segunda-feira, 4 de abril de 2011

Reflexão do dia – mensalão:: Ophir Cavalcante

A fonte originária (do mensalão) era dinheiro público, de todos nós. Essa questão do caixa dois hoje no Brasil é uma forma de fugir dos efeitos da lei penal e da lei de improbidade administrativa. Mas se pode punir pela lei de improbidade administrativa quando há envolvimento doloso de figura da administração pública e (uso) do dinheiro público. O que se espera é que o Supremo vá fundo, refaça ligações, puna, para que não se passe pelo constrangimento da impunidade.

Ophir Cavalcante, presidente da OAB, em Globo, 4/4/2011.

Esperando a colheita:: Raquel Ulhôa

Há exatos 11 anos, o plenário do Senado parou para assistir a um dos mais fortes bate-bocas de sua história, entre Jader Barbalho, que presidia o PMDB, e Antonio Carlos Magalhães, presidente da Casa. Munidos de dossiês contra o oponente, ambos trocaram ofensas pessoais e acusações de envolvimento em corrupção. Na época, o episódio foi definido por Jader como um "strip-tease moral".

A violência do enfrentamento público entre dois dos principais líderes do Senado levou-os a um desgaste político que lhes custou os mandatos.

ACM, por seu envolvimento na violação do painel eletrônico na votação da cassação de Luiz Estêvão, renunciou em 2001 para evitar processo por quebra de decoro que poderia levar à cassação _ o que o tornaria inelegível por oito anos. Disputou novamente o Senado em 2002, foi reeleito e morreu em 2007.

Jader conseguiu se eleger presidente do Senado no início de 2001, mas, enfraquecido pelas denúncias, afastou-se do cargo. Meses depois, também renunciou ao mandato de senador, para - assim como o adversário - evitar o risco de cassação em um processo disciplinar.

Em 2002, foi preso por um dia pela Polícia Federal, numa operação de investigação de desvios de recursos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Solto, foi eleito deputado federal pelo Pará e reeleito em 2006.

Foram oito anos de uma atuação discretíssima na Câmara, embora mantidas a influência na política paraense, a participação nas principais articulações do PMDB e a interlocução com o governo federal. Apoiou o ex-presidente Lula e a eleição de Dilma Rousseff, a quem hoje elogia pela "maturidade" demonstrada nos primeiros meses de governo.

Em 2010, Jader considera ter recebido seu "coroamento político", ao receber 1,8 milhão de votos para o Senado. Foi o segundo mais votado, mas não pode assumir. A candidatura foi impugnada pela Justiça Eleitoral com base na Lei da Ficha Limpa, que define como uma das causas de inelegibilidade a renúncia para escapar de processo de cassação.

Agora que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que essa lei não poderia ser aplicada na eleição de 2010, Jader considera-se finalmente liberado para voltar à Casa de onde saiu há 10 anos.

Para ele, o assunto está "esgotado" e sua posse depende apenas de "medidas burocráticas", apesar de algumas controvérsias jurídicas e da promessa da atual ocupante da vaga, Marinor Brito (PSOL), de dar trabalho. Ela avisa que continuará exercendo plenamente o mandato até que se esgotem todas as possibilidades de questionamento jurídico.

"A decisão do Supremo foi clara ao julgar que a lei não teria eficácia em 2010. Não foi em aramaico ou grego. Foi em português. Me parece uma extravagância qualquer tentativa de discutir. Esse é um assunto que, no meu entendimento, está esgotado. Falta ser cumprido apenas o ritual de natureza burocrática", diz Jader.

Perder "alguns dias", segundo ele, não comprometerá um mandato de oito anos. "Eu não me encontro em nenhum estado de ansiedade. Só quem tem voto é que pode exercer. E eu tive um milhão e 800 votos, apesar de toda a campanha contra mim."

Jader planeja exercer seu "melhor mandato", voltado principalmente para os interesses do Estado. "Na Câmara, votei o que tinha que ser votado, colaborei no que tinha que colaborar. Mas era momento de ser discreto. Uma das grandes lições de retorno ao parlamento depois de situações extremas foi dada pelo Churchill. Quando voltou ao parlamento depois de derrotado nas eleições, após a segunda guerra mundial, manteve posição muito discreta. Tudo na vida são fases. Casa uma com a sua agonia. A vida é um imenso aprendizado."

Reassumir o mandato de senador significará uma espécie de volta do exílio. Nesse período em que esteve fora, o paraense sempre foi tratado no PMDB como membro da bancada do Senado. Na divisão dos cargos no governo federal, as vagas de diretores da Eletronorte preenchidas por indicações de Jader sempre foram para a cota da bancada do Senado.

Jader fala com tranquilidade sobre a inevitável convivência que terá na Casa com Pedro Taques (PDT-MT). Como ex-procurador da República do Mato Grosso, Taques pediu sua prisão preventiva em 2002, em inquérito que investigou desvios de recursos da Sudam.

"Eu não trabalho com restrições de natureza pessoal. Não existe nenhuma dificuldade para mim [conviver com Taques]. Não faço política voltada para as pessoas", afirma.

Se depender de Taques, não haverá problema no relacionamento com Jader. "Eu não fiz nada de errado para ficar constrangido. Exerci meu papel constitucional como procurador da República, junto com outros colegas. Nada foi feito sozinho. Foi um trabalho constitucional e vou continuar exercendo meu papel constitucional aqui, num outro espaço público".

O ex-procurador prevê um processo "relativamente demorado" antes que Jader e outros beneficiados pela decisão do STF possam assumir. Para ele, cada caso terá de ser analisado. Taques acredita que a Lei da Ficha Limpa poderia ter sido aplicada para as eleições de 2010 e considera o julgamento do STF "lamentável".

Uma convivência pacífica entre Jader e Taques não será surpresa, numa Casa de confrontos e reconciliações. Na atual legislatura, houve o reencontro do ex-presidente Fernando Collor de Mello com seu vice-presidente Itamar Franco - que o sucedeu na Presidência da República após o impeachment - e com Lindbergh Farias, ex-líder do movimento estudantil que foi às ruas pedir seu afastamento.

Para Jader, tudo é uma questão de tempo. "Dizia o Eclesiástico: há tempo de falar e há tempo de calar; há tempo de plantar e tempo de colher. Nesse período eu vi tanta coisa acontecer com tanta gente..."

Raquel Ulhôa é repórter de Política em Brasília. Luiz Werneck Vianna deixa de ocupar este espaço a partir de hoje

FONTE: VALOR ECONÔMICO

O “fascismo do bem”:: Ricardo Noblat

“Mensalão é tese da oposição que a mídia e a Polícia Federal compraram.” (André Vargas, secretário de Comunicação do PT)

Imaginem a seguinte cena: em campanha eleitoral, o deputado Jair Bolsonaro está no estúdio de uma emissora de televisão na cidade de Pelotas. Enquanto espera a vez de entrar no ar, ajeita a gravata de um amigo. Eles não sabem que estão sendo filmados. Bolsonaro diz: “Pelotas é um polo exportador, não é? Polo exportador de veados...” E ri.

A cena existiu, mas com outros personagens. O autor da piada boçal foi Lula, e o amigo da gravata torta, Fernando Marroni, ex-prefeito de Pelotas. Agora, imaginem a gritaria dos linchadores “do bem”, da patrulha dos “progressistas”, da turma dos que recortam a liberdade em nome de outro mundo possível... Mas era Lula!

Então muita gente o defendeu para negar munição à direita. Assim estamos: não importa o que se pensa, o que se diz e o que se faz, mas quem pensa, quem diz e quem faz. Décadas de ditaduras e governos autoritários atrasaram o enraizamento de uma genuína cultura de liberdade e democracia entre nós.

Nosso apego à liberdade e à democracia e nosso entendimento sobre o que significam liberdade e democracia são duramente postos à prova quando nos deparamos com a intolerância. Nossa capacidade de tolerar os intolerantes é que dá a medida do nosso comprometimento para valer com a liberdade e a democracia.

Linchar Bolsonaro é fácil. Ele é um símbolo, uma síntese do mal e do feio. É um Judas para ser malhado. Difícil é, discordando radicalmente de cada palavra dele, defender seu direito de pensar e de dizer as maiores barbaridades.

A patrulha estridente do politicamente correto é opressiva, autoritária, antidemocrática. Em nome da liberdade, da igualdade e da tolerância, recorta a liberdade, afirma a desigualdade e incita a intolerância. Bolsonaro é contra cotas raciais, o projeto de lei da homofobia, a união civil de homossexuais e a adoção de crianças por casais gays.

Ora, sou a favor de tudo isso - e para defender meu direito de ser a favor é que defendo o direito dele de ser contra. Porque se o direito de ser contra for negado a Bolsonaro hoje, o direito de ser a favor pode ser negado a mim amanhã de acordo com a ideologia dos que estiverem no poder.

Se minha reação a Bolsonaro for igual e contrária à dele me torno igual a ele - eu, um intolerante “do bem”, ele, um intolerante “do mal”. Dois intolerantes, no fim das contas. Quanto mais intolerante for Bolsonaro, mais tolerante devo ser, porque penso o contrário dele, mas também quero ser o contrário dele.

O mais curioso é que muitos dos líderes do “cassa e cala Bolsonaro” se insurgiram contra a censura, a falta de liberdade e de democracia durante o regime militar. Nós que sentimos na pele a mão pesada da opressão não deveríamos ser os mais convictamente libertários? Ou processar, cassar, calar em nome do “bem” pode?

Quando Lula apontou os “louros de olhos azuis” como responsáveis pela crise econômica mundial não estava manifestando um preconceito? Sempre que se associam malfeitorias a um grupo a partir de suas características físicas, de cor ou de origem, é claro que se está disseminando preconceito, racismo, xenofobia.

Bolsonaro deve ser criticado tanto quanto qualquer um que pense e diga o contrário dele. Se alguém ou algum grupo sentir-se ofendido, que o processe por injúria, calúnia, difamação. E que peça na justiça indenização por danos morais. Foi o que fizeram contra mim o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Mas daí a querer cassar o mandato de Bolsonaro vai uma grande distância.

Se a questão for de falta de decoro, sugiro revermos nossa capacidade seletiva de tolerância. Falta de decoro maior é roubar, corromper ou dilapidar o patrimônio público. No entanto, somos um dos povos mais tolerantes com ladrões e corruptos. Preferimos exercitar nossa intolerância contra quem pensa e diz coisas execráveis.

E tudo em nome da liberdade e da democracia...

FONTE: O GLOBO

Outras reformas :: Eduardo Graeff

Falou em reforma política, pensou no Congresso Nacional, não é? Como se a reforma política fosse problema só do Congresso. Ou, pior, como se o Congresso fosse "o" problema da reforma política.

Quem trata o Congresso como a Geni da República tem seus motivos. Nem sempre são os melhores. Um dos mais típicos e tortos é desviar as pedras do seu próprio telhado de vidro. Pense nos políticos que mais prejudicaram o País. A sua lista pode ser muito diferente da minha. Mas duvido que tenha mais congressistas que presidentes. Trezentos picaretas no Congresso (se Lula contou direito) incomodam muita gente. Mas, convenhamos, um picareta no Planalto incomoda muito mais.

A democracia tem dois remédios básicos para corrigir os erros dos governantes: eleições livres e divisão de Poderes. Nossa jovem democracia tem passado razoavelmente bem no teste das urnas. No teste da divisão de Poderes, nem tanto. O que torna o Planalto, e não o Congresso, na minha opinião, o foco das nossas mazelas políticas é a concentração excessiva do poder nas mãos do presidente.

Uma reforma eleitoral vale a pena se fortalecer o Congresso com uma injeção de legitimidade. Mas há outras formas de atacar a concentração do poder. Cito três.

O excesso de cargos de livre nomeação no Executivo é um convite ao loteamento político e um perigo para a boa gestão. Chamá-los "cargos de confiança" é brincadeira de mau gosto. Grande parte deles é ocupada por tipos suspeitos com uma única missão: arrecadar fundos para seus padrinhos. A lei precisa limitar o número desses cargos e estabelecer critérios e procedimentos transparentes para o preenchimento dos que restarem, tanto nos Ministérios como nas empresas estatais. O presidente deveria ser o primeiro a agradecer se puder invocar limites da lei contra exigências descabidas dos aliados, a começar por seu próprio partido. Lula talvez não mergulhasse tão fundo, primeiro no "mensalão", depois no loteamento político, se não tivesse de saciar o apetite do PT em primeiro lugar. E por que os outros aliados deixariam por menos?

As medidas provisórias continuam a ser uma excrescência numa Constituição democrática. Na língua da burocracia que as inventa, os critérios de urgência e relevância traduzem-se por negligência e prepotência. Transparência? Esqueça. Como as comissões especiais do Congresso nunca se instalam, as medidas provisórias são emendadas e votadas sem terem sido discutidas publicamente. O resultado são leis quase sempre mal feitas e às vezes mal-intencionadas, com penduricalhos que aparecem misteriosamente pelo caminho. Não sei se o melhor seria acabar com elas ou tentar mais uma vez disciplinar seu uso, o que a Emenda Constitucional n.º 32 não conseguiu. O que não dá é para ignorar o problema.

Depois dos avanços da Constituição e da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), está em curso um retrocesso em matéria de controle das despesas públicas. O Executivo refaz o Orçamento por medida provisória, ignorando a Constituição e driblando o Congresso. A explosão dos restos a pagar, os furos na meta de superávit primário, a emissão de dívida pública camuflada de injeção de capital nos bancos federais criaram um orçamento por fora do Orçamento. É preciso dar um freio de arrumação nessa "contabilidade criativa". O governo federal enquadrou os Estados e municípios, mas até hoje não quis enquadrar a si mesmo nos limites de endividamento previstos pela LRF. Falta uma resolução do Senado para isso. Talvez tenha chegado a hora de pensar seriamente em trocar o Orçamento autorizativo (o Congresso aprova e o Executivo gasta se quiser) por um Orçamento impositivo (o Congresso aprova e o Executivo é obrigado a gastar).

Sei das dificuldades para uma pauta como essa avançar no Congresso. O único projeto político real do PT é a sua própria hegemonia. Independência e equilíbrio de Poderes, só para os Estados e municípios onde ele é oposição. Os demais partidos governistas são, sabe como é, visceralmente governistas. Podem recobrar algum brio se o governo tropeçar na economia ou em algum escândalo mais escabroso. Mas, fora exceções honrosas, os parlamentares "da base" trocam sem problema as prerrogativas do Congresso por favores do Executivo.

Sobra a oposição. Hoje ela não tem número para fazer a pauta de deliberações do Congresso. Mas tem recursos para ao menos provocar o debate e manter acesa a expectativa de mudanças. Tem convicções autenticamente democráticas, para começar; acredita mais em alternância e divisão de Poderes do que em hegemonia. Tem acesso à tribuna e à mídia, tanto mais quanto mais consistentemente for capaz de criticar o atual estado de coisas. Tem a atenção da opinião pública que se importa com coisas como democracia e transparência; mais que isso, tem a responsabilidade de não deixar órfão politicamente quem acredita nesses valores. Por último, mas importante, a oposição tem o que mostrar nos governos que comandou e comanda.

Mais de 20 anos de experiência da democracia deixaram o cidadão eleitor mais cético. Não basta falar contra o loteamento político, o desrespeito às instituições e a falta de transparência. Também não basta propor alternativas. É preciso mostrar vontade e capacidade de fazer.

Os partidos hoje na oposição ao governo do PT podem legitimamente reivindicar a paternidade de quase todos os avanços e inovações democráticas que o Brasil experimentou desde a Constituinte. Transformar esse patrimônio histórico em ativo político presente não deveria ser mais difícil do que vender bravatas e clichês ideológicos surrados. Principalmente se a oposição for capaz, como em geral tem sido, de produzir mais avanços e inovações nos Estados e municípios onde é governo. Quem quer liderar mudanças dá o exemplo.

Cientista político, foi Secretário-Geral da Presidência da República (governo FHC)

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Aperte os cintos:: Melchiades Filho

Ciosa da imagem de boa gestora, Dilma poderia explicar por que há duas semanas assinou a criação de um ministério para cuidar da aviação civil e até hoje não se importou em nomear o ministro.

Há um descompasso de velocidades em tudo o que diz respeito à reformulação do setor aéreo. A urgência no discurso do Planalto contrasta com a lentidão das ações.

Sabe-se desde janeiro, por exemplo, que a presidente decidiu transferir à iniciativa privada o direito de explorar os aeroportos -inequívoca guinada em relação à política de Lula. Mas nada de definir e divulgar os detalhes do novo modelo.

Assim como nada acontece na Anac. O órgão regulador, deslocado para o guarda-chuva do novo ministério, está acéfalo desde fevereiro. Sem interesse de permanecer, a presidente Solange Vieira saiu de férias e não voltou a Brasília.

Responsável pela administração dos aeroportos, a Infraero vive dias de impasse também. Não se falou mais no plano de abrir o capital da estatal. Nem no destino dos terminais de menor porte, deficitários.

Enquanto isso, os principais aeroportos continuam saturados. Resultado de anos de negligência nos serviços, da decadência da infraestrutura e do fato de que, pela primeira vez, mais brasileiros viajam de avião do que de ônibus -o número de passageiros de avião cresceu 115% de 2002 a 2010.

Ou o governo Dilma hesita em enfrentar essa situação porque sofre dos mesmos males dos anteriores: a dificuldade paquidérmica de se mexer e a incompetência para lidar com problemas complexos.

Ou hesita porque lhe falta sinceridade. Anuncia agora "forte intervenção" no setor apenas para justificar a criação de cargos (já são 130 novos), o aparelhamento do Estado e a possibilidade de fazer negócios com a iniciativa privada no futuro.

A primeira declaração do novo presidente da Infraero, Gustavo Vale, dá uma pista: "Se a Copa fosse hoje, não teria problema". Não?!

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A produção brasileira marcha para o exterior:: José Roberto Mendonça de Barros

Encerrei há um mês minha coluna dizendo que é possível que em alguns semestres a inflação brasileira caminhe para o centro da meta (4.5%). Entretanto, isto só acontecerá se for precedida por uma política monetária e fiscal mais robusta, e ainda assim o tempo para convergência será mais longo do que o admitido pelas autoridades.

Entretanto, imaginemos que a convergência ocorra em algum momento. Aí então a economia poderá crescer mais de 6% ao ano, sem desequilíbrios, certo?

Errado, a meu ver. O Brasil não consegue crescer mais que 4-4.5% sem gerar desequilíbrios como a alta da inflação, como já ocorreu em 2004, em 2008 e tal como agora. Além do baixo nível de poupança, decorrente mais do que tudo do excessivo gasto corrente do governo, o sistema de produção, e especialmente a indústria, está perdendo firme e rapidamente sua capacidade competitiva, por crescentes pressões de custo que só parecem piorar com o tempo. O Brasil se transformou num país caro e difícil para se produzir, especialmente quando medido em dólar. A pesquisa Doing Business do Banco Mundial mostra as crescentes dificuldades de se produzir no Brasil.

Já mencionei neste espaço mais de uma vez as principais razões da perda sistêmica de competitividade, exposta pelo real valorizado. Os custos sobem em virtude de:

1- uma contínua elevação da carga tributária, fortemente baseada em impostos indiretos. A maior parte dos setores paga algo da ordem de 40% do valor adicionado, chegando mesmo a 40% do preço final do bem. O sistema não é de valor adicionado e os créditos de impostos não são recuperados; a guerra fiscal entre estados gera distorções e custos malucos; mesmo impostos regulatórios, como os de comércio exterior e o IOF, acabam por ser geradores de receita; os custos parafiscais são enormes.

2- gastamos em logística mais que nossos principais competidores (pelo menos 50%), para serviços medíocres.

3- os custos de energia não param de subir. Morro de rir quando autoridades falam de modicidade tarifária. Nossa indústria tem uma das energias mais caras do mundo e vai subir ainda mais, tanto pela elevação dos adicionais à tarifa (CCC, RGR), quanto pela crescente importância da energia térmica, muito mais cara.

4- a oferta de mão de obra secou, os custos estão explodindo e vão subir ainda mais, pois a demanda anda muito adiante da formação de pessoal. Calculamos na MB que o salário real inicial (Caged), acumulado nos últimos 12 meses até janeiro de 2011, subiu quase 11% no comércio, 6,6% na indústria e 6% na construção civil.

5- a regulação no Brasil é, em geral, excessivamente detalhista, causa muitas vezes custos desnecessários para as empresas e se altera com frequência, inclusive modificando contratos em vigor. Também estamos longe de conciliar a construção de novos projetos e a defesa do meio ambiente. Isto vale para as três esferas de governo.

6- o setor público vem perdendo eficiência, por seu gigantismo, pelo aparelhamento e excesso de patriotismo da direção das organizações. Cito três problemas visíveis a olho nu: Correios, Infraero e Eletrobrás. Esta última empresa ambiciona ser a Petrobrás do setor elétrico, o que seria risível se não fosse trágico, dada sua baixa geração de caixa e a má qualidade dos investimentos.

7- finalmente, o real está claramente valorizado.

A elevação dos custos, decorrentes dos fatores acima mencionados, poderia ser superada com um conjunto de reformas de alguma envergadura. Nada mais distante da realidade, antes de tudo porque o gigantismo do estado, a ampliação do contingente de funcionários, a criação de novas empresas, a má qualidade da gestão e outras coisas mais não são casuais. Ao contrário, resultam da visão de mundo e da forma de operar da coalizão que detém o poder. Gasto é poder e isto exige dinheiro, o que nos leva aos crescentes impostos.

Como resultado deste processo, a produção de bens no Brasil (agricultura e indústria) rachou em dois pedaços, e ambos procuram o exterior. De um lado temos as cadeias de recursos naturais (agronegócio, minérios e metais, petróleo), setores tornados competitivos pela sistemática aplicação de tecnologia na produção e pela forte demanda internacional, atual e futura, por alimentos e energia. Estes setores crescem muito baseado nas exportações, onde as altas cotações compensam os custos brasileiros. Entretanto, mesmo aqui se notam dificuldades: por exemplo, não existe nenhum projeto novo de alumínio viável no Brasil, dado o elevado custo da energia elétrica. O país vai produzir e exportar bauxita e alumina, e nada mais. O mesmo acontece com outros metais.

O remanescente da indústria, como se sabe, vem perdendo a competição internacional e é cada vez mais espremida no mercado local pelas importações mais baratas. A saída clássica para situações como esta passa por inovações, maior produtividade e menores custos. Ora, os estudos mostram que, com poucas exceções, nossa indústria não é particularmente inovadora e sua produtividade total não vem crescendo muito. Logo, só existe uma solução para se manter competitivo: elevar as importações, e não brigar contra elas. Partes, peças, conjuntos, matérias primas e até produtos finais passaram a vir do exterior. Minha percepção, corroborada por executivos da área de crédito e por industriais, é que este processo ganhou enorme vigor no ano passado e está apenas no começo. É por isto que a produção industrial não cresce; o que cresce mesmo são as importações.

Existe mesmo uma versão radical do descrito acima: conheço vários casos onde se estuda e investe em novos destinos (Uruguai, Paraguai, Peru, Colômbia, Caribe, México e outros), uma vez que países como Argentina e China se mostram muito difíceis de operar. Nestes novos locais atraem os impostos, a energia e o custo da mão de obra mais baixos. A produção visa atender o mercado mundial, inclusive o Brasil.

Em resumo, a produção de bens caminha para o exterior: nos setores competitivos o coeficiente de exportações vai seguir crescendo (o que é bom); nos setores menos competitivos o coeficiente de importações vai seguir crescendo (o que não necessariamente é bom).

Existe também outro movimento: muitos empresários estão migrando da indústria para a área de serviços. Esta não tem, em geral, concorrentes importados baratos (o turismo é uma das exceções) e é menos regulado. O próprio IPCA mostra esta dinâmica: bens de consumo duráveis têm quedas absolutas de preços enquanto os serviços caminham para crescer mais de 9% neste ano.

Finalmente, não se muda isto em pouco tempo. Reformas pontuais pouco alteram o conjunto, menos ainda a escolha de campeões nacionais. Como mostra o caso do recente crescimento alemão, a recuperação da competitividade resulta de um esforço nacional.

Para a indústria o ambiente vai piorar antes de melhorar; para as commodities e serviços as oportunidades compensam as ineficiências. O resultado é um crescimento de 4,0%.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Relatório do BC expõe o ato de fé do governo brasileiro :: Monica Baumgarten de Bolle

Hoje a política econômica brasileira se caracteriza por um conjunto de crenças. Há os que acreditam que a inflação não escapará completamente do controle, ainda que não se faça muita coisa para contê-la. Há os que professam a fé nas medidas de intervenção cambial, para evitar que a volatilidade e a apreciação do real prejudiquem a atividade. Há os que pregam a liturgia macroprudencial, rezando para que tais medidas mantenham a economia em fogo brando, sem crescimento alto demais, a ponto de danificar os cenários de convergência inflacionária, nem baixo demais, preservando a euforia reinante no País.

O controverso Relatório de Inflação recém divulgado pelo Banco Central expõe com clareza o ato de fé do governo brasileiro. O documento trouxe projeções revisadas para o crescimento do PIB de 2011, alinhando-se com as estimativas mais moderadas dos analistas. Segundo o documento, a autoridade monetária espera expansão de 4% da economia em 2011, em comparação com os 7,5% registrados em 2010. No entanto, os indicadores do primeiro trimestre ainda não corroboram a visão de que as medidas adotadas para esfriar o crédito e a demanda agregada tenham tido efeito sobre o ritmo galopante da atividade no Brasil. A indústria, segundo o IBGE, cresceu 1,9% em fevereiro, a taxa mais alta em 12 meses. O índice de atividade elaborado pelo BC, o IBC-Br, tem indicado reaceleração da atividade neste início de ano. É provável que, com esses indicadores e o vigor surpreendente do mercado de trabalho, o PIB do primeiro trimestre registre expansão acima de 1%, o que, em termos anualizados, significa crescimento próximo de 5%.

A desaceleração contemplada nos cenários do BC ao longo de 2011 é condizente com a moderação do aumento dos gastos do governo derivada dos cortes orçamentários de R$ 50 bilhões, com a elevação da Selic para algo próximo de 12%, e, possivelmente, com adoção de medidas macroprudenciais adicionais. No entanto, esse crescimento mais modesto não é compatível com a evolução dos preços traçada no Relatório de Inflação. Não só é difícil vislumbrar a convergência da inflação para o centro da meta ao longo de 2012 sem um freio mais forte no crescimento, como é irrealista a noção de que o governo possa reduzir drasticamente o ritmo de aumento do crédito sem que isso tenha consequências "indesejáveis" para o nível de atividade.

No ato de fé do governo está faltando o verdadeiro sacrifício. Profana-se, portanto, a reputação do BC brasileiro. Desnecessariamente.

Economista, Professora da PUC-RJ e Diretora do IEPE/Casa das Garças

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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MST inicia invasões para atingir governo

O MST deu início ao "Abril Vermelho" com invasões em três fazendas da Bahia no fim de semana. O movimento de sem-terra queixa-se da falta de diálogo com o governo Dilma e ameaça aumentar pressão com a invasão de 100 propriedades ainda em abril. O Incra diz que diante do corte no Orçamento este ano, os programas de reforma agrária estão sendo reavaliados.

MST programa cem invasões

OS CEM DIAS DE DILMA

Sem diálogo até agora com governo Dilma, movimento promete intensificar suas ações

Silvia Amorim

SÃO PAULO - Com o objetivo de aumentar a pressão sobre o governo Dilma Rousseff, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) programa para este mês cerca de cem invasões de propriedades por todo o país. A Jornada Nacional de Lutas por Reforma Agrária, popularmente apelidada de “Abril Vermelho”, começou no fim de semana, tendo a Bahia como foco. No sul do estado, três fazendas foram invadidas entre sexta-feira e ontem.

Sem diálogo como governo Dilma nesses primeiros três meses de gestão, o movimento cobra para este mês a abertura de negociações.

— Já fizemos pedido de reunião com a presidente, mas não houve nenhuma resposta. Esperamos ser recebidos, ao menos, por ministros agora

—afirma um dos integrantes da direção nacional do MST, Gilmar Mauro. Além de invasões de terra, o MST promete para abril ocupações e protestos em órgãos públicos e marchas de trabalhadores em alguns estados. As ações estão sendo articuladas pelas coordenações regionais da entidade. — Desde o fim da eleição, o tema reforma agrária sumiu da pauta, e precisamos que ele seja retomado. Garantimos que a pressão social vai aumentar— afirmou Mauro.

O auge do “Abril Vermelho” está previsto para o dia 17, quando o massacre de sem-terra de Eldorado dos Carajás (PA) completa 15 anos. O episódio entrou para a História como um dos mais sangrentos embates pela posse de terra no país. Dezoito sem-terra foram assassinados por policiais no confronto.

Extensa lista de reivindicações

● A pauta de reivindicações do movimento é ambiciosa. Os sem-terra exigem o assentamento de cem mil famílias em 2011. Também é exigido aumento dos recursos para obtenção de terras. Segundo Mauro, o corte no orçamento deste ano fez caírem de R$ 600 milhões para R$ 380 milhões os recursos para esse fim.Outra demanda é a melhoria dos assentamentos já realizados pelo governo. O MST diz que muitos deles estão em situação precária e sem infraestrutura básica. Na madrugada de ontem, o MST ocupou uma fazenda da multinacional Veracel Celulose, de plantio de eucalipto, no sul da Bahia. A invasão ocorreu na fazenda Conjunto Muqui, em Itabela. De acordo com o coordenador do MST na região, Evanildo Costa, cerca de 450 famílias começarama derrubar eucaliptos para montar barracos. A assessoria de comunicação da Veracel não se pronunciou sobre as invasões. Outras duas fazendas da multinacional estão ocupadas pelo MST. A fazenda da Veracel foi a terceira a ser ocupada este mês na Bahia. Na última sexta-feira, representantes do movimento ocuparam duas fazendas de pastagem, em Alcobaça e Teixeira de Freitas. Em cada fazenda, há mais de 200 famílias acampadas, segundo os líderes do MST.

O Incra informou que está finalizando os estudos orçamentários para definir as verbas destinadas aos programas de reforma agrária. Esse levantamento foi necessário por conta do corte no orçamento feito pelo governo este ano. Segundo aassessoria de imprensa do instituto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário teve redução de 26% de seus recursos. Portanto, segundo a assessoria, não é possível estipular neste momento a meta de assentamento para 2011. No ano passado, diz oIncra, foram assentadas cerca de 40 mil famílias. Em relação à falta de estrutura em assentamentos já oficializados, informou-se que a solução do problema foi um compromisso firmado pelo recém-empossado presidente do órgão, Celso Lacerda, na semana passada. ■

Colaborou “A Tarde”

FONTE: O GLOBO

Bancada sindical do Congresso é a maior da história

A bancada trabalhista na atual legislatura é a maior da história: 87 parlamentares ou 15% do Congresso. São 80 deputados e 7 senadores ligados a sindicatos. Com esse quadro, a presidente Dilma Rousseff precisará negociar com o setor mais do que fizeram seus antecessores.

Centrais perdem espaço no governo, mas elegem maior bancada da história

Congresso soma 87 parlamentares com ligação ou origem nos sindicatos, número 45% maior que em 2007; sem ter a desenvoltura de Lula no meio e com apenas 4 ministros desse perfil, Dilma escala Gilberto Carvalho para negociar com entidades

Lucas de Abreu Maia

Apesar de a relação entre governo e centrais sindicais ter começado com estranhamento de ambas as partes, por causa da votação do reajuste do salário mínimo, a presidente Dilma Rousseff precisará, mais que qualquer um de seus antecessores, negociar com o movimento sindical. A bancada trabalhista na atual legislatura é a maior da história, com 87 parlamentares - ou 15% do Congresso.

Segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) feito a pedido do Estado, 80 deputados e sete senadores já ocuparam cargos em sindicatos. Trata-se de aumento de 45% em relação a 2007, quando havia 60 parlamentares eleitos ligados a essa bandeira.

Contudo, Dilma dificilmente conseguirá reproduzir o bom relacionamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o movimento sindical, segundo estudiosos do assunto. "Dilma veio do PDT, é brizolista. Nunca foi sindicalista. Lula veio do sindicalismo, este é o ambiente em que ele se sentia realmente em casa", avalia o cientista político Leôncio Martins Rodrigues.

Ele afirma que, ao entregar o Ministério do Trabalho ao PDT - ligado à Força Sindical -, Lula usou sua habilidade de articulador político para arrebanhar o apoio de grupos sindicais que não eram da base petista.

Para o economista Reinaldo Gonçalves, autor do livro A Economia Política do Governo Lula, a mudança no relacionamento entre o Planalto e os sindicatos será de estilo, e não de conteúdo.

Segundo ele, Dilma deve delegar a negociação com as centrais exclusivamente ao ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, em vez de tratar do assunto pessoalmente. "Lula conhecia os meandros da vida sindical. Por vezes, ele mesmo se encarregava das negociações", avalia Gonçalves. "A presidente é uma líder política fraca e os sindicatos no Brasil também. A dependência é mútua."

Ministério. De acordo com o Diap, o enfraquecimento da influência dos sindicalistas no Executivo fica claro ao analisar a composição do ministério de Dilma. No primeiro mandato de Lula, eram 12 os ministros com origem no movimento sindical. Hoje, são quatro. "E dois desses ministros, Antonio Palocci e Paulo Bernardo, não foram escolhidos pela origem sindical, mas por terem experiência no governo", explica Antonio Augusto de Queiroz, presidente do Diap.

Queiroz também aponta como sinal de distanciamento entre governo e centrais a redução na pauta de reivindicações trabalhistas. Nos oito anos de governo Lula, foram 27 pleitos do movimento sindical atendidos pelo governo. Hoje, apenas sete itens constam da pauta das centrais - nenhum com apoio explícito do Planalto. "Todas as reivindicações atuais já foram debatidas no governo Lula. Nenhuma pauta nova foi apresentada."

Entre os projetos de interesse das centrais que tramitam no Congresso estão o fim da demissão sem justa causa e do fator previdenciário e a redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais. Na campanha presidencial, Dilma evitou se comprometer com as causas, dizendo que era favorável a acordo entre patrões e empregados.

Para o deputado Pepe Vargas (PT-RS), o avanço das propostas trabalhistas depende mais do Congresso. "Infelizmente, acho que o Congresso tende mais ao capital que ao trabalho." O deputado rejeita a ideia de que Dilma não tenha relação com o sindicalismo, mas reconhece que Lula era mais próximo do setor.

Cientistas políticos e parlamentares não questionam, no entanto, a manutenção das centrais na base governista. O senador Paulo Paim (PT-RS), um dos principais defensores da causa trabalhista, diz acreditar que as relações vão se normalizar. "Entendo que é um processo de aproximação. À medida que as coisas forem se acomodando, como o ajuste fiscal, a Dilma vai abrir o diálogo com o movimento."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Inflação já 'engordou' em R$ 7 bi o caixa do governo

Luciana Otoni

Brasília - O aumento da inflação reforçou o caixa do governo e garantiu arrecadação extra de R$ 7 bilhões no primeiro bimestre. O acréscimo decorreu da difusão do efeito preço no recolhimento de todos os impostos e contribuições, mas com resultados mais evidentes no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), PIS e Cofins.

O aumento da inflação reforçou o caixa do governo e garantiu arrecadação extra de R$ 7 bilhões no primeiro bimestre. O acréscimo decorreu da difusão do efeito preço no recolhimento de todos os impostos e contribuições, mas com resultados mais evidentes no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), PIS e Cofins.

Com esses recursos adicionais - e, de certa forma, surpreendentes -, o Tesouro realizou 42% do superávit primário do governo central, de R$ 16,84 bilhões, no bimestre. O cálculo, do Ministério da Fazenda, considerou o montante de R$ 149,9 bilhões das receitas administradas pelo Fisco nos dois primeiros meses, valor 21% superior, em termos nominais, ao do mesmo período de 2010.

Dos R$ 25,89 bilhões de aumento da receita bimestral, a inflação contribuiu diretamente com R$ 7 bilhões, ou seja, 27,1%. Embora o efeito inflação ocorra sobre todos os tributos, seu impacto foi maior no IRPJ, por causa da lucratividade das empresas, e no PIS/Cofins, por incidirem sobre o faturamento. Assim, a inflação foi um dos motivos que levaram a arrecadação do IRPJ a subir R$ 5 bilhões e a do PIS/Cofins, R$ 4,5 bilhões no período.

Os setores que mais contribuíram para esse desempenho foram o comércio varejista e atacadista, as montadoras, a construção, as fábricas de produtos de minerais não metálicos, extração de minerais e a indústria de alimentos.

O governo é o maior sócio da inflação e isso pode ser constatado pela metodologia de cálculo do efeito preço na receita futura. A Fazenda usa o Índice de Estimativa de Receita (IER), formado por uma média ponderada composta por 55% do IPCA e 45% do IGP-DI. Esse índice era de 4,66% em março de 2010, passou a 6,85% em novembro e a 7,15% em fevereiro.

Para cada ponto percentual na inflação, a arrecadação cresce 0,61%. Esta é uma das razões pelas quais a Receita reestimou o aumento de sua arrecadação anual de 12% para 15%. Os técnicos salientaram que o crescimento de R$ 25,89 bilhões na arrecadação acumulada neste ano até fevereiro decorre de fatos gerados em dezembro de 2010 e em janeiro de 2011. Nesse período, a produção industrial (IBGE) avançou 5,78%, o volume geral de vendas ficou 15,21% maior e a massa salarial cresceu 16,74%.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Mensalão: OAB e oposição pedem investigação

Parlamentares querem que STF e MP apurem mais sobre novos nomes revelados em relatório final da PF

Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a oposição esperam que o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério Público retomem a análise do caso do mensalão diante das informações do relatório final da Polícia Federal. Parte da oposição defende que o Ministério Público abra uma nova frente de investigação contra as pessoas que não estavam citadas na denúncia original, como Freud Godoy, amigo e ex-segurança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e o atual ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, que são citadas no relatório que a PF enviou ao STF.

Segundo revelações da revista "Época", o documento da PF revela, por exemplo, que Freud recebeu R$98,5 mil de empresa de Marcos Valério - o operador do mensalão, esquema para pagar propina a deputados da base do governo petista na gestão de Lula - como pagamento de serviços prestados à campanha do petista em 2002. Em nota, o PPS defendeu a abertura de uma nova ação contra os beneficiários do esquema do mensalão que não estão incluídos no processo que corre no Supremo.

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, disse que a linha a ser adotada pelo Ministério Público depende de avaliação jurídica e - numa reação à tese do PT de que se tratou apenas de caixa dois, que é um delito eleitoral - afirmou que os responsáveis não podem fugir de punição:

- A fonte originária (do mensalão) era dinheiro público, de todos nós. Essa questão do caixa dois hoje no Brasil é uma forma de fugir dos efeitos da lei penal e da lei de improbidade administrativa. Mas se pode punir pela lei de improbidade administrativa quando há envolvimento doloso de figura da administração pública e (uso) do dinheiro público. O que se espera é que o Supremo vá fundo, refaça ligações, puna, para que não se passe pelo constrangimento da impunidade.

Na mesma linha, o líder do DEM no Senado, Demóstenes Torres (GO), disse que cabe agora ao Ministério Público dizer à sociedade o que será feito com o relatório oficial. Egresso do MP, ele ponderou que é preciso analisar o teor do documento:

- O procurador-geral recebeu cópia do relatório e pode entender que precisa de novas investigações, pode fazer um aditamento à denúncia. Mas depende do que está lá dentro (no relatório). A bola toda está com o STF e o Ministério Público. Mas o relatório da PF mata a tentativa do PT de dizer que era uma atitude golpista da oposição.
Presidente do PPS quer nova frente de investigação

O presidente nacional do PPS, deputado Roberto Freire (SP), acredita que a melhor forma é abrir uma nova frente de investigação, sem criar mais obstáculos ao processo do STF, e o partido pode apresentar representação nesse sentido.

- Pelo visto, será impossível a Lula desmascarar a "farsa" do mensalão, como ele havia prometido - disse Freire, em nota do PPS.

O líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias (PR), também espera mais agilidade do STF no caso do mensalão a partir de agora. Já o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), repetiu ontem que o relatório da PF não traz novidades.

FONTE: O GLOBO

Destaques do relatório

MENSALÃO: Relatório da PF afirma que dinheiro público foi usado para abastecer o valerioduto, esquema coordenado por Marcos Valério para pagar propinas a parlamentares da base do governo. A principal fonte seria o Fundo Visanet, que era utilizado pelo Banco do Brasil para pagar despesas de publicidade.

FREUD GODOY: O ex-segurança pessoal de Lula confirmou em depoimento à PF que recebeu R$98 mil da SMP&B em janeiro de 2003 como pagamento de parte da dívida de R$115 mil que o PT teria com ele por ter trabalhado na campanha do ex-presidente em 2002.

FERNANDO PIMENTEL: PF relata que Rodrigo Fernandes, tesoureiro da campanha de Pimentel à prefeitura de Belo Horizonte em 2004, teria recebido R$247 mil naquele ano da SMP&B. O tesoureiro se negou a dar explicações à PF. O ministro de Desenvolvimento, Fernando Pimentel, sustentou que suas contas de campanha foram aprovadas pelo TRE.

ROMERO JUCÁ: Segundo a PF, dinheiro do Fundo Visanet teria sido repassado à empresa DNA, de Marcos Valério, e de lá para a Alfândega Participações, de propriedade de Álvaro Jucá, irmão do senador Romero Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado. Foram R$650 mil, e a PF não ficou satisfeita com explicações dadas pela empresa para comprovar aplicação dos recursos. O senador diz que não tem envolvimento com o caso.

VICENTINHO: O produtor Nélio José Batista Costa recebeu R$17 mil de firma de Valério para trabalhar na campanha do deputado federal Vicentinho (PT-SP) à prefeitura de São Bernardo em 2004.

FONTE: O GLOBO

Ex-vice de Serra sai do DEM para entrar no PSD de Kassab

NOVO PARTIDO

SÃO PAULO - O ex-deputado federal Indio da Costa oficializou ontem seu embarque no partido que será criado pelo prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, o PSD. Indio concorreu como vice na chapa de José Serra à Presidência em 2010.

Indio, que deixou o DEM assim como Kassab, coordenará a estruturação do PSD no seu Estado, o Rio de Janeiro.

"O DEM não tem democracia interna", afirmou. Indio disputava espaço com o ex-prefeito do Rio Cesar Maia e seu filho, o deputado federal Rodrigo Maia, pelo controle da legenda no Estado. As rusgas inviabilizaram as chances de Indio concorrer à prefeitura da capital do Rio pelo DEM.

O ex-deputado reafirmou que o PSD não terá posição predeterminada. "Os conceitos de direita e esquerda não cabem mais. O PSD nasce como uma sigla social, liberal e democrata", afirmou.

No Rio, o PSD apoiará os governos estadual e municipal. "Se houver uma eleição, veremos. Mas hoje não estou preocupado com isso", disse.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Indio troca DEM pelo PSD de Kassab

Deputado buscará adesões no Rio e reluta em falar sobre disputa municipal

Flávio Freire

SÃO PAULO. Escorregadio nas respostas sobre a possibilidade de concorrer à prefeitura do Rio em 2012, o ex-deputado federal Indio da Costa afirmou ontem que se desfiliou do DEM e ingressará de fato no PSD, partido criado pelo prefeito paulistano, Gilberto Kassab, que pretende usar o novo espaço para se lançar ao governo de São Paulo. Com um discurso elogioso aos programas do governo federal e críticas à direção de seu ex-partido, Indio - ex-candidato a vice-presidente na chapa do tucano José Serra - diz que não é hora para especular sobre sua possível candidatura em 2012. Mas admite que a ideia é formatar a legenda até setembro, para que ela possa entrar em disputas municipais.

- Sobre disputar a prefeitura do Rio, qualquer resposta que eu der vai criar um caminho em cima de decisão que ainda não tomei - desconversa ele, que vai coordenar o PSD no Rio e se encarregará de buscar adesões.

Indio disse que também pesou na sua decisão a garantia dada por Kassab de que o PSD não se fundiria com qualquer partido, até mesmo o PSB.

FONTE: O GLOBO

PMDB ameaça voo solo

Partido pretende caminhar separado dos petistas nas eleições municipais do próximo ano e tenta se descolar da imagem de fisiológico. Mas não deixa de cobrar mais cargos

Escaldado com o tratamento que vem recebendo do PT e um tanto frustrado com as sucessivas discussões nas reuniões com o ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, o PMDB se mostra decidido a construir um plano B para o seu futuro. E a iniciativa começa a ser colocada em prática já, com duas ações simultâneas: tentar reformar a imagem de que os peemedebistas só pensam em cargos e, ao mesmo tempo promover uma campanha por novas filiações, que permitam ao partido caminhar separado do PT nas eleições de 2012.

Nos bastidores, a maioria dos diretórios foi orientada a não se esforçar em repetir a aliança com os petistas. Nas conversas mais reservadas, a justificativa que a cúpula tem apresentado aos municípios para a atitude é a de que o PT “gosta de ser apoiado, mas não gosta de apoiar”. Por isso, a ordem é enfrentar o PT nas urnas e mostrar que é maior ou tão grande quanto e que também é capaz de ter propostas.

Um dos focos do PMDB em busca de novos filiados é justamente São Paulo. Lá, os petistas fizeram de tudo para afastar Gilberto Kassab do partido. Conseguiram. Mas, de acordo com o presidente da legenda, senador Valdir Raupp (RO), mais de 300 líderes de municípios paulistas deixaram siglas de origem rumo ao partido. “Estamos em uma cruzada, uma campanha nacional. Orientamos o diretório para fazer novas filiações de lideranças com vistas às eleições de 2012. Não podemos obrigar, mas a preferência é por candidaturas próprias. O partido está sendo bastante procurado”, afirma Raupp.

Nessa cruzada para que o PMDB ganhe autonomia com vistas a valorizar o próprio passe em 2014, Raupp conta com o vice-presidente Michel Temer. O segundo na linha sucessória se colocou à disposição do partido para ajudar nessa atração. Em breve, ele deve se reunir com o presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, atualmente filiado ao PSB. “Vamos marcar um encontro, Skaf, Temer e eu. Ele demonstrou interesse de vir para o PMDB”, conta o presidente do partido.

Imagem

Em suas reuniões mais fechadas, o PMDB concluiu que só crescer e arregimentar novos filiados não resolverá o problema do partido. É preciso “limpar a biografia” desgastada com as notícias que saem frequentemente envolvendo líderes do partido em escândalos. Nos últimos 10 anos, praticamente todos os senadores que comandaram o partido tiveram de dar explicações, a começar pelo presidente da Casa, José Sarney, e pelo líder da bancada, Renan Calheiros. As pesquisas internas que o partido tem feito para avaliar como anda a imagem revelam que, aliada à importância histórica de ter sido fundamental para o processo de redemocratização, a cara do PMDB hoje é de um agrupamento em busca de cargos em qualquer governo. E a avaliação geral é a de que essa fórmula está com o prazo de validade vencido.

Mas, ao contrário do antigo PFL, que mudou de nome e entregou seu comando à ala jovem, a cúpula do PMDB decidiu ela mesma tentar empreender essa mudança. O partido montou cursos de gestão pública nos municípios para seu novos filiados. Do ponto de vista político, houve uma divisão de tarefas. Enquanto Renan e o líder Henrique Eduardo Alves cuidam da relação com o governo — leiam-se cargos — grupos de parlamentares reúnem-se para cuidar de bandeiras que o PMDB possa empunhar no futuro. Como vice-presidente da Câmara, a deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) tem feito esse trabalho.

No Senado, um G5 trabalha no mesmo sentido. O grupo é formado por Pedro Simon (RS), Jarbas Vasconcelos (PE), Luiz Henrique (SC), Cacildo Maldaner (SC) e Roberto Requião (PR). A ideia é ampliar essa parcela e construir uma ala mais independente do governo, que possa refrigerar o partido, não para colocar a faca no pescoço de Dilma Rousseff e discutir cargos, mas para pensar o futuro. Recentemente, parte desse grupo foi ao gabinete de Temer. Lá, a conclusão foi uma: ou o PMDB se reinventa e constrói bandeiras e pontes com a população, ou será tragado. E, de partidos em frangalhos, avaliam os peemedebistas, já basta o DEM.

Números

O PMDB quer sair maior das eleições municipais, ampliando o número de prefeituras de 1.160 para 1.200. Também está nos planos dobrar o número de capitais sob o seu comando, das atuais quatro para oito. As câmaras municipais também estão na mira. De acordo com Raupp, o partido tem 8.500 vereadores e pretende chegar ao patamar de 10 mil.

No próximo fim de semana, o partido promoverá seminário em Mato Grosso do Sul para discutir o plano de ações para as eleições de 2012. A cúpula percorrerá todos os estados até junho, orientando os diretórios. O senador Waldemir Moka (PMDB-MS) conta que o partido tem sido muito procurado no estado e que o seminário será oportunidade de apresentar os novos filiados. “O PMDB sempre se fortalece nas urnas. O seminário tem o objetivo de ampliar o partido para 2012. A força do PMDB sempre saiu dos municípios.”

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Trajetória social e política da mulher no Brasil

Benedito Calheiros Bomfim*

A mulher brasileira, até o início do século passado, era ecravizada à autoridade do pai e depois, casada, à do marido. Sua honra residia na virginidade. O Brasil foi o único país ocidental a estabelecer na Constituição a indissolubilidade do casamento (Constituições de 1937, 1946, 1967 e 1969). Esse preceito foi alterado pela Constituição de 1988 que, incorporando a Lei 6.5l5/77(que instituiu o divórcio), admite a dissolução do casamento por essa via. A infidelidade masculina é vista com complacência, enquanto na mulher é uma mancha na reputação.

A Lei 21.917/A/32 vedava à mulher o trabalho noturno de qualquer espécie, tendo a CLT, em sua redação original, excetuado da proibição algumas atividades, inclusive insalubres e obras de construção, e permitido que o marido se opusesse à contratação da esposa, caso em que esta teria de obter a autorização judicial. Ao fixar o primeiro salário mínimo, o Decreto-lei de 31.8.1940 autorizou a redução de seu valor para a trabalhadora. A CLT estabelece ainda que suas disposições não se aplicam aos empregados domésticos. Os direitos trabalhistas destes, contudo, vêm sendo gradativamente reconhecidos, e já se equiparam aos dos demais trabalhadores, inclusive no tocante aos benefícios previdenciários. Ainda hoje a lei não lhes garante limitação das horas de trabalho.

A Carta das Nações Unidas, homologada pelo Brasil em 1984, estabelece a igualdade de direitos do homem e da mulher e obriga seus signatários a assegurar “a igualdade de gozo de todos os direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos”. A Organização dos Estados Americanos aprovou a Convenção Interamericana Para Erradicar a Violência Contra a Mulher. Apesar disso e das garantias igualitárias de nossa Constituição, a mulher continua a ser discriminada, discriminação que só acabará quando lhe for assegurada, de fato, também, a igualdade econômica.

Basta lembrar a prostituição de meninas de 12 a 17 anos que, nas regiões mais atrasadas, levadas pela pobreza, oferecem seus corpos em troca de migalhas, postando-se até em logradouros públicos à espera de clientes. Meninas e mulheres, mediante falsa promessa de bons empregos, são obrigadas a se prostituir no exterior. A ONU estima que, em 2001, 785 mil brasileiras, na maioria vindas de Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, foram obrigados a se prostituírem fora do Brasil.

Para atendimento às mulheres vitimas de violência doméstica foram criados conselhos dos Direitos da Mulher e delegacias especializadas. O Estado do RJ conta com sete juizados de proteção às mulheres vitimas de violência doméstica. À mulher é negado o direito de interromper a gravidez, quando países católicos, como Portugal, Espanha e Itália, permitem o aborto. Estima-se que no mundo existem anualmente 75 milhões de gestações indesejadas, 70 mil das quais terminam com a morte das mães.

No Brasil é frequente, inclusive em famílias abastadas, a prática de abortos inseguros, clandestinos. Apenas cinco das 100 maiores empresas brasileiras em receita têm mulheres na presidência, um avanço se se considerar que em 2000 só homens ocupavam tal cargo. Embora constituam 51% da população, as mulheres têm somente 31% no quadro funcional, 26,8% na supervisão, 22,15% na gerência, 13,7% no executivo.

Na longa e sofrida trajetória, as mulheres livraram-se da servidão doméstica, da submissão ao marido, conquistaram o direito de voto, igualdade conjugal, divórcio, liberdade sexual, controle de sua fertilidade, mercado de trabalho, ascensão social, cidadania. A eleição da primeira mulher a presidente constitui um marco na conquista social e política do Brasil. Com ela, 24 mulheres ocupam a chefia de Estado no mundo. Dos 37 ministros de Dilma Rousseff, nove são mulheres. Nas faculdades de direito a maioria dos alunos são mulheres. Elas representam 50% dos advogados. Quase metade de juízas do trabalho é constituída de mulheres.

A ascensão feminina a cargos executivos, empresariais, magistratura, magistério, ciência, literatura, arte, economia, advocacia, desfaz o mito da fragilidade e da inferioridade da mulher, de sua incapacidade política de competir com o homem intelectualmente e no mercado de trabalho. Ficou para trás o tempo em que eram privativos de homens atividades ou profissões, tais como advocacia, magistratura, economia, política, jornalismo, literatura, artes, esporte, medicina, chefia de família, administração empresarial.

*Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, ex-presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e ex-conselheiro federal da OAB

FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Mônica Salmaso - A Volta do malandro

Visão de Clarice Lispector :: Carlos Drumonnd de Andrade

Clarice,

veio de um mistério, partiu para outro.


Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.


Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.


O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são jóias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.


Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.


O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.


De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.


Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.


Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia... saberemos amar Clarice.