goiânia, o senador e ex-governador do Piauí Wellington Dias foi empurrado para ser candidato em Teresina. Do mesmo modo, o Humberto Costa, que é um senador reconhecidamente importante, foi levado a ser candidato na marra em Recife. Em BH é mais grave. O conjunto das forças que estão em torno do PT e que incorpora o PSD invadiu Minas.

Mas afinal, o PSD não é nem Serra, nem Dilma?

Não sei, sobre o PSD sei muito pouca coisa. Não é nem esquerda, nem direita e nem do centro.

O governador Eduardo Campos, presidente do PSB, é hoje uma liderança em ascensão...

Mas a situação dele hoje não é boa. Está ameaçado de perder no Recife; não tem o Ceará; não fez papel bonito em São Paulo. E perdeu o candidato em Belo Horizonte, que hoje é do Aécio.

O sr. antevê um cenário de disputa entre Campos e Aécio na sucessão presidencial de 2014?

Se houver um naufrágio no PT, sim. Mas eu não acredito nisso.

O PSDB avalia que Dilma está fazendo um bom governo?

Não. Ela está bem com a opinião pública, com esse negócio de discurso moralista. Mas a economia está piorando a cada dia. Já não é mais impressão, é realidade. Está com um "PIBinho", sem dinheiro para pagar contas. A arrecadação está caindo e as empresas estão sem querer ajudar nas campanhas.

Há críticas em relação ao comportamento de Aécio como presidenciável...

Ele acaba de dar uma grande resposta: lidera nossa campanha em Belo Horizonte contra o mundo do PT e os invasores de Minas Gerais.

O sr. prevê uma campanha de ânimos acirrados entre tucanos e petistas por causa do mensalão?

As eleições municipais terão sempre o viés local. Mas o mensalão é a marca de um partido que começa a definhar, por excesso de força e falta de argumentos. Toda vez que essa questão volta à tona, os débitos são óbvios para o PT e seus líderes. A forma como esse tipo de discussão vai se dar e refletir nas eleições, sinceramente, não sou capaz de prever.

Havia uma expectativa de que PSDB e DEM se aliassem pelo menos em cinco capitais. Por que o saldo foi de afastamento?

O DEM tinha dois candidatos que eram favoritos em Salvador e Aracaju. Eles têm nosso apoio. Em outras capitais, como Fortaleza e Recife, o PSDB tem candidato e o DEM também. Nada mais natural e mais equilibrado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilma avisa PT que não fará campanha para Haddad na TV

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - A presidente Dilma Rousseff avisou a aliados do candidato do PT à Prefeitura de São Paulo, Fernando Haddad, que não deve mesmo participar da sua propaganda de TV no primeiro turno.

Segundo dirigentes da campanha, ela afirmou que só apareceria no programa eleitoral caso houvesse uma polarização clara entre o petista e José Serra (PSDB).

Como as pesquisas mostram Haddad muito atrás de Celso Russomanno (PRB) e em empate técnico com Gabriel Chalita (PMDB), Dilma disse que sua entrada na disputa prejudicaria dois partidos que apoiam seu governo.

Pelas projeções dos petistas, Haddad começará a crescer com o horário gratuito, que vai ao ar no próximo dia 21, mas só terá fôlego para ultrapassar Russomanno a partir da metade de setembro.
Neste cenário, os dois candidatos disputarão uma vaga no segundo turno contra Serra até as vésperas da eleição.

A neutralidade da presidente foi cobrada pela cúpula do PRB, que se reuniu com ela depois de Russomanno se aproximar de Serra. Segundo o presidente do partido, Marcos Pereira, Dilma prometeu não gravar para Haddad.

Ontem o candidato do PT disse não ter conversado com a ex-chefe sobre o tema, mas afirmou que não tentará pressioná-la a rever sua decisão.

"Tenho que compreender a posição da presidente e me submeter aos seus desígnios. Compreendo perfeitamente a decisão que ela tomar e o grau de envolvimento que ela vai ter", disse Haddad.

"Vamos começar as gravações com o [ex] presidente Lula. Os dois são igualmente populares, e o presidente está 100% disponível para a campanha", acrescentou.

O publicitário João Santana planeja gravar as primeiras cenas com o ex-presidente nesta quarta-feira.

Estrategistas da campanha reconhecem que a presença de Dilma seria fundamental para impulsionar o candidato na classe média e no eleitorado mais conservador.

Em Belo Horizonte, o núcleo da campanha do petista Patrus Ananias diz que não criou expectativa sobre a participação de Dilma na TV.

Aliados de Patrus dizem que não vão criar constrangimento à presidente, que deve decidir por conta própria se vai atuar na campanha.

Se as pesquisas indicarem que sua participação é importante, caberá a João Santana tentar convencê-la a gravar.

Erundina

Após carreata na zona leste de São Paulo, Haddad disse que não comentaria as novas críticas de sua ex-vice Luiza Erundina (PSB) à aliança com o rival Paulo Maluf (PP).

"A Erundina basicamente recolocou o mesmo argumento de um mês atrás. Rigorosamente, não há o que comentar", disse. "Respeito a posição dela, e fico muito feliz de ela estar me apoiando."

Ele afirmou que Maluf não participará de sua campanha de rua. "Ele nem tem interesse. Todo mundo sabe disso."

O petista se divertiu com um cão vira-lata que seguiu sua comitiva por 9 km.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Em Recife, no comitê, dissidentes e petistas do Ceará

Acostumado a lavar roupa suja em público, o Partido dos Trabalhadores no Recife começa a reorganizar a casa depois do episódio que culminou com a impossibilidade de o prefeito João da Costa disputar a reeleição. Ontem, durante a inauguração do comitê do candidato Humberto Costa, alguns petistas que integram o núcleo político do prefeito compareceram ao evento e até subiram no palanque, caso do ex-presidente estadual da sigla Jorge Perez, que é candidato a vereador.

Cunhado do prefeito, o vereador e candidato à reeleição Jairo Britto também compareceu ao evento e foi anunciado com pompa pelo mestre de cerimônias. De forma tímida, Britto já vinha se incorporando às caminhadas de Humberto. A primeira aparição de militantes distribuindo seu material de campanha aconteceu semana passada, durante um evento no bairro da Várzea.

O vereador Osmar Ricardo, que causou polêmica ao marcar presença na inauguração do comitê socialista, no mês passado, também resolveu dar o ar de sua graça na festa petista. Humberto comemorou a primeira participação dos apoiadores do prefeito. “Nós tivemos hoje a participação desses três nomes importantes, tenho certeza que a presença deles é um sinal que vamos chegar a um entendimento, de que vamos conseguir a unidade”, afirmou.

Fortaleza

Também assombrado pelo rompimento com o PSB, o candidato do PT em Fortaleza, Elmano Freitas, esteve ontem ao lado da prefeita Luizianne Lins (PT) no evento de Humberto Costa. Em seus discursos, ambos apontaram para uma polarização com a legenda comandada pelo governador Eduardo Campos. Afirmaram que, assim como no Recife, na capital cearense e em boa parte do Nordeste, o PT precisa “mostrar serviço”.

“Não podemos nos acomodar. Precisamos mostrar o que fizemos neste Nordeste inteiro. Fora muitas mudanças garantidas pelas administrações do PT”, assegurou a prefeita. Demonstrando pouca intimidade com os microfones, Elmano foi mais direto: “O Nordeste é da esquerda, é vermelho, é do time do Lula”. (B.S.)

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Humberto Costa abre briga com PSB em Recife

RECIFE - Durante a inauguração de seu comitê eleitoral para campanha à prefeitura de Recife, o senador Humberto Costa já deixou claro o inimigo direto na corrida eleitoral: o PSB do governador Eduardo Campos. O candidato do partido, Geraldo Júlio de Mello, tem apoio de 14 partidos da Frente Popular, mas ainda permanece com 12% das intenções de voto contra 35% do petista (segundo o Ibope). O PT conta apenas com o apoio de PHS e PP.

- Não vamos permitir que o atraso predomine. O povo do Recife não é bobo. O voto da cidade não tem dono - alfinetou em discurso o petista, ao lado de seu vice, João Paulo Lima e Silva.

As declarações ocorreram um dia após o governador Eduardo Campos (PSB) e o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) terem aparecido juntos em um só palanque.

FONTE: O GLOBO

Política é o fim - José Roberto de Toledo

As eleições municipais demoram mais e mais para fisgar o eleitor. A dois meses de irem às urnas, só 27% dos paulistanos têm o nome de um candidato a prefeito de São Paulo na ponta da língua, segundo o Ibope. Os últimos três meses de campanha não somaram nem 10 pontos a esse mínimo grau de interesse. Ficou tudo para os 45 dias da propaganda de TV. Salvem os santos marqueteiros. Fim à mobilização política e partidária.

O repórter Daniel Bramatti publicou uma descoberta assombrosa no Estado de ontem: os candidatos a prefeito de capital com mais de 100 inserções semanais de 30 segundos na TV em 2008 tiveram 69 vezes mais sucesso - se elegeram de cara ou chegaram ao segundo turno - do que um adversário com menos de 50 inserções por semana. Repare: 69 vezes. Vivam os deuses marqueteiros. Morte à mobilização política.

A eleição não se resume a uma simples correlação estatística, mas o palanque eletrônico é uma variável cada vez mais importante. A despolitização se espalha a cada pleito, e nada é capaz de promover tanta desigualdade entre candidatos quanto a propaganda eleitoral compulsória no rádio e na TV. Nem a militância partidária, nem a internet (por ora), muito menos recursos paleozoicos como comícios e corpo a corpo com o eleitor.

É um processo que, além de não ter volta, tende a se agravar. Que fazer? Criar ainda mais regras, juízos e arbítrios? Ressuscitar a Lei Falcão e seus enfadonhos currículos lidos pela voz monocórdia de um narrador oficial? Vade retro Censurabrás.

Os EUA esticaram o tempo de campanha e liberaram quase tudo, até tiro ao candidato. O ciclo eleitoral da gringolândia dura quase dois anos. Desde as prévias, os candidatos debatem dezenas de vezes, por meses. E vão caindo pelo caminho, porque a maioria dos bonecos de ventríloquo não resiste ao excesso de uso. Só perduram os mais resistentes e caros.

O sistema norte-americano - com suas máquinas mecânicas de votar e regras diferentes em cada um dos 50 Estados - está longe da perfeição. Criou a indústria eleitoral mais perdulária do mundo. Um presidenciável precisa de dólares aos bilhões para ter chances. É o preço superfaturado de a eleição e o debate político fazerem parte do noticiário cotidiano, dos programas de variedades, da vida.

Lá como cá, sempre haverá eleitor confundindo Russomanno com Muçulmano. A diferença é que, no Brasil, ele é obrigado a votar.

A despolitização favorece celebridades eleitorais. Quem tem mais presença na memória do eleitor tende a dominar as pesquisas de intenção de voto antes de a propaganda começar na TV. É o caso do apresentador Celso Russomanno (PRB) em São Paulo. Ele está superando todos os limites previstos, porém. Parou de apresentar seu programa em junho, mas segue em alta. Empatou com José Serra (PSDB) na cidade e lidera em redutos petistas.

Russomanno tem sido uma tampa para o candidato do PT, Fernando Haddad, dificultando o seu crescimento e, nas últimas semanas, passou a tirar eleitores de Serra também. O eleitorado (não o eleitor) de Russomanno, hoje, é ambidestro: 42% vive em áreas petistas e 49% em regiões antipetistas da cidade. Não deve permanecer assim por muito tempo. Na melhor das hipóteses para o PRB, ele deve ficar com uma dessas metades e perder a outra. Na pior, perde ambas.

O problema de Russomanno é estatístico. Serra e Haddad terão quatro vezes mais exposição na TV do que ele a partir de 21 de agosto. Em 2008, só 1 de 93 candidatos a prefeito de capitais com menos de 50 inserções semanais passou do primeiro turno: Camilo Capiberibe, filho de governador e deputada, que, mesmo assim, perdeu o turno final em Macapá. Para virar exceção à regra, Russomanno tem que bater os adversários, o retrospecto e a politização da eleição. No fim, é a política.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Musa da pilhagem - Renato Lessa

O finado Dr. Marx, em um de seus mais inspirados momentos, descreveu e analisou, na célebre oitava seção do primeiro livro de seu O Capital, o que denominou como o processo de "acumulação primitiva de capital". Páginas luminosas; não faria mal as ler quinzenalmente. Com efeito, qualquer que seja o juízo que se faça, hoje, a respeito das benesses ou desgraças do capitalismo, o bom senso recomenda reconhecer que a coisa começou pessimamente. Estivessem vigentes, naquela altura, os institutos jurídicos que hoje vigoram nos países por assim dizer democráticos - e capitalistas -, o capitalismo não teria nascido do modo como nasceu. Ou, simplesmente, não teria nascido, posto que barrado algures, em algum STF.

O cenário da acumulação primitiva, tal como hoje é fartamente sabido, exibiu intensa associação entre maximização de ganhos, uso da violência e destituição de uma série de vítimas sociais. O atributo "primitivo" não se deve tanto ao fato óbvio de que isso se deu nos primórdios do capitalismo. O termo pode revelar, ainda, uma forte dissociação entre apetite maximizador e aquilo que, graças a Norbert Elias, podemos designar como "processo civilizador". Tal dissociação esteve presente tanto nos primórdios do capitalismo europeu quanto na contemporânea pujança do capitalismo à brasileira. Somos, por cá e em grande medida, contemporâneos dessa dissociação; os operadores da modernidade são, vez por outra, agentes do primitivismo.

O emblemático personagem que ora reside em presídio vizinho a Brasília, e que dá nome a uma CPI, é um operador exemplar desse apetite infrene dos pioneiros do capital. O drama que protagoniza tem como enredo central o trânsito de dinheiro obtido em circuitos ilegais para o âmbito da, digamos, economia legal. Quer por sua materialização em bens e serviços - por exemplo, mansões e serviços de decoração - ou por sua transformação em "investimento produtivo", configura-se o circuito de uma acumulação que, mais do que "primitiva", aproxima-se do que Max Weber, em dia iluminado, denominou "capitalismo de pilhagem".

Tal processo de acumulação, no entanto, não se limita à lavagem de dinheiro ou ao trânsito de numerário ilegal acumulado para o âmbito da economia legal. Parte considerável, ao que tudo indica, tem como origem recursos públicos, o que não deve surpreender. Se voltarmos ao Dr. Marx, devemos recordar que a toda infraestrutura corresponde uma superestrutura política e jurídica. Em contextos nos quais o estado de direito está implantado de modo mais consistente, tal relação não faz lá muito sentido, mas nesta parte do mundo temo que ainda faça. Faz, ao menos, para os circuitos ilegais. A economia ilegal não prescinde de seus operadores não econômicos, incrustados nos assim chamados Poderes da República.

Vejam só, no Rio de Janeiro, para as eleições deste ano, cerca de 600 policiais e bombeiros inscreveram-se como candidatos a vereador. É forte, para dizer o mínimo, a presença de policiais e bombeiros entre milicianos que infestam as periferias cariocas, e a maioria desses candidatos tem vínculos com áreas tomadas por milícias. O que é isso, senão a tentativa de captura de espaços legais, por parte dos circuitos de pilhagem? O significado sociológico do mandado senatorial de um dos campeões da direita brasileira, posto a serviço do personagem que habita o presídio da Papuda, não tem sentido distinto.

A glamourosa companheira desse notável operador do capitalismo de pilhagem brasileiro deu significativa contribuição ao quadro aqui composto. A tentativa malograda de intimidação de um juiz, com base em ameaça de chantagem, revela um modo preciso de operação, fundado na hipótese - felizmente errada - de que o que conta na vida, para valer, são as ofertas que não podem ser recusadas. Essa lógica tem, necessariamente, implicações penais. Ou seja, seus operadores e agentes são, em termos técnicos rigorosos, "criminosos". Mas não nos iludamos, há mais coisas entre o céu e a terra do que o código penal: há sociologia na coisa, sociologia pesada.

O bom barão de Montesquieu, nos idos do século 18, falava da atividade de ganhar dinheiro como "paixão calma", proporcionada pelo "doce comércio". Com ela, as interações humanas progressivamente deixariam de ser belicosas. Uma doce complementaridade somada à percepção de que precisamos uns dos outros deveria, segundo o barão, orientar nossos interesses privados. Nada de semelhante parece estar presente no campo das relações entre, digamos, a atividade de ganhar dinheiro - ou de acumular - e o âmbito da legalidade no Brasil. As relações são, no mínimo, incertas.

A musa da pilhagem, na tentativa de chantagem ao juiz, é o avesso da "paixão calma". Ao contrário, ela pretende ensinar ao País que ganhar dinheiro exige agressividade e pouca - se alguma - atenção a formalidades. É curioso como, entre nós, "empresários agressivos" passam por personagens virtuosos. A meu juízo, trata-se da única ocupação à qual o atributo "agressivo" soa como adjetivo elogioso. Assim não dá.

* Renato Lessa - é professor titular de teoria política da Universidade Federal Fluminense, pesquisador associado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, presidente do Instituto Ciência Hoje.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO / ALIÁS