segunda-feira, 28 de março de 2011

Reflexão do dia – Democracia constitucional

A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.

(Artigo 16 da Constituição Federal)

A corte constitucional

Carta ao leitor

Os brasileiros comemoraram, com toda a razão, quando o então presidente Lula sancionou sem vetos, em junho do ano passado, a lei que impede de se candidatarem a cargos eletivos os condenados, ainda que em primeira instância, por crimes graves como corrupção, abuso de poder econômico, homicídio ou tráfico de drogas. Pela primeira vez, a Justiça Eleitoral foi dotada dos meios jurídicos para dar um basta na carreira política de notórios e reincidentes contraventores, beneficiados até então pelo preceito de que só se pode considerar alguém criminoso quando esgotados todos os recursos legais em sua defesa.

Maior regozijo houve quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) entendeu, dias depois da sanção presidencial, que a lei poderia começar a ser aplicada imediatamente, tomando inelegíveis já no pleito de 2010 os candidatos com condenações na Justiça, mesmo quando pendentes de recursos. Nesse contexto, exige uma frieza quase heróica compreender a decisão tomada na semana passada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte da nação, que reverteu o entendimento do TSE e devolveu o mandato a um sem-número de candidatos eleitos em 2010 e que foram impedidos de assumir sua cadeira por serem condenados da Justiça.

O voto de desempate foi dado pelo novato ministro Luiz Fux. 6 a 5 para os fichas-sujas. Venceram os maus? Em um primeiro exame, sim. Mas, como mostra uma reportagem desta edição de VEJA, a decisão deve ser vista como um passo significativo rumo à clareza do processo jurídico, em especial quanto ao papel crucial do STF, a quem cabe não declarar culpados, mas garantir que as leis menores não firam a Constituição. Foi esse o princípio que moveu Fux, um ardente defensor da legislação eleitoral moralizante cuja aplicação ele só decidiu adiar para não ferir o artigo 16 da Constituição, segundo o qual mudanças nas regras do jogo valem apenas na eleição do ano seguinte ao da promulgação da lei. Disse Fux: "O melhor dos.direitos não pode ser aplicado contra a Constituição. O intuito da moralidade é de todo louvável, mas estamos diante de uma questão técnica e jurídica". Sempre que prevalece a Constituição, cedo ou tarde, ganham os eleitores e as instituições

FONTE: REVISTA VEJA

Obra em progresso:: Melchiades Filho

A rebelião de trabalhadores não revelou apenas que empresas, sindicatos e governo estavam despreparados para cuidar de muitas obras de infraestrutura. Expôs também o "lado B" do PAC.

Ficou claro que o programa querido da presidente Dilma, concebido para gerar riqueza e energia, não levou em consideração aspectos trabalhistas nem o impacto social da inauguração de canteiros gigantes em locais remotos do país.

Tome-se o caso da hidrelétrica de Jirau, em construção numa região isolada de Rondônia. Não seria mesmo simples acomodar e administrar os 22 mil contratados da obra. Mas os relatos dão conta de total omissão do poder público.

Episódios recorrentes de castigos físicos, falta de comida, desvio de salários e livre comércio de armas e drogas culminaram em quebra-quebra. Alojamentos e várias instalações acabaram incendiados.

Os esforços para caracterizar o ocorrido como incidente pontual de vandalismo duraram pouco. Dias depois, houve outra depredação bem longe dali, na usina de São Domingos, em Mato Grosso do Sul.

Mais: 80 mil operários do PAC anunciaram greve por salários e condições de trabalho melhores.

Foram afetados justamente os projetos mais vistosos do portfólio dilmista: as usinas do rio Madeira (Rondônia), a refinaria e a petroquímica de Suape (Pernambuco) e a termelétrica de Pecém (Ceará).

Tímida, a reação do Planalto só fez confirmar a falta de "protocolo" para lidar com tantos imprevistos.

O governo pediu a amigos das centrais sindicais que domassem os motins, reforçou o policiamento nas obras (em Jirau, nos escombros) e prometeu que amanhã vai traçar "regras mínimas" de trabalho no PAC -como se já não existisse legislação a respeito no país.

Dilma ganhou elogios por se recolher, em contraste com a hiperexposição de Lula. Mas, ironia, operários mostram à presidente o limite de governar só do gabinete.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O risco de Dilma:: Ricardo Noblat

- Peça tudo a um político, menos que se suicide - Tancredo Neves, presidente da República, que morreu sem tomar posse

“É Dilma?”, perguntou a Lula o então governador Cássio Cunha Lima (PSDB), da Paraíba, durante conversa no início de 2009. Apesar de adversários os dois são amigos.

Lula respondeu de pronto: “É”. Cássio insistiu: “E por quê?” Lula sorriu e disse: “Por duas razões. A primeira: é mulher. A segunda: ela é mais homem do que nós dois juntos”.

Lula ainda não desencarnou do cargo como ele mesmo admite. E faz pouca força para tal. Está sempre ao telefone com Dilma. Cássio perdeu o governo do seu Estado, acusado de abuso do poder econômico. Elegeu-se senador. E assumirá o mandato depois da decisão da Justiça sobre a Lei da Ficha Limpa. Quanto a Dilma...

A menos de duas semanas de completar 100 dias de governo, Dilma parece sair-se como presidente melhor do que a encomenda. Com certeza, muito melhor do que esperavam o PT e os partidos da base aliada dentro do Congresso. A oposição não fazia idéia de que pudesse ser assim. Às escondidas, admite sua perplexidade.

“O que a gente pode fazer?”, perguntou Cássio a um amigo no qual esbarrou na noite da última quarta-feira no restaurante Piantella, a Meca dos políticos em Brasília. No mesmo local, há pouca distância de Cássio, o deputado federal Marcus Pestana, presidente do PSDB mineiro, pedia ao ex-deputado Paulinho Delgado (PT): “Me apresenta a Dilma, me apresenta”.

Paulinho sorriu e lembrou: “Já passei por isso. No governo Fernando Henrique, procurei um amigo do PSDB e pedi que me apresentasse ao presidente”. No dia seguinte, em um corredor do Supremo Tribunal Federal, ouvi do deputado Antonio Imbassahy (PSDB-BA): “E aí? Como fazer oposição ao governo? Fiz um discurso na Câmara sobre o projeto do trem-bala e até meus colegas de partido acharam que fui crítico demais”.

Lembra do slogan adotado pelo PSDB depois da eleição de Lula em 2002? “A favor do Brasil”. Agora, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) imagina algo como “oposição generosa”.

Advogado de presos políticos durante a ditadura militar inaugurada em 1964, e que só se esgotaria 21 anos depois, Sobral Pinto tinha surtos de irritação ao ouvir falar em “democracia à brasileira”. Subia nas tamancas e vociferava: “À brasileira só existe peru”. Psicografando Sobral: “Oposição é oposição. Generosa é o que não pode ser”.

Dilma faz um governo mais redondo do que Lula começou a fazer ao se eleger pela primeira vez. Antônio Palocci cuidava da economia no Ministério da Fazenda. Na Casa Civil, José Dirceu cuidava mais da política e trombava com Palocci. Havia a sensação de que os dois mandavam no governo. Lula era apontado como uma figura decorativa.

Até que Dirceu deixou o governo no rastro do mensalão e foi substituído por Dilma, ex-ministra das Minas e Energia. Palocci continuou cuidando da economia até cair por conta do escândalo da mansão alegre que freqüentava no Lago Sul, em Brasília. Dilma virou a gerente do governo. E Lula pôde fazer o que de fato mais gosta – política.

Para quem sabe mandar e não abre mão disso, é claro que nenhuma decisão do governo passa ao largo do gabinete de Dilma. Nem mesmo decisões aparentemente sem importância – como o funcionamento da portaria do Palácio do Planalto. A propósito: acabou por lá a aglomeração de pessoas e a chegada de visitantes sem hora marcada.
Disparado, o ministro mais forte do governo é Palocci. Ele já nem mais disfarça isso. Tudo o que tenha a ver com política é assunto dele. Dilma é a executiva super ativa, exigente, cobradora e atenta a detalhes. Para efeito externo perdeu seus maus modos. Na vida real, por vezes consegue moderá-los. Guido Mantega está ministro da Fazenda.

“Eu preciso quem me esculhambe”, suplicou o presidente Jânio Quadros em 1961 ao convidar o escritor Otto Lara Rezende para assessorá-lo. Todos ao redor de Jânio o temiam. Otto não topou. É o que diz a lenda. O maior risco que corre Dilma é não ter quem esculhambe seu governo.

FONTE: O GLOBO

Aborto e tabu:: Fernando de Barros e Silva

Dilma Rousseff tem se empenhado para fazer do início de seu mandato uma vitrine de valorização da mulher. A despeito do cálculo de marketing implicado no esforço, o resultado é positivo e joga a favor de uma sociedade mais emancipada. Ainda na sexta, a presidente recebeu no Alvorada mais de 30 cineastas e artistas, além de jornalistas, todas mulheres.

Nesse mesmo espírito, a edição de 20 anos da revista "Marie Claire" reuniu as nove ministras mulheres do governo. Fez com cada uma delas pequenas entrevistas, entre as quais há apenas uma pergunta comum: "A senhora é a favor da legalização do aborto?".

É surpreendente que apenas duas delas -Miriam Belchior (Planejamento) e Ana de Hollanda (Cultura)- tenham respondido, sem eufemismos: "Sou". Há matizes nas demais respostas. Mas mesmo aquelas que se inclinam pela legalização tergiversam, procuram meios de atenuar sua posição, como se pisassem em ovos.

Há também respostas francamente escapistas, como a de Ideli Salvatti (Pesca): "Sou a favor da vida.

Não só dos fetos, mas também das mulheres que correm risco ao fazer abortos em clínicas clandestinas". Esqueceu de dizer que também é a favor das ovas de peixes...

Luiza Bairros (Igualdade Racial) vai mais longe ao explicitar seu constrangimento: "Essa coisa de opinião pessoal de ministro causa problema. A forma como isso foi tratado nas eleições é um problema!". De fato. É um problema que respostas como essa não enfrentam, ajudando a reforçar o tabu.

José Serra explorou o tema na campanha da forma mais obscurantista. Apelou à convicção religiosa do eleitorado, apesar de saber que se trata de um grave problema de saúde pública. Dilma, que já havia defendido a legalização, recuou e aceitou o debate nesses termos. Essa é uma discussão que regrediu no país.

Basta ver o comportamento das ministras do governo da primeira presidente mulher do Brasil.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Uma viagem útil :: Paulo Brossard

Muitos têm sido os comentários referentes à visita do presidente norte-americano ao nosso país, em regra favoráveis. Não direi que tenha sido o acontecimento do século, mas que foi útil para ambos os países, e, dada a ampla publicidade que a cercou, permitiu que a nação a acompanhasse em seus lances principais. A presença de sua família, incluindo as filhas menores, deram a um ato de Estado alguma coisa além de uma cerimônia estritamente protocolar. De outro lado, a postura do governo brasileiro imprimiu ao evento o tom adequado. As duas partes, a que visitava e a visitada, souberam dar ao fato diplomático o devido relevo, sem exageros. Por isso prefiro dizer ter sido útil o sucesso para ambas. Até onde posso transmitir minhas observações, a despeito da natural brevidade, a acolhida foi espontânea e suponho não exagerar se disser cordial.

Nesse dado imaterial residiu a conveniência e oportunidade da visita, ainda que nada se dissesse, nem seria de mister, quanto à gaucherie diplomática do maior e melhor dos presidentes de todos os tempos ao escolher o iraniano Mahmoud Ahmadinejad como confrade privilegiado do Brasil, fato que excedeu os limites do mau gosto. Ninguém ignora que em política externa, como na política em geral, a amizade não é moeda prevalente, ainda que não lhe faltem algumas gotas aqui e ali a dar-lhe o perfume da nobreza; os interesses, de modo geral, são predominantes e eles não são apenas relevantes, mas legítimos. De mais a mais os interesses nacionais tanto são contraditórios como coincidentes em doses variáveis, de modo que é plural o mundo das nações e suas relações mudam sem parar; acasalar-se com o Irã, que mantém uma quizília notória com o mundo ocidental, em termos nucleares, não chega a ser indicativo de sabedoria, tanto mais quando se ele é avançado em pesquisas nucleares, lembra a idade da pedra em outros setores. Disso é amostra a pena de apedrejamento de mulheres...

Pois essa espécie de cicatriz que enfeiava a face da nação, sem que uma palavra fosse dita, desapareceu como se uma esponja apagasse a marca visível nas belas linhas do Itamaraty. Por fim, é de evidência solar, cada Estado tem o dever de cuidar de seus interesses, sem esperar que outros o façam. Outrossim, depois das visitas e em razão delas, normalmente, aparecem os resultados, maiores ou menores. De qualquer sorte, sem jogar fogos de artifício, não hesito em repetir que considero útil a visita do presidente Obama à América Latina. Há muita coisa a fazer e havendo, além do interesse, um pouco de simpatia, o fazer fica mais fácil.

Não me furto de indicar, porém, que diplomata de alta qualificação, que foi embaixador na China, Alemanha, Áustria e Estados Unidos, escreveu que “a visita foi muito além do que poderia imaginar mesmo o mais ardoroso propugnador da superação de ultrapassados antagonismos e do lançamento de renovada aproximação”; e adiantando que “é cedo para considerar esta visita histórica, não há como negar que ela configura... uma quase revolução...”. Tratando-se de opinião do embaixador Roberto Abdenur, “a inevitabilidade de uma nova parceria” é de ser considerada em sua inerente autoridade.

Para encerrar, já que comecei falando na gaucherie da escolha do Irã para sócio privilegiado do Brasil pelo ex-presidente Luiz Inácio, não posso silenciar sobre a nova e nítida orientação de sua sucessora, exatamente em assunto envolvendo aquele país.

*Jurista, ministro aposentado do STF

FONTE: ZERO HORA (RS)

Os dois lados da glória lulista:: César Felício

Produziu certo alvoroço entre petistas nas redes sociais o longo artigo sobre Lula e o Brasil publicado nos últimos dias pelo historiador inglês Perry Anderson na "London Review of Books". Petistas atuantes no "twitter" chamaram a atenção ao artigo como se ele fosse uma chancela internacional ao ex-presidente, um sinal de reconhecimento acadêmico do exterior ao ineditismo e à excelência do ex-sindicalista como governante. Algo muito apropriado para a semana em que Lula se tornará doutor em Coimbra.

Um dos expoentes da escola britânica marxista e hoje professor na UCLA, na Califórnia, Anderson de fato coloca Lula em um alto pedestal no artigo singelamente chamado de "Lula"s Brazil". A leitura completa do texto mostra, contudo, que Anderson passou a uma distância muito grande da realização de um panegírico.

Marxista britânico elogia Lula, mas relativiza êxitos

O autor inicia afirmando que "por qualquer critério que se analise, Lula é o mais bem sucedido político de seu tempo". Isto, segundo Anderson em razão de "um conjunto excepcional de qualidades pessoais, uma mistura de sensibilidade social acolhedora e um cálculo político frio, para não falar de seu bom humor e de seu charme pessoal". E o símbolo mais evidente do sucesso seria o fato de Lula ter conseguido a rara façanha em regimes democráticos de terminar a sua administração com mais popularidade do que no momento que entrou. É realmente uma soma de adjetivos elogiosos que poucos acadêmicos no Brasil ousariam enfileirar em um artigo para uma revista erudita.

Mas Anderson dedica um generoso espaço a analisar em seu artigo os piores momentos do lulismo. O historiador assume como um dado factual a existência de um esquema mensal de propinas a políticos, o chamado "mensalão", que provocou a crise política de 2005. Anderson não procura negar a existência do "mensalão", como faz Lula, mas apenas busca colocá-lo em uma perspectiva histórica.

Relata que a corrupção é disseminada no sistema político brasileiro e uma evidência disso seria o fato de cerca de um quarto do Congresso sofrer acusações judiciais no final do segundo mandato do ex-presidente. Ressalta que as eleições no Brasil, em proporção com a renda do País, são as mais dispendiosas do continente. Lembra que a força de Lula nas urnas não era proporcional ao tamanho da base governista no parlamento. Comenta que o então ministro José Dirceu queria estabelecer uma aliança com o PMDB, mas que Lula preferiu pactuar com partidos pequenos. "O mensalão, ou o pagamento mensal de propina, foi concebido para eles", afirma Anderson, que se arrisca a uma avaliação: " em termos financeiros, a corrupção da qual o PT se beneficiou e presidiu foi provavelmente mais sistemática do que qualquer uma que a tenha precedido".

O historiador relembra que Lula só não sofreu um pedido de impeachment porque Fernando Henrique e José Serra avaliaram que o PSDB poderia ter sucesso nas urnas se enfrentasse um Lula enfraquecido em 2006. "Raras vezes na história houve um cálculo político tão equivocado", comenta.

Anderson matiza o alcance social e político das mudanças que teriam sido desencadeadas na era Lula, ao traçar a diferença entre o ex-presidente e Getúlio Vargas: "no poder, Lula não mobilizou nem incorporou o eleitorado que o aclamou. Não houve novas estruturas que deram forma à participação popular. A assinatura de seu mando foi a desmobilização. Os sindicatos organizavam mais de 30% da força de trabalho formal nos anos 80, hoje é 17%. Este declínio o procedeu, mas ele não o alterou", assinala. Considera também que as loas à criação de uma "nova classe média" repousam no que chamou de um "artifício de categorização, no qual não se considera pobre famílias que chegam a receber menos de US$ 7 mil por ano, ao contrário do que ocorre em outros lugares". Anderson questiona até mesmo a redução da desigualdade de renda durante o período de Lula. "Esta crença deve ser vista com ceticismo", afirma, citando duas razões: os dados estatísticos não conseguem distinguir a faixa dos "super-ricos" do topo da pirâmide social e sub-avaliam os ganhos de capital da parcela investidora da população.

Na parte final do artigo, Anderson discorre sobre as diferenças de análise dos dois principais estudiosos do lulismo, o ex-porta-voz da presidência André Singer e o sociólogo Chico de Oliveira e chama a atenção para o relativo emudecimento do PT sobre a polêmica entre ambos. "O PT virou uma máquina de gerar votos, mas perdeu suas asas intelectuais", observa.

O saldo geral da avaliação de Anderson sobre os oito anos de Lula é evidentemente positivo. Não apenas pelos atributos pessoais citados pelo autor logo no início, mas pela capacidade do Brasil de ter atravessado de maneira relativamente indolor a maior crise econômica global desde 1929. Destaca que sua legado histórico se amplificou no momento em que evitou a moderação e radicalizou suas políticas. Evita compará-lo a Perón ou Chávez e o aproxima de Roosevelt e Mandela. Mas o autor de amplos estudos da evolução histórica como "Linhagens do Estado Absolutista", sobretudo com orientação marxista que tem, jamais deixaria de relativizar o êxito de um líder político face às condições que propiciaram seu protagonismo.

César Felício é correspondente em Belo Horizonte. O titular da coluna, Luiz Werneck Vianna, não escreve hoje excepcionalmente

FONTE: VALOR ECONÔMICO

A democracia supletiva :: Gaudêncio Torquato

O poder das coisas suplanta o poder das ideias. A hipótese pode parecer um disparate. Inserida, porém, no bojo da sociedade contemporânea - emoldurada pela expansão econômica, despolitização, pelo esfacelamento de doutrinas, luta por interesses setoriais e grupais, administração de coisas materiais -, começa a ganhar sentido. O território da política é o que mais sofre os efeitos dessa nova ordem. E a razão é a crise que assola o modelo de representação. O declínio dos partidos corrói a imagem dos mandatários e faz nascer múltiplos aglomerados, os quais, por sua vez, procuram substituir a esmorecida instituição política. E por que esta definha? Porque a democracia deixou de cumprir seus compromissos para com a sociedade, como ensina Norberto Bobbio. A descrença no sistema representativo faz emergir polos de agregação e contestação fora do Parlamento. Nesse vácuo desponta uma nova designação na fisionomia das nações democráticas: democracia supletiva. A expressão, adotada pelo sociólogo Roger-Gérard Schwartzenberg e que indica a existência de uma subestrutura em auxílio à democracia representativa, cobre a constelação de entidades que fazem micropolítica, a política do varejo, das pequenas coisas.

Como se avalia a força desse fenômeno entre nós? Pela composição da organicidade social. Tanto sob a dimensão vertical (classes sociais, grupos e categorias profissionais) quanto sob o prisma horizontal/espacial (regiões centrais e periféricas), espraia-se vigorosa onda formada por entidades focadas na intermediação de interesses: associações, sindicatos, federações, clubes, núcleos, movimentos, etc. Na esfera das nações, o Brasil desponta com um vasto território coberto pela democracia supletiva. Dispomos de uma rica moldura de entidades. Algumas instâncias são bem aparelhadas, a mostrar grupos atuantes, seja nas retaguardas corporativas - defesa de interesses de setores negociais -, seja na vanguarda da cidadania, que abriga o debate sobre temáticas coletivas, como sustentabilidade, igualdade de gêneros, luta contra as drogas, proteção da criança e do adolescente, segurança pública, entre outras. O que chama a atenção na teia organizativa é o poder de mobilização de certos núcleos, particularmente os que atuam na base da pirâmide social, hoje mais parecida com um losango. Temos, já, 101 milhões de brasileiros na classe média.

Sob esse olhar, surge a primeira observação: a massa laboral detém, hoje, maior poder de barganha e pressão do que o eixo empresarial. É patente o esmorecimento das tradicionais entidades empresariais, como Confederação Nacional da Indústria (CNI), federações de indústrias, associações comerciais e outras. No passado, definiam rumos da economia. Hoje, mais parecem leões desdentados. Cedem espaço às associações das cadeias produtivas, que, estas, sim, assumem funções políticas nas frentes institucionais. Já as bases laborais urbanas atingem o clímax de sua força, a partir do ciclo Lula e da legalização das centrais sindicais. Endinheiradas e prestigiadas, essas entidades dão o tom em múltiplos espaços da administração pública. Dirigem a orquestra das relações do trabalho. O capital praticamente não apita em matéria de política trabalhista. Os trabalhadores rurais, por sua vez, não dispõem de um sistema de interlocução tão contundente quanto o dos conglomerados urbanos. Sua imagem, ademais, é embaciada pela cor vermelha das bandeiras do Movimento dos Sem-Terra, que, mesmo desprestigiado, encampa a agenda rural. Já a representação empresarial do campo expressa discurso mais harmônico que a urbana. Sua imagem, porém, resvala pelo extremo conservadorismo.

Ainda na parte inferior da pirâmide/losango, formam-se as associações de bairros, que atuam de maneira pragmática na arena institucional, funcionando como extensões da representação política. As questões locais entram no menu servido aos políticos. Nesse vasto território, e até mais em cima, assumem destaque as vertentes religiosas, que, ao lado da defesa de crenças e dogmas, também começam a vestir cores políticas. Passam a entoar o canto geral dos anseios coletivos, como a defesa do meio ambiente, que, por sinal, é o tema deste ano da Campanha da Fraternidade, patrocinada pela Igreja Católica. Igrejas e credos desenvolvem, à sua maneira, a democracia supletiva. E saindo da base para o meio, expande-se a vasta cadeia organizativa sob a qual se abrigam profissionais liberais, habitantes do centro e do topo da pirâmide. Trata-se de uma rede corporativa com poder de persuasão e forte articulação junto às instituições políticas, posição que lhe garante escudo normativo. Mas a influência midiática dos polos centrais acaba se diluindo nos variados compartimentos que conduzem as demandas de cada grupamento.

O contingente jovem, que se retraiu após a mobilização dos caras-pintadas da era Collor, recomeça agora a se fazer presente nas ruas, sendo esta a boa novidade na paisagem de nossa democracia supletiva. O mais recente movimento dos jovens, em São Paulo, fazendo pressão contra o aumento da passagem de ônibus, aponta para o despertar de segmento considerado transcendental para a vivificação de nossa democracia. Eventuais mobilizações que ocorrem no território são motivadas, porém, menos em defesa de ideários e mais por proteção ao bolso. Os jovens continuam apartados da esfera de participação política.

Por último, ressaltam as correntes que se formam em defesa da igualdade de gêneros e raças, algumas responsáveis pelas maiores concentrações de massa no País, como a Parada Gay de São Paulo.

Nossa democracia supletiva tende a se expandir, no bojo da conscientização social, da expansão econômica, da melhoria de padrões de vida e do declínio dos mecanismos clássicos da política, como doutrinas, partidos, Parlamentos e oposições. A perspectiva é alvissareira. Afinal, esse é o oxigênio que vivifica todos os poros do corpo social.

Jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO (27/3/2011)

O que pensa a mídia

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Fraudes no Saúde da Família

Os cadastros do Programa Saúde da Família estão sendo fraudados para justificar repasse de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) referentes a serviços não realizados. Um dos médicos, por exemplo, teria que trabalhar 34 horas por dia, sete dias por semana, em cidades de Piauí e Maranhão, para cumprir a carga horária prevista.

Atendimento só no papel

FRAUDES NO SUS

Cadastro do Programa Saúde da Família é inflado e governo paga por serviço inexistente

Roberto Maltchik

Além dos desvios milionários, o Sistema Único de Saúde (SUS) é corrompido por informações falsas em seus cadastros, que permitem a médicos manter o credenciamento em até 17 unidades de saúde, e abrem brechas para o comércio de CPFs com o objetivo de burlar as regras do Programa Saúde da Família (PSF). As irregularidades prosperam no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde e suas consequências ficam explícitas em relatórios do próprio governo. Segundo a Controladoria Geral da União (CGU), em mais de 40% dos municípios, as equipes de saúde da família não cumprem a carga horária. Em 36,5% das 982 cidades fiscalizadas de 2004 a 2009 o atendimento foi considerado deficiente.

Nos cadastros do SUS, o psiquiatra Klecius Ramos Mota, de Cocal (PI), é onipresente. Ele tem 17 vínculos, dos quais 16 seriam com o SUS em duas cidades do Piauí e um no Maranhão. Assim, sua carga de trabalho semanal chegaria a 34,14 horas diárias, sete dias por semana. Já o médico Antônio Nivardo Vieira trabalharia 21,7 horas diariamente, com seus 13 vínculos e 152 horas de trabalho semanais.

Médico denuncia fraude em cadastro

O que liga esses dois profissionais são os vínculos de 40 horas semanais com o Hospital Regional de Araioses, no Maranhão. Nivardo diz que há oito anos não pisa na unidade, apesar de o cadastro ter sido atualizado pelo município no último dia 17. Segundo ele, trata-se de um jogo de Araioses para ganhar mais dinheiro do SUS:

- Quando é para renovar o cadastro junto ao SUS, eles têm que ter a equipe para poder apresentar. Aí, usam indevidamente o nome da gente para fazer esse tipo de coisa. Meu nome também aparecia lá na Apae de Magalhães de Almeida (MA), mas nunca fui lá - diz o cirurgião, que hoje se dedica à clínica particular e atende na Unidade Básica de Saúde de Cocal (40 horas) e em outras duas unidades.

O médico aponta a indiferença do Ministério da Saúde:

- Há uns dois anos, telefonei para o ministério em Brasília para denunciar isso; eles se prontificaram a tomar providências, mas ficou só naquilo mesmo.

Como o Ministério da Saúde passou a suspender os repasses em que há duplicidade de integrantes das equipes de Saúde da Família, uma nova modalidade de fraude ganha corpo e está sendo investigada pelo Ministério Público no Piauí e no Maranhão. Médicos alugam ou pedem emprestado o CPF e o CRM de colegas para trabalhar em duas ou mais cidades. Só no Piauí, a fraude já foi detectada em São Miguel do Tapuio, Dom Expedito Lopes, Jardim do Mulato e Nossa Senhora dos Remédios. Em Nossa Senhora dos Remédios, são 17 casos confirmados por auditores do SUS: sete médicos, sete dentistas e três enfermeiros.

Em Tapuio, o Departamento de Auditoria do SUS (Denasus) cobra R$76,8 mil da prefeitura por pagamentos feitos a uma médica que declarou por escrito nunca ter trabalhado no Saúde da Família, muito menos ter recebido um centavo pelo serviço virtual.

- Temos médicos que cumprem uma carga horária de 40 horas no Programa Saúde da Família, mas vão uma vez por semana. Isso é dinheiro público desviado de sua finalidade - diz a coordenadora do Centro Operacional de Defesa da Saúde do Ministério Público do Piauí, Cláudia Seabra.

Em Picos (PI), onde nem os auditores sabem onde foram parar 40% de todo dinheiro repassado pelo SUS, como o GLOBO mostrou ontem, o superlotado e endividado Hospital Regional Justino Luz é uma fábula de médicos e equipamentos. Para o CNES, a unidade conta com onze leitos de UTI e 123 médicos. Nada disso é verdade.

- UTI? De jeito nenhum! Em toda história desse hospital não passaram 123 médicos aqui - diz Valdeci Leite Barros, a diretora do Justino Luz.

Nos dados oficiais, cobertura é boa

Na verdade, de 63 médicos, 16 estão afastados pelos mais diversos motivos. Enquanto a reportagem percorria o hospital, uma vítima de acidente de trânsito sangrava sem atendimento na recepção há mais de uma hora.

- Não tem médico. Parece que está no horário de almoço - informou a recepcionista.

Auditores do SUS ouvidos pelo GLOBO explicam que o maior dano é a maquiagem que os números inflados criam sobre a real situação da Saúde. No Hospital Geral de Picos - unidade privada que tem 100% dos atendimentos pelo SUS -, o banheiro parece em obras e a sujeira faz volume na antessala do centro cirúrgico. O CNES identifica 30 médicos atendendo pelo SUS e 14 funcionários. O que se viu foram dezenas de pacientes atirados em quartos escuros, sem nenhum equipamento, e só um médico consultando.

- No máximo, oito médicos atendem por aqui - contabiliza a auxiliar de enfermagem.

Os dados oficiais comprovam a existência do SUS virtual. Em Picos, a diretora do Hospital Justino Luz afirma que atende febre e dor de dente, e que o Saúde da Família "é precário, quase não existe". Mas o Departamento de Atenção Básica (DAB) do Ministério da Saúde contabiliza 100% da população atendida pelo Saúde da Família.

No estado do Piauí, o DAB contabiliza cobertura de 97,39% da população pelo Programa de Saúde da Família e 99,87% pelos Agentes Comunitários de Saúde. Entretanto, os indicadores do Pacto pela Saúde de 2010 mostram que apenas 86,75% da população estão registrados na Estratégia de Saúde da Família. A meta do ano passado era alcançar 94% de cobertura.

O psiquiatra Klecius Mota admitiu que não trabalha em "vários desses hospitais" e que há casos de unidades onde jamais apareceu. Ele reconheceu que já sabia do problema, mas não se interessou em resolvê-lo. Ele repetiu a suspeita que hospitais corrompem o sistema para receber mais recursos do ministério. A Prefeitura de Picos e a direção do Hospital Regional de Araioses não se pronunciaram.
FONTE: O GLOBO

Partido do eu sozinho

Sem espaço em seus partidos, Kassab e Marina planejam futuro em novas siglas; voos solo têm pouca chance de êxito, afirma historiadora

Bernardo Mello Franco

SÃO PAULO - Em conflito com dirigentes de seus partidos, o prefeito Gilberto Kassab (ex-DEM) e a ex-presidenciável Marina Silva (PV) devem enfrentar dificuldades para alçar voo solo a bordo de novas legendas.

A criação de siglas sob medida para a dupla esbarra em futuros problemas como pouco tempo de TV e limitação de repasses do Fundo Partidário, dividido com base nas últimas eleições.

Ainda que abriguem políticos famosos, os partidos novos são tratados da mesma forma que os nanicos.

Isso significa que Marina poderia ser obrigada a disputar o Planalto em 2014 com menos de um minuto de propaganda na TV -no ano passado, os nanicos se espremeram em 55 segundos cada.

O argumento tem sido citado por "marineiros" contrários à ruptura com o PV.

Kassab, que já formalizou sua saída do DEM, dependeria de alianças com outras siglas para não "sumir" na sucessão do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

A missão vai esbarrar no esforço de tucanos e petistas para montar coligações em torno de seus candidatos.

A verba destinada pela Justiça Eleitoral a cada partido começaria em torno dos R$ 40 mil mensais, como mostrou reportagem publicada ontem na Folha.

Num quadro já congestionado por 27 legendas, a historiadora Marly Motta, do CPDoc da FGV (Fundação Getulio Vargas), vê pouco espaço para o lançamento de "partidos do eu sozinho".

"São aventuras com chance remota de sucesso. A política brasileira está institucionalizada. Num cenário estável como o atual, é muito difícil ser um outsider", avalia.

Kassab já deu o primeiro passo, mas depende da coleta de 490 mil assinaturas para registrar o PSD.

Marina articula a nova sigla como plano B, no caso de não conseguir destituir o presidente José Luiz Penna do comando dos verdes.

TERCEIRA VIA

Apesar das diferenças de perfil, os dois apresentam seus projetos sob o mesmo rótulo de "terceira via" e tentam evitar a personalização de suas plataformas.

Eleito à sombra do ex-governador José Serra (PSDB), o prefeito investiu na ressurreição da sigla histórica de Juscelino Kubitschek para dar uma imagem desenvolvimentista a seu partido.

A estratégia foi frustrada pela família do ex-presidente, que o acusou de usurpar a marca "JK" na internet.

A ex-senadora verde não fala abertamente na criação de uma nova legenda, mas já discutiu o plano em conversas com aliados, que descartam a hipótese de migração para outra sigla já existente.

Ainda sem sigla definida, seu "PV do B" é encampado pelo Movimento Marina Silva, mas ela afirma não ser líder da dissidência verde.

"Não existe essa história de grupo da Marina", disse, na última sexta-feira.

Para Marly Motta, uma possível ruptura provocaria danos tanto à ex-presidenciável quanto à legenda.

"Os dois podem estar se preparando para dar um tiro no pé. O PV depende de Marina, mas ela também se beneficiou da imagem do partido na campanha", avalia.

Kassab, por sua vez, aposta num projeto sem bandeiras ideológicas definidas. O manifesto do novo PSD defende ideias genéricas como o direito à propriedade e a justiça social.

"Ele não é um político carismático como Leonel Brizola, que criou o PDT em torno de seu nome. É uma estratégia bastante arriscada", afirma a historiadora.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Repasse federal a municípios e Estados cresce com eleição

No ano da eleição da presidente Dilma Rousseff, o governo federal acelerou a liberação de verbas livres de obrigação constitucional para Estados e municípios. A distribuição de recursos cresceu 51% ante 2009 em termos reais, descontada a inflação, e atingiu R$ 13,9 bilhões.

Na eleição de Dilma, governo acelerou liberação de verbas a cidades e Estados

Julia Duailibi e Daniel Bramatti

O governo federal acelerou o ritmo de liberação de verbas livres de obrigação constitucional para Estados e municípios em 2010, ano em que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ser "prioridade" eleger Dilma Rousseff (PT) sua sucessora no Palácio do Planalto. Em relação a 2009, a distribuição de recursos cresceu 51% em termos reais, descontada a inflação.

No ano da eleição, o governo federal enviou para os governos estaduais e municipais cerca de R$ 13,9 bilhões como transferências voluntárias. Em 2009, esse repasse foi de R$ 9,2 bilhões.

As transferências voluntárias são recursos repassados pela União a Estados, municípios e entidades sem fins lucrativos, que podem ser usados para realização de obras ou na prestação de serviços. Esse dinheiro é repassado geralmente por meio de convênios ou acordos e não segue nenhuma determinação constitucional. É, portanto, recurso que pode ser distribuído de acordo com critérios escolhidos pelo próprio governo.

Os dados constam de um estudo inédito feito pela entidade Contas Abertas, que será divulgado na quarta-feira no seminário "Políticas Públicas: Vetores Políticos", organizado pela Fundap (Fundação do Desenvolvimento Administrativo), ligada ao governo paulista, Os números usados no levantamento são oficiais e estão no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal).

Nos três anos anteriores a 2010, não houve crescimento significativo nas transferências voluntárias do governo federal para os Estados e os municípios.

Em 2007, por exemplo, o primeiro ano do segundo mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governo federal mandou para os governos estaduais e municipais R$ 8,9 bilhões. Foi exatamente o mesmo valor enviado no ano eleitoral de 2006, quando Lula foi reeleito.

No ano seguinte, 2008, as transferências voluntárias chegaram a apresentar uma queda nos repasses. Atingiram R$ 8,6 bilhões, em termos reais.

O crescimento nos repasses voltou em 2009, ano em que o governo alegou ter aumentado os gastos para produzir uma política anticíclica, diante da estagnação econômica provocada pela crise mundial. O crescimento, no entanto, passou dos R$ 8,6 bilhões transferidos em 2008 para R$ 9,2 bilhões, uma variação, em termos reais, de quase 7%.

No ano passado, quando houve eleição presidencial, os repasses alcançaram R$ 13, 9 bilhões. Somados às Transferências a Instituições Privadas sem Fins Lucrativos, os repasses em 2010 chegaram a R$ 16 bilhões, mais do que os R$ 10,5 bilhões liquidados no PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

"As transferências voluntárias são recursos que o governo federal aplica em áreas que precisa de apoio ou estímulo. Mas há distorções em período eleitoral. Quando mapeamos os recursos, vemos direcionamento para a base aliada, para sustentação política e etc. O que era exceção acaba virando regra", disse José Matias Pereira, professor de administração pública da UnB (Universidade de Brasília).

Em todas as regiões do País, houve aumento das transferências voluntárias para Estados e municípios em 2010 em comparação com 2009. A divisão dos recursos por região mostra ainda que o Nordeste foi o local mais contemplado. Estados e municípios da região obtiveram R$ 6,3 bilhões em 2010, 65% a mais que os R$ 3,8 bilhões no ano anterior. Foi no Nordeste que a presidente Dilma teve o seu melhor desempenho eleitoral, ao vencer em todos os Estados: 18,7 milhões de votos contra 7,7 milhões do então adversário José Serra (PSDB). Para o Sudeste, foram liberados R$ 3,6 bilhões no ano passado. Em 2009, distribuiu-se R$ 2,2 bilhões.

A discussão em torno dos gastos públicos foi colocada pelos adversários do PT no ano passado. Candidata, Dilma não admitiu durante a campanha ser necessário um ajuste fiscal nas contas públicas. Ao assumir o governo, no entanto, propôs uma "consolidação fiscal", que é o corte de R$ 50 bilhões no orçamento da União. A legislação proíbe as transferências voluntárias nos três meses que antecedem a eleição. Há, no entanto, aceleração no repasse de recursos no começo de ano eleitoral. A lei também permite que as transferências sejam feitas quando uma obra já foi contratada e apresenta cronograma pré-fixado.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O PSD, de JK a GG

José Roberto de Toledo

Na política brasileira, quase tudo que se recicla se degrada. De Kubitschek a Kassab, o PSD é mais um na longa lista de siglas repaginadas para confundir o eleitor e vender raposa por cordeiro.

O prefeito da cidade de São Paulo foi pego numa mentirinha para alavancar seu novo partido. Disse que conversara com a filha do presidente Juscelino Kubitschek sobre batizar a fundação partidária com o nome do pai dela. Maria Estela Kubitschek desdisse Gilberto Kassab e ameaçou processá-lo.

É bom desencorajar o prefeito antes que ele mude a letra do primeiro nome para tomar emprestada também a sigla presidencial. Assim como Muamar Kadafi tem mil grafias, haverá sempre um especialista disposto a provar que, em árabe, Gilberto se escreve com "J".

O único problema é que haverá outros dizendo que Kassab é, na verdade, Gassab (afinal, Kadafi pode ser Gaddafi). E aí, em vez de JK, o prefeito viraria GG.

Ele não é o único às voltas com palavras cruzadas. A senadora Marina Silva trocou o PT pelo PV para disputar a Presidência da República . Agora, descobriu que o verde do partido vem da cor que ficam os filiados ao tentarem desalojar alguns aprendizes de Mubarak da cúpula do PV. Abriu uma dissidência.

O grupo marinista tem até nome: Transição Democrática. Transição para quê? Para um novo partido, pelo jeito. Não seria surpresa. É da tradição brasileira.

Aqui, partido tem dono. Eles se eternizam no poder asfixiando a concorrência interna. Fecham as brechas que poderiam arejar as estruturas partidárias. Vedam o acesso a cargos, a vagas nas chapas eleitorais e aos cofres da agremiação.

Quando um político de expressão se vê sem espaço na legenda que o abriga, ele joga as letras da sigla partidária no liquidificador e sai com uma nova combinação. Vide o PSDB que brotou do PMDB.

Franco Montoro, Mario Covas e Fernando Henrique Cardoso estavam emparedados por Orestes Quércia em São Paulo. Da crise local surgiu um novo partido nacional. Foram-se os caciques, mas ficaram os índios, hoje confederados.

Num país em que a maioria da população prefere nenhum partido (57%, no mais recente Datafolha), os políticos brasileiros têm uma estranha fixação pelos nomes das legendas passadas. Como se letras se transubstanciassem em votos.

Ao fim da ditadura, Leonel Brizola brigou pelo legado político-eleitoral de Getúlio Vargas encarnado na sigla PTB. Derrotado, fundou uma variação sobre o tema, o PDT. O novo PTB ficou com Ivete Vargas e, após sua morte, deu no que deu.

Finados. Kassab e o vice-governador paulista Afif Domingos estão interessados em outra herança do período Vargas, o conceito de linha auxiliar.

Os dois compartilham mais do que o comando do novo PSD e a carteirinha da Associação Comercial de São Paulo. São experientes em dissidência partidária. Participaram do finado PL, que se ramificou de outro defunto, o PFL.

Desencantada com os dividendos eleitorais do "liberalismo" de fachada partidária, a dupla voltou-se para o apelo do mito "democrata" no DEM e, agora, no PSD - um partido ideológico, nascido para agradar dilmistas e tucanos.

Com a popularidade do prefeito em queda (saldo negativo de 14 pontos no Datafolha) e a previsão de chuvas abundantes em São Paulo (leiam-se inundações), é desafiador imaginar qual "sex appeal" tem atraído políticos para a nova legenda.

A Prefeitura de São Paulo tem o terceiro maior orçamento público do País, mas será só isso? "Tudo isso", responderão os cínicos. "Nada disso", dirão os crédulos, "É o carisma de GG (ou GK)".

Status. Virar sigla ou ser conhecido pelo primeiro nome na política brasileira é uma ambição perseguida por candidatos e seus marqueteiros em toda eleição. Desde 2000 Alckmin luta para virar Geraldo. Serra tentou ser Zé em 2010, sem sucesso.

Uns mimetizam Getúlio, Jango, Lula (apelidos que viraram marca). Outros aspiram a JK, ACM, FHC. Mas esse status não se fabrica, se conquista.

Enquanto homens suam para ter intimidade com o eleitor e serem conhecidos pelo primeiro nome, as mulheres ganham o prenome de guerra sem esforço. São chamadas apenas assim na machista política brasileira. Dilma é "presidente Rousseff" só na boca do líder americano Barack Obama.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Voto de confiança

De todas as propostas para a reforma política, a melhor é a adoção do voto distrital. Um movimento da• sociedade civil fará força para tirá-la do papel

Laura Diniz

A política brasileira vive um tempo de sombras. Poucas vezes o interesse da população e o de seus representantes estiveram tão dissociados. No cerne dessa crise de representatividade está o sistema eleito•al usado no Brasil. Ele é tão complexo injusto que faz com que um eleitor vote em determinado candidato mas ajude a eleger outro. Enterrar essa distorção bizarra é fundamental para resgatar a credibilidade da política. Uma grande oportunidade foi aberta: o Congresso decidiu discutir a realização de uma reforma política. A melhor ideia sobre a mesa é a adoção do voto distrital. Por esse sistema, usado na Inglaterra e nos Estados Unidos, entre outras nações do Primeiro Mundo, o país seria dividido em distritos, e cada um deles teria o direito de eleger um representante. Algumas vantagens: o custo das campanhas cairia dramaticamente, pois os candidatos disputariam votos em uma área delimitada, e o eleitor escolheria com mais clareza, já que em cada distrito haveria só um candidato por partido, e não centenas, como ocorre hoje. Por último, mas não menos essencial, o cidadão teria a oportunidade de fiscalizar de peno o trabalho de seu representante. A proposta é tão boa que surgiu um movimento na sociedade civil para apoiá-la. O "Eu Voto Distrital" pretende pressionar o Congresso a encampar a

ideia. "Colocamos um site no ar na semana passada (www.euvotodistrital. org.br) para colher assinaturas. Também vamos às ruas defender a proposta com abaixo-assinados. A meta é conseguir ao menos 5 milhões de apoiadores", diz Luiz Felipe d" Avila, presidente do Centro de Liderança Pública, que resolveu canalizar a aspiração dos cidadãos mais preocupados com os destinos da nação (leia arTigo em veja.com e na versão da revista para o iPad). Por enquanto, só o PSDB fechou questão em favor da proposta. Os adversários do sistema criaram alguns mitos sobre ele, que não se sustentam, como se verá a seguir.

MITO 1
Os deputados vão se transformar em vereadores de luxo, preocupados apenas com questões paroquiais

Argumenta-se que o sistema distrital levaria os políticos a prestar mais atenção no eleitorado de sua região do que nas questões nacionais. Mentira. Com o embate direto em cada distrito, os políticos terão de ter mais repertório para diferenciar-se uns dos outros. Além disso, seria brigar com a história dizer que um poli tico identificado com um distrito não tem cacife ou disposição para atuar em questões de

relevância nacional. O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é um exemplo: depois de ser vereador, prefeito e depurado estadual por Pindamonhangaba, sua terra natal, foi eleito depurado constituinte em 1986. "Participei ativamente da elaboração do Código de Defesa do Consumidor. Meus eleitores ficaram orgulhosos de ver um representante deles trabalhando num assunto tão relevante para o país",

Mito 2
O sistema para minorias.

Alguns temem que grupos minoritários que vivam dentro de um distrito fiquem sem representante. No Brasil, é um temor sem sentido. "Esse raciocínio só pode ser considerado quando há minorias permanentemente alijadas, como os sunitas, em alguns países árabes. Felizmente, não temos nada parecido", afirma o cientista político Amamy de Souza. Na prática, os candidatos de um distrito terão de buscar o apoio de todos os grupos de eleitores. se quiserem vencer - como fazem os prefeitos, por exemplo.

Mito 3
Dinastias locais serão eternizadas

Alega-se que, ao ser regionalizada a votação, os grupos locais de maior poder econômico e político se perpetuarão nos cargos por anos a fio. Mas é no sistema de hoje que o dinheiro faz mais diferença, porque os políticos precisam disputar votos em grandes territórios. Ao concentrarem a campanha em um distrito, os candidatos menos poderosos terão mais facilidade de chegar aos eleitores no corpo a corpo. Além disso, o sistema distrital fará surgir nas eleições parlamentares algo que atualmente só existe para disputas por cargos no Executivo: o voto estratégico_ "Se o eleitor não ficar satisfeito com a atuação de seu representante. na eleição seguinte poderá votar em outro candidato para impedir a reeleição do anteJior, algo impossível pelo atul sistema", explica o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Mito 4
Os partidos ficarão enfraquecidos

Outra afirmação desprovida de sentido é a de que o sistema"distrital personalizará tanto as disputas que debilitará os partidos políticos. Existe algo mais personalista do que o sistema de hoje, em que famosos da TV se elegem apenas por ter o rosto conhecido? O voto distrital forçará, isto sim, uma depuração dos partidos. Os nanicos não poderão mais se apoiar em coligações e muitos desaparecerão, aclarando o cenário politico. Diz José Serra (PSDB-SP), ex-governador de São é Paulo: "O nosso sistema eleitoral é o á mais individualista do mundo. Os candidatos de um mesmo partido disputam (- votos entre si. No sistema distrital, é toe do mundo solidário: você quer ver seu :r colega eleito no distrito vizinho".

Mito 5
Não haverá espaço para formuladores de ideias

Na atual legislatura na Câmara dos Deputados, apenas 36 dos 13 depurados se elegeram com votos próprios. O restante entrou graças a uma estrovenga chamada coeficiente eleitoral. Desses, quantos são grandes pensadores? E o que dizer dos 477 caronistas? Não é possível partir, portanto, do pressuposto de que o Brasil elegeu um time de cabeças brilhantes e não se deve alterar esse quadro. Atualmente, muitos candidatos monotemáticos conseguem se eleger. "Quando se tem centenas de concorrentes, você pode falar sozinho. Se houver um embate direto nos distritos, o candidato será obrigado a enfrentar questões de política nacional colocadas pelos concorrentes", explica o sociólogo Demétrio Magnoli. Em outras palavras, o sistema distrital politizará ainda mais o debate.

FONTE: REVISTA VEJA

Sob a lei maior

Gustavo Ribeiro

O Supremo considerou inconstitucional a aplicação da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010. Abriu caminho para a volta dos fichas-sujas, mas preservou o estado de direito

Na vida pública há 44 anos, o ex-governador Jader Barbalho vai tomar posse como senadorpela segunda vez. Acusado de desviar mais de 1 bilhão de reais dos cofres públicos, ele jáfoi algemado e preso pela Polícia Federal. No ano passado, Jader recebeu 1,8 milhão devotos e conquistou nas umas o novo mandato, mas foi impedido de assumir a vaga depoisda aprovação da chamada Lei da Ficha Limpa. Resultado de uma mobilização que reuniu1,6 milhão de assinaturas, a lei foi criada para impedir que políticos com pendências naJustiça participem da vida pública. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF)liberou a volta de Jader Barbalho e de uma leva de outros fichas-sujas ao cenário político. Por 6 votos a 5, a corte considerou inconstitucional a aplicação imediata da lei.

A decisão frustrou. por enquanto, mais uma bem-intencionada tentativa de moralizar os costumes políticos. Porém, por mais paradoxal que pareça, fortaleceu a democracia ao não permitir que anseios casuístas, mesmo que nobres, se sobrepusessem à Constituição. O Supremo Tribunal (em o dever de zelar pelo cumprimento da Carta Magna. A discussão sobre a validade da Lei da Ficha Limpa se estendeu por meses. Os votos de dez ministros já eram conhecidos desde o ano passado. Cinco defendiam a validade imediata da medida e outros cinco se posicionaram contra ela. A responsabilidade peja decisão ficou com o recém-empossado Luiz Puxo O ministro considerou que, para valer em 2010, a Lei da Ficha Limpa deveria ter sido aprovada um ano antes da eleição, ou seja, até setembro de 2009, o que não aconteceu. É isso que está escrito na Constituição. Apesar da decepção natural pelo triunfo temporário dos fichas sujas há aspectos mais relevantes da decisão a ser observados.

"Corremos o risco de abrir um perigoso precedente. Hitler e Mussolini também se basearam em alguns princípios éticos para justificar toda sorte de abuso", diz o ministro Gilmar Mendes. Além do voto, proibir pessoas desonestas de ocupar cargos públicos é, talvez, a única arma de que a sociedade dispõe para enfrentar a ganância de determinados políticos. "Mas isso deve ser feito rigorosamente dentro da lei", diz o filósofo Roberto Romano. Cabe aos juízes de instâncias inferiores a aplicação da legislação infraconstimcional. O papel do Supremo, nos seus melhores momentos, é garantir que a Constituição seja respeitada. Foi o que ocorreu na semana passada em Brasília.

FONTE: REVISTA VEJA

Mônica Salmaso - Insensatez

Elegia carioca :: Carlos Drumonnd de Andrade

Nesta cidade vivo há 40 anos

há 40 anos vivo esta cidade
a cidade me vive há 40 anos


Sou testemunha
cúmplice
objeto
triturado confuso agradecido nostálgico
Onde está, que fugiu, minha Avenida Rio Branco
espacial verdolenga baunilhada
eterna como éramos eternos
entre duas guerras próximas?
O Café Belas-Artes onde está?
E as francesas do bar do Palace Hotel
e os olhos de vermute que as despiam
no crepúsculo ouro-lilás de 34?


Estou rico de passarelas e vivências
túneis nos morros e cá dentro multiplicam-se
rumo a barras-além-da tijuca imperscrutáveis
Sou todo uma engenharia em movimento
já não tenho pernas: motor
ligado pifado recalcitrante
projeto
algarismo sigla perfuração
na cidade código


Onde estão Rodrigo, Aníbal e Manuel
Otávio, Eneida, Candinho, em que Galeão
Gastão espera o jato da Amazônia?
Marco encontros que não se realizam
na abolida José Olympio de Ouvidor
Ficou, é certo, a espelharia da Colombo
mas tenho que tomar café em pé
e só Ary preserva os ritos
da descuidada prosa companheira


Padeiros entregam a domicílio
o pão quentinho da alegria
o bonde leva amizades motorneiras
as casas de morar deixam-se morar
sem ambição de um dia se tornarem
tours d’ivoire entre barracos sórdidos
o rádio espalha no ar Carmem Miranda
a Câmara discursa
os maiôs revelam 50%
mas prometem bonificações sucessivas
O Brasil será redimido pelo socialismo utópico
Getúlio sorri, baforando o charutão
Rio diverso múltiplo
desordenado sob tantos planos
ordenadores desfigurados geniais
ferido nas encostas
poluído nas fontes e nas ondas


Rio onde viver é uma promissória sempre renovada
e o sol da praia paga nossas dívidas
de classe média
enquanto multidões penduradas nos trens elétricos
desfilam interminavelmente
na indistinção entre vida e morte
futebol e carnaval e vão caindo
pelo leito da estrada os morituros

Ser um contigo, ó cidade
é prêmio ou pena? Já nem sei
se te pranteio ou te agradeço
por este jantar de luz que me ofereces
e a ácida sobremesa de problemas
que comigo repartes
no incessante fazer-se, desfazer-se
que um Rio novo molda a cada instante
e a cada instante mata
um Rio amantiamado há 40 anos.