sexta-feira, 27 de maio de 2011

Opinião – Janio de Freitas

"O Lula que reaparece para "assumir a defesa" de Antonio Palocci, o qual já precisou afastar do governo por atitude delinquente e imoralidade administrativa, é um dos piores Lulas: o Lula que faz calúnias fáceis e desumanas.

"A imprensa" a que Lula volta a atribuir conduta de má-fé, com as notícias sobre o enriquecimento peculiar de Palocci, é uma forma verbal que se presta à dispensa cômoda de referir-se aos jornalistas ligados ao assunto em questão. As revelações, antes de o serem da imprensa, que as veicula, o são dos jornalistas. Nunca os que prestem serviços palacianos e partidários, menos ou mais disfarçados, ou façam "jornalismo" mais de ficções que da disposição de expôr-se às adversidades da profissão. Não é a estes que Lula se dirige. "

Janio de Freitas, jornalista. Palocci e o método Lula. Folha de S. Paulo, 26/5/2011.

Manchetes de alguns dos principais jornais do Brasil

O GLOBO


Dilma e Palocci atendem Lula e dão explicações
Dilma: desmatamento não pode ser anistiado
Kit anti-homofobia era já a partir de 11 anos
Campinas: vice, do PT, é preso no aeroporto
Extrativista é enterrado sem o governo e o PT
Plataforma da Petrobras é interditada

FOLHA DE S. PAULO

Ministério Público decide investigar ganhos de Palocci
Ministro está se explicando, diz Dilma
Intervenção de Lula na crise foi mal necessário, avaliam aliados
Kit do MEC fazia "propaganda", afirma presidente

O ESTADO DE S. PAULO

Orientada por Lula, Dilma reaparece e defende Palocci
Governo não interfere em opção sexual, diz presidente
União garante superávit forte e gastará mais
bama barra duplicação da Régis Bittencourt

VALOR ECONÔMICO

Ricos ampliam pressão para assegurar o controle do FMI
Curso superior não garante renda maior
Especialista afirma que novo Código é "pior que o de 1934"

ESTADO DE MINAS

Trabalhador tem renda engolida pela inflação
Homofobia
Mata atlântica

CORREIO BRAZILIENSE

Câmara afrouxa regras para evitar futuras cassações
Comissão avaliará o novo kit para o MEC
Dragão da inflação já come parte da renda dos brasileiros

ZERO HORA (RS)

Efeito Lula
Tarso estuda estímulo a quem adiar aposentadoria

JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Por Palocci, Dilma faz barganha
Sepultamento de casal extrativista vira manifestação

Dilma e Palocci atendem Lula e dão explicações

Após o ex-presidente Lula cobrar reação mais forte da presidente Dilma Rousseff e do ministro Antonio Palocci, os dois falaram pela primeira vez ontem, 11 dias depois, a respeito das suspeitas que recaem sobre o aumento do patrimônio do hoje chefe da Casa Civil. Dilma abordou a crise num evento público, mas Palocci, apenas numa reunião fechada com senadores do PT. Dilma usou o mesmo argumento de Lula para defender Palocci, com a concordância do ministro: chamou as denúncias de "luta política" e disse que "a oposição tenta o terceiro turno" das eleições. Os dois disseram que Palocci dará todas as explicações aos órgãos de controle.

No roteiro de Lula

Dilma fala pela 1ª vez sobre acusações contra Palocci; ele também falou, mas em reunião fechada

Maria Lima e Luiza Damé

Depois de o ex-presidente Lula fazer uma espécie de intervenção branca na articulação do governo Dilma Rousseff, a presidente falou pela primeira vez, em público, sobre as suspeitas que pesam sobre o aumento substancial do patrimônio do ministro Antonio Palocci, da Casa Civil. Onze dias depois da primeira denúncia contra ele, Palocci também falou, mas numa reunião fechada com senadores do PT.

Dilma falou pela primeira vez em entrevista de manhã, num evento sobre educação no Planalto, defendendo seu auxiliar. Depois, no almoço com os 15 senadores petistas, no Palácio da Alvorada, ela pôs Palocci para se explicar aos aliados. Os dois trataram a crise como "uma luta política". A presidente, com a concordância de Palocci e dos senadores, disse que "a oposição tenta o terceiro turno" das eleições, repetindo frase tantas vezes dita por Lula.

Sem que o nome de Lula tenha sido citado uma única vez, a presidente Dilma conduziu a reunião do Alvorada tentando mostrar autonomia e determinação para enfrentar a crise política. Encerrou o encontro pedindo que Palocci esclarecesse as dúvidas dos senadores, o que ele fez por cerca de 15 minutos.

Ao final da fala de Palocci, Dilma fez duas intervenções: sobre o vazamento dos dados de faturamento de sua empresa, e sobre a ação politica da oposição. Ela reclamou que durante a campanha sofreu durante dois meses um bombardeio com acusações de que o PT teria vazado dados sigilosos da família de José Serra, e ninguém queria debater conteúdo.

- Agora se negam a discutir o vazamento dos sigilos e só querem discutir o conteúdo dos sigilos. Estão querendo fazer um terceiro turno, e esse episódio da politização da devolução do imposto da WTorre é a maior prova disso - reclamou Dilma, segundo relato dos presentes.

Caso "lastimável" da WTorre

Durante todo o tempo da "sabatina" de Palocci, Dilma esteve ao lado do ministro pedindo que ele detalhasse melhor este ou aquele ponto mais nebuloso. Dilma, Palocci e os senadores petistas criticaram muito o que chamaram de politização do caso WTorre/Receita, repetindo que a devolução milionária do imposto se deu em função de uma decisão judicial, e não de suposto tráfico de influência do dono da Projeto.

Pela manhã, em entrevista no Planalto, após solenidade para assinatura de convênios do Ministério da Educação, Dilma fez a primeira defesa pública do coordenador de seu governo e disse que ele está dando todas as explicações aos órgãos de controle, incluindo a Receita Federal e o Ministério Público Federal:

- Quero assegurar a vocês que o ministro Palocci está dando todas as explicações para os órgãos de controle, as explicações necessárias - disse a presidente. - Espero que esta questão não seja politizada, como foi o caso do que aconteceu ontem (anteontem), o caso lastimável, que é aquela questão da devolução dos impostos da empresa WTorre. A Fazenda demorou um determinado tempo, se eu não me engano, em torno de dois anos, e a Justiça determinou à Fazenda o pagamento da restituição devida à empresa. Não se trata, de maneira alguma, de nenhuma manipulação. Lamento que um caso desse tipo esteja sendo politizado.

Segundo denúncia do PSDB, Palocci teria conseguido a liberação de R$9,2 milhões de restituição de Imposto de Renda da WTorre, que doou, no mesmo período, R$2 milhões à campanha de Dilma. O ministro estava presente na cerimônia, mas aproveitou que a presidente estava falando com os jornalistas para sair discretamente do Salão Negro, sem dar entrevista.

Em suas explicações no almoço com os senadores petistas, o ministro jurou que fez exatamente o que declarou, tudo dentro da lei, e que continuaria se negando a revelar sua carteira de clientes e os valores recebidos.

Segundo relatos, afirmou que, se as empresas quisessem se declarar, seria por sua própria conta, pois correriam o risco de ficarem vulneráveis a uma devassa da imprensa, como aconteceu com a WTorre. O ministro, entretanto, ao contrário de Lula, disse que a imprensa estava cumprindo seu papel de investigar. Sobre o resultado das consultorias prestadas para grandes empresas durante o auge da crise de 2008, ele se gabou:

- Fiz um trabalho muito bem feito para essas empresas em 2008. Fiz meu trabalho direitinho. Nenhuma delas caiu em erros, por exemplo, de apostar em ativos cambiais.

No almoço do Alvorada, ao tratar com os aliados petistas de providências para melhorar o entrosamento dos articuladores do governo com a base, a presidente foi tirada do sério por um comentário do senador Wellington Dias (PT-PI), que abordou um assunto que ela odeia: ocupação de cargos.

O ex-governador do Piauí não só cobrou uma solução para a troca do comando das estatais que terão seus dirigentes substituídos, como também a liberação de restos a pagar para os municípios. Levou uma bronca que desestimulou os demais a falar qualquer coisa sobre insatisfações por cargos e verbas.

- Olha aqui! Eu vou aproveitar que você tocou nesse assunto para deixar uma coisa bem clara! Eu me nego terminantemente a tratar de cargos junto com a votação do Código Florestal! - esbravejou Dilma, encerrando o assunto e deixando o desconforto no ar.

Logo depois, ela própria tentou mostrar seu lado ternura, quando o neto, Gabriel, começou a emitir os sons típicos de um bebê numa sala próxima, quebrando seu raciocínio:

- Olha aí, eu tenho que viajar à China, tratar de Código Florestal e ainda cuidar do meu netinho!

FONTE: O GLOBO

Ministério Público decide investigar ganhos de Palocci

O Ministério Público Federal abriu investigação para apurar se a evolução patrimonial do ministro Antonio Palocci de 2006 a 2010 é compatível com os ganhos da sua empresa, a Projeto. O chefe da Casa Civil multiplicou seu patrimônio por 20 quando acumulou as funções de deputado e consultor, revelou a Folha. No ano passado, a empresa do ministro faturou R$ 20 milhões.

Procuradoria abre investigação sobre os bens de Palocci

OS NEGÓCIOS DO MINISTRO

Ministério Público Federal quer saber como o ministro conseguiu multiplicar patrimônio por 20 em quatro anos

Cópias das declarações de Imposto de Renda de Palocci foram pedidas à Receita; petista terá que dar nomes de clientes

Andreza Matais e Fernanda Odilla

BRASÍLIA - O Ministério Público Federal abriu investigação para apurar se o ministro Antonio Palocci (Casa Civil) enriqueceu ilicitamente.

A Folha revelou que o ministro multiplicou seu patrimônio por 20 em quatro anos (2006-2010), período em que ele acumulou as funções de deputado e consultor.

Palocci comprou um apartamento de R$ 6,6 milhões e um escritório de R$ 882 mil.

No ano passado, a empresa do ministro, a Projeto, teve um faturamento bruto de R$ 20 milhões, mais da metade obtido após a eleição da presidente Dilma Rousseff, quando Palocci coordenava a transição do governo.

O foco da ação é apurar se a evolução patrimonial do ministro é compatível com os ganhos de sua empresa.

Caso contrário, Palocci pode responder por improbidade administrativa, o que significa "auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo" ocupado.

O Ministério Público do Distrito Federal pediu ontem à Receita Federal cópia da declaração do Imposto de Renda da empresa.

A Projeto terá que informar a relação de seus clientes e serviços prestados, como cópia de pareceres e registros de reuniões.

A Receita e a empresa têm 15 dias para se manifestar.

Palocci tem se recusado a informar qual foi o faturamento da Projeto e quem são seus clientes. O ministro alega que os contratos têm cláusula de confidencialidade.

O procurador da República José Rocha Júnior justifica a abertura da investigação dizendo que "não foram apresentados publicamente justificativas que permitam aferir a compatibilidade dos serviços prestados com os vultosos valores recebidos".

O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, também pediu informações a Palocci para decidir se abre investigação contra o ministro na área criminal.

O procurador avalia, por exemplo, se houve tráfico de influência. Até ontem, Palocci não havia enviado explicações à Procuradoria-Geral.

Por ser ministro, Palocci tem foro privilegiado para responder ao Supremo Tribunal Federal na área criminal. Mas, pela lei, os procuradores de primeira instância (caso da Procuradoria do Distrito Federal) têm competência para investigar denúncias de improbidade, que se referem à área cível, mesmo que envolvam autoridades com foro privilegiado.

A Lei de Improbidade Administrativa prevê sanções como a demissão e a suspensão de direitos políticos e a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Orientada por Lula, Dilma reaparece e defende Palocci

Dois dias após a intervenção de Lula para contornar o escândalo envolvendo Antonio Palocci, a presidente Dilma Rousseff, orientada pelo ex-presidente, rompeu o silêncio e saiu em defesa de seu ministro da Casa Civil. “Quero assegurar a vocês que o ministro Palocci está dando todas as explicações aos órgãos de controle. Espero que a questão não seja politizada", disse Dilma. Para ela, a oposição quer um “terceiro turno". A senadores do PT, Palocci admitiu que ganhou bastante dinheiro, mas negou qualquer crime.

Após alerta de Lula, Dilma rompe silêncio e Palocci diz que ter dinheiro não é crime

Presidente reaparece à cena política no Planalto, senta-se ao lado de ministro acusado de multiplicar patrimônio e enfrenta repórteres para defendê-lo; em seguida, em almoço com petistas, chefe da Casa Civil justifica rendimentos em consultoria

Tânia Monteiro e Vera Rosa

Dois dias depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter desembarcado em Brasília para pôr um freio de arrumação no governo e espantar a crise política, a presidente Dilma Rousseff deixou o gabinete, rompeu o silêncio de quase duas semanas e saiu em defesa do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci. Em almoço com petistas, do qual o ministro também participou, Dilma disse que a oposição quer um terceiro turno. Palocci, também alertado por Lula, explicou os rendimentos aos correligionários e disse que "não é crime ganhar bem".

No Palácio do Planalto, Dilma seguiu à risca a estratégia traçada por seu antecessor. "Quero assegurar a vocês que o ministro Palocci está dando todas as explicações para os órgãos de controle, inclusive para o Ministério Público. Espero que esta questão não seja politizada", disse ela, em entrevista espontânea aos jornalistas, um procedimento que costuma evitar.

Uma hora depois, em almoço com 15 senadores da bancada do PT, no Palácio da Alvorada, a presidente foi mais enfática. "A oposição está querendo o terceiro turno e nós precisamos tomar cuidado", afirmou ela, de acordo com relato de petistas, numa referência à derrota do PSDB na eleição do ano passado.

Aos senadores do PT, que na terça-feira tiveram encontro com Lula, Palocci deu esclarecimentos sobre sua evolução patrimonial, disse que nunca feriu a ética e sentenciou: "Não é crime ganhar bem".

Exposição. Sempre orientada por Lula, Dilma convocou uma cerimônia pública no Planalto para reaparecer na cena política. Na solenidade, ela fez questão de sentar-se ao lado de Palocci, acusado de multiplicar o patrimônio em 20 vezes, em apenas quatro anos, de 2006 e 2010. Depois da solenidade, a presidente foi ao encontro dos repórteres, enquanto Palocci saía discretamente do Salão Nobre.

Em tom veemente, ela considerou "lamentável" denúncia apresentada no dia anterior por tucanos, dando conta de que Palocci teria feito tráfico de influência junto à Receita Federal para antecipar a devolução de impostos da construtora WTorre. A empresa foi cliente da Projeto Consultoria, de propriedade de Palocci, até o ano passado.

Pela denúncia apresentada pelo deputado Fernando Francischini (PSDB-PR), a WTorre fez doação para a campanha de Dilma logo após receber o crédito da Receita Federal. A acusação, porém, foi rebatida pelo Fisco, já que o pagamento à WTorre ocorreu após decisão judicial.

Para Dilma, a questão foi "politizada" por seus adversários como forma de atacar o governo. "A Justiça determinou à Fazenda o pagamento da restituição devida à empresa. Não se trata, de maneira alguma, de nenhuma manipulação. Lamento que um caso desse tipo esteja sendo politizado", insistiu Dilma.

Com a base. Da cerimônia municipalista no Planalto, em que foram assinados termos de compromisso para construção de quadras esportivas escolares, a presidente seguiu para o Palácio da Alvorada, onde se reuniu com a bancada do PT no Senado. Petistas e outros partidos da base têm reclamado nos bastidores da ausência de interlocução com a presidente. A portas fechadas, ela fez ali mais uma defesa de Palocci e afagou os petistas, depois de ter passado por uma espécie de "Lula training".

O ministro da Casa Civil pediu os 15 minutos finais do almoço para antecipar aos senadores do PT as linhas gerais das explicações que enviará à Procuradoria-Geral da República sobre o crescimento vertiginoso de seu patrimônio. Disse que, ao deixar o Ministério da Fazenda, em 2006, no rastro do escândalo da quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, cumpriu a quarentena. Depois, passou a dar consultoria, mas garantiu não ter feito serviço para empresas públicas, para evitar conflitos políticos.

Palocci não revelou os nomes das empresas para as quais prestou consultoria quando era deputado federal, sob o argumento de que há cláusula de confidencialidade nos contratos. Admitiu ter ganho dinheiro, como outros ex-ministros. Foi aí que ponderou não ver crime nisso.

Durante o almoço, Dilma pediu apoio aos petistas para reverter, no Senado, pontos do Código Florestal aprovado na Câmara, como a chamada anistia para desmatamentos feitos por produtores até 2008.

O senador Wellington Dias (PT-PI) pediu à presidente que acelerasse a montagem do segundo escalão. "Quem estiver pensando que vou fazer negociação por conta do Código está muito enganado. Não vou fazer isso, não vou", afirmou, exaltada. Depois da bronca, Dilma só foi interrompida, após quase três horas de conversa com petistas, por um choro de criança. Era seu neto, Gabriel, de oito meses. "Agora me desconcentrei", disse ela.

FONTE O ESTADO DE S. PAULO

Charge: Tropa de Elite

Humberto/ Jornal do Commercio (PE)

Um governo tutelado :: Roberto Freire

A derrota do governo na questão do novo Código Florestal não foi uma vitória da oposição, mas uma derrota infligida ao governo por sua própria base.

Afinal, a Câmara dos Deputados aprovou por 410 votos a favor, 63 contra, 35 do PT que contrariaram a orientação do partido e do governo Dilma Rousseff, e uma abstenção o projeto que altera o Código Florestal.

Duas propostas controversas, de autoria de deputados do PMDB, ainda foram aprovadas, a que dá aos estados a prerrogativa de definir áreas de preservação e a que permite a redução da Reserva Legal da Amazôniaem30 pontos percentuais.Não deixando à presidente Dilma Rousseff outra alternativa que o veto.

Não é demais lembrar que quando ocupou o Ministério de Minas e Energia e, depois, a Casa Civil, Dilma sempre esteve em confronto com Marina Silva, então ministra do Meio Ambiente.

Como no caso da hidrelétrica de Belo Monte e nas demais obras do PAC que feriam a legislação ambiental.

Um dos motivos, como se sabe, da saída de Marina do governo Lula.

Enfrentando uma aguda crise política, fruto de denúncias gravíssimas que atingem seu chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, por tráfico de influência quando era deputado e coordenador de sua campanha presidencial, como revelou recentemente reportagem da Folha de S.Paulo.

Mais preocupado em livrar-se da ameaça de uma CPI do que coordenar as ações do governo, é incapaz de comandar sua própria base, obrigando a presidente a negociar no varejo para preservar seu ministro, e tentar governar.

Esse é o quadro desolador de um governo que não governa, como pode ser facilmente observado pela paralisia das obras do PAC 2, notadamente as que envolvem a Copa e a Olimpíada, o retorno da inflação e o crescente desajuste fiscal.

Um dos resultados desse desgoverno é o ambiente cada vez mais confuso em que atua sua base parlamentar.

Não por outro motivo, o ex-presidente Lula assoma o proscênio buscando o apoio de Sarney para impedir que Palocci não tenha que prestar contas sobre o fantástico desempenho de sua “empresa de consultoria”, formada por dois empregados, e sobre a qual ninguém no mercado nunca ouviu falar.

Talvez seja em relação a ela que o ex-presidente se referia quando falava em“espetáculo do crescimento”.

Sua aparição revela um fato que agora torna-se evidente, a de um governo tutelado e incapaz de enfrentar crises.

Tal fato ocorre paralelamente em um momento crucial para a economia do país.

Com a crescente deterioração da situação internacional, com o Japão em recessão, a China diminuindo a velocidade de seu crescimento e a Europa e os Estados Unidos ainda às voltas coma crise financeira deflagrada em2008.

Qualquer que seja a perspectiva de análise, o que vemos é um governo paralisado, enredado em suas contradições, sem direção e com sua base parlamentar cada vez mais “esfomeada”, percebendo a fraqueza do governo e sua incapacidade de sair do impasse.

Um governo fraco é uma ameaça permanente ao próprio processo democrático, sobretudo, quando depende de um condottiere que de fora das instituições estabelece um poder paralelo para tentar salvar a sua criatura que se mostra alienada do seu papel de líder, através de um silêncio que se antes parecia sabedoria, hoje não passa de perplexidade.

Roberto Freire, deputado federal e presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Palocci e o jogo do futuro :: Fernando Gabeira

A multiplicação do patrimônio do ministro Antônio Palocci por 20 inspirou um game na internet. Elementos para novos games existem no desenrolar do caso. Um deles poderia ser chamado de psicodrama nacional.

O governo decidiu blindar Palocci no Congresso, mobilizando os aliados para evitar investigações. O governo está acostumado a reagir com esse reflexo. Não parou para constatar que o tema agora é diferente. Perdeu algumas casas. Se há dúvida em torno da multiplicação do patrimônio, a única saída é uma explicação transparente. O movimento do governo e seus aliados fortaleceu a dúvida.

No livro sobre a China, Henry Kissinger cita um mestre oriental que dizia: a última palavra em excelência não é vencer as batalhas, mas derrotar o adversário sem luta. O governo colocou a oposição numa situação quase tão favorável ao nível de excelência proposto pelo sábio chinês. A oposição, neste caso particular, derrota o governo mesmo perdendo. Cada requerimento negado, cada CPI sepultada é um tijolo a mais no edifício da suspeita.

Quantas casas atrás não representa o apoio de José Sarney, Romero Jucá e Paulo Maluf, garantindo a integridade do ministro? A única saída no horizonte é contar com o esquecimento, resistir à pressão, esperar que outro escândalo se apresente na pipeline. Mas será que a fórmula de Sarney e Renan, ambos treinados a atravessar o vendaval, se aplica a este caso? Nenhum dos dois depende, nem eleitoralmente, da opinião pública.

Terá o escândalo das licitações fraudadas em Campinas o potencial de substituir o escândalo da multiplicação dos bens do ministro? Embora mencione amigo do ex-presidente Lula e tenha atraído José Dirceu para gerir a crise, o processo em Campinas tem potencial mais de agravar do que atenuar a pressão sobre Palocci.

O mundo vive momentos em que a indignação, com todas as suas limitações políticas, desempenha um grande papel. Esteve presente nos países árabes, na crise da Islândia e agora reaparece com força no M-15, movimento espanhol que encheu as praças de jovens no 15 de maio. Na Europa, a crise econômica e o modo conservador de superá-la são um pano de fundo para a inquietação. O índice de desemprego é de 21% na Espanha e quase dobra quando se avalia apenas a força de trabalho mais jovem. Nos países árabes, não só a luta pela democracia, mas os preços cada vez mais altos dos alimentos foram decisivos para encher as praças.

A maioria desses fatores de frustração não está presente no Brasil. Isso dá certo fôlego à gestão dos escândalos. Mas a soma deles, entretanto, funciona como um detonador no futuro.

O movimento dos jovens espanhóis ao sair às ruas não apontava um caso específico, mas a falência dos partidos políticos e alto nível de corrupção. O Brasil já vive essa clima nas redes sociais, que são um instrumento novo de debate. Mas os fatores econômicos negativos estão ausentes.

Às vezes, temos tendência a subestimar a inteligência do governo e seus formuladores. Pode ser que nesta crise a margem de manobra seja tão pequena que o force a uma reação, aparentemente irracional. Nesse caso, a conclusão lógica é que os fatos revelados teriam uma consequência mais catastrófica do que a recusa à transparência.

Ainda que tenha gasto muitos milhões na campanha presidencial, Dilma Rousseff atraiu eleitores idealistas que ainda veem no governo do PT uma luta dos pobres contra os ricos, da esquerda contra a direita, do futuro contra o passado. Esses resíduos de idealismo devem ir pelos ares, confrontados com o vigoroso enriquecimento de Palocci e com as fraudes nas licitações em Campinas. Lá as fraudes se deram no setor de saneamento básico. O vice-prefeito Demétrio Vilagra (PT) teve sua prisão decretada. A coalizão que governa Campinas intitula-se um governo popular. Desviar dinheiro de saneamento básico desconstrói qualquer imagem de um governo popular.

Alguém terá de salvar Dilma do impulso de resistir, por reflexo, com a tática, até certo ponto vitoriosa, de Maluf, Sarney, Renan e Jucá. Não que o escândalo Palocci tenha o potencial de indignar a população a ponto de jogá-la em manifestações de rua. Esse processo, como já vimos, só acontece combinado com fatores econômicos. Mas é preciso salvar o governo dos próprios aliados. Se a manobra de preservação de Palocci for feita nos moldes tradicionais, o sinal para todos os outros escalões estará dado. Nada vai segurar a voracidade de quem está nisso para enriquecer.

Jornalistas amigos do governo poderão argumentar que faltava uma lei, que Palocci não pode ser culpado de uma lacuna na estrutura legal brasileira. Mas não faltam razões morais e legais para respeitar o dinheiro do saneamento. E o esquema de Campinas nem isso perdoou. Será preciso inventar outra desculpa. Essa está esgotada, como está esgotada a tendência a escapar da responsabilidade afirmando que outros fizeram a mesma coisa. Se esse argumento tivesse alguma validade, pobres das camareiras de Nova York e dos hotéis do mundo inteiro. Um precedente ilustre absolveria todos os outros.

Não basta ao governo o talento para vencer eleições consecutivas e compor uma ampla base de apoio. Quando chegar o momento e as condições necessárias forem dadas, um cantor de rock, como na Islândia, pode acampar diante do Congresso e abrir seu microfone para o público. Aí começa, como na Islândia, uma profunda reforma, que alguns chamam de revolução, mas é apenas mudança radical no modo de fazer política no País.

Essas coisas não acontecem no Brasil - é uma frase que temos na ponta da língua para terremotos, desastres nucleares, tudo o queremos manter a distância. Mas em política as placas tectônicas são similares. Às vezes se acomodam ruidosamente. A solução para a crise da multiplicação do patrimônio e o escândalo das fraudes em saneamento terá papel decisivo no desenho do futuro político do País.

A longo prazo estaremos todos mortos. Mas, e se o prazo for mais curto do que prevemos?

Jornalista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O futuro a Lula pertence:: Maria Cristina Fernandes

Ameaça ruir o esforço da presidente Dilma Rousseff em imprimir uma marca e selar diferenças em relação ao governo de seu antecessor.

As denúncias que envolvem o ministro da Casa Civil, a votação do Código Florestal e a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília ameaçam a forma e o conteúdo da mudança.

Lula se valeu dos resultados de seu governo, de concessões e do seu carisma para equilibrar sua conflitante base política.

Dilma comanda uma equação de poder mais ampla e ainda é cedo para ter resultados a mostrar. Mas optou por algumas bandeiras como política externa afiançada em direitos humanos, postura de menos confronto com a imprensa e discrição no exercício do poder para conquistar parcelas da sociedade ariscas ao carisma lulista.

A resistência ao código obedece a esse figurino tanto na conquista da classe média urbana quanto na imagem do Brasil no exterior. As pontes lançadas à oposição, como a cordialidade na relação com ícones do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, também seguem neste prumo.

Ameaça ruir o esforço de Dilma em delimitar as diferenças

Ao recorrer a Lula para conter a crise desencadeada pela descoberta da atípica evolução patrimonial de Palocci, Dilma não passa recibo apenas da delicada situação política do ministro da Casa Civil, mas das fragilidades latentes de sua equação de poder.

A primeira missão de Lula foi mandar alardear o que o Planalto já tentava plantar nas redações: que a artilharia contra Palocci havia partido do ex-governador José Serra. Lula trouxe para a linha de frente da defesa de Dilma o bateu-levou dos palanques do ano passado que tanto contrastou com a amena imagem pública da nova presidente.

Independentemente dos benefícios para Serra em se fazer presente no jogo no momento em que seu próprio partido se prepara para defenestrá-lo, a tática do ex-presidente esbarra nas eloquentes evidências de que o volume de interesses contrariados na República é maior na base governista do que na oposição. No embate eleitoral um inimigo externo pode até ajudar a unir aliados. Numa conjuntura em que a oposição não tem número sequer para aprovar um requerimento, a iniciativa, além de desprovida de foco, é um acinte à inteligência dos aliados governistas.

Passaria por uma iniciativa patética não tivesse sido levada a cabo pelo secretário-geral da Presidência. Ao confiar a Gilberto Carvalho e não a um parlamentar a missão de acusar nominalmente Serra de mandar quebrar o sigilo fiscal da consultoria de Palocci, Lula quebra a liturgia da Presidência da República como se ainda a ocupasse e infantiliza a figura da titular, superior hierárquica do cargo aparelhado para a luta política.

Ao nomear para a Casa Civil aquele que gozava de mais prestígio junto ao ex-presidente entre os comandantes de sua campanha, Dilma não se valeu dos mesmos filtros que Lula usou para escolhê-la na substituição a José Dirceu.

Imaginava-se que o telhado de vidro de Palocci seria poupado pela completa subordinação do cargo à Presidência. A solução se mostrou precária não apenas pela fina espessura do vidro mas também pela natureza dos interesses que este governo se dispôs a conciliar em sua base, a começar pelas disputas internas do partido da presidente.

A votação do Código Florestal escancarou as dificuldades do governo com o que Marcos Nobre já chamou de "excesso de adesão".

O projeto do código tramita no Congresso há 12 anos em reação ao avanço da legislação ambiental. A Dilma, como àqueles que a precederam, nunca interessou votá-lo porque o texto colocaria um freio a políticas federais de proteção ambiental que têm avançado a despeito da representação parlamentar dos produtores rurais.

No governo Dilma, a resistência a colocar na letra da lei a anistia a desmatadores, somada à maior ênfase do Itamaraty em direitos humanos, compõe a imagem de Brasil que se quer projetar no exterior. A postura também ajuda a equilibrar, internamente, uma imagem de presidente irredutível no licenciamento de usinas. Se nesse quesito não há concessão porque se avalia que a geração de energia seria colocada em risco, é no freio ao desmatamento que precisa se fiar.

O código rumava para ser aprovado mesmo sem as denúncias contra Palocci. Mas a crise diminuiu o cacife do governo para conseguir um texto mais equilibrado e colocou o jogo no colo do PMDB, o partido sempre melhor equipado para tirar proveito de conjunturas afins.

Numa amostra da janela de oportunidades que a crise abriu para a sedenta base aliada de Dilma, o PR de Anthony Garotinho, aplicado aprendiz do pemedebismo, conseguiu fazer com que a cartilha anti-homofobia do Ministério da Educação fosse recolhida.

Se Lula já havia conseguido reeditar, com as acusações à oposição, o clima que Dilma, a muito custo havia conseguido esfriar, o PR levou o Executivo a retroagir num tema igualmente inflamado pela campanha.

A cartilha, chancelada pela Unesco, era uma catequese para a tolerância numa juventude frequentemente exposta a apelos violentos contra a homofobia. Até o Supremo, por unanimidade, já havia conseguido avançar na aceitação ao casamento gay a despeito de um Congresso que exerce sucessivamente seu poder de veto ao tema.

O Supremo, segundo seu presidente, tenderá cada vez mais a fazer sessões fechadas e prévias aos julgamentos públicos. Assim foi na questão da homofobia.

Assim vai-se redesenhando a repartição dos Poderes. Os onze magistrados tomam a iniciativa de colocar o país na era do Iluminismo em sessões fechadas, o Congresso joga abertamente na retranca para manter o regime das sesmarias e o Executivo, como definiu a presidente em seu primeiro pronunciamento desde a crise palociana, entrega seu futuro aos céus. Talvez tenha sido sua maneira de dizer que o futuro a Lula pertence.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

"Vazio político" :: Fernando de Barros e Silva

A semana que vai terminando expôs, ou antes escancarou a erosão do capital político de Dilma Rousseff. Entre tantos sintomas disso, o mais acintoso e quase anedótico foi a perambulação de Lula pelas salas de Brasília, um exercício de presidência explícita.

Comandou uma reunião entre os líderes partidários, deu conselhos a Palocci, articulou um encontro entre Dilma e o PT, conseguiu que o MEC engavetasse o seu kit contra a homofobia para aplacar a ira da bancada evangélica. Fez ainda questão de confraternizar diante das câmeras com Sarney e companhia, como nos velhos tempos -ou como fazia até cinco meses atrás.

A derrota do Planalto para o PMDB na votação do novo Código Florestal, a hemorragia de Palocci, que não se explica, e a reclusão da própria presidente, convalescente de uma pneumonia mal esclarecida, jogaram fermento na sensação geral do "vazio político", que Lula percebeu e quis "preencher".

Sua intervenção, ao que parece, desanuviou o clima entre o Planalto e o Congresso. Mas seu efeito maior e duradouro será o de reforçar, na própria base aliada, o entendimento de que a presidente é politicamente incapaz e despreparada.

Dilma é, sim, uma mulher com convicções claras e pulso forte, mas, não obstante, foi submetida à tutela do padrinho. Falta a ela o que sobra a ele: maleabilidade de espírito e disposição para negociar.

Isso talvez signifique que o perfil "gerencial", "administrativista" e "mais racional" do governo Dilma -tão elogiado e comemorado até há pouco como uma vantagem em relação ao antecessor- já evidencia a sua fragilidade e seus limites diante das exigências da política.

O asco aparente de Dilma pela política como ela é -que Lula não tinha- não é capaz de conter a peemedebização precoce de seu governo. Mas quem pode ter desprezo pelo apetite do PMDB ou torcer o nariz para a fisiologia dos aliados quando se tem Palocci como guardião do governo e caseiro do Planalto?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Se vire, Palocci!:: Eliane Cantanhêde

Repare a diferença. Em 17 de março, o "Painel" da Folha publicou uma declaração da presidente Dilma defendendo Guido Mantega, então sob intenso "fogo amigo": "Eu tenho absoluta confiança no Mantega. Ele foi escolhido por mim para ser ministro da Fazenda. (...) Não vou aceitar nenhuma tentativa de diminuir a importância dele no meu governo".

Ontem, Dilma saiu do armário para dar sua versão sobre o recuo no kit anti-homofobia, tratar o escândalo do patrimônio destrambelhado de Antonio Palocci como "politização" e dizer que ele "dará todas as explicações para os órgãos de controle, inclusive para o Ministério Público, nos próximos dias".

Apesar de a declaração ter sido recebida em toda a blogosfera como "defesa", digamos que defender mesmo, no duro, Dilma defendeu o ministro da Fazenda. No caso do chefe da Casa Civil, ela foi protocolar, evasiva, cuidadosa.

A presidente não quis se contaminar com uma crise que tratou como "dele", não do governo e muito menos dela. Quer (se vai conseguir ou não, são outros 500) ficar à distância, aguardando o resultado das investigações e temendo eventuais novas surpresas desagradáveis.

Ou seja, Dilma não se compromete com o passado nem com o presente e muito menos com o futuro de Palocci. Apesar de ser presidente da República e responsável pela indicação dele, pela lisura do governo e pelo cumprimento das promessas de campanha.

Essa obediência cega de Dilma ao script traçado por Lula é uma faca de dois gumes: Lula é um animal político, tem faro, esperteza e assumiu o comando da reação, o que é bom para ela; mas Dilma pediu socorro ao "chefe" já no primeiro embate, demonstrando fraqueza. Em governos fracos, todo mundo se sente perversamente forte. Particularmente os "aliados".

Em tempo: o suspeito número um de torpedear Mantega no início do governo era... Palocci.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Fissura profunda:: Dora Kramer

Conflitos entre PT e PMDB não são novidade e de certa forma fazem parte dessa aliança entre parceiros de naturezas tão diferentes. Colisões, portanto, são normais.

Mas o entrevero entre o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, e o vice-presidente da República, Michel Temer, na última terça-feira, ultrapassou o limite do habitual.

Quando Palocci telefonou para Temer transmitindo o recado da presidente Dilma Rousseff de que os ministros do PMDB seriam todos demitidos se o partido insistisse em contrariá-la na votação, Temer confrontou.

"Não precisa demitir, porque amanhã cedo mesmo todos entregarão os cargos", disse o vice-presidente.

Palocci insistiu, referindo-se especificamente ao ministro da Agricultura, Wagner Rossi, indicação pessoal de Temer, o que foi interpretado pelo vice como ameaça.

Disse isso ao ministro e terminou assim o telefonema. Palocci voltou a ligar desculpando-se, mas Michel Temer continuou perplexo. Com a rudeza da abordagem e também com o fato de ter sido tratado como subordinado de Palocci e não como o vice-presidente a quem deveria ser conferida a prerrogativa de falar diretamente com a presidente.

A história tem testemunhas dos dois lados, pois na hora do telefonema havia petistas com Palocci e pemedebistas com Temer.

Não significa que haja rompimento na aliança. Mas quer dizer que o cristal ficou trincado.

De público ninguém passa recibo. Apenas haverá manifestações, algumas de caráter oficial, em que o PMDB vai reiterar sua lealdade em relação à presidente e lembrar que no salário mínimo e no Código Florestal o partido votou 100% unido, uma vez a favor outra contra o interesse do Planalto.

E assim prosseguirá. Para o bem e para o mal. Ciente de que tem deveres, mas sem perder de vista os direitos a que considera fazer jus como sócio fundador da candidatura Dilma Rousseff.

Desfocados. Onze dias e uma intervenção (de Lula) depois, Palocci começa a se explicar e o faz ao PT em vez de fazê-lo ao País.

Onze dias e uma intervenção depois, Dilma começa a falar e o faz reclamando que a oposição faz política.

Assim é? Enquanto o PSDB se esfalfa no Congresso para tentar romper o mutismo do ministro Antonio Palocci sobre o crescimento de seu patrimônio, José Serra e Aécio Neves ocupam-se dos preparativos para disputar o poder na convenção nacional do partido, amanhã, em Brasília.

Ambos falaram quando o caso surgiu. Serra para dizer antes mesmo do Palácio do Planalto que Palocci era digno de toda confiança. Aécio para cobrar explicações só faltando pedir desculpas ao avisar que a intenção dos oposicionistas não era causar transtornos ao governo.

De lá para cá, período em que o PT acusou o PSDB de "armar" denúncia contra Palocci, de nenhum dos dois se ouviu palavra.

Quando eram governadores distanciavam-se dos embates dos tucanos no governo argumentando que suas funções eram administrativas e que exigiam boas relações com o governo federal. Vide a posição de ambos quando a bancada oposicionista se articulava para derrubar a renovação da CPMF no Senado.

Agora os dois são candidatos, cada qual à sua maneira, à Presidência em 2014. Aécio imbuído do espírito de líder da oposição, Serra empenhado em "discutir o Brasil".

É de se perguntar aos dois se a resistência de um ministro da Casa Civil em explicar enriquecimento abrupto e o ineditismo de se ter um ex-presidente no comando da articulação política do governo não são assuntos de interesse do Brasil.

Lideranças políticas que se pretendem candidatos podem ignorar questões desse porte?

Caso a ideia de ambos seja ficar longe de embates para evitar desgastes, convém lembrá-los de que uma eleição - como de resto ficou claro nas duas últimas - não se ganha do dia para a noite nem mediante titubeios.

Mal comparando, se apartam da cena tanto quando se alheia Antonio Palocci.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O que pensa a mídia

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Sem Cérebro:: Arthur Virgílio

Palocci era “consultor” heterodoxo. Na contramão dos “concorrentes”, que ganham clientes exibindo seus portfolios, preferia a “confidencialidade”, conjugada com cláusula de “êxito” atendida pela força política do deputado mais influente do segundo governo Lula.

O consultor normal diz ao cliente potencial: “confie em mim. Pergunte à empresa tal quem sou eu”. O Ministro, ao invés, trabalhava na surdina, talvez porque esse silêncio fosse a chave “para tudo dar certo”.

Faturamento de R$20 milhões no ano em que trabalhou menos? Como teria sido nos períodos de trabalho mais “árduo”?

Comparação com André Lara Rezende e Pedro Malan? Ora, o primeiro foi do mercado, aceitou ir para o governo e, após quarentena, retornou ao ponto de partida. O segundo, Ministro da Fazenda por oito anos, igualmente observou quarentena e virou dirigente do grupo Unibanco que, no processo de crise que envolveu Sadia, Banco Votorantin e outros, foi o único a não se socorrer de dinheiro público, no processo de fusão com o Itaú.

Comparação com Mailson, que foi Ministro da Fazenda de Sarney há mais de 20 anos e faz parte da conceituada “Tendências Consultoria”, trabalhando à luz solar e sem sofrer questionamentos nem de petista com dor de dente? Escapismo que soa a confissão prévia de culpa.

Uma coisa é o profissional trabalhar sem dispor de informações privilegiadas. Outra é estar com a mão na massa, dentro do e mandando no governo, trabalhando para empresas que dependem do governo.

O deputado influente que, num ano de pouco trabalho, faturasse R$20 milhões em sua “consultoria” secreta, não estaria necessariamente negligenciando suas atividades ordinárias de representante da parte da sociedade que o elegeu?

Sem estrutura empresarial prévia, que já andasse pelas próprias pernas, daria para ser, a um tempo, o parlamentar atarefado e relevante e o consultor diligente?

Empresa de consultoria, para faturar alto desse jeito teria de ter de 100 a 150 empregados. Pois quantas carteiras a “Projeto” assinou?

Palocci deverá cair, até porque virou Ministro mínimo e o papel que lhe cabia era o de Ministro máximo.

Nunca vi ninguém tão dotado de qualidades políticas e administrativas que, ao mesmo tempo, fosse capaz de se auto-sabotar tanto. Pena!

O governo perde seu cérebro. O Brasil perde quem lhe poderia vir a prestar significativos serviços.

Arthur Virgílio, diplomata, foi líder do PSDB no Senado

FONTE : BLOG DO NOBLAT

Campinas: vice, do PT, é preso no aeroporto

Suspeito de corrupção, o vice-prefeito de Campinas (SP), Demetrio Vilagra, do PT, foi preso ontem ao desembarcar no Aeroporto de Guarulhos, vindo de Madri. Ele é acusado de comandar um esquema de fraudes em licitações que já teria desviado R$ 615 milhões dos cofres públicos e envolveria mais de dez pessoas. Vilagra teria pedido propina a empresários para pagar dívidas de campanha.

Vice-prefeito de Campinas preso por corrupção

Demétrio Vilagra é suspeito de desvio de verbas de obras públicas e investigado sob acusação de ter pedido propina

Maurício Simionato* e Tatiana Farah

CAMPINAS e SÃO PAULO. Suspeito de corrupção, o vice-prefeito de Campinas, Demétrio Vilagra (PT), foi preso ontem à noite ao desembarcar no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, vindo de Madri. Vilagra estava em férias na Espanha quando teve o mandado de prisão expedido pela Justiça de Campinas, em meio à investigação de fraudes em licitações públicas que passariam de R$615 milhões. Ele é um dos suspeitos de comandar desvios de verbas de obras públicas em Campinas e investigado pelo Ministério Público Estadual sob suspeita de ter pedido propina a empresários para "o pagamento de dívidas de campanha".

Vilagra foi preso por volta das 19h pela Polícia Federal, na área internacional do aeroporto. Sem passar pela saída convencional, onde era esperado por jornalistas, amigos e parentes, o vice-prefeito foi conduzido à sala da PF e, uma hora depois, levado para Campinas em um carro da Polícia Civil, escoltado por um camburão da Corregedoria de polícia de Campinas. Ele teria negociado com a polícia se apresentar e por isso não foi algemado. Sua chegada ao país foi informada tanto pela assessoria da prefeitura quanto por seu advogado no caso, o criminalista Ralph Tórtima Stettinger, cujo pedido de suspensão da prisão de Vilagra foi negado pela Justiça.

O corregedor da Polícia Civil em Campinas, Roveraldo Battaglini, acompanhou toda a prisão. Vilagra não quis dar declarações ao ser preso.

Por meio de seu site pessoal e do Twitter, o vice-prefeito disse que anteciparia o retorno ao Brasil em razão das denúncias de que era um dos comandantes das fraudes. Ele também informou que vai deixar a presidência da Ceasa, companhia de abastecimento de Campinas. O vice-prefeito é apontado pelo MP como integrante da suposta organização que fraudava contratos públicos na cidade. Tórtima nega o envolvimento dele.

Os empresários Alfredo Ferreira Antunes e Augusto Ribeiro Antunes (pai e filho), proprietários da Global Serviços, disseram ao MP de Campinas na última terça-feira que Vilagra alegou pagamento de dívidas de campanha ao pedir a eles propina num churrasco da sede da empresa, em Campinas. Este é o primeiro depoimento que liga o desvio de verbas públicas investigado com contas eleitorais.

Os empresários afirmaram ter dado R$20 mil em dinheiro ao vice-prefeito, mas disseram não se lembrar da data da entrega do dinheiro.

A investigação sobre o suposto esquema de fraude em licitações no alto escalão da prefeitura de Campinas começou a fechar o cerco a pessoas ligadas ao PT. Ontem o Ministério Público Estadual colheu depoimento do empresário Ítalo Hamilton Barioni, próximo do ex-ministro José Dirceu, que esteve no fim de semana na cidade para reuniões com líderes do partido.

Hoje os promotores vão ouvir José Carlos Bumlai, empresário e amigo do ex-presidente Lula. Ele é suspeito de intermediar pagamentos das empresas envolvidas com os agentes públicos. A primeira-dama, Rosely Nassim Jorge Santos, é apontada no relatório como chefe do grupo.

Numa das interceptações telefônicas registradas com autorização judicial pela investigação, Luiz Augusto Castrillon de Aquino, ex-presidente da empresa pública de saneamento de Campinas (Sanasa), foco das fraudes, diz a seu advogado que se encontrou com Barioni e que este estaria colhendo informações, a pedido de Bumlai, para negociar delação premiada com o MP.

Aquino relata que o objetivo de Bumlai era proteger Lula. Na campanha eleitoral de 2002, Lula passou quatro dias na fazenda de Bumlai nas proximidades de Campo Grande (MS) para gravar programas de TV.

Diz o relatório do Ministério Público: "De acordo com diálogo telefônico, Luiz Aquino foi procurado por um amigo pessoal identificado como Ítalo Barioni, que passou a fazer uma série de indagações sobre a confiança que Aquino teria nos promotores e explicou que "o cara que é o principal disso tudo" o teria contatado "com a intenção de fazer algo parecido" claramente se referindo à delação premiada realizada por Aquino".

O ex-dirigente da Sanasa está entre os envolvidos no esquema e deu três depoimentos ao Ministério Público por meio de delação premiada. Na semana passada, 11 pessoas, entre empresários e funcionários da prefeitura, foram presos. Só dois continuavam presos até ontem à noite. Na segunda-feira, o prefeito de Campinas, Dr. Hélio (PDT), negou o envolvimento dele e de sua mulher nas fraudes. Bumlai e Barioni não foram localizados ontem.

* Especial para O GLOBO

FONTE: O GLOBO

Charge: Brasília / Campinas

http://chargistaclaudio.zip.net/

Escândalo expõe fragilidade da base de apoio da presidente

Christopher Garman

É difícil antecipar como a crise em torno das finanças do ministro Antonio Palocci evoluirá. Em contraste com escândalos em que integrantes do governo são acusados de corrupção, ainda não há uma acusação específica de que Palocci tenha feito tráfico de influência ao trabalhar como consultor de empresas durante o exercício do mandato como deputado federal.

Mesmo assim, o escândalo serviu para expor com muita clareza a vulnerabilidade política do atual governo. Com a oposição quase aniquilada no Congresso e a presidente Dilma Rousseff gozando de índices de aprovação elevados, não há como negar que ela iniciou seu governo com um estoque de capital político significativo.

Em vez de usar esse capital para defender uma agenda de reformas, ela optou por usá-lo para conter nomeações políticas, preenchendo os cargos no governo com pessoas de sua confiança com perfil mais tecnocrático.

O PMDB, que entrou na campanha eleitoral do ano passado com a expectativa de exercer grande influência no governo Dilma, viu ser reduzido seu peso na Esplanada dos Ministérios e no segundo escalão do governo.

O mesmo ocorreu com a ala do PT ligada ao sindicalismo, uma corrente política com a qual a presidente Dilma não tem ligação histórica.

O articulador dessa estratégia foi Palocci e a crise expôs os custos que ela carrega.

O grau de descontentamento dentro da base aliada é alto dentro e fora do PT, o que aumenta a dificuldade do governo para controlar votações difíceis no Congresso, como mostrou a votação do novo Código Florestal no início desta semana.

Não é por acaso que o ex-presidente Lula tenha entrado em campo nesses últimos dias para unir a base governista na defesa de Palocci.

Mas os riscos maiores para o governo se encontram entre o segundo semestre deste ano e o início de 2012.

A despeito da insatisfação na base, Dilma mantém uma posição muito forte no Congresso. Mas é provável que a combinação de um cenário de inflação mais alta e crescimento econômico menos vigoroso leve a uma lenta, mas contínua, queda nos índices de aprovação do governo.

Se esse cenário se confirmar, é provável que as dificuldades do governo de contornar uma agenda negativa no Congresso aumentem.

Diretor para América Latina da consultoria Eurasia Group.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Contra inflação, governo reduz investimentos

Crescimento dos gastos desacelerou de 85% para 4,5% entre janeiro e abril. Superávit primário ficou em R$41 bi, um recorde

Martha Beck

BRASÍLIA. Para mostrar seu compromisso com a austeridade fiscal e o combate à inflação, a equipe econômica pisou no freio dos investimentos no primeiro quadrimestre de 2011. Esses gastos, essenciais para a realização de obras como as previstas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), cresceram 85% em janeiro, 25% no acumulado até fevereiro, 9% até março e apenas 4,5% até abril.

Graças a essa desaceleração e ao crescimento da arrecadação, o superávit primário do Governo Central (que engloba Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) ficou em R$41,5 bilhões nos quatro primeiros meses do ano. O valor representa um recorde para o período e um crescimento de 68% em relação a 2010. O primário também ficou bem acima da meta fixada para janeiro-abril - de R$22,9 bilhões - e já é praticamente metade da estabelecida para todo o ano, de R$81,8 bilhões.

Segundo o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, o resultado foi positivo porque mostra que a política fiscal contribuiu para ajudar a conter o superaquecimento da atividade econômica e as pressões inflacionárias do início de 2011:

- Houve uma contribuição do resultado fiscal para que a economia tivesse um comportamento adequado.

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, embora o ajuste fiscal tenha importância, o formato que vem sendo usado pelo governo não é o ideal:

- Para conter a inflação, vale até canelada. Mas o que o governo deveria fazer realmente é conter os gastos correntes e não segurar investimentos, que são essenciais para o crescimento sustentado da economia - diz ele.

Investimentos voltarão a crescer nos próximos meses

Augustin, no entanto, explicou que os investimentos vão voltar a crescer mais fortemente nos próximos meses:

- O fato de o investimento estar crescendo num ritmo menor tem a ver com o cronograma (das obras). Mas isso não vai se manter ao longo de 2011.

Augustin destacou que, quando se consideram apenas as despesas relativas ao PAC, o total gasto em 2011, até agora, foi de R$7,6 bilhões, o que equivale a um crescimento de 39% sobre 2010.

Segundo relatório divulgado ontem pelo Tesouro, somente em abril, o superávit primário do Governo Central foi de R$15,6 bilhões, o que representa um crescimento de 71,4% em relação ao mesmo mês no ano passado. Esse montante foi obtido graças a receitas de R$75 bilhões (que subiram 18,9% sobre abril de 2010) e a despesas de R$59,4 bilhões (que cresceram 10,2%).

No acumulado do ano, as receitas do Governo Central somaram R$264,5 bilhões e cresceram 16% em relação a 2010. Já os gastos chegaram a R$223 bilhões, com alta de 9,7%. Entre as despesas que mais subiram estão aquelas com pessoal (11%) e custeio (10,4%).

O secretário afirmou que a economia já está crescendo num ritmo "melhor" e que a equipe econômica não trabalha hoje com a possibilidade de fazer um primário acima da meta do ano para conter a inflação.

- Estamos trabalhando para cumprir a meta cheia (sem abatimento de investimentos). A atividade econômica já caminha para um ritmo que achamos melhor - disse Augustin.

Augustin é contra mudança em indexador

Ele comentou ainda a possibilidade de o governo federal alterar os indexadores dos contratos de dívidas dos estados com a União. Embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já tenha sinalizado que pode dar esse benefício aos estados em troca da aprovação da minirreforma tributária, Augustin disse que é contra:

- A gente (Tesouro) sempre teve a mesma posição. Não vemos com bons olhos.

Segundo ele, mexer nos atuais indexadores (IGP-DI mais um percentual que varia de 6% a 9%) significa alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal:

- Não temos nenhuma preferência pelo IGP-DI. Tanto que o Tesouro não emite mais papéis atrelados a esse índice. Mas a LRF não permite esse tipo de mudança.

FONTE: O GLOBO

Não esquecer :: Rogério L.F. Werneck

São fatos assustadoramente recentes. Afinal, foi há apenas 16 anos que o País se livrou do devastador regime de alta inflação com que penou por uma década e meia. E, no entanto, a memória das enormes dificuldades que tiveram de ser enfrentadas nesse período tão longo vem sendo rapidamente perdida. Fascinado com o futuro, o País parece propenso a se esquecer do passado recente e das inestimáveis lições que dele pode extrair. O novo livro de Miriam Leitão, Saga Brasileira, lançado pela Editora Record, é um esforço notável de resgate dessa memória.

Ano após ano, tenho notado que meus alunos se mostram cada vez menos informados sobre a real extensão das dificuldades que o descalabro macroeconômico dos anos 80 trouxe ao País. Quando faço menções a esse período - manancial inesgotável de patologias que merecem atenção -, logo se interessam em saber mais detalhes e tentar compreender como as coisas puderam chegar ao ponto a que chegaram. Mas o interesse que demonstram deixa transparecer surpreendente distanciamento. É o mesmo interesse que poderiam ter demonstrado pela hiperinflação de 1923 na Alemanha. Sem o mínimo de comoção que se poderia esperar de quem se dá conta de que eventos tão graves ocorreram, de fato, no Brasil, e há muito pouco tempo. Eventos dramáticos que tantos transtornos trouxeram à geração de seus pais, mas sobre os quais não se haviam inteirado. É como se - em casa, no colégio e na mídia - tivessem sido poupados dessa memória incômoda.

O livro de Miriam Leitão é um antídoto contra tal esquecimento. Quem puder deve lê-lo de capa a capa. Quem não tiver tempo para enfrentar as quase 500 páginas pode ler capítulos isolados. Um bom ponto de partida são as 34 páginas do capítulo 8, que trata da fase mais virulenta do regime de alta inflação, no final do governo Sarney. Ou as 60 páginas do capítulo 9, sobre o Plano Collor. É bem provável que quem começar por aí fique tentado a ler muitos outros capítulos.

Por sorte, trata-se de um livro bem diferente do que teria sido escrito por um economista. Longe de se ater ao exame frio dos dados, a análise vem entremeada com rico mosaico de relatos de dificuldades concretas que o longo convívio com o regime de alta inflação impunha a pessoas de carne e osso. E o clima de incerteza e sobressalto que então se vivia reaflora com nitidez, quando rememorado por uma jornalista que recorrentemente se viu obrigada a tornar inteligível para seus leitores, da noite para o dia, a interminável sequência de medidas arbitrárias envolvidas em planos de estabilização com efeitos cada vez mais efêmeros.

Mas o livro não se resume à análise da deprimente situação a que o País chegou nos anos 80. Em paralelo, Miriam Leitão relata também uma história profundamente edificante: a do sucesso da mobilização da sociedade brasileira com a ideia de extinguir de vez o regime de alta inflação. Um caso exemplar de ação coletiva eficaz, em torno de um esforço de construção institucional que desemboca no Plano Real e ganha força com o círculo virtuoso que se instala no processo político a partir de 1994. Sem memória nítida da real extensão do descalabro macroeconômico dos anos 80, o País estará fadado a se esquecer também desse notável esforço de ação coletiva, do qual deveria se orgulhar.

Em que medida esse esquecimento precoce vem sendo estimulado pelo discurso oficial que se consolidou em Brasília nos últimos oito anos e meio? Tendo desempenhado um papel lamentável, de permanente obstrução, no intrincado esforço que culminou na estabilização da economia, o PT jamais teve interesse em rememorar as terríveis dificuldades impostas pelo regime de alta inflação e, muito menos, em ressaltar os méritos desse esforço. Em Brasília, a história econômica do Brasil foi reinicializada. 2003 passou a ser o ano zero. É hora de deixar para trás as mesquinharias partidárias e aguçar a memória do País sobre os 25 anos anteriores, que encerram lições para a política econômica que jamais podem ser esquecidas.

Economista, Doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Trio que Chora - Ovo (Hermeto Pascoal); Delicado (Waldir Azevedo).

Da observação ::Mário Quintana

Não te irrites, por mais que te fizerem...

Estuda, a frio, o coração alheio.
Farás, assim, do mal que eles te querem,
Teu mais amável e sutil recreio...