sexta-feira, 17 de junho de 2011

Opinião – Roberto Freire

"Estimado amigo Fernando Henrique:

Meus mais fraternos e sinceros cumprimentos pela passagem de seu aniversário natalício, que transcorrerá no próximo dia 18. As homenagens que você vem recebendo no país e em várias partes do mundo é o reconhecimento da construção de uma singular personalidade, sem fronteiras intelectuais e geográficas.

Por onde passou – seja na vida acadêmica como sociólogo e cientista político, com ricas e instigantes produções em nível nacional e global; e também na atividade política, como senador, ministro das Relações Exteriores e da Fazenda e presidente da República - deixou sua marca de democrata militante, de republicano na teoria e na prática e de alta sensibilidade para entender os problemas maiores do seu país e de sua gente, a ponto de lhes dar rumo ao liderar um amplo processo de mudanças consolidado com o Plano Real, que teve início no governo Itamar.

Tenho a convicção de que neste momento é preciso salientar, ainda, sua postura de estadista que, ao invés do marketing e da bazófia, soube enfrentar imensas dificuldades para introduzir o Brasil na contemporaneidade e abrir caminho para reformas estruturantes de um novo tempo.

Saudações democráticas,

Brasília, 16 de junho de 2011"

Roberto Freire (PPS-SP), deputado federal e presidente do PPS

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO

Militares apoiam Dilma para manter sigilo eterno
Crise da Grécia derruba Bolsas, e dólar sobe
Bolívia: Evo enfrenta greves e inflação alta
OIT aprova direitos de domésticas

FOLHA DE S. PAULO

Decisão do Senado dos EUA beneficia álcool brasileiro
Governo decide omitir gastos novos da Copa
Haddad quer deixar o MEC e se candidatar a prefeito de SP
STF pode julgar uso da maconha em culto, avalia Celso de Mello
'Eu que vou acabar com vocês', diz Kassab a ex-aliado

O ESTADO DE S. PAULO

Fifa terá carta branca para definir gastos com obras da Copa
Dirigentes comemoram
Ministro se diz "triste" com prisão de sem-terra
Para governo, sentença da OEA não muda Lei da Anistia
BC vê inflação melhor, mas teme crédito
Petistas articulam CPI do PSD em São Paulo

VALOR ECONÔMICO

Onda conservadora nos EUA corta gastos e ajuda o Brasil
Amplitude da MP da Copa é criticada
Encomenda da Vale pode ir para China
Sucesso econômico criou novos problemas

ESTADO DE MINAS

Mais crédito para imóvel com FGTS
Direitos iguais para domésticas
FHC elogia Dilma e chama PT de infame
PF prende José Rainha por desvio de verbas federais

CORREIO BRAZILIENSE

Classe média fica mais perto da casa própria
FHC, 80 anos e muito a dizer
Anistia põe o PT contra o governo
Festa no apê
Para a PGR, gasto secreto é escândalo

ZERO HORA (RS)

Bombeiros reiniciam mobilização para se separar da Brigada
Sigilo de obras da Copa é questionado

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Segredo sobre investimentos gera crítica
OIT apoia mais direitos para trabalho doméstico

Militares apoiam Dilma para manter sigilo eterno

Defesa, Itamaraty, Collor e Sarney defendem projeto; base está dividida

O Ministério da Defesa manifestou apoio ao projeto original do Planalto que mantém o sigilo eterno de documentos oficiais. No Congresso, as Forças Armadas e o Itamaraty comandam o lobby para retirar as limitações ao sigilo, que já haviam sido aprovadas na Câmara. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse que apoiará o que for decidido pelo Planalto. O vice-presidente Michel Temer também defendeu a manutenção do segredo para documentos ultrassecretos. Mas a presidente Dilma Rousseff vai ser muito pressionada por entidades da sociedade civil a mudar de posição e, com isso, derrubar o sigilo eterno. Por outro lado, não quer contrariar aliados importantes como os ex-presidentes José Sarney (PMDB-MA) e Fernando Collor (PTB-AL). Nas bancadas, não há consenso. Por enquanto, o Planalto tentará esfriar o debate sobre o tema, para evitar desgaste

Defesa do sigilo eterno

TRANSPARÊNCIA

Segredo de textos por tempo indeterminado é apoiado por ministério e, pela 1ª vez em público, por Collor

Roberto Maltchik

O Ministério da Defesa manifestou apoio ontem ao projeto original do governo que mantém o sigilo eterno de documentos oficiais considerados ultrassecretos. A mesma posição foi defendida, pela primeira vez publicamente, pelo ex-presidente e senador Fernando Collor (PTB-AL). No início da semana, a ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, anunciou que o governo não concordava mais com a alteração da Câmara que limita o sigilo no máximo a 50 anos.

A assessoria do ministro da Defesa, Nelson Jobim, esclareceu que, se o governo mudar de posição, ele a seguirá. No Congresso, as Forças Armadas e o Itamaraty são os principais atores do lobby em favor do texto que não determina prazo fixo para que os textos ultrassecretos saiam do cofre. Mas o assessor parlamentar da Defesa e ex-deputado José Genoino defende o texto aprovado pela Câmara, que limita o sigilo a 50 anos. Esta semana, Jobim afirmou que, no atual estágio da discussão, não há posição da Defesa, mas, sim, decisão do governo:

- A posição é cumprir a posição que for tomada. Acompanhamos o projeto na fase inicial, concordamos com o projeto inicial. Havendo modificações, concordaremos com elas.

Dentro e fora do governo, Dilma é pressionada para voltar atrás e chancelar um mecanismo limitador de prazo, mesmo para documentos de altíssima confidencialidade. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse ao GLOBO que continuará agindo para o governo não ceder à pressão. O debate no Congresso será ampliado. Daqui para frente, as negociações serão conduzidas pelo ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL).

- O presidente Collor está tratando desse assunto e negociando com as pessoas. Havia presunção de unanimidade em relação ao projeto (da Câmara). O projeto deixou de tramitar em regime de urgência - disse Sarney.

Collor se encontrou com Dilma

Collor esteve com Dilma para tratar da Lei de Acesso à Informação Pública. Segundo ele, a presidente "se mostrou sensibilizada com o assunto e disposta a encontrar uma solução". Na Comissão de Relações Exteriores do Senado, Collor fez ampla defesa do texto governista, revisado na Câmara. Apontou 11 pontos a serem refeitos.

- (É para) Evitar uma verdadeira oficialização do WikiLeaks - comentou, em referência ao site que divulgou dados secretos do governo americano. - As mudanças (da Câmara) podem gerar impacto danoso não só à administração pública, mas também à segurança de Estado e da sociedade.

Sobre o projeto do governo, Collor propôs três alterações: o estabelecimento de uma composição mais bem definida e a adoção de caráter consultivo da Comissão Mista de Reavaliação de Informações; o resgate da classificação de documentos "de natureza confidencial"; e a adoção das classificações pelo conteúdo do documento e não pelas autoridades envolvidas:

- Os componentes que envolvem o projeto constituem matéria de segurança de Estado e, portanto, de máxima relevância aos interesses nacionais, tema para o qual deve prevalecer salvaguarda de assuntos específicos.

Em Recife, o vice-presidente Michel Temer defendeu a manutenção do sigilo para textos ultrassecretos que digam respeito a segurança nacional, fronteira e relações internacionais.

- É preciso colocar a discussão nos parâmetros corretos. Não me refiro ao sigilo de todo e qualquer documento. Volto a dizer, só dos ultrassecretos. E, dentre estes, alguns poucos - ratificou Temer, no Simpósio Pernambucano sobre a Reforma Política.

Colaborou: Letícia Lins

FONTE: O GLOBO

Governo decide omitir gastos novos da Copa

O governo recuou da promessa inicial e não divulgará promessa mais na internet todos os gastos com obras e serviços para a Copa, relata Dimmi Amora. A medida vale para novos contratos, com valor estimado de R$ 10 bilhões.

Em ofício para o Tribunal de Contas da União, o Ministério do Esporte disse que a prestação de contas dependerá da "conveniência" do Executivo.

Governo esconde gastos com novas obras da Copa

Ministério recua e não assegura mais divulgação de despesas na internet

Relator dos projetos do Mundial no TCU considera grave a falta de transparência dos gastos públicos

Dimmi Amora

BRASÍLIA - O governo federal decidiu que não vai mais divulgar todos os gastos com obras e serviços contratados para a Copa do Mundo de 2014.

Em ofício enviado ao Tribunal de Contas da União, o Ministério do Esporte avisou que a prestação de contas de novos contratos de valor estimado em R$ 10 bilhões vai depender da "conveniência do Poder Executivo".

Esse é o segundo recuo do Planalto quanto à transparência das informações das obras da Copa. Anteontem, ele mudou a redação da nova Lei de Licitações e tornou sigiloso também o orçamento inicial. O projeto foi aprovado pela Câmara e ainda será examinado pelo Senado.

Se a mudança for mantida, órgãos de controle como o Tribunal de Contas da União só serão informados sobre as previsões de gastos se o governo achar conveniente, o que poderá prejudicar a fiscalização dos projetos, como a Folha mostrou ontem.

Quando se candidatou a sediar a Copa, o Brasil se comprometeu com a ampla divulgação de suas despesas com o evento. "Todos os gastos públicos serão acompanhados pela internet por qualquer cidadão brasileiro ou do mundo todo", disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em julho de 2010.

O Planalto prometeu divulgar no Portal da Transparência, mantido pelo governo, na internet informações detalhadas sobre os gastos.

Agora, segundo ofício do Ministério do Esporte, o site só acompanhará contratos que já tinham começado a ser divulgados. A inclusão de novos gastos em áreas como segurança e telecomunicações não é assegurada.

O TCU aponta em relatório outro problema: o portal não tem sido atualizado.

Os técnicos afirmam que não aparecem no site pouco mais de R$ 500 milhões gastos em obras e serviços das rubricas que a pasta prometeu continuar a divulgar.

Entre as obras está a intervenção urbana na rodovia BR-163, em Cuiabá, avaliada em R$ 357 milhões.

Também não foram atualizados os orçamentos das obras dos estádios. O custo do Maracanã, por exemplo, cujo projeto foi modificado, saltou de R$ 600 milhões para cerca de R$ 1 bilhão.

O relator dos projetos da Copa no TCU, ministro Valmir Campello, considerou grave a predisposição do ministério em não prestar todas as informações.

"Não vejo como tratar desse fluxo de informações sem uma ciência ampla de todas as ações envolvidas", escreveu em relatório analisado na quarta-feira. "[Isso] representa uma prévia assunção às cegas dos riscos envolvidos para a realização bem-sucedida do Mundial."

O TCU determinou que até o fim de julho o Ministério do Esporte detalhe seus planos para segurança, turismo, saúde e outras áreas e atualize essas informações a cada quatro meses. E que atualize, ainda, os cronogramas de obras que já estão no portal.

Segundo o TCU, esta parte do planejamento está atrasada. O ministério não respondeu aos questionamentos da Folha alegando que ainda não foi informado pelo TCU das críticas feitas no relatório de Campello.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Bombeiros voltam a ocupar as escadarias do Palácio Tiradentes

Natanael Damasceno

RIO - Bombeiros que participam do movimento que reivindica melhores salários voltaram a ocupar as escadarias do Palácio Tiradentes, no Centro do Rio, nesta quinta-feira. O grupo, que começou a chegar no local por volta das 13h30m, reuniu pouco mais de 300 pessoas entre bombeiros, familiares, professores e profissionais da saúde. Os manifestantes prometem ficar no local até que o governo do estado conceda a anistia para os bombeiros que ocuparam o Quartel Central da corporação, no último dia 3. De acordo com um dos líderes do movimento, o cabo Benevenuto Daciolo, os manifestantes querem ser recebidos pelo secretario de Defesa Civil, coronel Sergio Simões, ou pelo próprio governador.

- Nós ficamos a semana inteira esperando o governo falar conosco. A vontade do governo é de que venha cair e esfriar o movimento. Nós não vamos permitir isso. Então, a partir de hoje, vamos ficar na escadaria da Alerj até que o governo fale conosco. E a partir de hoje vamos ficar colhendo assinaturas para um abaixo assinado que pede a anistia administrativa dos militares. Vamos ter vários pontos de arrecadação de assinaturas em todo o estado. Onde houver quarteis do Corpo de Bombeiros, haverá uma banca recolhendo assinaturas.

O deputado Marcelo Freixo (PSol), um dos deputados estaduais simpáticos ao movimento, reuniu-se com as lideranças do grupo na parte da manhã e disse que os bombeiros vão usar toda a sua energia para conseguir a anistia.

- O governo agora tem que entender que a anistia agora virou a base para qualquer negociação salarial. E a anistia deixou de ser uma questão jurídica para ser uma questão política. Virou uma questão que depende do governo, do Congresso e da Alerj. O objetivo deste abaixo assinado é sensibilizar o governo para a questão. Vamos buscar assinaturas em todos os lugares do estado. Além dos quartéis, vamos para as estações das barcas, do Metrô, da Supervia, onde sempre há filas, e vamos aproveitar o péssimo serviço destas empresas para dar oportunidade para as pessoas apoiarem este movimento - disse o deputado, que vai se reunir com os bombeiros ainda nesta quinta-feira.

Na terça-feira, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) afirmou que irá discutir com os líderes da Casa a viabilidade de votação de projetos que garantem anistia aos bombeiros grevistas do Rio de Janeiro . Deputados da bancada do Rio que apresentaram projetos de anistia solicitaram a Maia a urgência para a votação das propostas, se possível ainda esta semana. O presidente da Câmara afirmou que a prioridade é a votação do Regime Diferenciado de Compras (RDC) para obras da Copa e das Olimpíadas. Três deputados federais apresentaram projetos que tratam da anistia aos bombeiros grevistas do Rio: Alessandro Molón (PT), Anthony Garotinho (PR) e o líder do PSOL, Chico Alencar.

Apesar de chamar atenção pelo gigantismo, a tropa de bombeiros do Rio — a maior do país, segundo o próprio governo do estado — ainda pode aumentar. Uma lei encaminhada pelo governador Sérgio Cabral e aprovada pela Assembleia Legislativa em 2007 fixa o efetivo do Corpo de Bombeiros em 23.450. Se hoje são 16.550, ainda há margem para contratar 6.900. A proposta passou com a justificativa de que eram necessários oficiais e praças para atuar na área de saúde, em especial em dois projetos importantes do governo, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).

O crescimento do quadro dos bombeiros teve também uma contribuição de governos anteriores. A lei 5.175 aprovada por Cabral substituiu outra, de 4 de abril 2002, de Anthony Garotinho, que fixava o efetivo em 18.125 homens. No entanto, este nunca chegou a ser o total dos bombeiros. Cabral disse ainda que este ano, quando for contabilizada a antecipação de 5,58%, o total de reajuste salarial da categoria terá chegado a 11,58%. No fim do dia de quarta-feira, a assessoria do governo do estado assegurou que, no momento, apesar da lei, não há intenção de aumentar o efetivo dos bombeiros.

Mas a oposição explorou o fato de Cabral ter apontado o tamanho da tropa como empecilho para reajustar os salários. A deputada Clarissa Garotinho (PR) vê contradição no discurso do governador, que, segundo ela, foi o grande responsável pela situação. Ela criticou a desvirtuação da função primordial do bombeiro, ao se transferir um contingente tão grande para funções típicas de saúde:

— Como ele pode querer fazer essa comparação ou insinuar que o Rio tem bombeiros demais? Hoje, um terço do efetivo trabalha na saúde.

O deputado Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB) também protestou contra o argumento do governador. Ele afirmou que a lei aprovada em 2007 não só inflou o número de bombeiros, como criou uma distorção salarial. Um decreto de Cabral instituiu, em 2008, gratificações por plantões extraordinários de R$ 2.100 para oficiais médicos dos bombeiros, R$ 900 para oficiais enfermeiros e R$ 700 para praças técnicos de emergências médicas e auxiliares de enfermagem

FONTE: JORNAL EXTRA

Charge: Dilma e sigilo eterno

Miguel / Jornal do Commercio (PE)

Entrevista: FHC, 80 anos e muito a dizer

Presidente da República de 1995 a 2002, Fernando Henrique Cardoso completa 80 anos amanhã. O sociólogo voltou a ser destaque nos noticiários após iniciar uma cruzada pela descriminalização das drogas. Mas FHC ainda é um político influente e um acadêmico requisitado. "Faço palestras em quatro línguas, sem tradutor", avisa. Em entrevista aos repórteres Denise Rothenburg e Ullisses Campbell, ele relembra sua vida e fala até sobre namoro. Aproveita para criticar o PT, mas elogia Dilma.

FHC chega aos 80 sem medo de ser feliz
Entrevista - Fernando Henrique Cardoso

Acadêmico requisitado, militante voluntário na discussão sobre descriminalização da maconha e assíduo no instituto que leva seu nome, o sociólogo e ex-presidente celebra o aniversário com um balanço de sua trajetória

Denise Rothenburg  e Ullisses Campbell

São Paulo — Nas duas últimas semanas, não param de chegar pacotes embrulhados para presente no número 367 da Rua Formosa, no centro de São Paulo. Ali funciona o Instituto Fernando Henrique Cardoso, onde o ex-presidente despacha todas as tardes. No instituto, inspirado nas fundações americanas e mantido com recursos de empresas privadas e um naco da Lei Rouanet, para digitalização do acervo, a maior joia é o próprio FHC. Ele completa 80 anos amanhã com uma disposição de fazer inveja aos mais jovens. Escolhe entre uma ou outra conferência no exterior ("faço palestras em quatro línguas, sem tradutor"). Frequentemente, é consultado para falar sobre a descriminalização da maconha. De forma tímida, reserva espaço na agenda para retomar a vida afetiva, três anos depois de se tornar viúvo. "Não namoro bastante porque seria ridículo um velho namorar assim." E não se furta a participar de discussões ligadas ao PSDB. Quando requisitado, diga-se. Na última quinta-feira, FHC mudou parte da rotina. Encastelado em função de uma gripe — "a saúde não é mais a mesma" —, recebeu a reportagem do Correio em seu apartamento de 300m² na rua Rio de Janeiro, no bairro de Higienópolis. Discorreu sobre vários temas nos 45 minutos de conversa. Separa Dilma do PT. "O PT é o rei da infâmia", diz. Dilma? "Ela me parece uma pessoa íntegra, menos leniente com desvios." Sobre a demissão de Palocci da Casa Civil, justo o principal ministro, diz que "são decisões difíceis, mas cabe aos presidentes tomá-las".

Qual a maior alegria política que o senhor teve ao longo da carreira?

Minha maior alegria pessoal foi ter sido eleito duas vezes presidente. Na verdade, a alegria política é que eu fiz muita coisa pelo Brasil. Quando você chega lá, ou faz muita coisa ou não faz nada. A minha alegria é que mudei muita coisa. A minha intenção é continuar fazendo coisas por aí.

Qual a maior tristeza política?

Não ter conseguido fazer tudo o que queria e tentado demais mexendo em várias coisas ao mesmo tempo, quando talvez não fosse a tática adequada. Mandei tantas reformas estruturais que foi difícil tocar. A verdade é que não dei folga ao Congresso. O tempo todo estávamos de rédea curta, trabalhando, e agenda, agenda, agenda. A reforma da Previdência: se eu tivesse me concentrado num ponto só, talvez tivesse sido mais eficaz do que assustar tanta gente, quando o que queríamos era salvaguardar o sistema previdenciário. Eu talvez devesse ter desvalorizado a moeda antes de 1999. O sistema nosso deixou de ser fixo, era flutuante, mas flutuava pouco. A certa altura mudei a política, mas poderia ter feito antes. Se tivesse, teria evitado a crise de janeiro de 1999.

Na época, o PT dizia que o senhor não mudou por conta da reeleição.

Não tem nada a ver com isso. O PT é o rei da infâmia. Imagina se àquela altura a questão central ia ser a reeleição? Até porque eu ia ganhar a eleição. Os efeitos da mudança da moeda só se fizeram sentir meses depois. O mercado foi quem tomou uma decisão por nós. Insistimos em não mudar porque a equipe estava convencida de que não deveria. Eu estava convencido de que era possível mudar. Só que precisava de gente. Não se muda sozinho, não é um ato de vontade, Havia muita resistência na equipe. Tive que tirar o Gustavo Franco (à época, presidente do Banco Central). Eu gostava muito dele. Se ele tivesse ido para o governo depois de começar a flexibilizar, teria sido melhor. Nunca esteve em cogitação a relação entre câmbio e reeleição. Isso é invenção do PT. Outra invenção: as reformas pararam por causa da reeleição. Ora, reeleição foi em um mês, janeiro de 1997, e toda a população queria, tanto que ganhei. Quem é que não queria? Os candidatos a presidente da República e seus partidos, Lula, Maluf e alguns até do meu partido.

O senhor acha que a reeleição está consolidada no Brasil ou prefere um mandato de cinco anos?

Acho que está consolidada. Precisa ser aperfeiçoada com maior restrição ao uso da máquina. Mas é difícil. Fui candidato e não usei a máquina. No pleito de 2010, não era reeleição e o Lula usou. Não dá para reinventar a roda. Os sistemas que têm dado certo são os de reeleição. Para a construção de uma obra, quatro anos não são suficientes. Nem mesmo cinco. Já seis eu acho muito.

O senhor vai inaugurar um portal. Esse meio de comunicação já se consolidou como instrumento político?

No Brasil, ainda não é como nos outros países, mas é uma força e acho que está se consolidando. A nossa sociedade se modernizou. As pessoas se modernizaram e as instituições políticas, não. Há um descasamento entre a vida na sociedade e a vida política. O Congresso vai para um lado e a sociedade, para o outro. Tirar do Congresso o debate foi uma contribuição negativa do governo Lula. As grandes questões são decididas sem debate. Quem decidiu a expansão das usinas nucleares? Ou a mudança na lei do petróleo? E a construção do trem-bala? Pode ser certo tudo isso, mas não foi debatido.

Mas essas questões foram debatidas no Congresso.

Muito pouco. Sobre petróleo, por exemplo, só se debateu a distribuição dos royalties. E tudo em regime de urgência, urgentíssima ou medida provisória. O debate amorteceu em função da prosperidade, que é evidente, da possibilidade de o governo dar mais benesses, inclusive ao próprio Congresso.

O senhor falou em prosperidade. Isso significa que a presidente Dilma e o PT podem ficar no governo por mais tempo que os quatro anos? Como a oposição vai construir um discurso capaz de quebrar essa onda?

Essa onda (de prosperidade) no mundo está arrefecida. Você não tem a situação que tinha há dois anos para o Brasil. Agora teremos que enfrentar problemas mais complicados. Há um tremendo deficit de infraestrutura. Portos, aeroportos, estradas. E falta dinheiro. O governo vai ter que tomar medidas. A primeira ideia que tiveram (sobre a concessão dos aeroportos) achei boa. Eu tenho que dizer com franqueza: a Dilma tem me surpreendido.

Em que pontos ela o surpreendeu?

Por exemplo, todo mundo diz que a Dilma é uma pessoa agressiva. Comigo não foi de forma alguma.

E na parte administrativa? Ela agiu certo ao demitir o ministro Palocci?

Ainda é cedo para julgar. São decisões difíceis, mas cabe aos presidentes tomá-las.

Qual a sua opinião sobre repassar a administração dos aeroportos à iniciativa privada?

É bom que se faça. É corajoso. Isso requer que as agências reguladoras funcionem.

E como vê essas agências? Certa vez, o senhor disse que criou esses mecanismos de forma a deixar o Estado mais leve, a infraestrutura seria tocada pela iniciativa privada.

Exatamente, desde que as agências controlassem o bem do consumidor, com fidelidade aos contratos. As agências não deveriam ser politizadas. A Agência Nacional do Petróleo foi anulada. Hoje, a Petrobras reina sozinha. A ANP está cheia de pessoal do PCdoB e do PT. Agência não é para isso. Na questão dos aeroportos, é bom que a agência tenha vigor para fazer concessão. O setor privado vai sempre puxar para interesse próprio. O Estado tem que estar presente para que não haja distorção.

A Dilma lhe enviou uma carta elogiosa.

Vi com prazer. Ela foi generosa. Reconheceu o que o antecessor costumava dizer que não era assim.

Algumas notas dizem que o senhor está magoado com o Lula. É verdade? Ainda espera uma ligação dele para cumprimentá-lo pelo aniversário?

Não estou magoado. Ele nunca me ligou por aniversário algum. O Lula e eu, quando estamos juntos, nos damos bem. Agora, ele deve ter algum problema psicológico, tem dificuldade em fazer gestos comigo.

A interlocutores, ele disse ter mágoa em função das campanhas, críticas em tom agressivo.

Isso não. Uma vez o Lula foi lá me ver, no Palácio, quando eu era presidente. Ele tinha perdido a eleição, em 1998. Depois que fui reeleito. Cristovam Buarque presenciou a conversa. Uma certa hora, eu disse: "Ô Lula, nunca vi você na tevê me atacando porque não queria ficar com raiva de você". E era verdade, eu não via. O pessoal da máquina dizia que eu tinha que ver. Eu não via porque ele era agressivo. Outra vez, estávamos no Alvorada, eu, Ruth, ele e Marisa. Falamos de novo sobre isso e ele, "Ah, mas pessoalmente...", e eu disse. "Então você depende: tendo gente na frente, pode dizer qualquer coisa, né?". Não tenho mágoa do Lula. Conheço o estilo. Não é que me doa. Mas, do ponto de vista do Brasil, ex-presidente é bom que tenha uma relação civilizada. Infelizmente, não pude ter uma relação mais civilizada com o Lula.

A carta que Dilma lhe mandou, alguns viram como ponte entre governo e PSDB. Que interpretação o senhor faz?

Primeiro, acho que é uma coisa pessoal. E não é o primeiro gesto. Fui convidado para o almoço do Obama e ela me tratou bastante bem e vice-versa. Em segundo lugar, acho que ela entendeu que era melhor a distensão de um clima crispado. Mas acho que para aí. Não acho que ela queira brigar com Lula.

Uma leitura possível é que ela quer acabar com o clima de guerra entre PT e PSDB?

De alguma maneira, essa coisa cansou, porque é falsa. Os projetos são meio parecidos.

Onde PSDB e PT se afastam? É a disputa pelo poder pura e simples?

É essencialmente a disputa pelo poder. Dizem que um é de esquerda e o outro é conservador. Não é verdade. Não tem nada disso. Um é privatista, outro não. Não é verdade, está se vendo aí (questão dos aeroportos). Um não liga para o povo o outro liga, também não é verdade, e por aí vai. O que discrepa? O PT mantém uma certa visão de partido, Estado e sociedade que é diferente do PSDB. O PT ainda acredita que o melhor para o país é que um partido, eles, ocupe o Estado e que o Estado mude a sociedade. O PSDB não vai nessa direção. É mais republicano, no sentido de separar mais. Não quero com isso tirar o mérito do governo Lula, do que fez de expansão dos programas sociais. Sendo ele um líder sindical, tendo uma base ligada a esse setor, tem mais facilidade de atender aos reclamos do que outros governos. Agora, os programas sociais todos começaram no meu governo. Do Luz no Campo, distribuição de livros, as bolsas.

Foi correto juntar todas as bolsas no Bolsa Família?

Já havia uma tendência. Era uma questão técnica. As bolsas surgiram como uma proposta do Banco Mundial, hostilizada pelo PT e por muita gente. Depois, houve um movimento de criar um fundo para combate à fome, que o ACM capitaneou. Era dar comida. Isso não é correto do ponto de vista de políticas sociais gerais. Em certas situações extremas, sim, dar comida. Fora disso, tem que dar emprego, instrução ou auxílio transitório. Usamos a educação primeiro, fizemos a Bolsa Escola. E no Ministério da educação, tivemos um problema tremendo: quem iria receber a bolsa? Não queria que fosse por influência política. Criamos então o cartão da cidadania, que copiei do Marconi Perillo, que já fazia em Goiás. A mãe de família e não o homem ia lá sacar o dinheiro. Minha intenção era não politizar as bolsas, não fazer populismo. Quando começou a ideia de integrar — tinha Bolsa Escola, alimentação, vale-gás e tirar criança do trabalho forçado. Cada ministério olhava para o objetivo da bolsa. Ao juntar tudo, complica, cria uma burocracia nova, que não tem o mesmo interesse específico. Por isso, eu tinha resistência a juntar todas. Mas, tecnicamente, a CEF já estava fazendo os procedimentos porque é mais econômico. O que o governo Lula fez, além de juntar tudo, foi a apropriação política da bolsa, o populismo. E perdeu o objetivo. Aliás, o Fome Zero, sob esse ponto de vista, era melhor porque queria ensinar a pescar e não dar o peixe. Por que fui para a Bolsa Escola? Porque o objetivo é educação. O que liberta é o trabalho.

E a política externa? Está correta essa estratégia multifacetada do governo?

Está correta e eu comecei, ou melhor, o Sarney começou e depois seguimos. Não é verdade que era só Estados Unidos. No meu discurso de posse, como chanceler, eu disse que tinha que ir para a Ásia. E fui. Fui ao Japão, à Índia, à China, o primeiro a ir à Malásia. África também fomos. O PT gosta de dizer que começou a história. Já estávamos nessa direção. A diferença do Lula é que ele queria obter uma cadeira no Conselho de Segurança.

O senhor não acha isso correto?

Não vai haver essa cadeira porque não está havendo a mudança. Vamos ter uma cadeira lá, um dia. Mas não agora. O que eles fizeram? Abriram embaixadas. Isso custa caríssimo. Com o objetivo de obter essa cadeira, que não obtiveram. Boa parte das viagens e de apoios em países menores não foi outro senão político, de um protagonismo que não funcionou.

E em relação à ampliação de gestão do FMI, do Banco Mundial?

Acho corretíssimo. Não fiz outra coisa que não fosse pedir isso. Acho que será a médio prazo. Estava lendo um artigo de Ricardo Lagos. Mostra que há uma aceleração desse processo. Quando havia reunião do G-7, eu mandava cartas pedindo a regulação financeira. Apoiei a taxação de fluxos de capitais. Na reunião que tivemos na chamada governança progressiva, em Florença, com vários líderes internacionais, defendi essa tese e não foi aceita. A China cresceu e puxou todos os países.

Como é a vida de ex-presidente? O que o senhor faz no dia a dia?

Fico em casa pela manhã. Trabalho no computador, leio, escrevo. Nada pela manhã é voltado para o lazer. Almoço em casa e, à tarde, vou para o Instituto (Fernando Henrique Cardoso). Recebo gente, tem reuniões, seminários e não sei mais o quê.

No que o senhor se ocupa?

Logo que deixei a Presidência, resolvi desencarnar. Viajei, fui para a França com a Ruth, sem segurança alguma. Andávamos de metrô como pessoas normais. Voltei à vida comum. Depois fomos para os Estados Unidos e eu ficava na biblioteca do Congresso, lendo e escrevendo o livro A arte da política. Também andava de metrô. A Embaixada do Brasil nos oferecia um carro e eu recusava. Queria levar uma vida normal. Só quando era assunto oficial da Embaixada eu aceitava o carro. Nos Estados Unidos, assumi uma posição na Universidade de Brown conhecida como professor-at-large que, em tese, é um professor que faz o que quer, mas eu acabava dando aula magna, seminários e atendia alunos de graduações, o que eu adorava fazer. Fui convidado para a Universidade de Harvard, mas recusei. E olha que estava sem dinheiro. Foi aí que eu descobri que podia ganhar dinheiro falando.

Por falar em estar sem dinheiro, de onde vem essa sua fama de pão-duro?

Realmente tenho essa fama. Não sei de onde vem. A verdade é que eu saí da Presidência e fiquei sem dinheiro. Por causa disso, não era e nem sou consumista.

Hoje o senhor tem investimentos financeiros, dinheiro guardado?

Hoje, sim. Mas quando deixei o governo não tinha nada. Presidente da República não tem salário de aposentado. Assim que saí do governo eu sobrevivia com salário de aposentado da Universidade de São Paulo. Mas eu e a Ruth nunca tivemos aperto de dinheiro. Como professores universitários, levamos uma vida de classe média confortável.

A população tem na figura do presidente uma imagem de pessoa poderosa e com dinheiro. Não é?

Realmente tem essa imagem, mas não corresponde à realidade. Para você ter uma ideia, para eu comprar o apartamento em que moro hoje, tive de vender dois e ainda assim a soma não era suficiente. A editora Record me antecipou um dinheiro de um livro que eu ia escrever e assim consegui comprá-lo.

A fama de pão-duro então é injusta?

Não sei. Só sei que não gosto do ato de tirar o dinheiro do bolso. Se for para pagar com cartão, não ligo. Mas se for com dinheiro vivo, complica. Não gosto de dinheiro.

Como pesquisador, como o senhor vê essa polêmica dos documentos secretos?

Tenho uma explicação difícil de acreditar. No último dia do meu governo, 31 de dezembro de 2002, assinei uma pilha de documentos e decretos que alguém havia levado ao gabinete. Era uma pilha de decretos e assinei. Não tem nesse documento o nome do ministro Pedro Parente nem do general Cardoso, então tem boi na linha. Dois anos depois deu aquela confusão. A verdade é que nunca fui pressionado por nenhuma instituição nesse sentido, nem pelos militares nem pelo Itamaraty. A assinatura adveio de um equívoco e não porque esse ou aquele órgão me alertou.

Mudando de assunto, como o senhor está vendo essa briga dentro do PSDB que parece não ter fim?

Não é possível que o PSDB não aprenda com a história. Governamos São Paulo e Minas, os dois estados mais populosos e mais ricos. Ao unir São Paulo e Minas, temos chances boas de ganhar a eleição presidencial. Temos que ter a capacidade de unir esses dois estados.

O senhor se propõe a fazer essa unidade?

Eu não, já chega.

Na sua leitura, por que o Serra perdeu a eleição?

Por muitos fatores. O mais importante é que o Lula tem muita popularidade e jogou com a máquina, fez uma vasta aliança e teve recursos infindáveis. Tudo isso é verdade e conta. A gente tinha chance de ganhar.

O PSDB tem algum mea-culpa a fazer?

Sempre tem, não só do Serra, mas de todo o partido. O PSDB nunca foi forte em deixar uma marca e trabalhar essa marca. O partido erra ao esconder os benefícios das nossas gestões. Esconde a mim. Mas não estou disputando eleição, nem sou personalista para ir lá e brigar. Acontece que eu já passei da idade dessas coisas. Isso é um erro do ponto de vista do partido. A meu ver, o PSDB também errou ao não politizar as questões.

A violência no campo foi um problema acentuado em seu governo e, 16 anos depois, ainda persiste, principalmente no Pará. Esse tipo de barbárie não tem solução?

Na época do massacre de Eldorado dos Carajás, fui pessoalmente responsabilizado e acusado por PT e MST. O governador do Pará na época, Almir Gabriel, foi processado. Agora, que morreram camponeses e sindicalistas, ninguém acusou o Lula e a Dilma. A verdade é que, apesar de o Brasil ter um PIB não sei de que tamanho, não é um país civilizado completamente. Não é um país em que a cidadania exista pra valer.

O senhor disse que os partidos pequenos se organizam para usufruir de cargos do governo e que o Lula fez a política do toma lá da cá com o Congresso para governar. O senhor acha que a Dilma vai cair nessa armadilha?

Não, porque me parece que a Dilma é uma pessoa íntegra. Ela tem sido mais resistente nessa questão, mas é lógico que há limites para essa resistência. Não sei qual é a tese dela. Ela parece menos leniente com desvios.

O senhor defendia de maneira velada a descriminalização do uso da maconha quando era presidente e agora passou a defender abertamente. O senhor acha que o Brasil realmente está preparado, inclusive na questão da saúde pública, para lidar com o usuário e as consequências que o uso contínuo dessa droga acarreta?

O uso de todas as drogas faz mal, inclusive o cigarro, o álcool e a maconha. Todas as drogas fazem mal. Acho que temos que ter sempre campanha de prevenção. A meu ver, acho que até o uso do álcool deveria ser regulado no Brasil. Queria deixar claro que a minha posição não é do "libera geral". A minha posição é: não basta pôr na cadeia. O problema é que não há receita geral que dê certo no Brasil. Sempre uso o seguinte exemplo: gosto de vinho, tomo quase todas as noites no jantar. Se tomar no almoço, prejudica o meu trabalho. Se eu pedir uma taça de vinho pela manhã, me levem para o hospital, pois estou doente. O mesmo vale para a maconha. Se a pessoa fumar o dia inteiro, vai ter problemas psicológicos.

O senhor está viúvo há três anos e é um homem bastante admirado pelas mulheres. Como está o seu coração? Já refez a vida afetiva?

Evidentemente, sou um ser humano. Mas isso não quer dizer que tenha alguém efetivamente, que vá casar e tal. Não penso nisso. Aos 80 anos, me casar seria uma temeridade. Além disso, tenho uma família forte e muito ligada a mim. Agora, evidentemente, me relaciono com muitas pessoas. Não namoro bastante porque seria ridículo um velho namorar assim. Não me incomodo em ser admirado de longe pelas mulheres. De perto, vamos devagar porque o santo é de barro e, nesse caso, o santo sou eu.

Agora que o Lula é ex-presidente e começou a dar palestras para sobreviver, assim como o senhor faz, já deu para sentir a concorrência do petista nesse mercado?

Imagina. Eu dou muitas palestras pelo mundo. Não tem uma semana que não receba até três convites para dar palestras fora do Brasil. Todas muito bem remuneradas e algumas até recuso. Eu dou palestra em quatro línguas, não preciso de tradutor. Não existe concorrência. Hoje, não faço mais tantas palestras porque não preciso de dinheiro. Passei a ser muito restritivo.

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Um gol contra às vésperas da Copa:: Roberto Freire

O jornal Folha de São Paulo da última segunda-feira trouxe mais uma revelação escandalosa envolvendo o governo Dilma: a Fifa está constrangendo as cidades-sede da Copa do Mundo com e-mails nos quais as pressiona a "cooperar" nas licitações e contratar empresas patrocinadoras da entidade.

A medida provisória nº 527 que trata, entre outras coisas, do Regime Diferenciado de Contratação (RDC), aprovada na madrugada de quinta, nos apresenta a dura realidade de que os preparativos da Copa no Brasil colaboram para isso e trazem a marca do lobby - com o explícito endosso do Palácio do Planalto - na criação de uma legislação cheia de brechas para a corrupção e do sigilo de gastos, o que é inconstitucional.

A MP foi criada para facilitar negociatas e tornar legais as indecorosas investidas da Fifa, ao acabar com os limites de gastos em obras e serviços para o grande evento e ainda garantir o sigilo sobre eles.

Os e-mails da entidade revelam a forma insidiosa de conduzir licitações, ao pedir que as cidades-sede encontrem "uma forma de garantir" que determinada empresa de interesse da federação faça parte do processo.

Eu apresentei requerimento que foi subscrito e encaminhado pelo líder do PPS na Câmara, deputado Rubens Bueno (PR), que faz parte da Comissão de Turismo e Desporto, de convite aos diretores de marketing da Fifa no Brasil, senhores Jay Neuhaus e Thierry Weil e também ao senhor Carlos De la Corte, consultor do Comitê Organizador Local, para prestar esclarecimentos na referida Comissão.

O jornal conseguiu documentos - entre eles um e-mail e uma apresentação de PowerPoint - em que a Fifa pressiona as cidades da Copa a contratarem a empresa ADM, que fabrica brindes, como bonés e chaveiros. Neuhaus assina os documentos que trazem um aviso: ou a cidade contrata a ADM ou paga 17% de taxa de licenciamento, se escolher outra empresa.

Já Carlos De la Corte faz o lobby da empresa chinesa de energia Yingli, cujos serviços, escreve ele, estão "alinhados" com a Fifa.

Weil reforça a pressão, ao afirmar que a Fifa "considera que os produtos da Yingli Solar podem ser a melhor solução para a eficiência energética para a Copa". A seguradora Liberty é outra empresa a receber a chancela da Fifa em seus e-mails às cidades-sede.

O preposto da Fifa no Brasil dispensa apresentações. É o presidente do COL (Comitê Organizador Local), Ricardo Teixeira, que também preside a CBF e que vive sob reiteradas denúncias de corrupção.

Não devemos nos esquecer que a reeleição do presidente da entidade, Joseph Blatter, ocorreu após diversas acusações de corrupção feitas pelos dirigentes ingleses aos membros do comitê executivo da entidade.

A oportunidade de trazer para os brasileiros a alegria de uma Copa do Mundo deveria envolver atitudes mais nobres dos responsáveis pelo evento. O respeito às leis em vigor no Brasil seria um bom começo. Se a Fifa não tem essa preocupação em constranger as cidades-sede com seu assédio indecente, diferente deveria ser a atitude do governo brasileiro.

Desde 2007 sabíamos que o Brasil sediaria a Copa. No entanto, o governo propositadamente deixou para o último momento as obras necessárias, para realizá-las a toque de caixa. A correria é uma justificativa para rasgar a Lei de Licitações (8666/93).

O jogo não começou, mas o torcedor e todos os brasileiros vão pagar uma conta muito mais cara e as empreiteiras e empresas prestadoras de serviço contratadas no evento já marcam seus gols.

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

FH se reinventa aos 80:: Merval Pereira

O Supremo Tribunal Federal tem se colocado na vanguarda da sociedade brasileira no campo dos costumes ao aprovar, nos últimos dias, questões polêmicas como a união estável entre homossexuais e a permissão da defesa pública da legalização da maconha, retirando desse movimento o caráter de apologia de crime.

A decisão do Supremo chega no mesmo momento político em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso está nos cinemas ancorando o documentário "Rompendo tabus", em que debate com diversas personalidades mundiais sua mais recente cruzada, a da regulamentação do uso da maconha, com o objetivo de descriminalizá-lo.

A Comissão Global sobre Drogas, que ele coordena, vai mais adiante e tem uma clara tendência de trabalhar pela legalização e regulamentação do uso da maconha como a melhor maneira de combater o tráfico de drogas e suas consequências.

Esse, porém, é um passo adiante do já dado pela Comissão Latino-Americana, que, além do ex-presidente brasileiro, tem na sua coordenação os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e defendeu a descriminalização da maconha, por ser a droga de uso amplamente majoritário no mundo (90% do consumo mundial de drogas) e, ao mesmo tempo, cujos malefícios podem ser comparados aos do álcool e do tabaco.

Fazem parte da Comissão Global políticos como Javier Solana, ex-secretário-geral da Otan e ex-alto representante para a Política Externa e de Segurança Comum da União Europeia; Ruth Dreifuss, ex-presidente da Suíça ; George Schultz, ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos; e empresários como Richard Branson, fundador do grupo Virgin e ativista de causas sociais, e John Whitehead, banqueiro e presidente da fundação que construiu o memorial no lugar do World Trade Center, além de intelectuais como os escritores Carlos Fuentes, do México, e Mario Vargas Llosa, do Peru, prêmio Nobel de Literatura.

Essa nova frente de luta na formulação de políticas públicas encontra o sociólogo e político Fernando Henrique Cardoso em plena forma aos 80 anos, que completa amanhã, mas que vem sendo comemorado em diversos eventos nos últimos dias.

O ex-presidente tem sentido nas suas andanças pelo país a simpatia dos jovens, a maior parte dos quais nem mesmo tinha idade para avaliações políticas mais profundas quando o tucano estava no poder, 16 anos atrás.

O sociólogo e analista de opinião Antonio Lavareda considera que esses jovens tinham uma imagem deformada do ex-presidente pela luta política com o também ex-presidente Lula, que demonizou a atuação de seu adversário nos últimos anos, e agora se aproximam dele através da campanha para a descriminalização das drogas.

Fernando Henrique tem tido também uma visão mais moderna do que a maioria de seus pares sobre a importância das novas mídias na atuação política.

Uma pesquisa realizada em parceria entre a agência Box1824 e o Instituto Datafolha mostra que os jovens brasileiros não levam em consideração os partidos na hora de optar por instrumentos de engajamento político, ao mesmo tempo em que cada vez mais valorizam a internet como ferramenta para esse tipo de mobilização.

Pois FH escreveu, em seu polêmico artigo "O papel da oposição" na revista "Interesse Nacional", que a tarefa das oposições seria utilizar essas ferramentas para tentar atrair seus usuários, em vez das modorrentas e burocráticas reuniões partidárias que só fazem afastar os cidadãos comuns da atividade política.

Nessa recente pesquisa entre jovens de 18 a 24 anos, ficou claro, segundo o sociólogo Gabriel Milanez, pesquisador da Box1824, que, para o jovem, a política institucional partidária não é uma solução, eles buscam um novo modelo, com ações do dia a dia, conectando-se a grupos diferentes por meio das mídias sociais.

De manifestações simbólicas que nasceram pela internet e foram para as ruas, um dos melhores exemplos são justamente as marchas pela legalização da maconha organizadas em vários estados do país.

O ex-presidente Fernando Henrique, no seu já famoso artigo que o líder petista José Dirceu promete rebater através da mesma revista, defende a tese de que as oposições têm que se aproximar das "diversas classes médias, de novas classes possuidoras (empresários de novo tipo e mais jovens), de profissionais das atividades contemporâneas ligadas à TI (tecnologia da informação) e ao entretenimento, aos novos serviços espalhados pelo Brasil afora".

Um público que, na avaliação de FH, estaria mais conectado às novas mídias sociais do que à atividade partidária, embora faça política o tempo todo, sem que os políticos tradicionais se deem conta disso.

O ex-presidente é amigo e uma espécie de guru do sociólogo Manuel Castells, da Universidade Southern California, nos Estados Unidos, um dos maiores estudiosos da nova sociedade civil que vem se organizando através das novas mídias, em condições de existir independentemente das instituições políticas e do sistema de comunicação de massa.

Justamente por isso, Fernando Henrique chama a atenção de seus pares para que não deixem sem acompanhamento essa legião de usuários da internet e seus derivados, que descobriu a força da união digital, mas não se liga na ação política através dos partidos.

Castells identifica um "vazio de representação" provocado pelo descrédito da classe política, especialmente junto aos jovens, que a ação através das novas mídias sociais procura preencher.

FH, ao contrário, quer que as oposições ocupem esse espaço se conectando com os integrantes da chamada Geração Y que trabalham com a ideia de organização e debate para decisões coletivas, como identificou Castells.

Como se vê, aos 80 anos, Fernando Henrique Cardoso está novamente na vanguarda dos movimentos sociais, reinventando a si mesmo.

FONTE: O GLOBO

Pode falar maconha :: Fernando de Barros e Silva

"Nada se revela mais nocivo e perigoso do que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre", disse o ministro Celso de Mello, relator do caso no STF. "Liberdade de expressão não é apenas o direito de falar aquilo que as pessoas querem ouvir. A liberdade existe para proteger manifestações que incomodam agentes públicos e privados, capazes de mudar de opiniões", disse Marco Aurélio Mello.

O Supremo votou de forma unânime (8 a 0) pela legalidade da Marcha da Maconha. Disse que não se pode proibir a realização de protestos ou de atos públicos a favor da descriminalização do uso de drogas. É uma decisão histórica. Ao remover o recurso à censura prévia do debate, o STF colabora para um país mais democrático e esclarecido, coisas que ainda somos pouco.

Não deixa de ser uma piada que, mais de 20 anos depois de promulgada a Constituição, o STF tenha que dizer aos juízes e à sociedade que, sim, as pessoas podem se manifestar. Isso é mais um sintoma do nosso atraso e de como está distante, ainda, qualquer mudança na legislação sobre as drogas.

Como na questão do casamento gay, recentemente reconhecido, há um divórcio entre a decisão da Corte Constitucional e o conservadorismo da sociedade em geral e dos políticos em particular. O Congresso é majoritariamente chucro e mesmo parlamentares menos rústicos em matérias comportamentais evitam tratar daquilo que pode lhes custar votos. São todos pragmáticos.

Também por isso faz diferença que uma figura da estatura de Fernando Henrique se envolva com a questão. Seu engajamento, muito longe de configurar uma apologia ao uso da droga, ajuda a criar um ambiente mais maduro de como enfrentar o problema. É um avanço imenso em relação ao deputado Fulano de Tal que vai subir na tribuna (ou já o fez) indignado para nos alertar com o dedo em riste para a destruição dos valores da família.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Delito coletivo:: Dora Kramer

A Câmara, o Senado e a Casa Civil não viram - ou se viram não deram importância ao fato até ser publicado pela revista Veja - que em meio à infinidade de penduricalhos da Medida Provisória 517 havia uma emenda concedendo a ex-banqueiros falidos o direito de vender ao governo moedas podres pelo valor de face.

Um prejuízo de R$ 8,7 bilhões, urdido pelo deputado Eduardo Cunha, autor da emenda que incluiu o "benefício" na MP. Convenhamos, um montante considerável demais para que 513 deputados, 81 senadores e os encarregados de acompanhar assuntos legislativos no Palácio do Planalto deixassem passar em branco.

Alertado pela reportagem da Veja, o governo anunciou o veto da presidente Dilma Rousseff à falcatrua. O desfecho, portanto, nesse aspecto foi positivo.

O mesmo já não se pode dizer do processo que permitiu esta e permite a ocorrência de outras exorbitâncias que nem chegam ao conhecimento público por conta da deturpação no uso e na tramitação das medidas provisórias.

Parlamentares de vários partidos denunciaram ultimamente o "sistema" de contrabando pelo qual uma medida incorpora diferentes proposituras, e apontaram aquela MP em particular, enviada ao Congresso com nada menos que 13 assuntos distintos.

Falaram sobre o significado da ilegalidade, da usurpação de prerrogativas, da submissão do Congresso e, sobretudo, sobre o desrespeito flagrante à Constituição.

Descontadas as exceções de praxe, ninguém deu pelota nos plenários, tal o afã de cumprir as exigências do Planalto.

O caso da oferenda aos ex-banqueiros falidos foi exemplar. Mostrou toda a deficiência de um processo em que o defeito não reside na falta ou no excesso de prazos para que uma ou outra Casa examinem as medidas.

A deformação está na absoluta indiferença do Executivo e do Legislativo à letra da lei que, de um lado, restringe o envio de MPs a determinados assuntos e, de outro, exige exame detido sobre o conteúdo enviado.

Vai mal. Se a decisão de não conceder a extradição de Cesare Battisti no Brasil fosse mesmo inofensiva para as relações Brasil-Itália como se esforça para fazer crer o chanceler Antonio Patriota, Luiz Inácio da Silva não teria deixado para anunciá-la no último dia de governo, de modo a não enfrentar os questionamentos decorrentes.

Se a extradição fosse mera idiossincrasia do governo Berlusconi, como se ouviu durante a última votação no Supremo Tribunal Federal, Lula não teria cancelado viagem à Itália com receio de ser alvo de protestos.

Se fosse assim, o Conselho Comunal (representação legislativa local) na cidade de San Polo di Piave não teria suspendido projeto de intercâmbio com a cidade catarinense de Arroio Trinta, para sinalizar repúdio à decisão brasileira.

Sempre foi claro e depois da sentença final fica cada vez mais patente o erro de avaliação do ministro da Justiça, do presidente da República e, por fim, do STF, que abriu mão de suas prerrogativas constitucionais em nome sabe-se lá do quê.

Os votos vencidos de Gilmar Mendes, Ellen Gracie e Cezar Peluso foram, no caso, os fiadores da independência do Supremo para o registro da História.

No contrafluxo. Defender e garantir a liberdade de expressão é dizer e fazer o óbvio: está na Constituição. O contrário é que seria inusitado. Isso em qualquer país onde tal valor não está mais em discussão e democracia e oposição não toleram adjetivos. "São" e ponto final.

Até a noite de quarta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal, decidiu por unanimidade que são lícitas as passeatas em defesa do ilícito - goste-se ou não é fato - a fronteira da liberdade era a legalidade.

Ou bem a decisão serve agora para se enfrentar de uma vez a questão de descriminalização da maconha, ou a sentença do STF criará dificuldades e embaraços adiante. Por exemplo, para se aprovar no Congresso o projeto que criminaliza manifestações tidas como homofóbicas.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Lei Palocci :: Eliane Cantanhêde

No caso do "agente 007", o 00 significa licença para matar. No do RDC (Regime Diferenciado de Contratações) aprovado pela Câmara para a Copa e a Olimpíada, o RD é uma licença para desviar dinheiro público.

Desculpe a rudeza da constatação, mas não me ocorreu nenhum eufemismo ou sutileza para dizer que a mudança nas regras vai facilitar ainda mais o troca-troca nem sempre ético entre as verbas públicas e a ganância privada, agora sob o pretexto de agilizar e apressar as obras para 2014 e 2016.

Há boas críticas aos excessos da Lei de Licitações, a 8.666, mas, se com ela já acontece tudo o que acontece, imagina depois do RDC e da "flexibilização", com tudo rapidinho e por baixo dos panos?

Entre os cachos pendurados nessa árvore, destacam-se: a liberdade para aumentar sem limites os valores dos contratos na mesma licitação; e a decisão de manter sob sigilo os orçamentos de União, Estados e municípios para a Copa. Ou seja, em segredo, bem longe da curiosidade da imprensa e do legítimo direito de informação dos cidadãos. Por que será, hein?

É difícil explicar -e ninguém explicou até agora- por que raios os valores podem continuar subindo e o cidadão e a cidadã que pagam impostos (e que impostos!) não vão ter acesso às informações sobre quem paga, para quem paga, pelo quê paga e por quê paga. Parece até a história do Palocci.

O pior é o pretexto: apesar de todo o mundo saber há anos que a Copa vai ser no Brasil, as obras nos aeroportos e nos estádios estão a passos de tartaruga, tudo atrasado. No Pan de 2007, as obras foram estimadas em R$ 410 milhões e bateram em R$ 3,7 bilhões. Em 2014, ano de eleições gerais -para deputado, senador, governador e presidente da República-, vai ser uma festa.

Segundo o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, o sigilo é "absurdo, escandalosamente absurdo". Não há como discordar.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Pra frente Brasil, muitos bilhões em ação:: Maria Cristina Fernandes

É sempre tentador culpar a falta de vergonha na cara, mas nem sempre a indignação explica a política. A votação da medida provisória que afrouxou as regras da licitação para obras públicas tem várias explicações. A primeira delas é a execução orçamentária da União.

O acordo da madrugada que ampliou as brechas para que obras que extrapolam a Copa e a Olimpíada possam ter regras de licitação mais frouxas foi, em grande parte, a resposta da base política de um governo que negociou mal o ajuste fiscal em curso.

Levantamento do economista Mansueto de Almeida, do Ipea, nos primeiros quatro meses deste ano mostra que os ministérios de Cidades, Integração Nacional e Turismo - as pastas mais fartas em pequenas obras originadas de emendas parlamentares - tiveram a mais expressiva redução nos investimentos.

De maneira geral, os investimentos dispararam no início de 2010 - cresceram 70% em relação ao mesmo período de 2009 - e agora só despencam. Em ministérios como a das Cidades a queda foi de 59%.

O sucesso que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez na sua última passagem por Brasília tem mais a ver com a fartura que seu último ano de governo proporcionou aos aliados do que com as piadas que ele sabe contar.

O governo Lula também se iniciou com ajuste fiscal mas este sucedeu à crise que marcou o fim da gestão Fernando Henrique Cardoso. A presidente Dilma Rousseff sucede a um governo que, segundo os dados do economista do Ipea, duplicou os gastos sociais e aumentou os investimentos. Nem um governante com jogo de cintura cortaria com facilidade sucedendo a uma conjuntura dessas.

Grande parte da insegurança política que vive o governo às vésperas de completar seus seis primeiros meses decorre da tentativa de cobrir com um cobertor mais curto uma base aliada mais ampla.

A indefinição em torno do segundo escalão também colabora para o aperto fiscal da União. Na medida em que se represam as nomeações - o que no caso do governo federal significa prorrogar o mandato de uma grande maioria de petistas - a execução das políticas públicas também fica represada.

Sempre haverá quem argumente que a base de Dilma é toda composta de sedentos chantagistas. Da mesma maneira que há quem acuse os bancos de não abrir mão de lucros incessantes, ou sindicalistas de reajustes acima da inflação. Mas é nos dois primeiros anos de mandato que os parlamentares tentam viabilizar as emendas para as obras que vão garantir sua base eleitoral na disputa municipal do meio da legislatura. Por mais grana que alguns levantem em votações como a da madrugada desta semana, sua permanência na política depende de voto. Se o governo lhes deixa à mingua para garanti-lo, procuram outros meios para fazê-lo. É um ajuste fiscal que sai caro.

A segunda explicação para o texto aprovado pela Câmara é que a proposta original já nasceu torta. A medida pressupõe um temor generalizado de que os eventos esportivos sejam um fiasco como senha para forçar os limites da frouxidão de controles.

A MP parece buscar justificativa na percepção generalizada de que sempre há quem se locuplete com obras públicas e que não seria colocando em risco a Copa ou a Olimpíada que se mudaria isso. Se a justificativa vale para eventos esportivos por que não se poderia aplicar o mesmo princípio para obras até socialmente mais justificáveis como a construção de um hospital ou de uma escola? No escopo do texto aprovado até um hospital ou uma escola podem vir a seguir normas mais frouxas de licitação se forem incluídas nos acordos entre prefeitos e governadores com as autoridades olímpicas.

A mais discutível das mudanças, na opinião do presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, é aquela que permite que a empresa contratada para executar a obra também seja responsável pelo projeto. O poder público poderá entregar um aeroporto inteiro a uma empresa que determinará como será e quanto custará a obra. Esse salto no escuro será fiscalizado pelo Tribunal de Contas da União e pelos congêneres estaduais. Além do rigor das auditorias não ser nacionalmente homogêneo nos tribunais de contas estaduais, o texto aprovado na Câmara inibe o acompanhamento público da execução orçamentária da obra.

A terceira explicação para a carta branca à privatização do interesse público aprovada na madrugada é a natureza que as medidas provisórias adquiriram no governo Dilma. É certo que diminuiu a quantidade de MPS editadas pelo Executivo, mas aumentou o número de assuntos desconexos tratados num único texto.

A mudança na Lei das Licitações é tema de um projeto de lei que tramita há anos no Senado, foi objeto de inúmeras audiências públicas e reflete, em grande parte, o peso dos interesses em conflito na questão. Mas o Executivo achou por bem pendurar numa medida provisória sobre as atribuições da Agência Nacional de Aviação Civil as mudanças que achou por bem fazer numa das principais leis que regulam os contratos do Estado. Se o Executivo trata com tamanho desrespeito o processo legislativo, parece razoável supor que os parlamentares sintam-se liberados a fazer o mesmo.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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FHC: parabéns e obrigado!:: Luiz Carlos Mendonça de Barros

A posição de Lula diante do Plano Real é inaceitável em uma sociedade guiada pela verdade dos fatos

Em carta enviada ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a presidente Dilma Rousseff reconhece -de forma clara e inequívoca- a paternidade do Plano Real, que devolveu à economia brasileira a estabilidade e o crescimento.

Foram quase 20 anos em que estivemos condenados à mediocridade e à estagnação da renda, principalmente dos mais pobres. Com o Plano Real, esse passado vergonhoso foi superado e voltamos ao grupo de nações emergentes com futuro.

O que seria considerada uma observação apenas formal em sua carta de congratulações pela passagem do aniversário de 80 anos de FHC, esse reconhecimento passou a ter uma grande relevância política.

Com razão, pois o ex-presidente Lula passou os oito anos de seu mandato renegando a importância de FHC e do Plano Real na construção da sociedade brasileira de hoje.

Além disso, Lula sempre espalhou aos quatro ventos a tese de que os anos FHC tinham deixado uma "herança maldita" a seus sucessores. O reconhecimento de Dilma do papel de FHC na estabilização e na política brasileira tornou as bravatas de Lula algo do passado. Espero que, a partir de agora, nem seu autor tenha coragem de voltar a elas.

Quero aproveitar este momento em que o papel de FHC na construção da nova economia brasileira voltou ao debate público para dividir com o leitor da Folha um trabalho sobre a evolução dos salários no Brasil, nos últimos 20 anos, feito por Fabio Ramos, economista da Quest Investimentos.

Os dados que constam do gráfico falam por si só e mostram como a posição de Lula em relação ao Plano Real é inaceitável em uma sociedade guiada pela verdade dos fatos -não pela história forjada por seus dirigentes.

Os dados representam uma estimativa do total da remuneração do trabalho no Brasil, calculados em reais e já descontados os efeitos da inflação, entre 1992 e o primeiro trimestre de 2011. Chamo a atenção do leitor para os seguintes pontos principais:

1) Entre 1993, quando Fernando Henrique assumiu o Ministério da Fazenda no governo de Itamar Franco, e 1997, já presidente da República, o total de salários pagos passou de R$ 600 bilhões para R$ 1,1 trilhão, com aumento de 83% no período, o que equivale a um crescimento anual de mais de 12%;

2) Apenas no segundo mandato de Lula (2007-2010) é que os salários superam o nível de R$ 1,1 trilhão verificado entre 1993 e 2002 e começam a crescer a uma taxa anual de pouco mais de 5%;

3) O aumento dos salários reais nos quatro anos do chamado Lula-2 foi, entretanto, menos da metade do verificado no período de implantação do Plano Real;

4) Ou seja, a contribuição da estabilidade alcançada pela ação de FHC nos salários dos trabalhadores brasileiros foi o dobro da proporcionada pelos quatro anos de crescimento verificado no segundo mandato de Lula. Os dados históricos aqui apresentados não permitem que a farsa da "herança maldita" se sustente por mais tempo.

O trabalho feito por Ramos mostra, de forma cristalina, como a inflação elevada confiscava a renda real do trabalhador antes da ação decisiva de FHC.

A presidente Dilma apenas reconhece -com anos de atraso- isso.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, 68, engenheiro e economista. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo Fernando Henrique Cardoso).

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A esquerda democrática e a revolução cubana:: Fernando de La Cuadra

Claudia Hilb. Silêncio, Cuba. A esquerda democrática diante do regime da Revolução Cubana. Trad. Miriam Xavier. São Paulo: Paz e Terra, 2010. 111p.

Quando os tanques soviéticos invadiram Praga e o socialismo real se apresentava aos nossos olhos — junto com o fascismo — como um grande pesadelo do século XX, a revolução cubana surgia como uma experiência inédita, diáfana e enaltecedora. E, inclusive, os fuzilamentos que se seguiram ao triunfo de Santa Clara foram considerados consequências inevitáveis das dores do parto.

Mas como fazer a critica de uma revolução que gerou tanta esperança na região e no mundo? Como questionar um processo que se enraizava nos valores mais elevados da humanidade, o fim da exploração dos mais desprovidos, dos mais vulneráveis? Como abordar as práticas autoritárias do regime cubano, sem fazer causa comum com os setores mais “reacionários”? Estas e outras perguntas de similar teor acabaram por imunizar Cuba da crítica da própria esquerda democrática. Por isso, já passadas mais de cinco décadas desde 1º. de janeiro de 1959, ainda existe um silêncio cúmplice sobre os erros de rumo de uma revolução que continua assombrando os intelectuais progressistas e a esquerda assumidamente democrática.

É precisamente esse silêncio incômodo que estimula a reflexão de Claudia Hilb. Esta socióloga e cientista política argentina, militante da esquerda radical, teve de sair para o exílio depois do golpe de 1976. Em Paris, realizou estudos de pós-graduação e frequentou os seminários de Claude Lefort, sua principal fonte de inspiração intelectual. Colocada diante da pergunta sobre a razão pela qual a esquerda democrática tem guardado um conspícuo silêncio frente aos traços autoritários do regime cubano, ela tenta responder através da seguinte hipótese: a recusa desta esquerda a se pronunciar a este respeito se deve, em grande parte, ao fato de que reconhece o esforço realizado pelo regime em termos de justiça social, ou seja, este setor da esquerda reconhece “algumas realizações indiscutíveis do regime em questão, particularmente o fato de igualar as condições sociais e universalizar o acesso à saúde e à educação” (Hilb, 2010, p. 14).

Mas isso é suficiente para legitimar um regime político que diz lutar por um mundo mais justo, livre e solidário? Certamente não. Claudia Hilb decompõe os meandros deste dilema e conclui com a certeza inquietante de que os esforços pela igualação radical das condições de vida do povo cubano, na primeira década da revolução, foram um fenômeno entrelaçado com o processo de concentração total do poder nas mãos de Fidel Castro.

Ainda mais, no percurso do texto a autora demonstra consistentemente como uma vocação de dominação total, sustentada na vontade do líder máximo, transformou o entusiasmo e a virtude revolucionária em obediência acrítica. De modo análogo, a gesta revolucionária de inspiração emancipadora produziu, através do medo, um comportamento oportunista e paralisador dos mesmos sujeitos ativos da revolução. Ela argumenta que o processo de concentração de poder nas mãos do Comandante Fidel foi um fenômeno de teor organicista, pelo qual o líder se vê como reitor de uma sociedade, situado legitimamente no topo de uma pirâmide a partir da qual o social torna-se visível em sua plenitude.

Foi assim que, como consequência inevitável desta visão, Fidel Castro se transformou na encarnação suprema da revolução. Tudo o que provém dele representa a revolução, e, como ele mesmo sentenciou na mensagem dirigida aos intelectuais cubanos no ano seguinte ao seu triunfo, “dentro da Revolução, tudo; contra a Revolução, nada.”

Desta forma — relata Hilb —, o regime passou a cooptar ou subordinar a totalidade das dimensões que conformavam a realidade cubana — as universidades e o movimento estudantil, as fábricas e os sindicatos, os intelectuais e as entidades da cultura —, numa velocidade vertiginosa e arrasadora que se consolida já nos primeiros anos do regime socialista, sepultando qualquer vestígio de critica, ainda que fosse realizada por eminentes figuras surgidas no seio da própria luta revolucionária, como Huber Matos, Carlos Franqui ou Heberto Padilla. O caso deste último foi o mais dramático e patético: “A lamentável paródia da sua confissão de culpa foi o sinal definitivo de que a possibilidade de discordar dentro da área cultural revolucionária ficava eliminada e também foi um sinal que, apesar dos esforços por ignorar o rumo que a Revolução tomava já há muito tempo, muitos dos seus antigos amigos já não conseguiram ou quiseram deixar de ouvir” (Hilb, op. cit., p. 35).

A excepcionalidade da experiência cubana se transformou no mesmo pesadelo de matriz stalinista, em que o poder do povo se transforma em poder do partido revolucionário, deste se transfere para o comitê central e, finalmente, o dito poder acaba concentrado nas mãos do ditador. Mas o que salienta a autora, e certamente representa uma importante afirmação, é que este processo de concentração do poder foi concomitante com as intensas e veementes ações em prol do nivelamento das condições de vida da população cubana. As mobilizações espontâneas de apoio à revolução — como a campanha pela alfabetização, o trabalho voluntário durante a safra do açúcar — foram constituindo-se numa prática formal destinada a obter maiores benefícios e prebendas da parte do regime. Por sua vez, à vasta e incondicional adesão e ao entusiasmo inicial captado pelo movimento revolucionário seguiu-se um período de desconfiança e medo, causado pelo crescente e perverso patrulhamento ideológico, a espionagem e a delação entre vizinhos, fato este não só amplamente documentado em milhares de relatórios sobre direitos humanos na ilha, mas também em inumeráveis expressões no campo da cultura (literária e artística), como o romance de Guillermo Cabrera Infante, Três tristes tigres, ou o livro autobiográfico de Reinaldo Arias, Antes que anochezca, levado posteriormente para o cinema.

Assim, o regime cubano foi institucionalizando apoios e alimentando medos, e, paradoxalmente, o custo político evidente de uma manifestação de descontentamento também também se estendeu a uma postura neutra. A neutralidade, afinal, era uma posição mais sintomaticamente política que qualquer adesão resignada e conservadora marcada pelo interesse individual para obter benefícios do governo ou como disfarce diante de possíveis represálias dos aparelhos de vigilância (por exemplo, os Comitês de Defesa de Revolução — CDR). A “neutralidade” gerava igual ou maior suspeita que uma posição decididamente opositora e, em definitivo, resultava ser tanto ou mais perigosa que o enfrentamento direto: se falo, sou um inimigo, mas, se não falo, também sou um inimigo em potencial. Como depois seria emulado pelo socialismo bolivariano, o regime cubano foi criando uma extensa trama de aduladores e seres desprezíveis que fazem da complacência acrítica uma fórmula fácil para ganhar as simpatias do líder e aceder aos privilégios proporcionados pelo Estado, no melhor estilo stalinista descrito magistralmente por George Orwell em seu romance distópico 1984.

Neste breve e contundente ensaio, a autora nos lembra também que o ponto de vista organicista não é privilégio somente das correntes “reacionárias” do pensamento, mas também de certas vertentes que se dizem de esquerda ou socialista. No caso cubano, é sintomático que qualquer arroubo de crítica tenha sido automaticamente reprimido, qualquer sinal de pensamento dissidente imediatamente expurgado, qualquer indício de criatividade distinto do cânon institucionalizado igualmente extirpado, como um câncer maligno que pretendesse se alastrar pelo conjunto do corpo social.

Sistemas conceituais fechados de explicações absolutas e totalizadoras não dão espaço para o debate democrático, pois, qualquer que seja a natureza do questionamento das restrições às liberdades políticas e individuais, a resposta quase sempre será que aquele que age dessa forma pensa a partir de uma perspectiva “pequeno-burguesa”, razão pela qual possui valores deturpados e uma compreensão ofuscada da realidade derivada da sua condição privilegiada de classe. Portanto, não existe espaço para devaneios e diletantismos teóricos: “dentro da Revolução tudo; contra a Revolução, nada”, segundo o axioma mencionado. O Comandante encarna, em última instância, o fulgor e a epopeia revolucionária e, portanto é também quem decide o que está dentro e o que está fora.

Atribuindo-se a si mesmo o espírito e o comando da revolução, Fidel conseguiu num breve período de tempo — durante a primeira década do regime — concentrar todo o poder do Estado cubano e sufocar qualquer tipo de iniciativa política que pudesse colocar em risco sua liderança e autoridade. E precisamente neste ponto a autora nos conduz para uma reflexão perturbadora a respeito do fato de que a experiência revolucionária acumulada — Rússia e China, entre outras — nos demonstraria que a afinidade entre personalização e concentração de poder revolucionário representa uma tendência constante e inevitável, baseada na “convicção de que o afã construtivista, a pretensão de moldar de cima a sociedade está indissoluvelmente ligada à convicção de que esta tarefa deve ser encarada de modo onipotente desde o ponto mais alto da sociedade”. É aí que a figura do Líder emerge como uma espécie de alquimia para organizar o todo social, para definir metas, funções e responsabilidades de cada um dos membros desse organismo. Assim, durante o processo de construção da Revolução Cubana esse papel foi concentrado na pessoa de Fidel, que com seu carisma e liderança resolveria, “definitiva e brutalmente”, a polissemia revolucionária.

No entanto, esta síntese que define o destino do povo cubano perde desde muito cedo seu verdadeiro caráter emancipatório. Se bem que o projeto revolucionário tenha conseguido resolver drasticamente a desigualdade prevalecente nos tempos de Batista, ele não permitiu, simultaneamente, realizar os anseios de autonomia e participação democrática entre os habitantes da ilha. Pelo contrário, a aspiração liberadora das “garras” da ditadura batistiana transformou-se num breve espaço de tempo no império da censura, do medo e da submissão.

Tal contradição do socialismo “realmente existente” já tinha sido denunciada, há anos, por Rudolf Bahro no seu livro Die Alternative (1977) [1]. Nele o escritor alemão constata — entre outros aspectos — como o socialismo real dos países da Europa Oriental optou por priorizar (ainda que com evidentes limitações) a resolução da questão da igualdade e da justiça social, à custa dos princípios da liberdade civil e política e do respeito aos direitos de participação democrática e autorrealização dos cidadãos.

Também em Cuba a pretensão construtivista e igualitária supôs que um conjunto de valores coletivistas poderia ser inoculado nas pessoas para que elas superassem o individualismo e o egoísmo particularista, criando uma entidade — com características do tipo puro ideal weberiano — chamada de “homem novo”. Mas este projeto transformador se realizou desde cima, desprezando e coibindo qualquer pulsão dos indivíduos em prol da formação de um novo organismo ou corpo social em que primassem os princípios igualitários consagrados pela épica revolucionária: “A fabricação vertical da sociedade exige que cada um cumpra um papel que o poder, desde a cúpula, lhe atribui; se não cumprir por consciência, cumprirá por temor”.

De tal modo, o desejo de liberdade se transformou em aceitação da opressão, o Terror e o medo substituíram a adesão e o fervor revolucionário do povo cubano. Quem não compartilha estes princípios converte-se em traidor e pária: um gusano [2]. A execração das “Damas de Branco”, que viraram arquétipo da deslealdade e alvo do repúdio dos populares, que descarregam contra elas a palavra de ordem: “as ruas são de Fidel”, expressa sem maiores subterfúgios a consagração de uma sociedade amordaçada e imobilizada pelo temor.

Por isto, nos interrogamos — tal como se interroga a autora —, o que resta da promessa da Revolução? O que resta do sonho libertário e emancipatório que encarnava a façanha revolucionária dos barbudos? O que dele pode restar para uma esquerda democrática e plural que acredita na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e livre da opressão? Muito pouco ou nada.

A Revolução que se fez para igualar e libertar os “de baixo” acabou por se construir pelo alto, domesticando a população através de mecanismos de persuasão e de coerção. Transformou-se, assim, na negação da esperança de um mundo pluralista e tolerante, marca iniludível de um socialismo moderno que não pode abjurar dos princípios democráticos. Ou quiçá, também, na negação da esperança de um tipo de socialismo associativo que, segundo a formulação de Paul Hirst, aspire a constituir-se numa democracia social alternativa ao socialismo autocrático de Estado e ao liberalismo do livre mercado [3].

Nesse contexto, adquirem maior significado as palavras do desaparecido Antonio Cortés Terzi, para quem os ideais inovadores e pioneiros de Allende têm mais de “socialismo do século XXI” que as práticas ortodoxas dos irmãos Castro ou de Chávez, Estas últimas parecem aproximar-se mais do legado stalinista do século passado que de um socialismo renovado e projetado para resolver os desafios futuros de nossas sociedades.

Fernando de La Cuadra é sociólogo chileno e membro da Rede Universitária de Pesquisadores sobre a América Latina (RUPAL).

Notas

[1] No Brasil: A alternativa – Para uma critica do socialismo real. São Paulo: Paz e Terra, 1980.

[2] Este temor ao linchamento social cria paralelamente uma “dupla moral”, uma dissociação entre a moral pública de fidelidade e apoio ao regime e a moral privada, de sobrevivência, que utiliza inúmeros recursos ilegais para resolver restrições e problemas da vida cotidiana.

[3] Paul Hirst. A democracia representativa e seus limites. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

FONTE: GRAMSCI E O BRASIL