quinta-feira, 14 de abril de 2011

Reflexão do dia – Fernando Henrique Cardoso: ‘Papel da oposição’

Sem, entretanto, uma oposição que se oponha ao triunfalismo lulista, que coroa a alienação capitalista, desmistificando tudo o que seja mera justificativa publicitária do poder e chamando a atenção para os valores fundamentais da vida em uma sociedade democrática, só ocorrerão mudanças nas piores condições: quando a fagulha de alguma insatisfação produzir um curto-circuito. Mesmo este adiantará pouco se não houver à disposição uma alternativa viável de poder, um caminho preparado por lideranças nas quais a população confie.

No mundo contemporâneo este caminho não se constrói apenas por partidos políticos, nem se limita ao jogo institucional. Ele brota também da sociedade, de seus blogs, twitters, redes sociais, da mídia, das organizações da sociedade civil, enfim, é um processo coletivo. Não existe apenas uma oposição, a da arena institucional; existem vários focos de oposição, nas várias dimensões da sociedade.

Reitero: se as oposições institucionais não forem capazes de se ligar mais diretamente aos movimentos da vida, que pelo menos os ouçam e não tenham a pretensão de imaginar que pelo jogo congressual isolado alcançarão resultados significativos.

Os vários focos de insatisfação social, por sua vez, também podem se perder em demandas específicas a serem atendidas fragmentariamente pelo governo se não encontrarem canais institucionais que expressem sua vontade maior de transformação.

As oposições políticas, por fim, se nada ou pouco tiverem a ver com as múltiplas demandas do cotidiano, como acumularão forças para ganhar a sociedade?


Fernando Henrique Cardoso. Papel da oposição. Artigo, 13/4/2011

"Não sou idiota para propor que o PSDB ignore o povão", diz FHC

Cristiane Agostine

"Qual é o bobo que vai deixar de lado o povão nas eleições? Eu não sou um idiota". Indignado, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de 79 anos, diz que foi mal interpretado no artigo de sua autoria, divulgado pelo PSDB e amplamente criticado por correligionários. No texto, o presidente de honra do partido diz que se os tucanos persistirem em disputar com o PT a influência sobre os movimentos sociais ou o "povão", o partido falará sozinho.

Em entrevista ao Valor, concedida na tarde de ontem por telefone, FHC afirma que na entressafra eleitoral o PSDB precisa construir um discurso e direcioná-lo para aqueles que ascenderam socialmente durante os anos do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para Fernando Henrique, o partido precisa manter uma expectativa de poder para continuar vivo. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: O senhor defendia a aproximação do PSDB com as bases sociais, mas agora diz para o partido desistir do "povão" e buscar a nova classe média. O que mudou?

Fernando Henrique Cardoso: Sempre tive a mesma posição. Agora tem de ver o que é novo, o que está emergindo. Acho que o PSDB tem de ser o porta-voz do novo. Tem que ter uma mensagem com estratégia de futuro do Brasil. O novo é que as pessoas estão mais voltadas a sua vida cotidiana. Então tem de ver como é que liga a preocupação da vida cotidiana com essa estratégia de futuro e com valores como a democracia, a luta contra a corrupção e contra o clientelismo. Tem que mostrar que há problemas de infraestrutura nas obras da Copa e dos aeroportos. Isso a população sente, percebe o que está faltando. Tem que mostrar que a questão do imposto não interessa só ao rico, mas a todos. Além disso a mensagem tem que vir de meios de comunicação novos, sem dispensar os tradicionais. É preciso usar internet, redes sociais. E não basta a oposição ficar no parlamento. Tem que ir para as ruas, se aproximar do povo. Agora boa parte do que o PT chama de povão, está mais cooptada pelo clientelismo. Mas isso não quer dizer que vou desprezar uma camada. Sou louco por acaso? Não ganhei duas vezes a eleição do Lula, no primeiro turno? Vou desprezar alguma parte? Não! Estou dizendo qual é a estratégia, como é que faz para sua mensagem se consolidar. Não falei de eleição, nem de voto. Na entressafra eleitoral devemos utilizar este momento para refazer nossa linguagem, para ver quais são as camadas mais sensíveis. Não estou tratando de eleição.

Valor: O senhor quer dizer que na eleição tem de se aproximar de todos, mas na entressafra...

FHC: Não. Não só na eleição. Quais são as camadas que estão desconectadas e como o PSDB pode se conectar com elas? Não é questão de se aproximar. Claro que um partido tem que se aproximar com todo mundo do país. O que eu fiz no governo? As bolsas quem criou, não fomos nós? Na reforma agrária, quem deu o impulso não fomos nós? Não é essa a ideia, de ter um setor que se ocupa do povo e outro da elite. O que não pode é pensar que não houve uma mobilidade grande e que setores enormes das camadas populares, trabalhadores, é pensar que não estejam conectados pela internet também e que não estejam suscetíveis a uma mensagem que não a tradicional. E também que não sejam tão suscetíveis de ser cooptação por esse assistencialismo. Não se trata de se aproximar do povo só na eleição. Tem que ter uma concepção mais complexa do que é a sociedade. Fiquei muito assustado com a rapidez com que as pessoas interpretam e criticam [o artigo] antes de ler. Foi uma interpretação equivocada do que eu penso.

Valor: Desistir dos movimentos sociais, do "povão", não é uma orientação divergente à estratégia de o PSDB se aproximar do Nordeste?

FHC: Imagina se eu seria louco de achar isso. Não, não. Agora tem que ter marca. O Nordeste também está avançando e queremos que avance mais. Não temos que ser o partido da manutenção e da transição do atraso, através dos meios sociais que sejam. Temos que dar os meios sociais, a ajuda necessária, mas não pode se contentar com isso. Tem que se medir... "Qual é o progresso? Como é que eu avanço?"

"Estou dizendo qual é a estratégia, como se faz para sua mensagem se consolidar. Não falei de eleição, nem de voto"

Valor: O senhor falou da nova classe média, como a classifica?

FHC: Sociologicamente não é classe média. Classe social não é classe de renda. Teve um aumento da renda de vários setores, mas isso não classifica automaticamente como uma mudança de classe, no sentido sociológico. Classe implica em um estilo de vida, de educação, redes sociais, conjunto de privilégios. Estamos usando, sociologicamente, de forma abusiva a ideia de uma nova classe média. Não é uma nova classe média. São novas categorias sociais. O mundo de hoje não é tão estabilizado como o do passado, que tinha o trabalhador, a classe média e os empresários, a burguesia. É um mundo muito mais fragmentado. Houve mobilidade, sim, melhorou a renda. Com o tempo, aí sim, vai estabelecer novas teias de relações sociais, participar de certos grupos de escola... Com o tempo vai ser, eventualmente, o que se chama de classe média.

Valor: As demandas da nova classe média se assemelham às das classe D?

FHC: As demandas são diferentes. [A nova classe média] Vai querer mais informação, mais atendimento e mais qualidade dos serviços sociais. Nós conseguimos dar acesso geral à educação, mas todo mundo se queixa da educação no Brasil. Vai ser um momento difícil, da passagem da quantidade para a qualidade. No fundo é o momento de o Brasil passar de país em desenvolvimento para desenvolvido. O PSDB e as oposições têm que entender isso e ir para a vanguarda, como nós fizemos no passado, quando o PT era contra a estabilização da economia. O PT era contra o capital estrangeiro. O PT era contra que as leis do mercado tivessem vigência, era contra a globalização. Hoje acabou tudo isso. Ninguém mais é contra. Mas o PSDB foi a favor. De novo agora temos que dizer: isso está feito e o que mais? Vamos olhar o horizonte, avançar mais. Alguém vai fazer isso. Se não fizermos outros farão.

Valor: E por que essa nova classe estaria mais suscetível ao discurso do PSDB do que a classe D?

FHC: O PSDB tem de ser capaz de ter um discurso que mexa com ela. É o que eu estou dizendo. Não tem um discurso definido. Vamos procurar um discurso, vamos ouvi-la.

Valor: O que poderia motivar a aproximação? No artigo o senhor cita a questão moral...

FHC: Pode ser a questão moral. Mas pode ser a questão do atendimento, dos serviços com mais qualidade, mais segurança. Não tenho uma receita. É uma estratégia. É mudar o foco, para ver se chega lá. Se as pessoas discutissem isso seria mais útil do que discutir se vai deixar de lado o povão. Qual é o bobo que vai deixar de lado o povão nas eleições? Eu não sou um idiota. Todo o governo tem que olhar para a população, para os mais pobres também. Precisamos disputar o controle político dessa população. Não temos instrumentos para o assistencialismo, para transformar as bolsas em o instrumento de voto, cooptar os sindicatos...

Valor: Em relação aos movimentos sociais, Alckmin e Aécio tentam se aproximar das centrais sindicais. O senhor discorda da estratégia?

FHC: Tem mesmo que se aproximar. Acho que deve "descooptar". Mas os sindicatos do Brasil e no mundo todo não pegam mais a maioria dos trabalhadores. O índice de filiação é pequeno. Não sei se as demandas dos sindicatos são as dos trabalhadores ou são da burocracia sindical. Essa subiu na vida também e tem poder político. Mas será que arrastou consigo a massa operária? Duvido. O que não quer dizer que não devemos trabalhar com os sindicatos.

Valor: E qual pode ser o ponto de intersecção entre os discursos do PSDB e o sindicalismo?

Fernando Henrique: O PSDB deve lutar contra o corporativismo. E a garantia de sobrevivência sem a adesão dos trabalhadores não tem sentido. O imposto [sindical] é sobre todos os trabalhadores sem que eles digam se querem ou não. Não faz sentido.

Valor: E os 100 dias da presidente Dilma, como o senhor analisa?

FHC: Esse negócio de 100 dias é outra dessas ficções. É muito cedo para avaliar o governo. Ela mudou um pouco o estilo: menos falante, muito mais cortês comigo. Não sei qual vai ser a política. Na Vale já houve uma interferência bastante forte. Na política externa houve modificações. Falar de direitos humanos é positivo, se distanciar daquela visão de que basta ser ditadura dita de esquerda para nós termos uma ligação é bom. Mas é como uma partida de xadrez, quem dá os lances iniciais é quem tem as pedras brancas. Na política, quando alguém ganha a eleição leva as pedras brancas. Não adianta nos precipitarmos antes de saber qual é o jogo deles. Não é o momento de eu sair criticando. Todos torcem para que o Brasil vá pra frente.

Valor: Com o esvaziamento do DEM, como será o papel da oposição em relação ao governo?

FHC: Não sei como a oposição vai se desdobrar, porque depende do que o governo faça. Agora não dá pra tapar o sol com a peneira. Essa perda de substância do DEM não é boa, a menos que o novo partido se declare de oposição. Temos que ter uma mensagem que vá além do jogo dos partidos e do Congresso, que fale com o país. Para isso vai precisar de líderes que encarnem a nova mensagem. Tendo essa liderança, você se mantém na oposição e mantém o partido vivo. Mantém uma expectativa de poder. Enquanto o PSDB representar no imaginário das pessoas uma alternativa pro futuro, ele se mantém apesar das dificuldades do dia-a-dia da oposição.

Valor: O PSDB então poderia já lançar uma pré-candidatura à Presidência?

FHC: É cedo para isso, mas tem que se preocupar com o pé no chão. O partido tem que se estruturar nas bases, oferecer bons candidatos a prefeito, olhar no mapa eleitoral e dizer "onde estamos fracos?" Tem que recrutar bons candidatos, que tenham compromisso programático, compostura política. Candidatos que tenham capacidade de expressar o que a população está sentindo nos municípios. É um longo trabalho a ser feito, de formiguinha, não de quem vai ser candidato a presidente. O que o PSDB precisa agora é de coesão. O DEM está com um problema muito grave. Não temos fratura, temos que solidificar a coesão. Quem quiser trabalhar pela oposição no futuro tem que trabalhar já pela coesão no PSDB. E não ficar pensando em nome de uma eventual candidatura.

Valor: Geraldo Alckmin lançou informalmente Serra à Prefeitura de São Paulo. O que o senhor acha?

FHC: Não sei se é a melhor opção pra ele. Se não combinar com o principal interessado, não tem jogo. Não sei qual é a opinião do Serra. Duvido que ele esteja, nesse momento, pensando nisso. Claro que, se for candidato, todo mundo vai ficar ao lado dele. Mas nesse momento nós todos devíamos estar pensando qual é o nosso papel, como é que você fala com a sociedade. Dizer que "é candidato, não é", "rachou, não rachou", isso cansou o povo. Isso não diz nada a ninguém. É preciso falar coisas que sejam sensíveis à população. Ontem, fiz uma palestra em Maringá (PR). Tinha 2,8 mil pessoas. Fiquei espantado. Jovens, mulheres, empresários, tudo misturado. O que eles querem saber? O futuro. Você junta aqui 100 pessoas para discutir, nesse momento, quem vai ser candidato? Não junta. Vamos partir do que a população está sentindo, não do que nós mesmos publicamos nos jornais. Um põe uma notinha aqui, outro lá, já sabe quem pôs, um fica envenenado contra o outro, não leva a nada.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Herança maldita:: Merval Pereira

Os indicadores econômicos não são bons para o governo, mostrando inflação em alta e crescimento em desaceleração. O Índice de Atividade Econômica (IBC-Br) de fevereiro indica que houve uma queda pela metade em relação a janeiro. De acordo com o Banco Central, a atividade econômica cresceu 4,17% no primeiro bimestre em relação ao mesmo período de 2010, o que coloca o crescimento anual do PIB mais próximo de 4% do que dos 5,5% da previsão oficial.

Enquanto isso, a inflação se aproxima do teto da meta (6,5%), com tendência a ultrapassá-lo nos próximos meses.

Há claras semelhanças entre a situação atual e a que o presidente Lula encontrou nos primeiros meses de governo em 2003, mesmo que por motivos diferentes.

O mais grave é que, nas duas ocasiões, o descontrole da economia tem origem na própria ação política e econômica petista.

Lula e Dilma receberam a seu tempo "heranças malditas", fruto de seus próprios atos irresponsáveis.

Em 2002, a inflação oficial ficou em 12,53%, a maior desde 1995, quando o teto da meta era de 5,5%, e o motivo principal da alta do IPCA foi o descontrole na cotação do dólar, que chegou a atingir R$4,00, pressionando os preços especialmente no segundo semestre, à medida que ficava clara a possibilidade de vitória de Lula.

Já nos nossos dias, o governo parece manipular a cotação baixa do dólar para tentar segurar a inflação, que mesmo assim se aproxima de 7%. O índice de janeiro indica a pior inflação desde 2005.

Pelo menos é o que pensa o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, que em recente encontro de empresários criticou a política econômica por, ao priorizar o controle da inflação, ter abandonado "compromisso" de manter o câmbio a pelo menos R$1,65, deixando que ele ficasse abaixo de R$1,60, o que faz com que o dólar esteja em seu nível mais baixo desde o Plano Real.

Cálculos da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior com base na taxa real de câmbio mostram que o poder de compra da moeda brasileira praticamente dobrou em relação ao verificado em julho de 1994, início do Plano Real, como se o dólar estivesse 50% mais barato do que naquela época.

O problema da presidente Dilma é que ela não pode atribuir à "herança maldita" de Lula seus problemas econômicos, mesmo porque os gastos excessivos do governo central foram feitos em grande medida para garantir sua eleição, embora oficialmente tenham sido atribuídos a políticas anticíclicas para combater a crise.

A crise não passou de um pretexto a posteriori para o descontrole que já havia sido contratado.

Lula, ao assumir em 2003, com seu pragmatismo político, tomou todas as ações mais duras que tinha que tomar e atribuiu todos os seus problemas a uma suposta "herança maldita" deixada por Fernando Henrique Cardoso.

O principal mentor da política econômica que reequilibrou as contas públicas foi o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que, se durante os anos iniciais do primeiro mandato de Lula era a eminência parda da economia, começou a perder terreno quando Dilma assumiu a Casa Civil em lugar de José Dirceu, na crise do mensalão.

Houve a célebre discussão sobre corte dos gastos públicos, quando Dilma chamou de "rudimentar" uma proposta de Palocci e Paulo Bernardo, então no Planejamento, para corte de gastos públicos de longo prazo com o intuito de fixar que não poderia haver aumentos superiores ao crescimento do PIB.

A proposta era que, num período de dez anos, com os gastos abaixo do crescimento do PIB, o governo sinalizasse equilíbrio de longo prazo para a economia.

Quando Palocci caiu, em decorrência da crise da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo, assumiu Guido Mantega, e a política econômica foi mudando aos poucos, até atingir, no fim do segundo mandato, o ápice da gastança pública.

Mantega assumiu a Fazenda garantindo que levaria a economia ao seu crescimento máximo, que, segundo ele, poderia ser próximo a 5%, enquanto Palocci e Henrique Meirelles, no Banco Central, trabalhavam informalmente com uma taxa máxima de 3,5%, acima da qual a inflação aumentaria.

Tudo indica que, depois de em 2010 termos tido crescimento indiano de 7,5%, voltaremos ao antigo PIB potencial de 3,5%, em virtude do descontrole da inflação provocado por uma política de crescimento do Estado e consequentes aumentos dos gastos públicos.

O ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, permanece onde sempre esteve, isto é, defendendo o controle dos gastos públicos e da inflação através de remédios amargos nos primeiros meses de governo.

O problema é que Lula podia aguentar o tranco de crescer apenas 1% no primeiro ano de governo, para pôr a economia em ordem, mas Dilma parece temer por enquanto uma economia que desacelere muito.

Ela ainda parece apostar na estratégia de Mantega, que combate a inflação a conta-gotas e se utiliza da valorização do real para não afetar o crescimento da economia mais do que já está.

A previsão oficial de crescimento já caiu de 5,5% para 4%, mas, como a inflação não dá sinais de recuar, é possível que sejam necessárias novas medidas para conter a demanda.

À medida que não dão resultados, essas propostas defendidas por Mantega parecem levá-lo para o cadafalso. A própria presidente já teve que sair em sua defesa, para desmentir boatos de troca de ministério.

Mas, no banco de reservas, prontos para entrarem em campo em posições mais decisivas, estão o próprio presidente do BNDES, Luciano Coutinho, e o secretário-geral da Fazenda, Nelson Barbosa, homem de confiança de Dilma Rousseff.

Os dois, porém, têm o mesmo perfil nacional-desenvolvimentista que precisaria ser freado neste momento. E nada indica que haja ambiente político para que o chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, retorne ao comando da economia. E muito menos que ele queira.

FONTE: O GLOBO

Palavra de honra:: Dora Kramer

O projeto que regula os meios de comunicação eletrônicos será enviado pelo governo ao Congresso no segundo semestre e, segundo o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, não terá resquício de controle do conteúdo das programações das emissoras de rádio e televisão. Jornais e revistas, por não serem concessões públicas, ficam de fora do projeto.

Contrariando o que pretendia o ex-ministro Franklin Martins - aprovar o projeto "com entendimento ou enfrentamento" o mais rápido possível -, uma das primeiras medidas da presidente Dilma Rousseff foi adiar a discussão e pedir a Paulo Bernardo que passasse "um pente-fino" no texto a fim de que não sobrassem brechas do chamado "controle social da mídia", visto como uma tentativa do governo de cercear o trabalho da imprensa.

De acordo com o ministro, o conceito com que o governo trabalha é o da "liberdade de expressão". A despeito da garantia de que não passará perto de censura, ainda assim o projeto suscitará polêmica no especialmente sensível aspecto da regulamentação da Constituição no tocante ao estímulo à produção independente e aos porcentuais de programação nacional e regional a serem estabelecidos em lei.

"Não podemos criar exigências irreais que sejam economicamente inexequíveis. É preciso encontrar um meio-termo, inclusive porque se exigir o aumento muito grande de produções nacionais em relação ao que se faz hoje o governo fica obrigado a criar linhas de financiamento específicas. Ao mesmo tempo, o estímulo oficial é o que vai fazer essa indústria da cultura e do entretenimento crescer ao ponto de gerar índices significativos de empregos."

No momento, esse é o debate interno a respeito da proposta de regulamentação. A demora deve-se também a negociações internas com vistas a administrar o afã "controlador" de setores (muitos) do PT e à decisão do governo de dar tempo ao tempo para apaziguar os ânimos acirrados pela condução anterior do assunto, considerada desnecessariamente agressiva.

"É preciso tirar a carga emocional dessa discussão", diz Paulo Bernardo.

Falência múltipla. Que o PT tente desqualificar a análise de Fernando Henrique Cardoso sobre o papel da oposição, compreende-se, já que a lógica adotada por boa parcela do partido (há exceções) é a da negação de ideias quando partem do campo adversário.

Há também o fato de FH ter ido ao ponto conclamando a oposição a correr atrás das "novas classes possuidoras" antes que o PT o faça.

Agora, que os oposicionistas, aí incluídos tucanos, enxerguem as palavras dele pela perspectiva simplória de pregação ao "abandono do povão" é algo que só pode ser atribuído à cabeça atrasada de boa parte dos políticos e de especialistas cujas referências de raciocínio se prendem à dinâmica de funcionamento dos partidos.

Muita bobagem se falou, mas com elas produziram-se provas materiais a mancheias a respeito do que disse o ex-presidente sobre o esgotamento dos instrumentos tradicionais nas práticas político-partidárias.

Por essas e outras é que FH tem razão quando afirma que os partidos se transformaram em "clubes congressuais", cada vez mais distantes da vida real.

Ao essencial. Mesmo defensores da proibição da venda de armas acham extemporânea a proposta de se repetir a consulta popular de 2005 que disse "sim" ao comércio legal de armamentos.

Segundo eles, há o risco real de se repetir o resultado. Portanto, mais eficaz seria zelar pelo cumprimento do Estatuto do Desarmamento no tocante, por exemplo, a controles rígidos no porte de armas e origem de munição.

Anticlímax. A sensação entre os senadores é de descrença na aprovação da maioria dos pontos da reforma política em plenário.

Motivo: ausência de consenso mínimo para formação de maioria em quórum constitucional de três quintos.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Pororoca eleitoral:: Eliane Cantanhêde

Finalmente saiu o primeiro desenho de reforma política, depois de dezenas de audiências públicas, depoimentos, reuniões, projetos e, sobretudo, anos.

Das 16 propostas, as que têm mais chances são as cosméticas, como a mudança das datas das posses -de 1º de janeiro para o dia 10 no caso de prefeitos e governadores, e para o dia 15, no de presidente. Ou como a que diz que o senador terá só um suplente, com direito a substituí-lo provisoriamente, mas não sucedê-lo definitivamente se houver renúncia ou morte.

Também tem chance a manutenção do voto obrigatório e o fim das coligações nas eleições proporcionais. Mas o que mais interessa está longe de ter consenso: financiamento público de campanha, candidatura avulsa para prefeitos e vereadores e o enterro da reeleição, com um mandato de cinco anos.

De todas, a questão mais polêmica é o voto exclusivo em lista para eleições proporcionais. Foi quase empate na comissão de 21 membros. E nos dois plenários?

Como diz o senador Francisco Dornelles, que pegou o touro a unha, o relatório "é só um começo para ver onde a corda aperta para amadurecer as ideias". E completa: "É preciso identificar o dissenso para chegar ao consenso".

Os 16 projetos serão destrinchados e transformados em projetos individuais até o dia 20 de maio, para passar pela Comissão de Constituição e Justiça, pelo plenário e só então seguir para a Câmara.

Muita água ainda vai rolar. E pode acabar em pororoca, já que o Senado tem um pacote e a Câmara terá outro, em sentido contrário.

E não acaba aí. Dornelles defende que o eleitor deverá ser não só informado como também consultado sobre as mudanças no sistema eleitoral, ou seja, nas regras pelas quais vai votar. Quer dizer: vem referendo por aí (que não tem nada a ver com o plebiscito do desarmamento). Tem lógica, mas é uma forma de protelamento. Mais um.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Justiça com os próprios votos:: Cristian Klein

Num país onde quem tem uma toga é rei, um dos grandes avanços foi a criação do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ surgiu como um contrapoder para quebrar a tradição de um Judiciário encastelado do resto da sociedade. Era a caixa-preta à que um dia se referiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Único dos três poderes que não tem origem no voto popular, teria todas as razões para sofrer de crises de legitimidade. Pelo contrário. Resiste na defesa de prerrogativas vistas como privilégios, por vezes de modo que insulta a inteligência do menos educado dos brasileiros. O caso recente em que o calor da tarde foi justificativa perante o CNJ para que tribunais não trabalhem no horário normal de expediente é apenas uma destas manifestações. As férias de 60 dias são outra trincheira, cuja extinção é alvo de projetos no Congresso.

Há alguns anos, o Judiciário está na mira da sociedade. E isso é bom. Quase todos os seus problemas se resumem a um contraste no exercício de suas duas principais funções: é lento na prestação de serviços à população - como servidor - mas é diligente quando está em jogo seu papel de autoridade. É o que faz a categoria corresponder tão bem ao estamento burocrático, de DNA ibérico, descrito por Raymundo Faoro em "Os donos do poder".

Deputados criticam ativismo e propõem fim de TSE e TRE"s

Por outro lado, é importante que o Judiciário se mantenha independente e desempenhe funções que sempre exerceu a contento. Um dos efeitos mais comuns da insatisfação represada é explodir como projeto de demolição.

Prova disso é a ideia icononoclasta, que parecia apenas protesto inconsequente de um político irado com a arbitragem das eleições no Brasil, cujo potencial de atração talvez seja maior do que se poderia imaginar. Em reportagem publicada neste Valor, em fevereiro, o líder do PTB na Câmara, Jovair Arantes (GO), sugeriu a extinção da Justiça Eleitoral como principal proposta para o debate da reforma política.

Arantes dizia que a intenção era botar o "dedo na ferida". Sua maior reclamação é que a Justiça Eleitoral interfere demais nas disputas e tem levado à realização de uma espécie de terceiro turno nos tribunais. O argumento não é de todo ausente da agenda pública. A judicialização da política é sempre citada como um dos problemas da democracia - não só a da brasileira, diga-se. Mas a ideia, pela radicalidade, parecia carregar a marca da idiossincrasia inócua. Eis, contudo, que a ousadia tem mostrado sua capacidade de conquistar corações e mentes.

O líder do PDT na Câmara, Giovanni Queiroz (PA), reconhece que "a tese de Jovair" mexeu com a cabeça de muita gente no Congresso. "Temos que acabar com essa estrutura do TSE e dos TRE"s. Não há razão para que as ações não sejam julgadas pela Justiça comum. Os juízes são emprestados, não são especialistas na matéria", defende. Queiroz sugere que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) exerça as funções do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e que os tribunais de justiça estaduais ou os regionais federais desempenhem o papel dos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE"s). Qual seria a vantagem? "Menos palacetes seriam construídos. Eles agridem a miséria brasileira", diz.

O argumento de Jovair Arantes - que está preparando uma proposta de emenda constitucional sobre o assunto - é semelhante. Ele critica o custo de quase R$ 5 bilhões da Justiça Eleitoral, mesmo em ano sem eleições. Mas o ponto crucial é mesmo a interferência no processo eleitoral.

O ativismo é visto como preocupação principal pelo líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP). O deputado se diz contrário à extinção, mas defende a delimitação do poder normativo da Justiça Eleitoral. "Ela tem exercido uma regulamentação muito exacerbada", afirma. Teixeira cita como exageros a verticalização das alianças, em 2002, e a interpretação, no ano passado, de que o suplente deve pertencer ao mesmo partido do titular, contrariando critério em vigor há décadas.

Presidente do TSE, o ministro Ricardo Lewandowski nega que haja ativismo. Afirma que o tribunal só age quando provocado. "Os protagonistas são os políticos. Somos coadjuvantes, como árbitros numa partida de futebol. O que ocorre é que os jogadores estão pedindo a intervenção do juiz", diz. Lewandowski argumenta que sempre nos momentos em que a Justiça Eleitoral foi enfraquecida "houve um retrocesso", como no Estado Novo (1937-1947) e depois do golpe militar de 1964.

O presidente do TSE aponta o sistema de rodízio e os mandatos de dois anos não como desvantagem, pela falta de especialização, mas como forma de se evitar uma "ideologização" dos magistrados. Lewandowski ressalta ainda o baixo custo das eleições de 2010 - R$ 3,60 por cidadão, "o preço de um café com leite" - e a eficiência do TSE, que divulgou o resultado presidencial em 1h04.

De fato, a Justiça Eleitoral brasileira pode ser considerada modelo quando se leva em consideração situações constrangedoras vividas por democracias ditas avançadas. A eleição presidencial americana de 2000 é um exemplo. A decisão a favor de George W. Bush se deu na recontagem de votos da Flórida, governada pelo irmão do então candidato republicano, que tinha influência sobre a Justiça Eleitoral do Estado. No Reino Unido e na Suíça, o Executivo também se confunde com o Judiciário em questões eleitorais e abre margem ao favorecimento de quem está no poder. Outros países (como Rússia, Uruguai e Equador) adotam modelos híbridos que combinam funcionários públicos de carreira e nomes indicados pelos partidos políticos.

No Brasil, a Justiça Eleitoral é uma das instituições mais antigas do sistema político. Veio na esteira da Revolução de 30 e tinha como objetivo moralizar o processo eleitoral e acabar com as fraudes que marcaram a República Velha.

Nos últimos anos, no entanto, saiu do pedestal e passou a ser vista como incômoda protagonista. No ano passado, foi alvo de críticas incessantes. A oposição, ao ver o então presidente Lula fazer campanha antecipada para sua candidata, Dilma Rousseff, esperneava e acusava o TSE de ser leniente, inoperante. Já o governo reclamava de estar amarrado a regras que tolhem a política. E, assim, o trânsito da propaganda eleitoral caiu no denuncismo e na tentativa de impingir multas ao adversário. O TSE foi o juiz infeliz de um jogo feio, catimbado, cheio de faltas. Pelo jeito, não está agradando nem aos vencedores.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Negócio da China :: José Serra

Ao analisar a economia mundial no imediato pós-guerra, o grande economista Raúl Prebisch cunhou a expressão centro-periferia. Apontava para uma divisão internacional do trabalho entre países produtores de matérias-primas e alimentos - a periferia - e países produtores e exportadores de manufaturas - o centro.

Tal divisão desfavorecia os países da periferia, pois a concorrência entre as exportações de produtos primários era maior, refletindo-se em preços mais desfavoráveis. Previa-se, também, que sua demanda cresceria abaixo da renda mundial. Por último, carentes de indústrias, esses países permaneceriam também carentes de bons empregos e dos frutos do progresso técnico.

Essa teoria simplificava muito a realidade, mas valeu como reparo ao teorema de que os ganhos do livre-comércio internacional seriam repartidos de forma equânime entre todas as nações. E deu certo substrato ideológico às políticas de desenvolvimento industrial.

Na "periferia", o Brasil foi o país que levou a industrialização mais longe, embaralhando a dicotomia prebischiana. A partir dos anos 1980, porém, em razão de fatalidades da política macroeconômica e da transição mal feita para uma economia mais aberta, ingressamos numa fase de lento crescimento que já dura 30 anos.

Na última década, ganharam corpo mudanças impressionantes na economia internacional, com a ascensão da Índia e principalmente da China, países com 37% da população mundial, baixa renda por habitante, com projetos nacionais de desenvolvimento e pouco afeitos a bravatas. Um quarto do crescimento da economia mundial nesse período se deveu à China. A demanda por commodities saltou de patamar, empinando quantidades e preços, num movimento que parece contínuo: mais indústrias e mais infraestrutura exigindo matérias-primas, mais empregos e mais gente consumindo alimentos.

O centro chinês é muito peculiar. A economia é monitorada pelo Estado. O grau de discricionariedade da política econômica é altíssimo. O regime autoritário é eficiente para seus propósitos, e fortemente repressivo quando necessário. Para os de fora fica difícil explorar suas contradições internas. É um regime encarado com complacência por seus parceiros comerciais, incluindo o Brasil.

A caminhada chinesa em direção ao centro da economia mundial chegou a ser saudada como janela de independência da economia brasileira, que passaria a ser menos atrelada às economias desenvolvidas clássicas. A troco de nada, o deslumbramento do governo Lula com a China levou-o a reconhecê-la como "economia de mercado", dando mais proteção às suas práticas desleais de comércio.

Mais independência? Ledo engano. Como disse Sérgio Amaral, a China é uma oportunidade e uma ameaça. Infelizmente, o Brasil escolheu a ameaça. A incapacidade de aproveitarmos boas condições de comércio para fortalecer a economia nacional está conduzindo o País, rapidamente, à condição de neoperiferia no concerto econômico mundial. "Neo" porque a nação está se desindustrializando, na volta à sua condição de economia primário-exportadora. A China, rumo ao centro, o Brasil, rumo à periferia. Num país continental como o nosso, isso envolve a renúncia a um futuro de suficientes e bons empregos.

As diferenças econômicas Brasil-China são marcantes. O yuan é das moedas mais desvalorizadas do mundo, o que aumenta muito a competitividade de sua economia. Nossa moeda vai exatamente no sentido contrário. Temos ainda a maior taxa real de juros do planeta e a maior carga tributária entre os países emergentes, o dobro da chinesa! A taxa de investimento da China é 2,5 vezes maior do que a brasileira: faltam poupança pública e capacidade para investir os recursos disponíveis e fazer parcerias público-privadas. Sobram tributos e falta uma taxa de câmbio decente para atrair mais investimentos privados.

As exportações chinesas estão varrendo boa parte da nossa indústria. Apenas 7% do que vendemos à China são produtos manufaturados, que representam 97% do que importamos de lá. Importações que vêm em boa medida substituir produção existente, menos competitiva por causa das políticas macroeconômicas, da fragilidade da defesa comercial e da situação calamitosa da nossa infraestrutura. Produzir no Brasil é tão caro que exportamos celulose para a China e começamos a importar o papel que ela produz. Exportamos minério de ferro, compramos aço. Cadê o famoso valor agregado?

A China também nos está deslocando de outros mercados. Dois terços das empresas exportadoras brasileiras perderam clientes para as chinesas no mercado externo, quase metade da indústria brasileira que concorre com a chinesa perdeu participação no mercado interno!

Além das vantagens apontadas, a China protege sua produção doméstica, faz escaladas tarifárias (soja), administra os investimentos estrangeiros no seu território, costuma subfaturar suas vendas ou utilizar países barriga de aluguel para reexportar seus produtos e escapar das esporádicas medidas de defesa comercial que o Brasil adota.

Outra dimensão da dependência brasileira é a rápida expansão dos investimentos diretos chineses voltados para as commodities de que a China precisa. São investimentos que obedecem à orientação do Estado chinês, que, por espantoso que possa parecer no Brasil, tem visão de longo prazo. Incorporaram até mesmo terras e riquezas naturais inexploradas, sob os olhares complacentes do extasiado governo Lula. Como os chineses são espertos, não lhes custará fazer uma concessão aqui ou ali em matéria de investimentos que envolvam maior valor agregado e alguma tecnologia nova. Mas só um pouquinho.

"Negócio da China", antigamente expressava a possibilidade de alguma pechincha, um ganho extraordinário em cima dos chineses. Hoje, ao contrário, é negócio bom para eles. Nada contra, pois pensam no futuro e sabem defender seus interesses no presente. Nessa peleja, perdemos feio.

Ex-prefeito e ex-governador de São Paulo

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Decifrar o dragão:: Míriam Leitão

Nada vai mudar da noite para o dia na relação com a China, mas Dilma Rousseff acertou no tom pragmático da viagem e a hora da ida. Logo no início do governo, a presidente foi ao país que se transformou no nosso maior parceiro comercial, grande investidor no Brasil. Para um bom relacionamento com a China, é preciso estratégia e conhecimento das regras e sutilezas, dos defeitos e virtudes do país.

A China é complicada. É economia de mercado e não é. É grande comprador, mas é ao mesmo tempo um parceiro perigoso. Está mudando, mas em alguns pontos permanece inamovível. Um partido que nasceu de uma forte ideologia comanda o país com uma elite burocrática forte, e total pragmatismo. Os únicos vestígios da velha ideologia é a ditadura.

Exigem que os outros países escolham entre ter relações diplomáticas com eles ou com Taiwan, mas as empresas taiwanesas são grandes investidoras lá. Uma delas, a Foxconn, apareceu como o maior resultado empresarial da visita da presidente brasileira à China, com o anúncio de que pode vir a investir no Brasil para fabricar displays digitais. A empresa esteve recentemente envolvida no pior conflito trabalhista da China, uma onda de suicídios de operários para defender melhorias salariais e de condições de trabalho.

O sinal que o país fez em relação à ambição do Brasil de ter uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU foi vago, o pedido para que o Brasil complete o reconhecimento da China como economia de mercado foi bem concreto. Se o Brasil completar esse reconhecimento na Organização Mundial de Comércio (OMC) haverá consequências diretas: não poderemos usar determinadas defesas comerciais contra eles. O problema é que não se pode dizer que a China seja uma economia de mercado, apesar de ter empresas privadas. Um dos preços mais fundamentais da economia, que é o câmbio, provoca as maiores distorções no comércio mundial por não se submeter às leis de mercado. Isso dá aos produtos chineses uma competitividade espúria.

Mas nem só de câmbio é feita a produtividade chinesa. Eles estão dando o mesmo salto de outras economias asiáticas, como a japonesa e a coreana, de produtos de baixa qualidade para os de alta tecnologia e muito valor agregado, com forte investimento em educação e inovação. O Brasil, como foi dito ontem aqui, tem poucas patentes, poucas marcas reconhecidas em outros países e por isso tem mais dificuldade de entrar no mercado chinês. Se ao final da visita da presidente Dilma à China, o setor privado e as autoridades entenderem o nosso dever de casa para se inserir na economia global com uma pauta de exportação mais diversificada, será um grande ganho. Reclamar dos defeitos da China todos fazem; entender como se relacionar com ela, só alguns poucos.

Os Brics que se reuniram ontem são uma ficção geopolítica. Há alguns pontos em comum entre os países, mas o grupo foi inventado por um economista de banco numa análise de tendência. O grupo é tratado pela imprensa e pelos governos como se fosse uma instância multilateral. Nossos interesses frequentemente estão em oposição aos de outros países do grupo. Quando se discute a proposta de controlar os preços de commodities, a China é compradora, e nós, vendedores. A eles interessa o controle dos preços proposto, entre outros países, pela França, mas não interessa a nós, que ganhamos com a alta dos produtos. O Brasil já viveu o lado oposto dessa moeda, quando as matérias-primas eram subvalorizadas. Naquela época, tudo o que nos restava era reclamar da "deterioração dos termos de troca" e amargar crises cambiais.

Na visita, a presidente defendeu interesses das empresas brasileiras como fazem todos os chefes de Estado do mundo em vez de tentar traçar paralelos ideológicos. A China hoje só usa a ideologia quando lhe convém, no resto do tempo defende seus interesses. A ideia de que faz parte conosco do mundo em desenvolvimento em conflito com as grandes potências é ingênua. A China é a segunda maior economia do mundo. Em várias áreas, possui mais assimetrias do que similaridades em relação a Brasil, Índia, Rússia e mais a África do Sul, que agora se integra ao grupo. A presença da China na África repete o mesmo modelo colonialista de extração de riqueza, compra de líderes locais que enriquecem rapidamente, uma presença predatória e voraz que pode terminar como as outras passagens de grandes potências no continente, deixando pobreza e desastres ambientais.

No debate da mudança climática também há muitas ambiguidades. Formou-se na negociação o Basic - Brasil, África do Sul, Índia e China - supostamente para se contrapor aos países ricos. Isso é outra inconsistência da geopolítica do clima. A China é o maior emissor de gases de efeito estufa junto com os Estados Unidos. Os dois são vilões. A Europa tem feito um esforço muito maior de redução das suas emissões desde que aderiu ao Protocolo de Kioto e estabeleceu metas para si mesmas. A ideia de que países em desenvolvimento não devam ter metas para cumprir vem sendo abandonada diante da evidência dos fatos. É por isso que a China apesar de ter essa economia poluidora, com energia baseada no carvão, está fazendo fortes investimentos em novas fontes de energia limpa porque sabe que precisará aumentar a chance de sustentabilidade do seu desenvolvimento.

A China não é para ser temida, não é parte de um clube do qual fazemos parte, nem pode ser mitificada. A China precisa principalmente ser entendida. Se essa viagem ajudar nessa compreensão, terá sido um sucesso.

FONTE: O GLOBO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Outro papel, possível, de Palocci numa segunda fase do governo Dilma:: Jarbas de Holanda

Pode-se identificar, a um só tempo, semelhança (alguma) e diferença (grande) entre os papéis desempenhados por Antonio Palocci e por Guido Mantega, respectivamente, no início do primeiro mandato de Lula, em 2003, e no de Dilma Rousseff, agora. A semelhança evidencia-se nas tarefas equivalentes atribuídas a Palocci, nove anos atrás, e a Mantega, hoje, do enfrentamento de complicações macroeconômicas, em especial pressões inflacionárias, geradas nas fases finais das administrações anteriores. Com a ressalva de que tais complicações merecem tratamentos bem distintos quanto às causas e à responsabilidade política.

Pois as tarefas que foram conferidas a Palocci decorriam não de erros ou desvios na gestão da economia praticados pelo governo FHC. Mas de dividendos diretos do chamado “risco Lula”. Risco ameaçador da estabilidade da economia e da continuidade do crescimento até a divulgação da “Carta aos Brasileiros”, no meio da disputa presidencial; depois disso sendo progressivamente reduzido e, com a nova administração, exigindo ações concretas para comprovação do compromisso nela contido de realismo econômico. Compromisso que Palocci, como inspirador da “Carta”, pode cumprir a contento até ser substituído – junto com sua equipe pró-mercado e reformista – no ministério da Fazenda.

Já as tarefas cometidas este ano a Mantega – semelhantes quanto ao objetivo imediato da contenção de um processo de descontrole inflacionário, mas encaminhadas por meio de critérios muito diferentes, por sua precária consistência, e de par com perspectivas e medidas de aumento do controle estatal da economia – estas tarefas constituem tentativa de resposta a complicações, graves, de responsabilidade do governo anterior, do qual o de Dilma é basicamente uma extensão política, senão administrativa. Complicações geradas sobretudo pela explosão dos gastos públicos e pelo aumento do gigantismo estatal. Entre cujos efeitos destacam-se o salto da inflação já para o limite superior da meta (vinculado à forte tendência de reindexação geral dos preços), e juros elevadíssimos, tornados indispensáveis para evitar que esse salto seja ainda maior, com a aplicação de uma política cambial que penaliza duramente a indústria brasileira. Agravando as conseqüências que o enorme “custo Brasil” (abusiva carga tributária e agudas carências da infraestrutura) tem para a baixa competitividade de seus produtos.

É com esta conjuntura macroeconômica crítica, mas confiante na reversão dela (pilotada pela dupla Guido Mantega e Nelson Barbosa, este desenvolvimentista estatizante de sua plena confiança, no ministério da Fazenda), que a presidente Dilma segue apostando numa combinação de retomada do controle inflacionário com um aumento do PIB entre 4,5% 5 5%. Se, a despeito de avaliação contrária predominante entre os analistas (inclusive sobre a incompatibilidade dessa combinação), tal expectativa se concretizar, ela desdobraria ao longo do ano o alto índice de apoio que obteve nas pesquisas populares sobre período inicial da gestão, já de olho nas eleições municipais de 2010. Porém isso, embora não tenha à vista ainda nenhum obstáculo político partidário, poderá ser em grande medida dificultado ou inviabilizado pelo comportamento da inflação. Que ela já sabe ou logo aprenderá constitui condicionante básica da popularidade do governo.

A confirmação das projeções que vários analistas estão fazendo - da persistência e do agravamento do processo inflacionário em 2010, para perto ou em torno dos 7%, e do imperativo de novas elevações da taxa Selic – antecipa um cenário de sérios efeitos econômicos e políticos negativos. Capaz até de forçar a presidente a promover uma troca de sua equipe econômica. O que, surpreendentemente, poderia, ou poderá, levá-la – por estado de necessidade e reconhecimento, tardio, da aguda falta de credibilidade das medidas anti-inflacionárias que tem proposto – a deslocar Antonio Palocci da Casa Civil para o comando do ministério da Fazenda. E obviamente, implicaria também uma mudança de qualidade dessas medidas.

Jarbas de Holanda é jornalista

PSD nasce com a bênção dos governistas

Novo partido criado por Kassab já reúne 32 deputados federais e pode chegar a 40; DEM sofreu 11 baixas

Maria Lima

BRASÍLIA. Com as bênçãos dos governistas, o lançamento ontem da ata de fundação do Partido Social Democrático (PSD), sob o comando do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, foi um golpe na oposição. Na festa, num auditório da Câmara com a participação do presidente da Casa, Marco Maia (PT-RS), os principais líderes do novo partido discursaram em defesa do apoio ao governo da presidente Dilma Rousseff. Na ata, 32 deputados federais registraram a migração para o PSD. A expectativa é que o número chegue a 40. Também aderiram dois senadores, um governador, cinco vice-governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores que deixaram vários partidos.

Os partidos com mais baixas foram o DEM, que perdeu 11 nomes; o PP, 6; o PPS, 3; e o PMN, 3. O PMDB perdeu um. Apesar de terem assinado a ata, os parlamentares ainda não se desfiliaram dos partidos. A regra da fidelidade partidária garante a migração, sem perda do mandato, quando ela é para um novo partido ou quando há fusão.

O líder do DEM, deputado ACM Neto (BA), disse que os parlamentares poderão sofrer processo de expulsão antes da oficialização do PSD, como já está acontecendo com Kassab. No lançamento, Kassab disse que o PSD "nasce" independente, mas garantiu liberdade a todos os filiados, sem patrulhamento, para o apoio ao governo Dilma:

- Manifestei simpatia ao governo Dilma, assim como pelo governo Lula. Quem apoiava a presidente Dilma vai continuar apoiando. Os que não apoiaram vão ter liberdade para votar projetos do interesse do Brasil.

- Fazer oposição não significa para mim uma empresa de demolição. Não aceito mais patrulha. Vamos ajudar o governo em tudo que for para ajudar o Brasil - disse a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura, até ano passado oposição.

Com as defecções, o DEM saiu da posição de 5ª maior bancada na Câmara para a 7ª, empatado com o PSD. Kassab nega que o PSD esteja sendo criado e instrumentalizado pelo governo para esvaziar a oposição:

- Quero que o DEM seja feliz, mas já teve o seu papel. O partido enfrenta grandes problemas e espero que possa se reencontrar - disse Kassab.

Os líderes do DEM não pretendem facilitar a vida de Kassab e seus seguidores.

- Estamos fazendo controle da bancada, na nossa contagem são nove e não 11 (os que saíram). Abrimos processo de expulsão de Kassab. Quem der motivo vamos fazer o mesmo - disse ACM Neto.

O DEM lançou um "promessômetro" para acompanhar o cumprimento de promessas da presidente Dilma Rousseff.

FONTE: O GLOBO

As razões de FH

Opinião

A ANÁLISE escrita pelo ex-presidente Fernando Henrique sobre o papel da oposição pode ter algum trecho redigido de forma a ser manipulado com o objetivo de criticá-lo. É do jogo político.

IMPORTA QUE FH tem razão quando destaca a importância da nova classe média. Assim como também é indiscutível que a política clientelista do PT, financiada pelo dinheiro do contribuinte, cooptou sindicatos, organizações ditas sociais e parte do "povão", via programas assistencialistas.

FONTE: O GLOBO

Com a palavra, Fernando Henrique

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso escreve sobre as reações ao seu artigo para a revista "Interesse Nacional". 1. Sobre desistir do povão: "Como se alguém que ganhou as eleições presidenciais duas vezes no primeiro turno (e contra Lula) fosse ingênuo a este ponto!". 2. Sobre a reação crítica dos aliados: "É de doer que políticos da oposição deixem de lado o conjunto dos argumentos e das propostas que fiz no artigo e, antes de o lerem, façam coro ao petismo, colocando-me como um insensato que despreza o voto das parcelas mais desfavorecidas da população. Fariam melhor se lessem com mais calma o que escrevi".

FONTE: PANORAMA POLÍTICO/ O GLOBO

FHC considera ‘precipitadas’ as críticas ao artigo

Ex-presidente se diz espantado com repercussão de texto sobre papel da oposição que foi divulgado apenas na internet

Gabriel Manzano

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) considerou nesta quarta-feira, 13, "precipitadas" as reações ao seu artigo O Papel da Oposição, a ser publicado na revista Interesse Nacional, mas que já foi divulgado pela internet. "Primeiro, me espantei com o tamanho da repercussão. Afinal, o artigo nem saiu ainda na revista. Mas achei também precipitadas algumas reações. Sobretudo da oposição, que, pelo que percebi na imprensa, disse coisas que acabam fazendo o jogo do PT", afirmou ele ao Estado.

No artigo, o ex-presidente aprofunda uma análise sobre o que chama de "lulopetismo", defende seus oito anos na Presidência (entre 1995 e 2002) e faz fortes críticas ao PSDB. No trecho que acabou se tornando o foco central das reações, ele escreveu que, se os tucanos continuarem tentando dialogar com o "povão", acabarão "falando sozinhos". Por isso, aconselha o partido a priorizar "as novas classes médias", gente mais jovem e ainda não ligada partido nenhum e suscetível de ouvir a mensagem da social-democracia.

Na entrevista, o ex-presidente deteve-se um pouco mais no uso do termo "povão": "O que estou dizendo é que o PT e o governo dispõem de poderosos meios em amplos setores de camadas pobres mas cooptadas pelos sindicatos e pelas centrais sindicais." E adverte: "Também existe, é claro, um ‘povão’ nessa nova classe média".

Em seu entendimento, o ex-presidente não estava excluindo ninguém. O que ele pretendia era convencer as oposições a definir um foco de atuação. "Ora, eu venci duas eleições com o voto desse povão! Agora, temos de ter uma estratégia para esses setores mais sensíveis. Temos de fincar o pé na internet e nas redes sociais."

O ex-presidente também refutou, na conversa, um argumento mencionado por vários críticos - o de que essas "novas classes médias" subiram justamente por causa dos programas sociais do governo Lula e, portanto, não seria fácil convencê-las a mudar de lado. "Isso não faz sentido, se você olhar a história recente", adverte. "Esses programas foram todos iniciados no meu governo. Essa ascensão começou lá atrás, e quem se beneficiou sabe disso."

Comunidade virtual. O debate sobre o que as oposições devem fazer antecipa outra iniciativa - também capitaneada pelo ex-presidente: a de lançar um "braço digital" dos tucanos a partir de junho. Com a contribuição de políticos e intelectuais, será criada uma comunidade virtual para a discussão de propostas políticas e econômicas para o País.

Com o nome de Observador Político, o portal deverá ser lançado dia 18 de junho, quando o ex-presidente completa 80 anos. Terá conteúdos para Twitter e Facebook e a meta é reunir algo em torno de um milhão de usuários e contar com um amplo time de blogueiros. Já estão convidados Francisco Weffort, Soninha Francine, Gustavo Franco, Pedro Abramovay e Paulo Renato Souza, entre outros.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Como Figueiredo, Dilma terá 'Semana da Presidenta'

Emissora, cuja concessão foi dada no fim do governo Lula, fará programa semanal para divulgar ações do governo

Silvia Amorim

SÃO PAULO. A presidente Dilma Rousseff vai ganhar, a partir do próximo sábado, um programa semanal na TV aberta inspirado no antigo boletim criado no regime militar "Semana do Presidente", que ficou famoso no governo Figueiredo. A iniciativa é do canal Rede Brasil de Televisão (RBTV), que recentemente obteve concessão do Ministério das Comunicações para operar em São Paulo.

O programa, segundo a emissora, mostrará a semana de Dilma: reuniões, eventos e viagens. Será transmitido para mais de 500 municípios nos 27 estados do país. Usará, em sua maioria, conteúdo e imagens cedidos pela NBR, a TV estatal a cabo que transmite 24 horas, via satélite, os atos do governo federal.

Quinze minutos aos sábados, com reprises no domingo

O programa "Semana da Presidenta" terá de 15 a 20 minutos de duração e irá ao ar todos os sábados, às 18h, com duas reprises no domingo. Em seu site, a emissora afirma chegar a "20 milhões de lares em todo o território nacional".

- Não temos interesse em ser uma TV chapa branca. Nosso compromisso é levar informação aos telespectadores, divulgando o que faz nossa presidenta durante seu mandato. O programa semanal não tem patrocínio, não temos intuito de misturar informação com faturamento neste caso - afirmou o presidente da RBTV, Marcos Tolentino.

A emissora foi criada em 2007 e, desde então, na região metropolitana de São Paulo, operava por meio de um canal arrendado. O canal próprio só chegou no fim do governo Lula, em 18 de novembro de 2010, quando portaria do Ministério das Comunicações concedeu o uso do canal 50 em UHF à RBTV, também chamada de Rede Brasil.

A concessão pública esteve envolvida no imbróglio da criação da TV para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, prometida por Lula à categoria e viabilizada no final de sua gestão.

O processo para concessão do canal ao sindicato que Lula presidiu na década de 80 estava emperrado na Câmara dos Deputados porque o canal designado à Fundação Sociedade, Comunicação e Trabalho, ligada ao sindicato, o 45 em UHF, de São Caetano do Sul, era ocupado pela emissora de Tolentino. O empresário conseguiu emperrar a tramitação do processo na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação por quase um ano e meio, até o governo destinar a ele outro canal.

No dia seguinte à publicação da portaria com a concessão a RBTV, a tramitação da TV dos Metalúrgicos foi reiniciada. O então ministro das Comunicações, José Artur Fillardis, explicou na época que havia sido feito um remanejamento de frequências na capital paulista, por conta da TV digital, que abriu espaço para canais novos.

A Rede Brasil informou que o programa de Dilma não tem patrocínio, seja de empresas estatais ou privadas, e que consultou a NBR sobre a realização do programa.

A TV estatal confirmou que a RBTV entrou em contato, mas disse que o tratamento a ser dado à emissora será igual a todas as demais. Segundo a NBR, a Rede Brasil poderá usar as imagens produzidas pelo governo e que são exibidas no canal a cabo. Qualquer veículo de comunicação pode captar o material e usá-lo em sua programação.

FONTE: O GLOBO

Reforma política: pessimismo entre senadores

Tucanos e petistas vão tentar ressuscitar propostas derrotadas

BRASÍLIA. Cientes das dificuldades para a aprovação de uma reforma política mais completa, senadores tucanos e petistas, como Aécio Neves (PSDB-MG) e Humberto Costa (PT-PE), articulam-se para ressuscitar e tentar aprovar, de forma paralela, propostas derrotadas na Comissão de Reforma Política. O tucano citou como exemplo de tema que deve ser retomado nas próximas discussões a proposta de instituir o sistema distrital misto para deputado - a comissão aprovou o voto em lista fechada, na qual o eleitor vota nos partidos e não mais nos candidatos.

Ontem a comissão entregou formalmente ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), a lista de propostas aprovadas nas reuniões. Sarney deu prazo até 20 de maio para que elas sejam transformadas em projetos de lei ou propostas de emenda constitucional, mas o clima entre os senadores é de pessimismo.

O presidente do Senado vai propor aos líderes partidários que alguns dos textos sigam diretamente para votação no plenário, sem a necessidade de tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

- Todo projeto sobre esse tema vai para o que parece ser um departamento de hibernação. A reforma política vai andar, não vai parar, pela determinação do Senado - disse Sarney.

Entre os senadores, o certo por enquanto é que sejam aprovadas propostas periféricas: mudança da data de posse de presidente da República, governadores e prefeitos; redução de dois para um no número de vagas de suplentes dos senadores; e o fim das coligações em eleições proporcionais. O presidente da comissão, senador Francisco Dornelles (PP-RJ), alertou:

- Não existe um único senador que esteja de acordo com todas as propostas aprovadas. Talvez exista senador que não esteja de acordo com nenhuma delas. Mas elas foram acolhidas pela maioria. O importante é jogar o fato para discussão.

FONTE O GLOBO

Reforma deve limitar número de legendas

Eugênia Lopes / BRASÍLIA

Um dos poucos pontos com chances de ser aprovado na reforma política, o fim das coligações nas eleições proporcionais, reduziria o número de partidos na Câmara dos atuais 22 para 16.

Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) indica que, com o fim das coligações para as eleições de deputados federais, o PMDB, o PT e o PSDB seriam beneficiados com o aumento de suas bancadas.

O PMDB passaria dos atuais 78 deputados para uma bancada com 109. O PT subiria de 88 para 110 parlamentares, enquanto o PSDB saltaria de 53 para 63 deputados federais. Dos médios partidos, o PV seria o único beneficiado: ganharia mais um parlamentar, ficando com uma bancada de 15. O levantamento do Diap foi realizado com base no resultado das eleições de 2010.

Pelo estudo, dez partidos seriam prejudicados com o fim das coligações, perdendo deputados. São eles: o PTB, o PP, o PC do B, o PPS, o PRB, o DEM, o PSB, o PR, o PTB e o PDT. Já o PSOL, que não se coligou com nenhum partido nas últimas eleições, manteria a bancada de três deputados.

Projeções. As projeções feitas pelo Diap estimam que, com o fim das coligações, seis partidos não conseguiriam eleger nenhum de seus filiados para a Câmara: o PHS, o PMN, o PRP, o PRTB, o PSL e o PTC.

O fim das coligações nas eleições para deputados federais, estaduais e vereadores é um dos pontos do texto entregue ontem pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), relator da proposta de reforma política, ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

Os demais projetos de lei e as propostas de emenda à Constituição aprovados pela comissão de reforma política do Senado serão entregues por Dornelles até o dia 20 do próximo mês.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Direitos humanos não são obsessão, diz Garcia na China

Em visita de Dilma Rousseff ao país, assessor do governo afirma que Brasil não pedirá ""correção de rumos"" do parceiro comercial

Vera Rosa

ENVIADA ESPECIAL / PEQUIM

Mesmo depois de ter arrancado da China o compromisso de parcerias comerciais "mais qualificadas", o Brasil não vai pedir ao país asiático uma correção de rota em relação aos direitos humanos. "Não vamos nos transformar num alto-falante permanente", avisou Marco Aurélio Garcia, assessor da Presidência para Assuntos Internacionais. "O fato de termos uma tensão com esse tema não significa que vamos tratá-lo como questão obsessiva a todo momento."

O comunicado conjunto assinado por Brasil e China, na terça-feira, dedica ao assunto apenas uma menção protocolar, sem mencionar violações à liberdade de expressão. Diz a declaração que os dois países fortalecerão as consultas bilaterais em matéria de direitos humanos e "promoverão o intercâmbio de experiências e boas práticas".

O tema não foi levantado nem mesmo ontem, durante conversa reservada da presidente Dilma Rousseff com o primeiro ministro da China, Wen Jiabao, conhecido por emitir opiniões mais avançadas sobre o assunto.

O desaparecimento do artista plástico Ai Weiwei, detido no aeroporto ao embarcar para Hong Kong, também não foi tratado por Dilma no encontro com o presidente da China, Hu Jintao.

No mês passado, o Brasil votou em favor da condenação do Irã no Conselho de Direitos Humanos das ONU. Ex-guerrilheira, Dilma disse, na campanha eleitoral, que nunca deixaria de marcar posição contrária a prisões políticas e crimes de opinião. Agora, porém, uma manifestação mais clara na China, quando o País tenta ampliar parcerias comerciais, foi considerada "contraproducente" pelo Itamaraty.

Na outra ponta, a posição adotada pela China - que demonstrou com mais ênfase simpatia pela candidatura do Brasil a uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU - foi vista como "um grande avanço" por Garcia. "Nunca tivemos ilusões de que a questão do Conselho de Segurança fosse se resolver num estalar de dedos."

Para o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, o sinal emitido pela China foi "muito positivo" e não deixa dúvidas. "A linguagem do comunicado é muito afirmativa. Só não é mais explícita porque a China tenta conciliar sua disposição favorável em relação ao Brasil com a reserva sobre a articulação no G-4", argumentou o ministro.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Três Josés no funeral de Laryssa :: Demétrio Magnoli

"De onde saiu esse cara? Ele conseguiu destruir minha família". O sociólogo José de Souza Martins e o psicanalista Renato Mezan sugeriram respostas à indagação do motorista de ônibus Gérson da Silva, padrinho de Laryssa, uma das meninas assassinadas na chacina do Realengo. Martins escreveu que "o rito sacrificial medonho" derivou da irrupção das crenças arcaicas sobre a pureza e a impureza na esfera de uma modernidade pelicular. O assassino "lavou com sangue propiciatório o caminho da sua eternidade". Mezan escreveu que "era a sexualidade" que Wellington temia. O assassino matou seus próprios demônios interiores para aplacar a ira imaginada dos pais mortos e se reunir novamente com eles.

Martins e Mezan procuram reconstituir uma história singular, que oferece vislumbres sobre a sociedade moderna e a condição humana em geral. Nossas autoridades políticas, percorrendo uma trajetória inversa, fornecem uma resposta ideológica à pergunta do padrinho devastado de Laryssa. Elas estão dizendo que a chacina revela a insuficiência das leis sobre o comércio de armas. José Mariano Beltrame, secretário de Segurança do Rio, defendeu a revisão do Estatuto do Desarmamento. José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, anunciou medidas suplementares para dificultar o acesso às armas. José Sarney, presidente do Senado, pediu a proibição total da venda de armas. A loucura dos três Josés é de ordem diferente da de Wellington. Ela não matará ninguém, mas nos afasta um pouco mais da racionalidade política.

Uma notícia plantada assegura que Dilma Rousseff chorou duas vezes ao tomar conhecimento do evento do Realengo. Muitos de nós choramos. A presidente provavelmente chorou mesmo, pensando "na nossa própria violência, que por se exercer por meios mais sutis não deixa de ter semelhança" com a de Wellington, como escreveu Mezan. Não é preciso criticá-la quando, ao divulgar suas lágrimas privadas ou derramá-las em público, cumpre a quase compulsória obrigação da democracia de massas de se revelar tão humana quanto os cidadãos comuns. Algo completamente diverso é o sequestro da tragédia para promover uma agenda política com fundas raízes ideológicas.

O que fazer? No plano utilitário, não há nada a fazer para evitar uma chacina futura, que acontecerá. Contudo, nestes tempos de demagogia sem freios, em que autoridades e políticos obedecem aos comandos automáticos dos marqueteiros, multiplicam-se as mais nefastas propostas de ação. O senador Cristovam Buarque quer cercar as escolas com barreiras policiais inexpugnáveis, implantando uma pedagogia do medo. Sarney, sempre ele, pretende poluir ainda mais o currículo escolar com aulas de "segurança pública". A obsessão pela segurança é o sinal distintivo do declínio da crença nas liberdades públicas e individuais. A proposta de proibição total do acesso legal às armas sintetiza, hoje, uma doutrina política hostil às liberdades e aos direitos dos cidadãos.

Não são as armas que matam, mas aqueles que as utilizam: facas e bombas de fabricação caseira servem perfeitamente para promover chacinas. Wellington não comprou sua arma legalmente, mas a adquiriu num mercado subterrâneo movido pelo contrabando e pelos intercâmbios entre a "polícia bandida" e o crime. Inexiste um nexo lógico entre nossas leis sobre armas e o "ritual medonho" do Realengo. Entretanto, os arautos da proibição total, derrotados no referendo de 2005, transitam no território da comoção coletiva, o espaço mais propício para as doutrinas liberticidas. Oportunistas, pretendem anular a decisão popular por meio de um voto no Congresso ou, apenas, da manipulação administrativa das regras legais.

Psicólogos de botequim atribuem a sociopatia de Wellington ao bullying. "A culpa é do meio social", asseveram eles, reforçando a moda que rejeita o conceito de responsabilidade dos indivíduos sobre seus próprios atos. Na sua dança demagógica ao redor da sepultura de Laryssa, os três Josés conferem forma política a tal ideia. As suas propostas trazem implícitas duas mensagens. A primeira: o horror do Realengo seria fruto de uma "sociedade armada". A segunda: para minimizar o risco de novas chacinas o Estado deve civilizar a sociedade, tutelando-a e extinguindo direitos individuais.

Como tantos outros, o direito de acesso às armas não é absoluto. O Estatuto do Desarmamento, adequadamente, estabelece limites estritos ao seu exercício. A proposta de proibição total não constitui a regulamentação de um direito, mas a sua abolição. Como a proibição não atingiria os criminosos nem as empresas de segurança, o seu nome legítimo não é "desarmamento geral", mas desarmamento unilateral de cidadãos comuns que não podem pagar serviços armados privados. Contra isso, exatamente, votaram dois terços dos eleitores, evidenciando um apreço pelas liberdades que não encontra correspondência em nossa elite política.

A indagação de Gérson da Silva não tem uma resposta, mas muitas, que são conjecturas. Martins e Mezan indicam as entradas ocultas para o labirinto que Wellington percorreu até voltar armado à escola de sua infância. Contudo nunca saberemos ao certo "de onde saiu esse cara", o suicida assassino que, numa explosão de violência aleatória, sacrificou a seus demônios imaginários meninas e meninos iguais a nossos filhos ou netos. Por outro lado, conhecemos a anatomia da violência sistemática, cotidiana, em nossa sociedade. Sabemos muito sobre a fonte real das armas dos criminosos "racionais" - não é mesmo, José, o Cardozo? Sabemos quase tudo sobre a pavorosa criminalidade policial - não é mesmo, José, o Beltrame? Sabemos bastante sobre a persistente desigualdade dos cidadãos diante do sistema judiciário - não é mesmo, José, o Sarney?

Só podemos chorar, como choramos, junto com os familiares e colegas das vítimas de Wellington. Quanto ao mais, há muito a fazer.

Sociólogo, é doutor em Geografia Humana pela USP

FONTE: O GLOBO

João Bosco e Aldir Blanc - Me dá a penúltima

Soneto do amigo :: Vinicius de Moraes

Enfim, depois de tanto erro passado Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.


É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.


Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.


O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica