domingo, 29 de abril de 2012

OPINIÃO DO DIA – Marco Aurélio Nogueira; interdependência e cooptação

O modelo construído ao longo das duas últimas décadas aponta para um crescimento voltado para o mercado interno, com tendência à expansão das exportações e sustentado pela estabilidade, pela expressiva presença do Estado e pela busca de autonomia empreendida pela política externa. É por isso que há tanta tensão quando se discute a taxa de juros. A economia brasileira está internacionalizada e privatizada. O "capitalismo dependente" de que se falava na década de 1960 parece ressurgir, com o crescimento econômico se apoiando sempre mais numa articulação do Estado com grandes empresas multinacionais e algumas poderosas empresas nacionais. Respirando ares globalizados, nossa soberania estatal se afirma de modo compartilhado. A dependência virou interdependência estrutural.

Com base nisso tudo, armou-se quase espontaneamente um sistema de cooptação da sociedade pelo Estado. Seja como resultado das políticas adotadas, seja pelas idiossincrasias do sistema político e pela má qualidade de seus principais protagonistas, seja, enfim, pela reorganização "em rede" da sociedade, o fato é que o Brasil se converteu num país com pouca participação social autônoma e uma democracia política muito aprisionada aos ritos eleitorais. Há uma inegável democratização da vida social e a conflitualidade está à flor da pele, mas isso transcorre num ambiente marcado pelo poder magnético do Estado, do Executivo, que é, no fundo, o único articulador. Não espanta que as oposições ao governo federal se revelem frágeis e incapazes de ação eficiente. Estado e sociedade estão próximos, mas a ausência de dialética entre eles faz essa proximidade ser mais aparente que real. Tudo funciona de modo regular e estável, mas sem emoção. Ou seja, com pouca política.

NOGUEIRA, Marco Aurélio, professor titular de Teoria Política e diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais da Unesp, em ‘Desenvolvimento e democracia’. O Estado de S. Paulo, 28/4/2012.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO
Delta é acusada de contratar fantasmas e abandonar obras
Descoberta de pré-sal do gás trará autonomia
Brasil não consegue deter avanço chinês
Índia estuda implantar o Bolsa Família

FOLHA DE S. PAULO
Máquina de lavar chega ao sertão do NE antes da água
Programa traz novas revelações sobre o caso Cachoeira
Cachoeira deu viagem e vinho de R$ 30 mil em troca de favores
"Incoerência do procurador-geral é gritante", afirma defesa de senador
Justiça de SP já condena jovens por bullying

O ESTADO DE S. PAULO
Patrimônio de Demóstenes quadruplicou após eleição
Juros custam R$ 195 bilhões ao brasileiro
Taxa menor reduz opções de crédito

CORREIO BRAZILIENSE
Cachoeira espionou a diretoria do DNIT
Impunidade protegida em lei

ESTADO DE MINAS
Pequenas cidades, grandes rombos
Procurador impedido de depor na CPI

ZERO HORA (RS)
À espera do 4G, clientes enfrentam rede limitada
Estado não vai cumprir prazo da nova lei
Quais as regras que mudam no seguro-desemprego

JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Promessas no lixo
Rio +20 vai priorizar os negócios

O que pensa a mídia - editoriais dos principais jornais do Brasil

http://www2.pps.org.br/2005/index.asp?opcao=editoriais

Delta é acusada de contratar fantasmas e abandonar obras

Empresa também é suspeita de apresentar documentos falsos em licitação

Contratação de funcionários fantasmas, obras de má qualidade ou abandonadas são algumas das acusações enfrentadas país afora pela Delta, construtora do centro do escândalo que levou à criação da CPI sobre atividades de Carlinhos Cachoeira. No Rio, a empreiteira abandonou a construção do Engenhão, em 2007, por falta de condições de entregar a sua parte da obra no prazo. O Ministério Público investiga ainda a contratação de 67 funcionários fantasmas para trabalhar na coleta do lixo em Duque de Caxias. Em São Paulo, o alvo dos promotores é um contrato de R$ 1,1 bilhão para varrição de lixo, assinado entre a prefeitura da capital e o consórcio do qual a Delta faz parte. Há suspeita de apresentação de documentos falsos na licitação. Em Recife, moradores de uma comunidade abandonaram suas casas às pressas porque uma caixa d"água, construída pela empresa, ameaça desabar.

Delta tem obras e serviços em xeque

Empreiteira alvo da CPI do Cachoeira tinha contratos questionados por órgãos de controle

Cássio Bruno, Thiago Herdy e Maiá Menezes

Obras com problemas de infraestrutura, abandono de serviços, suspeitas de irregularidades em licitações, uso repetido de termos aditivos e até a contratação de funcionários fantasmas. Uma análise de contratos da Delta Construções com prefeituras de grandes cidades do país mostra um retrato do tipo de trabalho que a empreiteira vem concedendo ao poder público, hoje o único cliente da construtora. No Rio, por exemplo, a Delta está sendo investigada pelo Ministério Público.

Já o Tribunal de Contas do Município (TCM) afirma que fará um pentefino em todos os contratos executados pela empresa número 1 do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e alvo da CPI do Cachoeira.

O Ministério Público do Rio apura as dispensas de licitação do lixo para a contratação da Delta pela prefeitura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, com quem a empreiteira manteve contratos sem licitação no valor de R$ 84 milhões na gestão do ex-prefeito Washington Reis (PMDB), atual deputado federal. Os promotores querem saber ainda as circunstâncias que teriam levado a Delta a contratar 67 funcionários fantasmas para trabalharem com o recolhimento de resíduos na cidade.

No ano passado, a Delta abandonou a coleta de lixo em Duque de Caxias e foi contratada, sem licitação, pela prefeita de Nova Iguaçu, Sheila Gama (PDT), por R$ 21,4 milhões para prestar serviço durante 180 dias.

Segundo Washington Reis, as concorrências foram feitas de acordo com a Lei 8.666 e aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio.

Há outra investigação em Duque de Caxias sobre suposta fraude na construção do Hospital Municipal Moacyr Rodrigues do Carmo, executada pela Delta na administração de Washington Reis. Obras realizadas pela empreiteira em parceria com as prefeituras de São Gonçalo, Porto Real e Niterói são alvos também de inquéritos do Ministério Público.

Na cidade do Rio, o MP investiga contratos emergenciais de R$ 36,5 milhões feitos com a Delta pelo prefeito Eduardo Paes (PMDB), entre 2009 e 2011. A assessoria de Paes informa que o valor corresponde a apenas 10% do total investido nas obras de reconstrução do município após as chuvas de abril de 2010.

Desde 2008, e com previsão de conclusão em novembro de 2013, a prefeitura tem contrato de R$ 163,5 milhões para a locação de veículos e equipamentos de limpeza urbana. Em 2007, a Delta desistiu de prosseguir com o contrato do Engenhão — como fez há dez dias com o Maracanã e, na semana passada, com a Transcarioca—, sob o argumento de que não teria condições de concluir a montagem da cobertura metálica a tempo para os Jogos Pan- Americanos. Uma inspeção do TCM, concluída em 2011, apresentou sobrepreço de mais de 400% em relação ao projeto básico do Engenhão.

Em SP, suspeita de documentos falsos

l A má qualidade dos serviços prestados pela Delta foi o argumento que a prefeitura de São João de Meriti usou, no começo do ano, para ameaçar a empreiteira de multa de 20% do valor do contrato (de R$ 66 milhões), além da suspensão dos pagamentos. A construtora optou por reduzir a sua participação no consórcio que executa a obra de infraestrutura do PAC no município a 1%. Era de 50%.

Um contrato de R$ 1,1 bilhão assinado em novembro do ano passado entre a prefeitura de São Paulo e o consórcio liderado pela Delta para varrição de lixo se tornou alvo de investigação do Ministério Público. Os promotores apuraram as suspeitas de apresentação de documentos falsos pelo consórcio e abertura de envelopes apesar da existência de uma liminar judicial com impedimentos ao processo.

Quem assinou o contrato em nome do consórcio foi Heraldo Puccini Neto, diretor da Delta para a Região Sudeste, que teve a prisão preventiva decretada pela Justiça em Brasília na última semana a pedido da Polícia Civil, por suspeita de envolvimento em esquema de fraude em licitações na área de transporte público do Distrito Federal. Até a noite de sexta-feira ele ainda estava foragido.

O contrato do lixo é o maior assinado pela Delta na cidade desde 2005, ano em que a empresa recebeu R$ 11 milhões por serviços prestados à cidade.

A chegada de Gilberto Kassab (PSD) ao poder municipal, em 2006, representou um salto para os negócios da Delta com a cidade. Em 2008, a prefeitura pagou R$ 38 milhões à empresa, valor que caiu no ano seguinte para R$ 35 milhões e voltou a subir em 2010 e 2011, quando São Paulo pagou R$ 37,5 milhões e R$ 69,5 milhões, respectivamente, à empresa.

Os dados são do Sistema de Orçamento e Finanças da prefeitura.

— No contrato do lixo já existem inclusive medidas judiciais por conta de supostas irregularidades praticadas pela Delta e pelo presidente da comissão de licitação — disse o promotor Silvio Antonio Marques, da Promotoria de Justiça do Patrimônio Público do MP de São Paulo.

Na sexta-feira, o promotor encaminhou à Polícia Federal ofício em que solicita documentos relacionados a irregularidades eventualmente cometidas pela Delta ou por seus dirigentes na cidade de São Paulo, para verificar a relação com o contrato do lixo e o diretor foragido.

O Ministério Público determinou a verificação de atestados apresentados pela Delta para participar da licitação com informações sobre a implantação de programas de educação ambiental em Poá e Itanhaém, onde já prestou serviços. Há indícios de que os dados apresentados não sejam verídicos. As decisões tomadas pelo presidente da comissão de licitação, como a abertura de envelopes com propostas apesar de decisão judicial que a impedia, também estão sendo questionadas.

Antes de vencer o contrato do lixo, a Delta já havia recebido R$ 155,7 milhões da prefeitura de São Paulo em contratos emergenciais de varrição, pagos entre 2007 e 2011. Nos últimos sete anos, a construtora recebeu outros R$ 63,5 milhões a título de obras de urbanização, pavimentação de ruas e construção de pontes.

Na noite de sexta-feira, a assessoria do prefeito Gilberto Kassab (PSD) informou que a prefeitura foi notificada sobre o processo do MP, mas não teria nenhuma declaração a fazer sobre os indícios de irregularidades.

Contratos da Delta em Campinas para varrição de lixo também foram julgados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE). Os negócios se referem a serviço de recapeamento asfáltico, pelo qual a empresa recebeu R$ 5,6 milhões.

A assessoria da prefeitura informou que não há contratos em vigor com a Delta, e os que existiam foram assinados pelos antecessores.

Em nota, a Delta disse ter "certeza da sua idoneidade e da lisura e transparência de todos os certames que disputou e venceu".

FONTE: O GLOBO

Denúncias de corrupção envolvem diretoria da empreiteira pelo país

Preso em 2010, ex-diretor do Norte e Nordeste integra conselho da empresa

Maiá Menezes

Ao contrário do que a Delta Construções tem afirmado, a rede de comando da construtora envolvida em denúncias de corrupção vai além do exdiretor da região Centro-Oeste, Cláudio Abreu, a quem a empresa tenta restringir as ligações com o bicheiro Carlinhos Cachoeira. Integrante do Conselho de Administração, com mandato de maio do ano passado até maio deste ano, Aluizio Alves dos Santos foi preso, em 2010, pela Operação Mão Dupla, da Polícia Federal. Na época, ele era diretor da Delta no Norte e Nordeste. A investigação, que agora se desdobrou em dois processos na Justiça cearense, identificou o pagamento de um "mensalão" pela Delta a servidores do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) do Ceará.

O diretor da empresa nas regiões Sul e Sudeste também está envolvido em escândalo: Heraldo Puccini Neto, identificado como representante legal da empreiteira em contratos celebrados com o governo de São Paulo, é agora considerado foragido. De acordo com as investigações da Operação Saint Michel, um desdobramento da Monte Carlo, ele também teria pagado propina de R$ 50 mil a um servidor do Departamento de Trânsito do Distrito Federal em troca do benefício em licitação de R$ 60 milhões com o governo.

Puccini Neto assina, pela Delta, os principais contratos com o governo do estado e com a prefeitura de São Paulo.

Sócio negociava diretamente com Cachoeira Outro que aparece no inquérito da Polícia Federal é Carlos Duque Pacheco, registrado como sócio da Delta e da DTP — holding que controla a empreiteira —, junto com Fernando Cavendish. Pacheco, diretor-executivo da Delta, é citado em pelo menos sete conversas de Cachoeira, preso na Operação Monte Carlo. Nas conversas. são discutidos negócios e marcados encontros. Pacheco e Cavendish anunciaram, no começo da semana, a saída do comando da empreiteira "como demonstração da isenção com que se pretende sejam conduzidos os procedimentos de auditoria". A devassa no escritório Centro-Oeste fora anunciada pela empreiteira logo depois da explosão do escândalo Cachoeira. Em nota, a construtora tentou limitar as ações suspeitas a Cláudio Abreu. Os grampos da Operação Monte Carlos mostram que Pacheco negociava diretamente com o grupo de Cachoeira.

O que o inquérito da Monte Carlo revela é um modo de funcionamento semelhante ao identificado pelas investigações da PF no Ceará. Aluizio Alves dos Santos, preso pela PF em 2010, é investigado por envolvimento em suposto esquema criminoso de fraudes em licitações, superfaturamento, desvio de verbas públicas e pagamentos indevidos em obras de infraestrutura rodoviária realizadas pelo Dnit. Inquérito que corre na 1+ Vara Cível Federal, no Ceará, mostra com detalhes como a empresa operava para conseguir benefícios no órgão.

Na sede da Delta, foram apreendidos documentos que atestam o pagamento de uma "caixinha" ao então superintendente do Dnit no estado, Guedes Ceará. O material usado nas obras também foi considerado inferior aos praticados no mercado. Na relação, estão duas obras do PAC: a duplicação de uma ponte na BR-304, que liga Natal, no Rio Grande do Norte, a Russas, no interior cearense, orçada em R$30 milhões; e o recapeamento entre os quilômetros zero e 12 da BR-116, em Fortaleza.

Aluizio Alves será convocado a depor na CPI Mista de Cachoeira, pela liderança do PSDB no Senado. Procurada, a Delta informou que não se pronunciaria sobre a permanência do executivo no conselho de administração da empreiteira.

FONTE: O GLOBO

Em Recife, obra levou risco a moradores

Leticia Lins

RECIFE. O contrato mais antigo firmado pela Delta com o governo do estado de Pernambuco, de 17 de novembro de 2006, é emblemático. A empreiteira assumiu o serviço de abastecimento, saneamento e drenagem da comunidade do Passarinho, em Olinda. Inicialmente, o valor era de R$ 9,8 milhões.

Depois de três aditivos, chegou a R$ 14,9 milhões. O serviço, no entanto, não foi concluído.

Segundo a Secretaria das Cidades do estado, a obra foi retomada por causa de um "vazamento na caixa d"água". O GLOBO esteve no local, no Alto da Bondade, e constatou que o problema é muito mais grave: — A rua todinha foi desocupada porque a caixa ameaçava desabar em cima da gente. Era tanta água que parecia um dilúvio — lembrou Telma Maria da Silva, uma das que tiveram que deixar a casa sob o risco de desabamento do cogumelo de concreto. Ela só voltou depois que o reservatório, que é muito alto, foi esvaziado.

— Parecia um chuveirão, era menino, cavalo, cachorro, todo mundo tomando banho em baixo. Eu tinha medo de que tudo desabasse e matasse muita gente — lembrou o pequeno comerciante Severino Gomes da Silva, mostrando os defeitos do serviço.

O governador Eduardo Campos (PSB) determinou auditorias em todos os contratos da Delta no estado. As obras estão em atraso. Foi dado um prazo de 30 dias para o levantamento.

A prefeitura de Recife tem quatro contratos, no valor de R$ 117,5 milhões com a Delta.

Assinados entre março de 2007 e junho de 2008, eles são marcados por aditivos, que aumentam os preços dos serviços prestados em cerca de 20%. As entregas também registram longos atrasos: a execução de obras de urbanização do canal do Jacarezinho, no bairro de Campina do Barreto, em contrato firmado em 2007, com conclusão prevista para um ano depois, vai ser entregue com quatro anos de atraso.

Na rua que margeia o canal, a Manoel Silva, a população reclama da falta de esgotamento.

Poucos homens usando uniforme da Delta ainda trabalhavam no local na última quinta-feira.

Uma "rescisão amigável" para "ajuste técnico" do contrato para obras de saneamento na Zona Norte de Recife, prevista inicialmente para R$ 45,7 milhões, chegou agora a R$ 115 milhões.

FONTE: O GLOBO

Uma prestadora de serviço versátil

Delta oferece desde carros de polícia até tapa-buracos no Centro-Oeste

BRASÍLIA. Da locação de máquinas e equipamentos até obra em pontes e rodovias, a Delta se consolidou nos últimos anos como uma versátil, por vezes problemática, prestadora de serviços em Goiás e no Distrito Federal. Em Brasília, Anápolis e Goiânia, três cidades onde o ex-diretor Cláudio Abreu atuava com desenvoltura, a empresa já contratou cerca de R$ 700 milhões. Isso sem contar toda a frota da Polícia Militar do estado de Goiás, que firmou com a Delta um contrato de locação de viaturas, hoje alcançando duas mil unidades, de acordo com o Ministério Público goiano. O promotor Fernando Krebs, do MP, defende a declaração de inidoneidade da empresa por causa da Operação Monte Carlo.

De todas as contratações, a mais vultosa é a dos lotes 1 e 3 de coleta de lixo no Distrito Federal, que totaliza R$ 472 milhões, em cinco anos. Entre 2006 e 2010, a Delta faturou um pequeno quinhão da série de contratos emergenciais firmados durante o governo de José Roberto Arruda (2007-2010), cassado na esteira do escândalo do mensalão do DEM. Porém, após batalha judicial, na qual foi acusada de se valer de uma Certidão de Atestado Técnico (CAT) irregular pelo Ministério Público de Tocantins, venceu o certame e faturou um dos mais concorridos contratos da administração do DF. A negociação foi comandada por Cláudio Abreu, o ex-diretor da Delta. Desde 2010, a empresa já recebeu R$ 140 milhões do lixo.

Na terra de Carlinhos Cachoeira, Anápolis, a Delta também emplacou o contrato do lixo.

Em cinco anos, a Delta deve receber R$ 100 milhões, sem contar os contratos menores, da Operação Tapa-Buracos e da construção do Parque Ambiental da cidade. A prefeitura afirma que os contratos são regulares.

Em Goiânia, onde a Delta já recebeu entre R$ 100 e R$ 140 milhões, o principal negócio da Delta é a locação de máquinas de grande porte para a prefeitura. O procurador do município, Reinaldo Barreto, relatou a relação difícil com a empresa, anunciou a suspensão dos contratos vigentes e instalou uma sindicância.

FONTE: O GLOBO

Ascensão meteórica no faturamento

Delta subiu nove posições no ranking das empreiteiras de 2004 para 2005

Silvia Amorim

SÃO PAULO. Alvo da CPI do Cachoeira, a Delta Construções teve uma ascensão meteórica ao grupo de elite das empreiteiras do país. Até 2004, a empresa nem aparecia entre as dez maiores construtoras no ranking da engenharia brasileira. No ano seguinte, subiu nove posições, alcançando a marca de 6+ maior faturamento do setor no país, posição que mantém até hoje.

À frente da Delta estão somente os gigantes da construção: Odebrecht, Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão e OAS. Mas, quando o ranking é a soma de recursos recebidos do governo federal nos últimos anos, a situação se inverte. A Delta é, desde 2006, a campeã em pagamentos do governo. Em 2011, ela teve liberados pelo governo federal R$ 862 milhões, o que representou mais que o dobro do recebido pela segunda maior contratada, a Andrade Gutierrez, com R$ 393 milhões.

Segundo o ranking mais importante da engenharia brasileira, publicado anualmente pela revista "O Empreiteiro", a Delta multiplicou por dez o seu patrimônio nos últimos oito anos — de R$ 113 milhões em 2003 para R$ 1,1 bilhão em 2011. O crescimento da empreiteira está ancorado em sua relação com a esfera governamental. Segundo o ranking, 99% do faturamento da construtora em 2011 foram provenientes de contratos públicos.

A Delta é acusada pela Polícia Federal de operar um esquema de financiamento de campanhas eleitorais, juntamente com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, e de oferecer dinheiro a parlamentares em troca de favores.

FONTE: O GLOBO

Agnelo enviou emissários a Cachoeira

Escutas feitas pela PF mostram que contraventor recebeu assessores de governador; petista queria que Demóstenes parasse de atacá-lo

Fábio Fabrini, Alana Rizzo

BRASÍLIA - Assessores do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), figuram como mensageiros do petista em diálogos com Carlinhos Cachoeira e seus aliados, apontam as investigações da Polícia Federal na Operação Monte Carlo. Nas conversas, eles levam supostos recados de Agnelo e tratam de interesses da organização criminosa no governo. Apontado no inquérito como o “01 de Brasília”, o próprio governador teria enviado, via Cachoeira, um aviso ao senador Demóstenes Torres para que críticas a seu respeito cessassem. A informação aparece no resumo de um dos telefonemas entre o contraventor e o ex-diretor da Delta Construções, Cláudio Abreu, em 6 de julho de 2011. “Te contei ontem que o coisa... mandou um recado para o Demóstenes (de) que, se bater nele, vai contar que reuniu lá no apartamento dele para pedir obras?”, questiona Cachoeira. “Você comentou ontem comigo. Uai, negar, né, doutor? Chamou o cara de mentiroso, safado”, responde Abreu. A PF diz que os dois, provavelmente, falam de Agnelo e não informa que situação teria motivado a ameaça.

O ex-subsecretário de Esporte João Carlos Feitosa, o Zunga – que pediu demissão após a revelação de que teria solicitado uma conversa entre o governador e Cachoeira – figura nas escutas como interlocutor de Agnelo em outra circunstância. Em 16 de junho de 2011, o contraventor é avisado pelo araponga Idalberto Matias, o Dadá, de que Zunga dissera que o “01, Magrão” precisava lhe falar. Segundos depois, Cachoeira liga para o assessor de Agnelo, querendo saber do que se trata.

De acordo com a PF, Zunga queria saber se Demóstenes trabalhava para convocar o governador a prestar explicações sobre algum caso no Congresso. E pede para Cachoeira interceder junto ao senador. “Parece que o amigo seu aí, o careca, tava com um negócio de fazer um pedido de convocação. Verifica se tem fundamento isso”, solicita. Questionado sobre qual seria o motivo da convocação, ele responde: “Negócio que estava envolvido um pessoal grande do partido. Vou ‘puxar’ melhor e, se for verdade mesmo, ele (Agnelo) pediu para você se pode ajudar. Fica ruim chamar ele (sic)”, diz. Segundo a PF, Zunga negociou com a organização de Cachoeira nomeações no Serviço de Limpeza Urbana dias antes da posse de Agnelo e intermediou, junto ao ex-chefe de gabinete do petista, Cláudio Monteiro, conversa de Demóstenes com o então governador eleito. O objetivo do senador seria tratar de interesses do grupo, como indicam as escutas. Em 30 de dezembro de 2010, Cláudio Abreu cobra de Dadá um retorno sobre conversas com Agnelo, intermediadas por Monteiro, que se afastou do cargo recentemente para se defender de denúncias de que recebeu dinheiro da organização. “É importantíssimo ele fazer essa interface com o governador, ficar falando bem da gente para o governador”, orienta.

Novos grampos da PF indicam que Cachoeira contribuiu em 2010 para a campanha de Monteiro, que se candidatou a deputado distrital. Em maio do ano passado, o próprio Cachoeira se refere a Monteiro como “o cara que eu ajudei muito na campanha”, em conversa com Edivaldo Cardoso, ex-diretor do Detran de Goiás.

Outro lado. Monteiro nega ter recebido dinheiro do grupo de Cachoeira. Agnelo informou, por meio de seu porta-voz, Ugo Braga, que os grampos “são uma série de fofocas que não tem nada a ver com o governador do DF”. Ele alegou que os diálogos sobre o suposto recado de Agnelo a Demóstenes não menciona o nome e nem a palavra governador. O porta-voz assegurou que o governador nunca se reuniu com Cláudio Abreu e que o grupo de Cachoeira não conseguiu emplacar nomeações no DF, embora tenha se articulado para isso. Procurado pelo Estado, Zunga não foi encontrado.

Senador comemorou processo da Celg no STF, revela grampo

Em uma conversa entre o senador Demóstenes Torres e o contraventor Carlinhos Cachoeira, gravada pela Polícia Federal, o parlamentar comemora uma decisão do ministro do STF Gilmar Mendes em uma ação bilionária envolvendo a Companhia Energética de Goiás (Celg). “Conseguimos puxar para o Supremo uma ação da Celg aí viu? O Gilmar mandou buscar", afirmou o senador, que avaliou que Mendes conseguiria abater cerca de metade do valor da dívida da Celg com uma decisão judicial. “Dependendo da decisão dele, pode ser que essa Celg se salva (sic), viu? Ele que consegue tirar uns dois... três bilhões das costas da Celg.” Cachoeira responde: “Nossa senhora! Bom pra caceta, hein?”. Ao Estado, Gilmar Mendes observou que o relatório da PF ressalta que “não há qualquer referência de ilegalidade no procedimento de Demóstenes” com ele.

“Este diálogo, dentre outros, serve fundamentalmente para demonstrar que Demóstenes Torres tem o hábito de informar Cachoeira de sua atuação política”, diz o documento. Segundo o ministro, trata-se de uma decisão de rotina, que envolve um “assunto técnico”. “Demóstenes nunca falou comigo desse processo. É uma rotina do Supremo. É um conflito entre o Estado de Goiás e a União, envolvendo a Celg e discutindo apenas indenização. Foi só para subir o processo para o Supremo, que será processado normalmente.”

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Cachoeira espionou a diretoria do DNIT

Interessado nas licitações milionárias, o bicheiro se aproximou de empreiteiras beneficiárias de repasses volumosas no órgão, que passou a ser estratégico para ele. Além de tentar emplacar superintendências, Carlinhos Cachoeira pediu ao araponga Idalberto Matias de Araújo, o Dadá, para vasculhar a vida do diretor-geral do DNIT, Jorge Fraxe, assim que o nome deste foi oficializado pela presidente Dilma Rousseff, durante a faxina no Ministério dos Transportes, em agosto do ano passado

O cerco de Cachoeira ao Dnit

De olho nas licitações milionárias, bicheiro tentou emplacar superintendentes e espionou a cúpula do órgão

Vinicius Sassine

O bicheiro Carlinhos Cachoeira se aproximou de empreiteiras estratégicas para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e beneficiárias de repasses milionários do órgão. Além das negociatas para favorecer a Delta Construções, a empreiteira com a maior fatia do dinheiro do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o contraventor manteve contatos com representantes da Data Traffic, responsável por obras de fiscalização eletrônica em rodovias, e da JM Terraplanagem e Construções, que constrói rodovias em áreas isoladas da Região Norte. O Dnit, para Cachoeira, passou a ser um órgão estratégico: o bicheiro tentou emplacar superintendentes e usou a espionagem de seu grupo criminoso para vasculhar a vida do diretor-geral do órgão, Jorge Fraxe, nomeado pela presidente Dilma Rousseff durante a faxina no Ministério dos Transportes, em setembro do ano passado.

A Polícia Federal incluiu Paulo Roberto Vilela, descrito na planilha como "diretor de Engenharia da Data Traffic", na lista de pessoas ligadas a Cachoeira. A Data Traffic é uma empresa goiana especializada em fiscalização eletrônica de rodovias por meio de radares. Paulo Roberto foi presidente da empresa e, hoje, atua numa construtora em Brasília. Até agosto de 2011, atos oficiais traziam o engenheiro como diretor presidente. Durante a gestão de Paulo Roberto, a empresa obteve nove contratos com o Dnit, que totalizam R$ 228,8 milhões. Quatro foram concluídos e cinco estão em vigor, referentes a instalação de equipamentos eletrônicos para monitoramento de velocidade em rodovias de Goiás, Pernambuco e Paraíba. Numa conversa telefônica gravada pela PF em julho de 2011, que está entre o material que será enviado pelo Supremo Tribunal Federal à CPI do Cachoeira, o bicheiro e o então diretor da Delta no Centro-Oeste, Cláudio Abreu, falam sobre a Data Traffic e sobre contratos de inspeção veicular.

A JM Terraplanagem e Construções, empresa com sede no DF, também obteve contratos milionários do Dnit. Mesmo com os apontamentos de superfaturamento em obras rodoviárias no Acre, feitos pelo Tribunal de Contas da União (TCU), a JM continuou a ser beneficiada pelo órgão vinculado ao Ministério dos Transportes. Os 10 contratos somam R$ 220,5 milhões. O último, no valor de R$ 54,6 milhões, é uma dispensa de licitação para a construção de estradas que integrariam duas aldeias indígenas à BR-163, no Pará. Foi a maior dispensa de concorrência já feita na gestão do general do Exército Jorge Fraxe. Depois de o Correio revelar o caso, em 1º de abril, Fraxe comunicou a suspensão do contrato e dos pagamentos e a realização de uma nova licitação.

Inspeção veicular

Os diálogos telefônicos interceptados na Operação Monte Carlo trazem uma provável referência à empreiteira. Cachoeira conversa com o ex-vereador Wladmir Garcez, também denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por integrar o alto escalão da organização criminosa, num diálogo gravado em junho de 2011. Wladmir menciona o "Júlio da JM" ao bicheiro, "aquele cara que viajou com nós (sic) pra Cuiabá", conforme a transcrição. Em entrevista ao Correio, o diretor comercial da JM Terraplanagem, Júlio César de Ávila Oliveira, disse nunca ter visto ou conversado com Cachoeira. Mas admitiu que "batia papo" com Cláudio Abreu, ex-diretor da Delta que hoje está preso por envolvimento no grupo criminoso. A JM Terraplanagem participa de um consórcio com a Delta Construções, no valor de R$ 223 milhões, para duplicar 50km da BR-060 em Goiás. "Conversava quando ele era diretor da Delta."

A empreiteira foi apontada como ligada a Cachoeira a partir da revelação de um grampo telefônico em que o bicheiro cobra de Cláudio Abreu a devolução de R$ 500 mil. Cachoeira faz referência ao ex-senador Eduardo Siqueira Campos (PSDB), que exerce o cargo de secretário de Relações Institucionais no governo de Tocantins. O pai de Eduardo, Siqueira Campos (PSDB), é o governador de Tocantins. "Computa procê aqueles 500 lá, viu? Não quero nem ver aquele Eduardo", diz Cachoeira. Cláudio defende o filho do governador. "Eduardo também é bom. Ele mandou dar pra nós a inspeção veicular." Na entrevista à imprensa de Tocantins, em que explicou a existência dos R$ 500 mil, Eduardo disse se tratar da doação feita pela JM Terraplanagem ao comitê financeiro do PSDB no estado nas eleições de 2010. A empreiteira doou R$ 500 mil ao comitê.

O diretor comercial da JM diz ter feito a doação ao comitê do PSDB porque a empresa pretendia estabelecer uma parceria público-privada com o governador eleito de Tocantins. Júlio César afirma que não sabia das ligações de Cláudio Abreu com Cachoeira. O ex-diretor da Data Traffic Paulo Roberto Vilela também admitiu ao Correio, por e-mail, conhecer o ex-executivo da Delta. "Já falei com ele algumas vezes. Empresários conversam sobre expectativas de negócios, porém nenhum negócio foi concretizado com a Data Traffic." A empresa goiana fez duas doações de campanha em 2010, conforme os registros oficiais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): R$ 27,1 mil à senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) e R$ 90 mil ao deputado federal Thiago Peixoto (PSD-GO).

Interceptações

Conversas telefônicas gravadas pela PF mostram interesse de Cachoeira em saber detalhes sobre o novo diretor-geral do Dnit, que assumiu o cargo em setembro de 2011:

5 de agosto de 2011

Cachoeira: O novo presidente do Dnit, Dadá. É o general Jorge Ernesto Pinto Fraxe.
Dadá: Tá, eu vou vê. É com certeza da reserva. Vou tentar aqui descobrir quem é esse cara. Qual é a linha dele.

Cachoeira: Depois cê me fala.

8 de agosto de 2011

Evaldo: Ô, professor.

Dadá: Professor, como é o nome desse general aí do Dnit?

Evaldo: Jorge Ernesto Pinto Fraxe.

Dadá: Ele é general de divisão, é?

Evaldo: Pois é, outro menino lá é amigo dele, entendeu? Aí você vê.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Capital é refém da indústria do grampo

Disputas por poder e dinheiro alimentam rede de espionagem e chantagens

Fabiano Costa

Na cidade que traça os rumos do país, não há diálogo, e-mail ou traição que esteja imune aos olhos e ouvidos indiscretos de arapongas. À sombra do poder, a indústria dos grampos se esgueira pelo submundo de Brasília, utilizando a chantagem como estratégia para manter políticos, funcionários públicos e empresários sob seu controle.

Por trás dos mais recentes escândalos da República, entre eles o que descortinou a influência do bicheiro Carlos Cachoeira sobre governos e políticos, identificam-se as digitais de uma rede clandestina que assombra Brasília há mais de uma década.

De acordo com um ex-integrante do setor de inteligência governamental, o mercado negro da espionagem da cidade é alimentado por disputas de poder e tentativas de desviar dinheiro público.

Detetive diz que grampo pode custar até R$ 25 mil

O esquema de espionagem segue uma mesma linha de atuação, conta um ex-delegado da PF. Obtidas as provas incriminadoras, um emissário do chantageador procura a vítima para adverti-la sobre o material e ameaçá-la. Na maioria das vezes, as abordagens se dão em tom de cortesia, como se o mensageiro estivesse prestando um favor ao interlocutor.

– O roteiro nesses casos é semelhante. O enviado diz: "vim aqui para te ajudar. Para você ver, fulano tem tudo isso nas mãos, mas está disposto a esquecer – relata o ex-delegado.

A desfaçatez dos espiões clandestinos é tão grande que seus serviços são oferecidos em sites e classificados de jornais. A rede de arapongas local oscila desde profissionais freelancers até poderosas agências privadas de espionagem.

Na internet, uma das principais empresas do setor, administrada por ex-servidores da área de segurança pública, oferece aos seus clientes “antecipação de fatos e situações para subsidiar o processo de tomada de decisões políticas e monitoração e acompanhamento de eventos de campanhas eleitorais”.

Um detetive que atua nos meandros de Brasília, conhecido no mercado como Júnior, afirma ser procurado com frequência por políticos e empresários. Em regra, seus clientes querem colocar grampos nas residências e escritórios de rivais para coletar material para coação. A instalação de um simples grampo pelo período de um mês pode custar entre R$ 15 mil e R$ 25 mil.

FONTE: ZERO HORA (RS)

`O PT deu um tiro no pé ao apostar que a CPI vai ofuscar o mensalão’

José Álvaro Moisés, cientista político da USP, diz que CPI do Cachoeira será ‘eminentemente’ política, pois já existe processo e a PF já prendeu envolvidos

Lucas de Abreu Maia

Diz-se que toda Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) acaba em pizza. Mas o cientista político da Universidade de São Paulo (USP), José Álvaro Moisés, especialista em Congresso, discorda. Um estudo coordenado por ele e publicado, no ano passado, no livro O Papel do Congresso Nacional no Presidencialismo de Coalizão, aponta que, entre 1999 e 2010, 86% das CPIs instaladas no Senado e na Câmara encaminharam relatórios ao Ministério Público e 56% à Polícia Federal. Ele explica que, às vezes, há confusão sobre o papel das comissões: “A CPI não pode punir ou processar. Ela pode fazer inquéritos e pedir o indiciamento”.

Para Moisés, no entanto, a CPI do Cachoeira - instalada nesta semana no Congresso para investigar as relações de políticos com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira - é “eminentemente política”, uma vez que já existem investigações conduzidas pela PF e pelo MP.

Ele diz ainda que o PT “deu um tiro no pé” ao apostar que a CPI pode ofuscar o julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF), previsto para ocorrer ainda no primeiro semestre deste ano.

Por que existe a percepção de que as CPIs acabam em pizza?

Nem sempre fica claro quais são os papéis da CPI com base na Constituição e na legislação. A CPI não pode punir. A CPI não pode processar. Ela pode fazer inquéritos e indiciar. Pode remeter (o relatório final) para o Ministério Público, a Polícia Federal, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU). Havendo essa distinção, acho que fica mais fácil para o leitor entender o âmbito de atuação da CPI. Quando se olha longitudinalmente - ou seja, num período mais longo de tempo -, ao contrário da imagem usual de que as CPIs terminam em pizza, as comissões envolvem recomendações para o Ministério Público, para a Polícia Federal, e, em mais de 70% dos casos, consequências no Legislativo. Há outros estudos, no entanto, que mostram que o Brasil, comparado a outros países, como a Alemanha, tem um sistema político em que a minoria tem menos possibilidade de criar uma CPI. No caso brasileiro, são necessárias as assinaturas de um terço dos parlamentares para criar uma comissão. Na Alemanha, basta um quarto dos parlamentares. Uma outra questão é que nós só avaliamos as CPIs que foram implementadas.

O que aconteceu com as outras CPIs que foram propostas, mas não chegaram a ser instaladas?

Elas sempre dependem da coalizão majoritária. O Executivo pode controlar a convocação ou não das CPIs através da sua força majoritária no Congresso.

O sr. mostrou que a maior parte das CPIs resultou em inquérito na PF ou no MP. Mas a CPI do Cachoeira não é atípica, pois já existem investigações em andamento nestes órgãos?

Esta é uma observação importante, o que torna essa CPI um caso particular no conjunto das demais CPIs. Já existia processo na Procuradoria-Geral da República e a Polícia Federal inclusive já prendeu envolvidos. Deste ponto de vista, a perspectiva do que essa CPI pode produzir é de outra natureza: ela vai ser eminentemente política. A minha convicção pessoal é de que o PT deu um tiro no pé ao imaginar que, constituindo a CPI, os fatos que serão divulgados serão exclusivamente sobre o senador Demóstenes Torres (sem partido-GO) e o governador Marconi Perillo (PSDB-GO). Existem muitas empresas envolvidas com o Carlinhos Cachoeira com grandes contratos no PAC. Na verdade, a CPI muito provavelmente vai mostrar o envolvimento de políticos de um espectro partidário muito mais amplo do que se imaginava de início. A corrupção tem um efeito extremamente perverso, de distorção da democracia, porque ela mina a legitimidade e retira recursos de políticas públicas. Nós estamos vivendo uma fase nova da democracia brasileira: tem opinião pública, tem manifestações contra a corrupção, e a mídia joga um papel extremamente importante de ecoar denúncias e, ao mesmo tempo, produzir novas informações.

O sr. discorda, portanto, da tese do PT de que a CPI poderia reduzir a relevância do julgamento do mensalão?

À medida que a CPI vai mostrar que a corrupção é mais ampla e que atinge diferentes setores, de instituições do governo a partidos que hoje estão na oposição, ficará claro que a corrupção é um fenômeno extremamente importante e que os mecanismos de punição precisam ser aprimorados. Neste contexto, não faz o menor sentido jogar água para amenizar o caso do mensalão. Vai chamar mais atenção e vai ter um efeito de pressão sobre o Supremo para apressar o julgamento.

Desde o início do mandato, a presidente Dilma Rousseff tem tido atritos com a base de apoio do governo. A falta de unidade na bancada governista pode ser uma ameaça ao Planalto?

Como a base da coalizão é extremamente diversificada e heterogênea, pode haver setores que foram defenestrados dos ministérios durante a faxina da presidente Dilma ou que estão se sentindo pouco atendidos na distribuição de cargos e que podem usar a CPI para produzir informações para pressionar o governo. Mas isso é parte do jogo, é parte da democracia.

A CPI é, essencialmente, uma ferramenta da oposição?

Não exatamente. A CPI é um instrumento de controle e fiscalização, a fim de evitar abuso de poder. Portanto, ela seria mais utilizada pela oposição.

O foco em parlamentares da oposição tornaria, novamente, esta CPI atípica?

A oposição, na situação específica desta CPI, tem que se articular em duas direções: primeiramente atuando com a mídia - ecoando as informações publicadas e passando informações para ela. Em segundo lugar, a oposição deveria sair do parlamento e ir para a sociedade, estabelecendo vínculos principalmente com os movimentos de combate à corrupção.

Mas a oposição não ficou sem discurso graças ao envolvimento de parlamentares do DEM e do PSDB com Cachoeira?

Quando for o caso, a oposição tem que admitir os erros e mostrar que ela está tomando medidas para corrigi-los. Se for o caso - e nós ainda não sabemos se é, precisamos de provas -, a oposição tem que cortar na carne.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Supremo discute detalhes do mensalão

Relator do processo, Joaquim Barbosa, leva ao plenário uma questão de ordem aos demais ministros, na quarta-feira

BRASÍLIA – O ministro Joaquim Barbosa, relator do processo do mensalão, pautou para a próxima quarta-feira no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) uma questão de ordem para que os ministros resolvam detalhes sobre o julgamento do processo, que ainda não tem data marcada. Há chance de ser resolvido, por exemplo, os horários das sessões e os dias da semana em que o tribunal funcionará durante o julgamento. Mas nem o ministro, nem sua assessoria deram detalhes do que será discutido.

A expectativa é de que o julgamento consuma cerca de um mês. Para ser marcado, o revisor do caso, ministro Ricardo Lewandowski, precisa entregar seu voto. Se ele fizer isso até o fim de maio, o processo poderá ser apreciado pelo plenário ainda neste semestre. Caso ele demore mais com os autos, o julgamento ficará para agosto. São 38 réus. Cada advogado terá uma hora para falar. Ou seja, a primeira semana será dedicada apenas à defesa.

Em seguida, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, vai se manifestar.

Não se sabe quanto tempo ele terá – outra pendência a ser resolvida pelos ministros do STF. Depois, Joaquim Barbosa vai se pronunciar. O voto terá cerca de 500 páginas e será dividido em capítulos. Haverá uma parte dedicada aos políticos, ao núcleo financeiro e aos publicitários. A tendência é de que o tribunal julgue cada uma dessas partes separadamente.

O STF abriu a ação penal em agosto de 2007. Entre os investigados estão o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o empresário Marcos Valério e o delator do esquema, Roberto Jefferson. Segundo a denúncia do Ministério Público, o governo federal pagava propina a parlamentares da base aliada em troca de apoio em votações importantes no Congresso Nacional.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Governo dobra repasse a centrais sindicais

Em três anos, verba destinada a entidades salta de R$ 62 mi a R$ 124 mi; uso do dinheiro não sofre fiscalização

Quantia equivale a 10% do imposto sindical; das seis centrais, só a CUT diz ser contra a cobrança obrigatória

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - O governo federal dobrou, em três anos, o valor repassado às principais centrais sindicais, que preparam festas milionárias para celebrar o feriado do Dia do Trabalho, nesta terça-feira.

O bolo destinado às centrais saltou de R$ 62 milhões em 2008 para R$ 124 milhões no ano passado, segundo levantamento feito pela pasta a pedido da Folha. Se o ritmo de crescimento se mantiver, a quantia vai ultrapassar os R$ 150 milhões em 2012.

O dinheiro representa 10% da receita com o imposto sindical. A contribuição anual equivale à remuneração por um dia de serviço e é obrigatória mesmo que o trabalhador não seja sindicalizado.

Apesar da origem pública, não há nenhuma fiscalização sobre o uso da verba. Ao sancionar a lei que instituiu os repasses, em 2008, o então presidente Lula vetou dispositivo que obrigava as entidades a submeter os gastos ao TCU (Tribunal de Contas da União).

Nos primeiros quatro anos da regra, as seis centrais receberam um total de R$ 370 milhões. A exemplo do Ministério do Trabalho, todas defendem a cobrança obrigatória, à exceção da CUT (Central Única dos Trabalhadores).

"É um imposto justo. Sem esse dinheiro, a maioria das centrais teria muitas dificuldades para sobreviver", afirma o secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna.

A entidade do deputado Paulinho da Força (PDT-SP) recebeu R$ 103 milhões em quatro anos e ocupa o segundo lugar na lista de repasses.

A CUT, que ficou com R$ 119 milhões, promete usar o Primeiro de Maio para divulgar sua campanha contra o imposto. Ligada ao PT, a central defende que o valor da contribuição seja decidido pelos filiados a cada sindicato, em assembleia.

"Hoje, o sistema estimula a criação de sindicatos fantasmas, que não representam ninguém e só existem para arrecadar", diz o presidente da CUT, Artur Henrique.

Os rivais dizem que a bandeira cutista tem como objetivo barrar o crescimento das outras centrais e recuperar a hegemonia sobre o movimento sindical. Argumentam que a entidade já cobrava o "dízimo" dos seus sindicatos antes de o repasse virar lei.

"Quem for sério e prestar serviço vai motivar o trabalhador a contribuir livremente", rebate Henrique.

Disputas à parte, as centrais são unânimes ao apontar os motivos do crescimento acelerado nos repasses: o aumento do número de trabalhadores com carteira assinada e a competição acirrada para atrair novos sindicatos.

Quando uma categoria não está vinculada a uma central, os 10% do imposto vão para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), onde o governo e os empresários também têm poder de decisão.

Com o vínculo, os sindicalistas garantem mais influência sobre o destino do dinheiro do trabalhador.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Estatais ajudam a bancar shows do Primeiro de Maio

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - Apesar de o governo ter dobrado os repasses de verbas às centrais sindicais, as entidades continuam a recorrer a empresas estatais para bancar os gastos com shows no 1º de Maio em São Paulo.

Neste ano, Petrobras, Caixa, Banco do Brasil e Eletrobras abrirão os cofres para financiar as festas da CUT, no Vale do Anhangabaú, e das demais centrais sindicais, na praça Campo de Bagatelle (zona norte).

Os dois eventos desta terça-feira custarão cerca de R$ 5 milhões e servirão de palanque a autoridades e pré-candidatos a prefeito.

Só a Petrobras vai desembolsar R$ 600 mil (metade para cada festa). A empresa sustenta que o patrocínio renderá "grande visibilidade à marca" e "retorno positivo de imagem".

Na competição pelo público, a CUT e as rivais vão oferecer shows gratuitos dos mesmos artistas com poucas horas de diferença -e a menos de 5 km de distância entre os palcos.

É o caso da cantora sertaneja Paula Fernandes e da dupla Edson e Hudson, que dobrarão o cachê no feriado do trabalhador.

Brahma, Bradesco e Sesi completam a lista de patrocinadores dos eventos.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Dilma confronta o movimento sindical

Prestes a sancionar o projeto que cria o fundo de aposentadoria complementar dos servidores federais, presidente da República contraria os interesses das centrais sindicais, simpáticas ao governo petista desde o primeiro mandato de Lula, em 2003

Sérgio Montenegro Filho

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liderou greves históricas, em algumas delas chegou a ser perseguido e preso, e deve ao movimento sindical a sua carreira política. Bem diferente de Dilma Rousseff (PT), gestora de perfil técnico e pouco jogo de cintura. Essas incongruências têm ficado evidentes no tratamento que o atual governo destina a alguns setores da sociedade. A aprovação no Congresso Nacional do projeto que cria um fundo de aposentadoria complementar para os servidores da União, defendida pela presidente, deixou novamente clara a distinção. A proposta, que começou a ganhar corpo no final do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), dormiu nas gavetas do Planalto durante os oito anos do governo Lula, que cedeu às pressões das centrais sindicais e não a encaminhou ao Legislativo.

Dilma, porém, não hesitou. Sob o argumento – já velho conhecido dos sindicalistas – de sanar o rombo financeiro da previdência pública, ela atuou junto aos deputados e senadores para aprovar o projeto, que aguarda sobre sua mesa para ser sancionado. Quando virar lei, vai limitar a aposentadoria do funcionalismo federal – hoje paga no valor integral do salário – ao teto de R$ 3,9 mil. Embora a nova regra valha apenas para servidores admitidos após a promulgação da lei, a novidade continua gerando polêmica e deve ser um dos principais motes de protestos nos atos públicos pelo País afora neste 1º de Maio, Dia do Trabalhador.

Presidente estadual da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e dirigente nacional da entidade, o sindicalista Sérgio Goiana diz que o arquivamento do projeto é apenas um dos itens da pauta a ser negociada com o governo, que inclui outras propostas polêmicas, como o congelamento por dez anos dos salários dos servidores e a demissão de funcionários públicos por baixo desempenho. “Esses projetos têm argumentações muito frágeis. Se as negociações não forem bem-sucedidas, faremos uma paralisação em maio, por tempo indeterminado”, adverte. Goiana reconhece a contribuição da CUT para a eleição dos petistas, mas não descarta a possibilidade de rompimento, caso o tratamento não melhore.

“Com Lula, nós divergíamos, mas ele nos ouvia. Dilma vê apenas o lado técnico, em detrimento das questões políticas das propostas. Ela já peitou o Congresso e o Judiciário, imagine o que pode fazer com as centrais sindicais, mas vamos para o enfrentamento, e isso pode levar a uma ruptura”, ameaça Goiana, que faz outra advertência, sobre o “efeito-cascata” do projeto. “O governador Eduardo Campos (PSB) já tem pronta uma proposta semelhante para enviar à Assembleia Legislativa, assim como outros governadores. Mas imagine quando os pequenos municípios passarem a criar seus fundos complementares. Quem vai administrá-los e cuidar para que não haja desvios de recursos?”, questiona.

Para o deputado federal Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente nacional da central Força Sindical – principal concorrente da CUT – ainda há esperança de que o projeto seja arquivado, dependendo da pressão que os servidores e as centrais possam exercer, inclusive nas manifestações do 1º de Maio. Mesmo aliado do governo na Câmara, ele votou contra o projeto, mas tem consciência do rolo-compressor que enfrentou. “Quem tem 84% de popularidade pode se dar ao luxo de perder uns pontinhos”, ironiza, referindo-se à avaliação positiva alcançada por Dilma nas pesquisas.

Coordenador nacional da Conlutas, central sindical de ultra-esquerda, o ex-presidenciável do PSTU José Maria de Almeida faz um alerta ainda mais duro sobre a iniciativa do governo. Segundo ele, a criação do novo fundo, além de eliminar um direito dos servidores, representa o início de um processo de privatização da previdência. “Os fundos serão administrados por bancos privados, que ficarão com a rentabilidade, e se houver prejuízos, repassarão aos servidores”, afirma.

Ex-líder do PT no Senado, o pernambucano Humberto Costa minimiza as preocupações dos sindicalistas, e assegura que a nova lei não trará desgaste algum à relação do governo com o movimento sindical. “É um projeto bom para o País, que vai resolver um antigo problema financeiro na previdência”, defende. O senador petista nega que tenha faltado diálogo com a sociedade, afirmando que o projeto foi objeto de amplo debate na Câmara dos Deputados, inclusive com audiências públicas. “Estamos perto do 1º de Maio e alguns sindicalistas ficam procurando motivo para protestar, mas está tudo bem resolvido”, conclui.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

'A relação com os sindicatos está diferente'

Entrevista - Marco Aurélio Santana

Estudioso do movimento sindical, o sociólogo Marco Aurélio Santana – professor da UFRJ e autor de vários livros sobre o tema – percebe diferenças significativas na relação da presidente Dilma com o setor, em comparação com Lula. Nesta entrevista ao JC, ele critica a falta de debate em torno do projeto do novo fundo de previdência, mas não acredita em rompimento dos líderes sindicais com o governo que ajudaram a eleger.

JC – Depois de toda a relação que Lula construiu com as centrais sindicais – sobretudo a majoritária CUT – a ponto de serem chamadas de “chapa branca”, a aprovação do projeto do novo fundo de aposentadoria complementar indica que essa relação mudou?

Marco Aurélio Santana – Era esperado que a relação de Dilma com os sindicatos se desse de forma diferente da desenvolvida por Lula. Por perfil, trajetória e personalidade, Lula transitava tranquilamente entre aqueles que, um dia, foram seus pares. Ele, como é notório, é fruto do meio político-sindical. Dilma vem de outra trajetória política e o seu ângulo mais técnico indica uma outra forma de relacionamento. Devemos lembrar que mesmo Lula, por vezes, chegou às rusgas com os sindicalistas, mesmo os da CUT, fazendo-lhes duras críticas, apesar de sua aproximação. Não creio que o rompimento se dê assim de forma tão imediata. Até duvido que ele se dê. E aí, não de trata só de nomes e pessoas, mas de política.

JC – As principais centrais sindicais apoiaram a eleição de Dilma Rousseff em 2010. Mas reclamam que a presidente não demonstrou consideração pelo movimento sindical, como fazia Lula. Ela corre o risco de perder o apoio do setor?

Marco Aurélio – A CUT, embora não tenha de aceitar tudo, tem boa parte de responsabilidade por estes governos. Seus membros trabalharam muito, por anos, para que este projeto de governo se instalasse. Não sei se por este ou aquele ponto divergente, se proporia uma ruptura com o projeto como um todo. Já ocorreram tensões até entre o PT e a CUT antes. Mas, claro, o rompimento pode vir, sim. Como em qualquer processo de aliança política. Faz parte do cenário.

JC – O que o senhor pensa desse projeto do fundo de aposentadoria complementar? Faltou debate com os setores interessados?

Marco Aurélio – A tensão quanto ao Fundo de Aposentadoria Complementar se dá em termos de forma e conteúdo do projeto. Já era mais que esperada alguma forma de intervenção deste governo no plano da previdência. Mas, poderia-se esperar também que tal projeto pudesse ter vindo acompanhado de um debate mais amplo e profundo. Aí, inclusive, se poderia ter produzido uma diferença substancial em relação aos projetos anteriores. Não foi o que ocorreu. Além disso, o governo Lula promoveu uma recomposição necessária na máquina pública que havia sido dilapidada. E, como circula, a ser verdade que se está segurando as contratações dos já concursados até a aprovação do projeto, se é, para alguns, tecnicamente justificado, política e socialmente é danoso.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Sem poupar coração - Nana Caymmi

Vazamentos:: Merval Pereira

Os vazamentos dos documentos sigilosos referentes à investigação da Polícia Federal sobre a relação do senador Demóstenes Torres com o bicheiro Carlinhos Cachoeira que o Supremo Tribunal Federal enviou ao Congresso estão por toda a parte, e já nem são mais seletivos. Há fatos para todos os gostos.

Tanto a chamada "grande imprensa" quanto uma variedade imensa de blogs, de várias tendências políticas e com diversos interesses em jogo, estão divulgando sem parar documentos e gravações, para desespero, suponho, do senador autointitulado bedel da CPI.

Aliás, muitos dos documentos vazaram enquanto estavam sob a guarda do Supremo, e continuaram vazando mesmo antes de chegarem ao Congresso.

Eles demonstram mais uma vez que o relacionamento de jornalistas da revista "Veja" com o bicheiro Carlinhos Cachoeira e seus asseclas nada têm de ilícito, ficando preservada, por tudo que se conhece até o momento, a tênue linha que separa a ética jornalística de atos que podem comprometê-la.

O caso do jornal popular inglês "News of the World", que colocou seus diretores e proprietários no banco dos réus, é exemplar dessa diferença: lá os jornalistas contratavam arapongas para espionar celebridades e políticos.

Aqui, até o momento está demonstrado que a revista se utiliza de gravações realizadas para revelar os escândalos da República.

E em diversos momentos, como revelam as gravações, a revista se colocou contra os interesses de sua fonte de informações, divulgando notícias que desagradaram o bicheiro e sua turma.

A já conhecida gravação em que Cachoeira se queixa de que o diretor da sucursal de Brasília da revista "Policarpo Junior" não dá nada em troca das informações que recebe é uma evidência disso.

O máximo que aparece nas novas gravações é um tratamento íntimo do bicheiro com o jornalista, e um pedido de uma notinha na revista, fatos que podem desagradar os que tentam politizar o caso para se vingar, ou criar um clima propício à aprovação de uma lei de controle dos meios de comunicação, mas não chegam a condenar a revista nem seus jornalistas.

As gravações mostram também, de maneira evidente, o trabalho do senador Demóstenes Torres de proteger a empreiteira Delta por interesse direto do bicheiro.

Tanto que o PSOL já decidiu aditar à sua representação contra Demóstenes no Conselho de Ética do Senado, todo o material que receber da investigação da Polícia Federal sobre o esquema Cachoeira, através do senador Randolfe Rodrigues, seu representante na CPI.

O Partido Socialismo e Liberdade, aliás, indica que terá nessa CPI um papel semelhante ao que o PT originalmente tinha quando era oposição.

Seus membros são praticamente todos oriundos da base petista, formados na dissidência primeiramente dentro do próprio partido, depois na formação de um novo partido que se quer distante do "pragmatismo" que passou a ditar as regras do governo Lula.

Por motivos errados a meu ver, pois o gatilho para a dissidência foi a reforma previdenciária que o ex-presidente Lula acertadamente tentou levar adiante no início de seu governo, o PSOL já pressentia os rumos que o PT no governo tomaria, e seus fundadores desembarcaram dele antes que estourasse o escândalo do mensalão, em 2005.

Embora insista em teses arcaicas como a implantação do socialismo no país, objetivo que o próprio PT deixou como letra morta em seu estatuto, o PSOL guarda uma certa indignação com as atitudes pouco republicanas na prática política brasileira que é saudável.

Seu instrumento de pressão, a maioria das vezes inócuo pelos próprios vícios do sistema em vigor, são as comissões de Ética e as CPIs no Congresso, como a reforçar a ideia de que o primeiro passo para uma reforma política seria a reforma de nossas práticas políticas.

O partido pretende ampliar o anexo de sua representação à Comissão de Ética com diálogos "pouco republicanos" de Demóstenes com o contraventor, publicados na imprensa, segundo seu líder, o deputado federal Chico Alencar.

Ele contesta a tendência declarada pelo relator da Comissão de Ética, senador Humberto Costa, de desconsiderar as gravações, afirmando que "não se sustenta" a tese de que elas podem ser anuladas pelo Supremo.

Alencar utiliza-se do argumento do próprio Humberto Costa, que já declarou que o julgamento do senador de Goiás no Conselho é político, e não se cinge às tecnicalidades jurídicas.

"Portanto, tudo o que — sendo veraz, por óbvio — contribui para a análise política da quebra da Ética e do Decoro Parlamentar tem que ser levado em consideração. Assim cobraremos".

Na análise do líder do PSOL, "há alguns parlamentares na CPMI que confiam uns nos outros, pois são independentes e não têm medo de seu passado e de seu presente, isto é, não têm "telhado de vidro". Nem estão ali para blindar correligionários".

Alencar admite que "não são muitos os que não recuarão por conveniências políticas, é verdade".

Mas acha que os "independentes" são em número suficiente para, em último caso, fazer um voto em separado, denunciando o que, na verdade, está em questão: "o padrão degenerado da política brasileira, no qual os interesses privados, legais e ilegais, imbricamse com os negócios públicos, e capturam, para o enriquecimento ilícito de pessoas e empresas, as instituições".

Alencar considera que o caso guarda semelhanças, nesse aspecto da promiscuidade do público com o privado, com o caso do mensalão: "Trata-se da tarefa de "republicanizar a República", e a oportunidade é singular", diz ele. Ele chama a atenção para uma declaração do governador petista do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, segundo quem "tomar a denúncia como produto de uma conspiração é errado: é deixar de lado que o Estado brasileiro — historicamente cartorial, bacharelesco e barroco nos seus procedimentos, e forjado sob o patrocínio de um liberalismo antirrepublicano — tem um sistema político, eleitoral e partidário totalmente estimulante a desvios de conduta e a condutas que propiciam a corrupção".

Genro, por sinal, foi uma das poucas lideranças petistas que, em decorrência do escândalo do mensalão, tentou liderar um movimento dentro do partido para sua "refundação".

FONTE: O GLOBO

A revolta dos inativos:: Dora Kramer

Com todos os olhos e ouvidos voltados para a CPI que promete abalar Brasília, não se deu a devida atenção a uma decisão tomada pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara na última quarta-feira.

Revoltados com o "ativismo" do Supremo Tribunal Federal, os deputados resolveram exorbitar: autorizaram a tramitação de proposta de emenda constitucional que dá ao Congresso a prerrogativa de suspender atos do Poder Judiciário.

Ou seja, em reação a uma presumida interferência da Justiça nas atividades do Legislativo dá-se um peteleco na Constituição com a sem cerimônia de quem vai ao bar da esquina.

Como bem observa o ministro Luiz Fux, do STF, "não é assim tão fácil". A independência dos Poderes é cláusula pétrea da Constituição, o que significa que para mudá-la de forma ao Legislativo ter o direito de desfazer atos do Judiciário seria necessário convocar uma nova Assembleia Nacional Constituinte.

E por que, então, discorrer sobre isso se o absurdo é assim tão evidente e a chance de prosperar aparentemente nula?

Justamente porque a nulidade é aparente. Existe chance de a proposta prosperar na Câmara se não se atentar para a completa falta de juízo da douta Comissão de Justiça.

Um dos poucos, talvez o único, parlamentar a se posicionar contra, o deputado Chico Alencar previu: "Vai virar discurso de valorização do Legislativo." Na opinião dele a proposta "é tão irracional e ilógica quanto popular aqui dentro".

Precisa previsão. O autor da emenda, deputado Nazareno Fonteles, faz exatamente esse discurso alegando que o Judiciário não tem legitimidade para legislar e defendendo a tese de que o Legislativo "precisa ser o Poder mais forte da República" por seu caráter representativo da sociedade.

O leitor ouviu direito, ele propõe a instituição do conceito de desequilíbrio entre Poderes.

Voltemos ao ministro Fux, que entende do riscado e explica o que se passa. Primeiro há o pressuposto da cláusula pétrea. "Em segundo lugar, se o Congresso está insatisfeito com o que chama de judicialização da política é preciso que seja informado sobre a impossibilidade de o Judiciário não se manifestar sobre os temas postos à sua consulta."

Portanto, estamos bem entendidos até aqui: o Supremo não inventa debates nem levanta questões por iniciativa própria, apenas examina e se pronuncia sobre a constitucionalidade desse ou daquele assunto quando provocado a fazê-lo.

E por que há tantas consultas ao tribunal? Aqui entra o terceiro ponto a ser esclarecido pelo ministro Luiz Fux: "Porque por sua própria estratégia política os parlamentares não enfrentam questões difíceis por receio de assumir eventual impopularidade decorrente dos conflitos que os temas encerram".

Quer dizer, justamente por serem dependentes de votos deputados e senadores se esquivam das polêmicas. E aí, o que ocorre?

Criam-se os vácuos que o Judiciário, quando instado, é obrigado a preencher. O ministro Fux lembra que o Supremo não precisaria ter-se pronunciado a respeito, por exemplo, da interrupção da gravidez de feto anencéfalo, da união homoafetiva, das cotas para negros nas universidades, se o Congresso tivesse legislado sobre essas matérias.

Conclusão, suas excelências não precisam agredir a Constituição nem desconstruir a República para defender as prerrogativas do Poder Legislativo: basta que não se acovardem diante de potenciais controvérsias e saiam da inatividade no lugar de reclamar do ativismo alheio propondo soluções fáceis e equivocadas.

Caçada. O ex-presidente Lula disse a um interlocutor na Câmara dos Deputados que o PT é alvo potencial de todos os partidos (governistas e oposicionistas) na CPMI do esquema Cachoeira.

Em miúdos: se o PT está louco para se vingar de uns e outros por causa do mensalão, todos os outros estão loucos para ir à forra com o PT por variados motivos: eleitorais e governamentais.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Bonde andando:: Eliane Cantanhêde

CPIs investigam, interrogam, produzem provas, usam e abusam da imprensa para divulgar os tesouros descobertos e, no final, entregam a arca cheia para o Ministério Público, sob animada expectativa de punições.

Pois a CPI do Cachoeira pegou o bonde andando e faz o percurso inverso. A Polícia Federal fez o grosso do trabalho, o MP e o Supremo já estão a bordo e a imprensa tem publicado torrentes de nomes, diálogos, fatos e evidências.

As próprias punições, policiais e políticas, já começaram antes mesmo da instalação da CPI. O pivô Carlinhos Cachoeira está preso desde fevereiro, o senador Demóstenes Torres perdeu o partido e está para perder o mandato, o empresário Fernando Cavendish abandonou a presidência da construtora Delta, que perde, um a um, grandes contratos.

O foco, neste momento, está nos governadores Marconi Perillo, de Goiás, e Agnelo Queiroz, do DF, com a feliz (ou infeliz) coincidência de que um é do PSDB e outro, do PT.

A base das investigações, assim, caiu pronta e detalhada no colo dos integrantes da CPI: o inquérito da PF que está na Procuradoria-Geral da República e no Supremo Tribunal Federal e que liquida o discurso ético e a carreira política de Demóstenes.

Essa, porém, é só a base para os trabalhos da CPI. Um início, um roteiro. Se é para valer, a CPI precisa identificar conexões, fazer cruzamentos, ir fundo num esquema que, ao contrário do que querem fazer crer, não se limita a Goiás e ao DF.

Por isso, surpreende que as bancadas do PT na Câmara e no Senado defendam uma CPI "com foco" e "rápida", para o bonde não sair dos trilhos e não perder o rumo. E quem manda na CPI, sob coordenação do Planalto, é justamente o PT.

E a orientação de Lula para abrir o foco e não medir esforços para apurar tudo, "doa a quem doer"? Era bravata, ou caiu a ficha de que pode doer em mais gente do que o esperado?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Coisa de profissional:: Janio de Freitas

Na política brasileira, Carlinhos Cachoeira tem hoje força incomparável; está muito além da PF

CPI mista de Senado e Câmara, Conselho de Ética do Senado e a agitação pré-campanha eleitoral das eleições municipais -é uma salada experimental bastante criativa, embora de sabor incerto, que será preparada em maio para servir-se em junho, quando as pré-candidaturas e as já candidaturas estarão fumegando.

Tal entrelaçamento, por si só, torna possíveis dois rumos: a CPI ou o conselho ou ambos se esvaziam em poucas semanas, ou, em direção oposta, se entrelaçam em um processo capaz de efeitos muito além dos presumidos.

Dentre os fatores que decidirão entre um sentido e outro, Carlos Augusto Ramos, ou Carlinhos Cachoeira, tem a primazia absoluta.

Na política brasileira, Carlinhos Cachoeira tem hoje força incomparável. As gravações e a investigação (da qual não se tem notícia) feitas pela Polícia Federal são capazes de produzir muitos abalos.

A depender, primeiro, de até onde sejam liberadas; depois, de até onde sejam utilizadas. Nunca se tem certeza de uma coisa nem a influência necessária para a outra (nesta última carência, o caso Renan Calheiros e suas vaquinhas milagrosas é exemplar).

Mas Carlinhos Cachoeira está muito além da Polícia Federal.

Quem se dá ao cuidado de comprar telefones com pretensa proteção contra gravações, e os distribui para uso com seus interlocutores especiais, não é amador. Carlinhos Cachoeira é profissional.

Suas providências para contar com o auxílio da Receita Federal e da Infraero, ao voltar dos Estados Unidos a Brasília, são sugestivas, tratando-se de alguém afeito a telefones protegidos, câmeras, microfones e gravadores imperceptíveis, e outras últimas gerações.

E afeito já experimentado. O vídeo que Carlinhos Cachoeira divulgou no começo do governo Lula, com Waldomiro Diniz lhe pedindo comissão, foi feito bem antes. Tem mais de dez anos. O que indica precauções profissionais muito anteriores ao uso recente de telefones Nextel.
A dedução lógica é a de que esse profissional não deixou, jamais, de registrar, por algum ou por todos os modos possíveis, cada palavra e cada ato capaz de desestimular, se necessário relembrá-lo, uma simples recusa, quanto mais a insensatez de uma hostilidade.

Companheiros, sócios, amigos, muito bem agraciados com favores, presentes e recompensas aos serviços e às boas relações.

Aos contatos novos, a simpática abertura de relacionamento, sempre à disposição. É muita gente, foram muitos serviços e negócios, foram muitas recompensas. Mas profissional sabe o que é a vida e não dispensa as maneiras de acautelar-se contra suas armadilhas.

Ou alguém pensaria que os temores e os medos que mal se disfarçam, em Brasília e em vários Estados, com relação à CPI e em todos os pisos da política e dos negócios sombrios, são uma epidemia de transtornos psicológicos?

Carlinhos Cachoeira nem precisaria mostrar muito. Não é certo nem sequer que mostre alguma coisa porque pode ter ainda a esperança de amparos e saídas que o salvem do futuro amargo. Esperança inútil, tudo indica. E talvez o caminho oposto é que o levasse à solução menos onerosa. Embora a menos desejada por todas as partes da salada de agitações: a delação premiada, ou algo assim.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A rapina da tecnologia na educação:: Elio Gaspari

Com vocês, Delúbio Soares 2.0. A Polícia Federal achou-o no restaurante 14 Bis, no Rio, discutindo o fornecimento de lousas digitais para escolas públicas capixabas e goianas. Segundo o empresário interessado, o companheiro disse-lhe que "um pedido do meu deputado é praticamente uma ordem". Referia-se ao deputado estadual Misael Oliveira (PDT-GO).

Desde que o homo sapiens grafitou a caverna de Altamira, há 15 mil anos, repete- se o costume de usar uma pedra (giz) para desenhar ou, mais tarde, escrever, numa superfície rígida. Desde o século XI isso é feito em escolas.

Os quadros-negros custam pouco, não enguiçam, não consomem energia, nem precisam de manutenção.

As lousas digitais, cinematográficas, interativas e coloridas, tornaram-se parte de uma praga estimulada por fornecedores de equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. Cada uma custa pelo menos o salário-base de um professor (R$ 1.451). Um dos municípios que contrataram lousas da empresa que tratou com Delúbio foi o de Presidente Kennedy (ES). Gastou R$ 2,7 milhões em três escolas, e o endereço da fornecedora era um terreno baldio. O prefeito e seis secretários, inclusive a de Educação, foram presos. Com os royalties da Petrobras, Presidente Kennedy tem uma das maiores rendas per capita do Espírito Santo, e um dos piores índices de desenvolvimento humano.

O pequeno município não está sozinho nessa febre.

O MEC quer comprar 600 mil tablets para que professores preparem suas aulas (como, não diz).

Isso e mais 10 mil lousas digitais. O governo de São Paulo estuda um investimento de R$ 5,5 bilhões para colocar lousas e tabuletas em todas as escolas públicas. Gustavo Ioschpe foi atrás da ideia e descobriu que a Secretaria de Educação não tinha um projeto pedagógico que amparasse a iniciativa.

Toda a documentação disponível resumia-se a uma carta do presidente da Dell (fornecedor do equipamento), com um resumo de um estudo da Unesco.

Pediu o texto, mas não o obteve.

Lousas digitais, tabuletas e laptops são instrumentos do progresso quando fazem parte de uma ação integrada, na qual tudo começa pela capacitação do professor. Hoje, no Brasil, contam-se nos dedos as experiências bem-sucedidas na rede pública. Prevalecem desperdícios que poderiam ser evitados pela aplicação da Lei de Simonsen: "Pague-se a comissão, desde que o intermediário esqueça o assunto".

Quem acredita que Delúbio Soares estava interessado no aprendizado da garotada de Presidente Kennedy, vá em frente.

A mão de Deus na Suprema Corte dos EUA

Em seus votos a favor das cotas em universidades públicas, o ministro Joaquim Barbosa lembrou que se deve ao presidente da Corte Suprema dos Estados Unidos, Earl Warren, a articulação da unanimidade que derrubou a segregação racial nas escolas americanas.

Em 1953, o processo (Brown x Board of Education) estava com o juiz Fred Vinson, que presidia a Corte. Temia-se que ele construísse uma maioria favorecendo a persistência da segregação.

O juiz Felix Frankfurter, um magistrado briguento e sarcástico, estava em casa quando um colaborador aproximou-se e anunciou: Fred Vinson foi fulminado por um ataque cardíaco.

Frankfurter, que detestava o colega, respondeu: "Esta é a primeira prova concreta que tive, em toda a minha vida, da existência de Deus." O presidente Eisenhower nomeou Warren, ex-governador da Califórnia, e poucos meses depois a segregação racial nas escolas foi declarada inconstitucional. A Suprema Corte sabia que sua decisão mudaria a História do país e fechou a conta por unanimidade.

Na mosca

Há dois meses um ministro do STF arriscou um palpite: o Supremo poderá declarar constitucionais as cotas nas universidades públicas por unanimidade. Parecia otimismo.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e está fascinado com a CPMI do Cachoeira. Ele acredita que se trata de uma encarnação do Curupira do romance "Macunaíma", que caminhava com os pés ao contrário. Em geral, essas comissões desembocam num relatório que desencadeia investigações policiais. Desta vez, ela começa com uma investigação concluída, para chegar onde, não se sabe.

Inspirado no Curupira, o idiota acha que não se deve procurar quem a CPMI quer ouvir ou o que quer descobrir.

É o contrário, deve-se atentar para quem ela não quer ouvir e o que não quer investigar. Cada silêncio significará uma conclusão.

Fim da Febraban

Aos poucos a banca se dá conta de que a Federação Brasileira de Bancos é uma mistura de alhos com bugalhos, responsável pela deterioração da imagem pública das instituições financeiras.

Ao retirar o presidente da Febraban da negociação da queda dos juros, deixando o caso para ser tratado por cada banco, descobriram que dois e dois são quatro.

Há uns dez anos os grandes laboratórios farmacêuticos lançaram-se no combate aos medicamentos genéricos, e esconderam-se atrás da Abifarma.

Resultado: os genéricos estão aí e a Abifarma simplesmente foi extinta, substituída pela Interfarma, instituição presidida pelo ex-governador do Rio Grande do Sul, Antônio Britto.

Ela trabalha com o entendimento que há três agendas: a do país, a do governo, e a da indústria farmacêutica.

Quem as mistura, produz encrencas.

Icebergs

O estaleiro Atlântico Sul, joia da coroa do programa de revitalização do setor naval, fechou o ano com um prejuízo de R$ 1,5 bilhão, um perdão do velho e bom BNDES, e um espeto no Banco do Brasil.

Seu petroleiro João Cândido foi ao mar mas não navega, já a Samsung, sócio que entrou com a tecnologia, foi-se embora.

Assim como ocorreu no governo JK e na ditadura, o programa naval está num mar cheio de icebergs.

O capitão Edward Smith, comandante do barco que naufragou há cem anos, tinha uma barba parecida com a do doutor Luciano Coutinho. Afundou com o barco.

Teria feito melhor se, ao saber dos riscos, tivesse se preparado para uma emergência.

China eterna

O campeão da luta contra a corrupção na China, o companheiro Bo Xilai, gostava do alheio e sua mulher, Madame Gu, exportava dinheiro com a ajuda de um inglês que acabou assassinado. (Ela teria estado na cena do seu envenenamento.) Sua família amealhou US$ 160 milhões.

Nada de novo no Império do Meio. A China já teve uma imperatriz acusada de ter envenenado o sobrinho, que construiu um iate de mármore. Depois dela, Madame Chiang Kai-shek, mulher do inimigo (anticomunista) de Mao Zedong, terminou seus dias em 2003, aos 105 anos, num dos edifícios mais chiques de Nova York. Tinha um apartamento de dois andares e dezoito quartos, com 24 empregados em três turnos.

Ela pendurava patos depenados nas janelas e deu barata no edifício.

Um dos operários que trabalharam na dedetização viu: "num closet guardava só barras de ouro.

Coisa de Fort Knox, não eram barras de chocolate Hershey"s."

FONTE: O GLOBO