segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia - Dora Kramer:: Prática e fala.

O ex-presidente Lula afirmou recentemente que o ajuste nas contas públicas anunciado pela presidente Dilma será "quase tão forte" quanto o que ele promoveu em 2003, quando assumiu pela primeira vez a Presidência da República.

Considerando que o aperto de 2003 foi justificado pela "herança maldita" recebida do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, a conclusão óbvia é a de que Lula deixou para a sucessora uma herança tão maldita quanto a que assim qualificou ao recebê-la.

A propósito dos anunciados cortes de R$ 50 bilhões, registre-se declaração da então candidata Dilma Rousseff em setembro último, semanas antes das eleições.

"Com a economia visivelmente crescendo eu vou fazer ajuste para quê? De quem é esse pleito? Ao povo brasileiro não interessa. Tivemos de fazer ajuste em 2003 porque o Brasil estava quebrado. Agora não está quebrado", disse, a título de desmentido às notícias de possíveis cortes em seu governo, se eleita.

É a prática que desmente a fala.

KRAMER, Dora. Casa grande e senzala. O Estado de S. Paulo, 20/2/2011.

Mares nunca dantes navegados:: Luiz Werneck Vianna

Ainda não passados dois meses do seu governo, a presidente Dilma já navega em mares novos para os quais têm pouca serventia as rotas singradas por seu antecessor, por mais fiel que pretenda ser a ele. As grandes transformações que ora convulsionam o Magreb, se aprofundam no Egito e se irradiam pelo Oriente Médio, são a marca visível de uma mudança de época, apartando de modo irreparável o mundo tal como o conhecemos até então desse novo continente do qual nos aproximamos entre brumas, mas com fundadas esperanças. A democracia como valor universal, planta exótica de guetos de esquerda ocidentais, expressão de uma política de mudanças sociais contínuas, começa a encontrar, agora, no solo do Oriente, antes um santuário da tradição, terreno fértil para seu florescimento.

Nasce ali uma revolução da sociedade civil, em que a presença ativa da multidão, constituída por uma imensa rede subterrânea de organizações, em parte articulada via internet, intervém diretamente na luta por um estado democrático de direito, aí claramente compreendidos os direitos sociais. A força dos acontecimentos, que se sucedem em escala progressiva, sempre afirmando rumos democráticos, não permite, principalmente aos observadores estrangeiros a eles, previsões confiáveis sobre o seu desfecho. Contudo, a obra já feita, salvo para os militantes de um pessimismo mal intencionado, consiste em um indicativo de que a conclusão do processo em curso não deve se desviar do seu impulso original.

Foi a primeira queda de braços petista com o sindicalismo

Para a América Latina, e o Brasil em particular, o alcance dessas mudanças no cenário internacional não é de pouca monta. A Carta de 88, mais uma vez, se demonstra estar à altura dos desafios do nosso tempo, e, com ela e suas instituições, o país, igualmente situado na periferia do Ocidente desenvolvido, se encontra altamente credenciado para ampliar sua presença nas democracias que venham a emergir, como se espera, naquela região.

De outra parte, as lições que nos vêm do Oriente põem em evidência a natureza anacrônica das tendências, persistentes entre nós, de confiar ao Estado e às suas burocracias, à margem da sociedade civil e de suas organizações, o papel de condutores da modernização.

De que o mar por onde transita o governo Dilma não estava no mapa do governo anterior, mais uma prova está na atual controvérsia sobre o salário mínimo, e que levou um governo do PT, pela primeira vez em oito anos, a uma queda de braços com o sindicalismo. Nessa disputa, a derrota do sindicalismo não foi de natureza econômica - afinal, estavam em jogo apenas trinta moedinhas de 50 centavos, como alardeava um parlamentar de origem sindical -, mas política: o sindicalismo foi posto no seu lugar, fora do Estado, devolvido à cena mercantil. Restou-lhe, talvez por pouco tempo, uma posição combalida no Ministério do Trabalho. A racionalização da administração e da economia, para onde aponta a bússola de Dilma, não conhecerá, ao contrário do governo Lula, adversários internos.

Sem os sindicatos, uma das importantes peças de sustentação do modelo Lula de governar, suas demandas e os eventuais conflitos nelas envolvidos escapam, como se constatou, do interior do Estado para ganharem "as ruas e o parlamento", como anota um sindicalista. A esse movimento, provavelmente, devem se seguir outros, sobretudo os que gravitam em torno da questão agrária, como anunciam as controvérsias sobre o novo Código Florestal, ora tramitando no parlamento, que certamente não encontrarão uma solução consensual, provavelmente destinados a procurar o mesmo caminho.

Sob o governo Dilma, começa a ser aliviada, em nome da racionalização e da gestão eficiente, a carga pesada de conflitos com que Lula sobrecarregou seu governo e sua forma de Estado, tornada viável por sua política de contemplar a todos, mediante sua direta arbitragem pessoal. Assim, querendo ou não, Dilma é levada a abandonar a forma de Estado barroca, em uma regressão à era Vargas, que Lula adotou em seu segundo mandato, vindo a imprimir nele os traços simplificados de um Estado burguês moderno.

O sindicalismo desprendido do centro de decisões do Estado terá que aprender a fazer um caminho de volta, em que seu crescimento dependa da sua capacidade de acumular forças próprias em suas bases sociais e na sociedade civil. A política econômica está dito, e sacramentado por votação amplamente majoritária na Câmara Federal, não lhes diz respeito na qualidade de interlocutor institucional, como Lula insinuava que fossem. Ela deve obedecer, no governo Dilma-Palocci, à lógica sistêmica, e embora o Estado deva seguir no papel de dirigente quanto aos rumos da economia, tudo indica que estão contados os dias de capitalismo orientado.

Compelida a se ajustar ao mundo, diante de novas circunstâncias externas e internas, a ordem burguesa brasileira, lenta, mas progressivamente, ainda que lhe falte um projeto para tal, começa a cortar vínculos com seu passado e com o imaginário, centrado na estadofilia, expressão do cientista político José Murilo de Carvalho, que nele predominou. Em particular nas novas sendas que se abrem para uma maior projeção da sua sociedade civil, inclusive a que ora germina nos seus setores subalternos, do que pode ser um exemplo, entre tantos, os processos que se sucedem após a emancipação das favelas cariocas dos laços que a subordinavam à cultura da violência do crime organizado e aos setores do aparelho policial a ele associados. Se esta não é uma boa hora para os partidos, qual será?

Luiz Werneck Vianna é professor-pesquisador da PUC-Rio. Escreve às segundas-feiras.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Eles não ligam:: Ricardo Noblat

“Eu não tenho uma vírgula de discordância com Dilma e, quando tiver divergência, ela terá sempre razão” ( Lula)

Ou “A Casa com Propósito Especial” – por sinal jamais explicitado. Foi o último endereço do ex-czar de todas as Rússias, Nicolau Romanov, sua mulher e cinco filhos. Ali, em Ecaterimburgo, às portas da gélida Sibéria, os Romanov acabaram assassinados a tiros pelos bolcheviques na noite de 16 de julho de 1918.

Dias antes de ser morto, Nicolau reclamou da vedação completa das janelas da casa, o que o impedia de admirar a paisagem daquela que era a quinta maior cidade da Rússia. A reclamação deu origem ao “Comitê de Exame da Questão das Janelas na Casa com Propósito Especial”. Ao cabo, os camaradas permitiram a abertura de uma das janelas.

Essas informações foram extraídas do livro Os últimos dias dos Romanov, da escritora inglesa Helen Rappaport. Lançado há pouco no Brasil pela editora Record, é leitura obrigatória para quem se interessa pela reconstituição de crimes políticos famosos e cruéis.

De volta ao planalto central do País. É irresistível a tentação de pregar no Congresso o rótulo de “A Casa com Propósito Especial”. E de lembrar que nos anos 80, quando ouvia críticas aos seus pares, o deputado Ulysses Guimarães, então presidente do PMDB, respondia com graça: “É porque vocês ainda não viram o próximo Congresso”.

A perda de qualidade do Congresso é evidente – basta comparar as biografias dos seus ocupantes e o número de escândalos que protagonizam. E o que é mais notável: a deterioração se dá apesar do aumento do grau de organização e de consciência política da sociedade. Contraditório, pois não. Mas só aparentemente.

Temos o melhor e o mais rápido sistema de apuração de votos. E o pior sistema eleitoral. Refiro-me às normas que regulam as eleições. Por que voto no candidato fulano de tal do PT, por exemplo, e ajudo a eleger sicrano do minúsculo e desconhecido PMN? A regra que permite isso é boa?

Em 2008, PT e DEM se aliaram para disputar eleições em pouco mais de 30% dos municípios. O que o PT tem a ver com o DEM e vice-versa? Por que podem estar juntos concorrendo a prefeituras quando jamais estiveram ou estarão juntos para concorrer à Presidência da República?

O que você acha de um sistema capaz de permitir a eleição de sem-votos desde que haja no partido deles um campeão de votos? Foi o que aconteceu em 2002 quando Enéas Carneiro, do Prona, obteve votos suficientes para se eleger deputado federal por São Paulo e eleger mais cinco colegas – um deles contemplado apenas com 275 votos.

O Brasil é o único país do mundo onde vigora o sistema proporcional de votos com lista aberta e coligações. E sem cláusula de barreira para impedir que partidos com rarefeita presença nacional possam dispor de representantes no Congresso. Como dar conta de estar informado sobre 22 partidos para poder votar conscientemente?

Um sistema com tais defeitos facilita a corrupção e o abuso do poder econômico. Na eleição presidencial de 2002, o PT pagou R$ 6 milhões para que o PL apoiasse a candidatura de Lula. O apoio rendeu a Lula mais tempo de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. E era o que importava.

O voto de opinião desapareceu. Quantos parlamentares, hoje, podem afirmar com segurança que foram eleitos apenas com os votos dos que se identificam com sua trajetória e pontos de vista? Sem muito dinheiro para comprar o apoio de cabos eleitorais, prefeitos e vereadores ninguém chega à Câmara dos Deputados.

Mais de 80% dos brasileiros dizem rejeitar a política e os políticos. Mas como são obrigados a votar de acordo com as regras existentes, elegem um bando de desonestos que irrompem na Câmara e nas Assembleias Legislativas movidos por um propósito muito especial – o de enriquecerem. E enriquecem.

A palavra de ordem do bando foi ditada em 2009 pelo deputado federal Sérgio Moraes (PTB-RS): “Estou me lixando para a opinião pública”. No ano passado, ele se reelegeu.

FONTE: O GLOBO

A oposição se enfurnou:: Fernando de Barros e Silva

Quem faz oposição no Brasil costuma ter vida dura. Sobretudo em início de mandato, diante de um Executivo forte. Assistimos, na semana que passou, à exibição do rolo compressor governista no Congresso durante a votação do salário mínimo. Mas não é só a brutal inferioridade numérica ou a dificuldade de se reunir em torno de uma fala alternativa consistente o que atrapalha a oposição.

Veja, leitor, essa história, ainda mal contada e muito ilustrativa da política nacional: há duas ou três semanas surgiu no PSDB a iniciativa de fazer (ou tentar fazer) uma CPI de Furnas. Seria uma forma de explorar as insatisfações na base governista, na esteira das chantagens do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que havia ameaçado jogar os segredos da estatal no ventilador se perdesse o poder de influ-ência (e outros mais) que tinha ali.

Tucanos começaram, então, a recolher assinaturas no Congresso. Até que um grupo também de tucanos mandou abafar o caso. Melhor não mexer nesse assunto. Interrompeu-se assim, no meio do caminho, a coleta de assinaturas. Um requerimento de informações à Polícia Federal também foi abortado.

A CPI seria improvável de qualquer forma. Apesar dos inimigos de Cunha no PT e no PMDB, o governo hoje teria totais condições de impedir que o assunto saísse de controle. O ponto, no entanto, não é esse.

Gente no PSDB de Minas, sobretudo, teme as consequências de uma CPI. A oposição, mais do que se ver impotente diante da máquina de guerra de Dilma, mostra-se, no caso, refém de si mesma.

A capivara envolvendo Furnas é antiga, extensa e multipartidária. Os rolos com a estatal entram e somem do noticiário de tempos em tempos, sem que ninguém se empenhe, de fato, para passar a roubança em revista.

O episódio em questão é vexaminoso para o tucanato. Ele serve para informar o que o país pode esperar da oposição. E também o que ela espera de si mesma.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O Protocolo Adicional::José Goldemberg

Há 35 anos, pelo menos, se discute no Brasil o interesse do País em manter aberta a opção de produzir armas nucleares. O jornalista Elio Gaspari, em seu livro A Ditadura Encurralada, descreve o que ocorreu na 2.ª Reunião do Alto Comando das Forças Armadas, em 20 de junho de 1975, sob a Presidência do recém-empossado general Ernesto Geisel. O presidente comunicou que o acordo Brasil-Alemanha para a instalação no País de oito grandes reatores nucleares e transferência da tecnologia nuclear estava muito adiantado e esclareceu: "Eu não estou dizendo que o propósito do governo seja este, de procurar fazer arma nuclear, mas nós temos que nos preparar, tecnologicamente, etc., e ficarmos em condições de podermos prosseguir nesse caminho, conforme as circunstâncias".

Na época o Brasil não havia assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de 1968, pelo qual os países que ainda não dispunham de armas nucleares se comprometiam a não desenvolvê-las, "congelando" uma situação em que só os "cinco grandes" - Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra, França e China - as possuíam.

Esse tratado pode parecer discriminatório, mas impediu a proliferação nuclear durante várias décadas. O presidente Kennedy, na década de 1960, acreditava que no fim do século mais de 20 países possuiriam armas nucleares e que essas armas seriam usadas em conflitos regionais com o risco de provocar uma conflagração mundial.

Para os "cinco grandes", a posse das armas nucleares desencorajou ataques nucleares preventivos em razão do temor da retaliação. Bem ou mal, essa visão impediu uma guerra nuclear entre as grandes potências e, com o fim da "guerra fria", as grandes potências reduziram progressivamente seus arsenais nucleares. O último acordo entre os Estados Unidos e a Rússia, recentemente aprovado pelos dois países, reduziu o arsenal nuclear americano de dezenas de milhares de ogivas para pouco mais de mil. O objetivo final desses acordos é, nas palavras do presidente Obama, "um mundo sem armas nucleares".

Índia, Paquistão, África do Sul e Coreia do Norte desenvolveram armas nucleares, mas é de notar que esses países o fizeram porque a sua própria existência como nação estava ameaçada. A África do Sul, após o fim do apartheid, desmantelou seu programa nuclear.

É, portanto, o caso de perguntar qual a justificativa para o Brasil manter aberta, em 1975, a opção nuclear. O País não enfrentava problemas de sobrevivência nacional. A posse de armas nucleares certamente atrairia a atenção das grandes potências, que manteriam apontados para nós mísseis intercontinentais. Mais ainda, de que serviriam armas nucleares, sem foguetes de grande alcance para transportá-los? Elas nos protegeriam de quem? Da Argentina?

Não havia, de fato, nenhuma justificativa racional, exceto os sonhos de grandeza de alguns civis e militares mais exaltados. Apesar disso, o governo brasileiro, mesmo após o fim do regime militar, prosseguiu acalentando ambições nucleares com programas nucleares "paralelos" conduzidos pelas Forças Armadas, que só foram enfrentados firmemente pelo presidente Collor, em 1991, que compreendeu que não seriam armas nucleares que tornariam o Brasil uma grande potência, mas sim a solução dos problemas de subdesenvolvimento do País.

O acordo com a Argentina, que criou a Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC), assinado na ocasião, introduziu inspeções mútuas de especialistas dos dois países na área nuclear e abriu caminho para que em 1994 o Brasil se tornasse signatário do TNP. Na prática, essas medidas restabeleceram a credibilidade internacional de que os dois países não estariam procurando desenvolver armas nucleares.

Ainda assim, persistem hoje no País - e dentro do governo - vozes influentes que tentam ressuscitar programas para produção de armas. O próprio vice-presidente da República e alguns ministros do governo Lula manifestaram essas intenções, sem que o presidente, em nenhum momento, os tenha desautorizado. Mais ainda, o governo se recusou a assinar o Protocolo Adicional da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que abre caminho para a fiscalização de todas as instalações nucleares do País (mesmo as "não declaradas"). Atualmente, a agência internacional só tem autorização de inspecionar as instalações nucelares declaradas.

Argumentar que essas inspeções violam a soberania nacional estimula a agência a suspeitar de que elas existam mesmo, o que é precisamente o que está ocorrendo no Irã e que já motivou a série de sanções que o Conselho de Segurança aplicou àquele país. Há muitas formas de exercer soberania nacional, e essa não é a melhor delas. Em outras áreas, inspeções internacionais são corriqueiras, e o Brasil não estaria exportando carne para a Europa se não permitisse, em nome da soberania nacional, inspeções sanitárias.

A principal razão alegada para se recusar a assinar o Protocolo Adicional é que o Brasil exporia segredos industriais no processo de enriquecimento de urânio que foi desenvolvido no País, mas esse argumento não tem bases técnicas sérias. Os inspetores da AIEA não são espiões, mas sua missão é se certificar de que atividades nucleares que levem à produção de armas nucleares sejam detectadas a tempo. A grande maioria dos demais países signatários do TNP aceita as inspeções.

O TNP não impede que se continue a enriquecer urânio para abastecer reatores nucleares, se esse enriquecimento se destinar apenas à produção de energia elétrica, ou seja, a uma porcentagem inferior a 20%. E isso já está ocorrendo na usina de enriquecimento de urânio em Resende, que está sob fiscalização tanto da ABACC quanto da Agência Internacional de Energia Nuclear.

Assinar o Protocolo Adicional não limitará atividades nucleares para produção de energia no País.

Professor da USP

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

História feita pelo povo:: Mario Vargas Llosa

O movimento popular que sacudiu países como Tunísia, Egito e Iêmen e cujas réplicas chegaram a Argélia, Marrocos e Jordânia é o mais completo desmentido de quem, como Thomas Carlyle, acredita que "A história do mundo é a biografia dos grandes homens".

Nenhum caudilho, grupo ou partido político pode se atribuir esse levante social sísmico que já decapitou as satrapias tunisiana de Ben Ali e egípcia de Hosni Mubarak, colocou à beira do colapso a iemenita de Ali Abdullah Saleh, e provoca calafrios nos governos dos países onde a onda convulsiva chegou mais fraca como na Síria, Jordânia, Argélia, Marrocos e Arábia Saudita.

É óbvio que ninguém podia prever o que ocorreu nas sociedades autoritárias árabes e que o mundo inteiro e, em especial, os analistas, a imprensa, as chancelarias e centros de estudos políticos ocidentais ficaram tão surpresos com a explosão sociopolítica árabe como ficaram com a queda do Muro de Berlim e a desintegração da União Soviética e seus satélites.

Não é arbitrário aproximar os dois acontecimentos: os dois têm uma transcendência semelhante para as respectivas regiões e provocam precipitações e sequelas políticas para o restante do mundo. Que melhor prova de que a história não está escrita e ela pode tomar, de repente, direções imprevistas que escapam a todas as teorias que pretendem sujeitá-la a procedimentos lógicos? Dito isso, não é impossível discernir alguma racionalidade nesse movimento contagioso de protesto que se inicia, como numa história fantástica, com a autoimolação pelo fogo de um pobre e desesperado tunisiano do interior chamado Mohamed Bonazizi e com a rapidez do fogo que se espalha por todo o Oriente Médio.

Os países onde ele ocorreu sofriam com ditaduras de dezenas de anos, corruptas até a medula, cujos governantes, parentes próximos e clientelas oligárquicas haviam acumulado fortunas imensas, bem seguras no estrangeiro, enquanto a pobreza e o desemprego, assim como a falta de educação e saúde, mantinham enormes setores da população em níveis de mera subsistência e, às vezes, de fome. A corrupção generalizada e um sistema de favoritismo e privilégio fechavam à maioria da população todos os canais de ascensão econômica e social.

Mas esse estado de coisas que foi o de incontáveis países ao longo da história, jamais teria provocado o levante sem um fato determinante dos tempos modernos: a globalização. A revolução da informação foi esburacando por toda parte os rígidos sistemas de censura que os governos árabes haviam instalado para manter os povos que exploravam e saqueavam, na ignorância e no obscurantismo tradicionais. Hoje, porém, é muito difícil, quase impossível, um governo submeter a sociedade inteira às trevas midiáticas para manipulá-la e enganá-la como outrora.

A telefonia celular, a internet, os blogs, o Facebook, o Twitter, as redes internacionais de televisão e demais recursos da tecnologia audiovisual levam a todos os rincões do globo a realidade de nosso tempo e forçam comparações que por certo mostraram às massas árabes o anacronismo e barbárie dos regimes que sofriam e a distância que os separa dos países modernos.

E esses mesmos instrumentos da nova tecnologia permitiram que os manifestantes coordenassem ações e pudessem introduzir alguma ordem no que, num primeiro momento, pôde parecer uma caótica explosão de descontentamento anárquico. Não foi assim. Um dos traços mais surpreendentes da sublevação árabe foram os esforços dos manifestantes para tolher o vandalismo e sair da frente, como no Egito, dos valentões enviados pelo regime para desprestigiar o levante e intimidar a imprensa.

Solução negociada. A lentidão (para não dizer a covardia) com que os países ocidentais - sobretudo os da Europa - reagiram, vacilando primeiro ante o que ocorria e depois com vagas declarações de boas intenções a favor de uma solução negociada do conflito, em vez de apoiar os rebeldes, deve ter causado uma terrível decepção aos milhões de manifestantes que se lançaram às ruas nos países árabes pedindo "liberdade" e "democracia" e descobriram que os países livres os olhavam com receio e, por vezes, pânico. E constatar, entre outras coisas, que os partidos políticos de Mubarak e Ben Ali eram membros ativos das Internacional Socialista! Bela maneira de promover a democracia social e os direitos humanos no Oriente Médio.

O equívoco garrafal do Ocidente foi ver no movimento emancipador dos árabes um cavalo de Troia pelo qual o integrismo islâmico poderia se apossar de toda a região e o modelo iraniano - uma satrapia de fanáticos religiosos - se estenderia por todo o Oriente Médio. A verdade é que a explosão popular não foi dirigida pelos integristas e, até agora ao menos, estes não lideram o movimento emancipador nem pretendem fazê-lo. Eles parecem muito mais conscientes que as chancelarias ocidentais de que o que mobiliza os jovens de ambos os sexos tunisianos, egípcios, iemenitas e os demais não são a sharia e o desejo de que alguns clérigos fanáticos venham substituir os ditadorezinhos cleptomaníacos que querem derrubar. Precisaríamos ser cegos ou preconceituosos para não perceber que o motor secreto desse movimento é um instinto de liberdade e de modernização.

Naturalmente, não sabemos ainda o rumo que tomará essa rebelião e, claro, não se pode descartar a possibilidade de que, na confusão que ainda prevalece, o integrismo ou o Exército tratem de tirar partido. O que sabemos, porém, é que, em sua origem e primeiro desenvolvimento, esse movimento foi civil, não religioso, e claramente inspirado em ideais democráticos de liberdade política, liberdade de imprensa, eleições livres, luta contra a corrupção, justiça social, oportunidades para trabalhar e melhorar.

O Ocidente liberal e democrático deveria celebrar esse fato como uma extraordinária confirmação da vigência universal dos valores que representa a cultura da liberdade e dar todo seu apoio aos povos árabes neste momento de luta contra os tiranos. Não somente seria um ato de justiça como também uma maneira de assegurar a amizade e a colaboração com um futuro Oriente Médio livre e democrático.

Porque esta é agora uma possibilidade real. Até antes dessa rebelião popular, muitos de nós considerariam isso difícil. O que ocorreu no Irã e, de certa forma, no Iraque, justificava certo pessimismo com respeito à opção democrática no mundo árabe. Mas o que ocorreu nestas últimas semanas deveria ter varrido essas reticências e temores inspirados em preconceitos culturais e racistas. A liberdade não é um valor que só os países cultos e evoluídos apreciam.

Massas desinformadas, discriminadas e exploradas também podem, às vezes por caminhos tortuosos, descobrir que a liberdade não é um ente retórico desprovido de substância, mas uma chave mestra para sair do horror, um instrumento para construir uma sociedade onde homens e mulheres possam viver sem medo, dentro da legalidade e com oportunidades de progresso.

Ocorreu na Ásia, na América Latina, nos países que viveram submetidos ao jugo da União Soviética. E agora, por fim, está começando a ocorrer também nos países árabes com uma força e heroísmo extraordinários. Nossa obrigação é mostrar-lhes nossa solidariedade ativa, porque a transformação do Oriente Médio em uma terra de liberdade não beneficiará apenas a milhões de árabes, mas ao mundo inteiro em geral (incluindo, é claro, Israel, embora o governo extremista de Binyamin Netanyahu seja incapaz de compreendê-lo). (Tradução de Celso M. Paciornik )

É ganhador do Nobel de Literatura

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O crescimento é um processo de longo prazo (2) :: José Roberto Mendonça de Barros

Em nosso último encontro, discutimos que o crescimento é, antes de tudo, um processo de longo prazo. Em todo o mundo, as regiões e países sempre vivem surtos de expansão, nem sempre duráveis. Entretanto, são poucos os lugares onde uma tendência sustentada de crescimento emerge entre as flutuações de prazo mais curto. Entender quais são as causas do sucesso, não apenas econômico, mas também social, tem exigido grande esforço dos economistas e de outros cientistas sociais.

Chamamos a atenção que o crescimento econômico resulta de causas comuns a todos os países, como a acumulação de máquinas e instalações, a incorporação de novos trabalhadores e a expansão do conhecimento de todas as formas. Entretanto, os casos bem-sucedidos também dependem de causas específicas, como a dotação de recursos naturais, a natureza das instituições, as questões culturais e a política econômica. Como resultado, não existe uma regra geral; ao contrário, o processo de crescimento nos países é construído penosamente ao longo do tempo, e resulta de uma peculiar combinação de processos e políticas gerais e específicas.

Queremos hoje chamar a atenção para uma coisa simples, porém fundamental: o sucesso passado não garante o sucesso futuro, isto é, países podem perder vantagens comparativas, vitalidade e até, viabilidade.

Para tanto, continuaremos a usar a mesma metodologia já usada no artigo anterior: o indicador de crescimento de longo prazo é apresentado como a proporção (%) do PIB per capita de cada região em relação ao dado americano para o mesmo ano. O período coberto vai de 1870 a 2008, último dado da série. A utilização do PIB americano como padrão reflete simplesmente o fato de que, neste período, a economia americana se tornou a maior do mundo. Os dados utilizados são os coletados pelo economista Angus Maddison e estão em dólares de 1990, no conceito da Paridade do Poder de Compra.

No gráfico 1, selecionamos três países latino-americanos: Argentina, Uruguai e Venezuela. Os dois primeiros países são casos clássicos, como Canadá e Austrália, de crescimento muito rápido a partir de meados do século XIX, tendo como motor a produção agropecuária destinada ao abastecimento europeu. O crescimento da renda gerado por esse processo, além dos investimentos em infraestrutura e educação, resultou num PIB per capita muito elevado, que se situou entre 70% e 80% do americano no começo do século XX.

É fartamente conhecido, por exemplo, que a cidade de Buenos Aires se tornou uma das cinco melhores do mundo por volta de 1910-20. Entretanto, a partir da Grande Depressão dos anos 30, esses dois países conheceram um longo processo de recuo na produção per capita até o início do século atual. A pesquisa disponível sugere, sem sombra de dúvida, que o persistente fechamento ao resto do mundo, a inflação e as recorrentes crises políticas retiraram todo o dinamismo do sistema, levando a vários colapsos externos. No caso argentino, o gráfico mostra que a recuperação econômica pós-moratória, tão admirada por alguns colegas, foi totalmente incapaz de recolocar o país numa trajetória mais sustentada de recuperação. As instituições, como educação e Judiciário, e até sua fantástica agropecuária estão encolhendo. O mundo do casal Kirchner começa em Santa Cruz e termina em Buenos Aires. O horizonte do país é cada vez mais estreito.

O Uruguai, entretanto, está se movendo, ligando-se cada vez mais ao dinamismo dos mercados brasileiros, buscando um grande salto educacional (creio que é o primeiro país do mundo a entregar um computador para cada criança na escola) e maiores laços com o resto do mundo, quebrando seu fechamento. Penosamente, pode voltar a crescer mais.

Do nosso terceiro caso falamos neste espaço em julho passado, num artigo denominado "A Venezuela rumo ao desastre".

O país nunca soube aproveitar adequadamente a bonança de seus recursos naturais, sendo um bom exemplo da maldição do petróleo. O que Chávez está fazendo é completar o serviço, e ainda terá tempo para destruir o que resta da economia e da democracia no país.

Em resumo, é sempre possível perder as chances de chegar lá e voltar para trás.

No outro extremo, mas igualmente perturbador, é o que parece começar a acontecer em outros lugares, onde um processo muito rápido e bem-sucedido de crescimento, a ponto de ser chamado de milagre e colocar certos países no rol dos desenvolvidos, perde a energia e é sucedido por uma estagnação sem horizonte para terminar.

Os casos mais vistosos dessa situação são o Japão e a Itália. É certo que a riqueza acumulada permite viver a estagnação com certa dignidade. Como me disse o dono de um restaurante em Verona, "a vida aqui ainda é muito boa". Entretanto, isso vai apenas até um certo ponto, pois as oportunidades para os jovens vão rareando e as tensões se acumulando, especialmente na área do emprego e do conflito regional. Em ambos os países, recorrentes crises políticas são causa e efeito da estagnação.

Como pode ser visto no gráfico 2, Japão e Itália sofreram muito com a Segunda Guerra. Entretanto, a partir de 1950, o crescimento disparou e o PIB atingiu níveis elevados.

No caso do Japão, a crise se instala com o estouro da bolha imobiliária e da Bolsa, em 1989. Desde então, um cenário deflacionário impera no país, com todos os problemas decorrentes dessa situação, como retração no consumo e no investimento. Uma queda recorrente no tamanho da população, seu envelhecimento (com o consequente déficit estrutural da previdência) e a resistência social à imigração só complicam o quadro. Sem ter onde investir, as empresas acumulam caixa (US$ 2,5 trilhões) e, num país onde a taxa de juros é zero, mais da metade das grandes corporações não tem dívidas!

Na Itália, o PIB per capita (como proporção do americano) já começa a cair a partir de 1980-85, queda que se acentua de 1995 em diante. Desde então, a produtividade da economia parou de crescer (em termos técnicos, a produtividade total dos fatores tem crescimento zero, desde então). Também nesse país, a dinâmica populacional é perversa e os imigrantes são discriminados. Assim como no Japão, reformas que poderiam dar mais dinamismo à economia não avançam. O sistema político não ajuda de forma alguma: basta pensar nos problemas recorrentes do primeiro-ministro e no fato de que o partido que mais cresce (Liga Norte) quer dividir o país em dois.

Encerro dizendo mais uma vez que crescimento é um processo de longo prazo e o desafio de transformar o país de forma sustentável ao longo do tempo é formidável, de todos e de mais de uma geração. Ademais, riscos e novas demandas, como equidade e meio ambiente, estão sempre a aparecer.

Para que se transformem em oportunidades, é preciso, antes de tudo, a vontade e a capacidade de mudar constantemente. Finalmente, é preciso ficar esperto, pois o crescimento nunca está garantido. Em qualquer ponto do processo, é sempre possível estagnar e até retroceder.

É economista

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Tema de Lara:: Carolina Rossetti

Ataque sexual contra a correspondente de guerra da CBS rompe o silêncio das repórteres no front

A câmera da CBS ainda rodava quando a jornalista Lara Logan sumiu do enquadramento, engolida por manifestantes na Praça Tahrir, no Cairo. Era o último dos 18 dias de protesto e ela reportava, para o programa 60 Minutes, o júbilo do povo egípcio pós-renúncia de Mubarak. Correspondente internacional há 18 anos, Lara, a chamada "it girl" da CBS, estava no ground zero da notícia no mais importante dia da revolução egípcia – e no pior de sua vida.

A repórter foi cercada por umas 200 pessoas e separada da equipe de filmagem. Num canto da praça, foi espancada e, segundo nota da CBS, sofreu um "ataque sexual brutal", sem maiores detalhes. Um grupo de mulheres viu a cena e pediu que soldados acudissem a moça. Nada foi dito sobre os agressores – nem quantos foram, nem se estão presos.

Os detalhes são nebulosos, mas o New York Post, citando fontes internas da CBS, informou que, na hora da agressão, ouviram-se gritos de "judia, judia". Lara não é judia, mas dias antes tinha sido detida pelo Exército e, num interrogatório de 16 horas, a acusaram de ser espiã de Israel. Já de volta aos Estados Unidos, na segunda-feira, 7, disse a Charlie Rose, da Public Broadcasting Service, que sentia ter falhado profissionalmente e, se pudesse entrevistar Mubarak, estaria no próximo avião de volta ao Egito. Foi o que fez na quinta-feira, 10, quando surgiu a chance de uma exclusiva com o jovem executivo sensação do Google, Wael Ghonim.

Lara Logan é do tipo jornalista-celebridade da TV americana. Assim que soube do ocorrido, o presidente Barack Obama telefonou para lhe desejar uma boa recuperação. A repórter, que em março fará 40 anos, tem longo currículo no front da notícia. Na década de 90, cobriu os atentados terroristas contra embaixadas americanas no Quênia e Tanzânia, o conflito na Irlanda do Norte e a guerra de Kosovo. Esteve também no Afeganistão, em 2001, e no Iraque – trabalho pelo qual levou o Emmy de melhor reportagem em 2006.

Lara tenta se firmar como a versão loira de olhos azuis de Christiane Amanpour, enquanto dribla comentários sobre sua vida sexual, minuciosamente acompanhada pelo jornalismo fofoca. Seu passado de modelo de biquíni tamanho 44 em Durban, na África do Sul, seu país natal, não é esquecido, e volta e meia faz pipocar ironias contra a "repórter manequim", que, em entrevistas, confessou que o look Barbie às vezes atrapalha.

Não é de surpreender, portanto, que a notícia do ataque sexual gerasse todo tipo de comentário. Três vertentes predominaram. Há os que tentaram fazer da agressão a Lara uma questão religiosa, botando a culpa no fundamentalismo islâmico, que vê as ocidentais como promíscuas. Denúncias posteriores revelariam que o caso Lara não foi isolado e egípcias reunidas na Praça Tahrir para lutar pela emancipação do seu país também foram alvo de assédio sexual.

Há ainda os que culparam a própria Lara pela agressão. Nessa linha, o comentarista conservador Jim Hoft perguntou: por que essa mulher loira e atraente perambulava pela Praça Tahrir? "Foi sua mentalidade liberal que quase a matou. Essa repórter nunca mais será igual." Numa enquete da Approval Pools, 4.100 pessoas, 51% do total, acharam que a jornalista era mesmo a responsável pelo próprio martírio. Por fim, uma avalanche de críticas despencou sobre os cabeças das empresas de jornalismo, que não fariam o suficiente para assegurar a integridade de seus profissionais no fogo cruzado da notícia.

O Comitê para a Proteção aos Jornalistas, que registrou 140 agressões contra repórteres na cobertura política do Egito, também foi criticado por não trazer no seu manual de segurança um capítulo sobre abuso sexual. "A resposta é simples", defendeu-se Lauren Wolfe, diretora do CPJ, "as repórteres não querem falar sobre isso".

Ainda tabu na maioria das redações, a agressão sexual é estorvo comum para as correspondentes, lamenta Judith Matloff, repórter de zonas de conflito por 20 anos. Hoje professora adjunta na Universidade Colúmbia, ela reconhece que as mulheres chegaram ao topo das empresas jornalísticas, exercem as mesmas funções que os homens, são editoras de sucursais nas áreas mais perigosas do mundo, mas em um detalhe serão sempre diferentes dos garotos.

"Eu já fui assediada, não na intensidade do que aconteceu com Lara", disse Judith, em entrevista ao Aliás. Mas, continua ela, insultos verbais e mãos apalpando partes íntimas são obstáculos diários das correspondentes. "Se é estupro, as jornalistas não relatam aos seus superiores, por vergonha ou por medo de que o editor – que geralmente não sabe lidar com isso – a retire da cobertura."

A diretora da Repórteres Sem Fronteiras em Washington, Clothilde Le Coz, concorda que é difícil tornar público o estupro. "Mas é ainda pior para as repórteres locais, que não têm o mesmo apoio e repercussão de uma vencedora do Emmy".

Judith, que é do conselho do Darth Center de Jornalismo e Trauma, diz que medidas de segurança ajudam, como estar acompanhada de um homem ou evitar colares e rabos de cavalo – que podem ser agarrados com facilidade. Mas só isso não resolve, diz ela, já que muitas vezes o agressor não é um anônimo no meio de uma multidão, mas o próprio colega jornalista, o segurança ou até mesmo a fonte. "Os editores precisam continuar enviando as repórteres para guerra e deixar claro que elas devem relatar os abusos, estando seguras de que ainda terão seu trabalho garantido".

FONTE: ALIÁS/O ESTADO DE S. PAULO, 20/2/2011

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
Clique o link abaixo

Serra acusa governo de estelionato eleitoral

Candidato derrotado do PSDB diz que novo governo está usando de falso rigor e cobra ação
Menos de dois meses após a posse, o ex-governador José Serra faz fortes ataques à administração de Dilma Rousseff. Em entrevista ao Globo, diz que o governo está aumentando despesas e que o valor do salário mínimo serviu para passar um rigor fiscal que o governo não tem. Ele classifica como estelionato eleitoral o fato de o governo estar paralisado, sem cumprir o que prometeu na campanha. “A herança maldita deixada por Lula é gigante, em razão do descontrole de gastos.”


"O falso rigor esconde falta de rigor"

Sem poupar críticas, José Serra diz que governo não cumprirá projetos de campanha

SÃO PAULO - Depois de um período sabático de quase três meses, o ex-governador e candidato derrotado do PSDB à Presidência da República, José Serra, começou há duas semanas a retornar, aos poucos, à cena política. Esteve na Câmara para uma reunião com a bancada tucana em meio à discussão sobre o reajuste do salário mínimo, apareceu em uma feira agropecuária no Paraná e, em seu escritório, em São Paulo, voltou à agenda de reuniões políticas.

Nesta primeira entrevista ao GLOBO, após a derrota eleitoral, concedida sob a condição de que fosse por e-mail, Serra diz que vê em marcha um "estelionato eleitoral" ao comentar o início do governo Dilma. É contundente ao negar eventual intenção de lançar um novo partido e fala da adaptação à vida "normal". Dias depois da votação do salário mínimo, considera que oposição se "saiu bem".

Apesar de as especulações sobre o seu futuro político, o ex-governador nega que haja um movimento em curso para levá-lo à presidência do PSDB. Afirma que não é hora de fazer essa discussão, mas não rechaça a possibilidade, como faz categoricamente quando perguntado se vai disputar eleições em 2012. Sobre a disputa presidencial de 2014, Serra considera o debate neste momento uma "perda de tempo".

Como o PSDB se saiu na votação do salário mínimo na Câmara, primeiro teste da oposição na gestão Dilma Rousseff?

JOSÉ SERRA: O PSDB se saiu bem, e o mesmo vale para nossos aliados. A bancada caminhou unida e de maneira clara e firme. O partido defendeu com força e razões a proposta dos R$ 600. Há uma outra questão importante apontada pelo deputado Roberto Freire. O projeto que a maioria governamental aprovou na Câmara é inconstitucional, pois permite ao Executivo legislar sobre o salário mínimo por decreto nos próximos três anos.

Parte do PSDB, liderado pelo senador Aécio Neves, chegou a flertar com as centrais sindicais para apoiar um mínimo de R$ 560 e abandonar a proposta de R$ 600, bandeira da sua campanha. Como o senhor viu esse movimento?

JOSÉ SERRA: Ponto um: é evidente que o PSDB deve dialogar com os sindicatos, centrais sindicais, associações, universidades. Deve apoiar e ser apoiado quando há convergência de pontos de vista, em torno de ideias e propostas concretas. Ponto dois: no reajuste do salário mínimo, a Força Sindical defendia R$ 580, muito mais próximos da nossa proposta de R$ 600 que do decreto do governo, de R$ 545. Só nos últimos dias, diante do rolo compressor do governo, as centrais começaram a mencionar os R$ 560. Agora, qualquer conversa do PSDB com entidades da sociedade civil deve ter o interesse do país como bússola. Não o interesse partidário ou o da corporação.

Qual a sua avaliação sobre a postura do governo Dilma nesse primeiro teste da presidente no Congresso?

JOSÉ SERRA: Lamentável. Está à vista de todos: oferece cargos, loteia o governo, promove a troca de favores não republicanos em troca da submissão de parlamentares. O valor do mínimo está sendo usado para o governo evidenciar ao mercado um rigor fiscal que ele absolutamente não tem. O falso rigor esconde a falta de rigor. Por que não começam pelos cortes de cargos comissionados ou dos subsídios, como os que são entregues ao BNDES? São uns 3% do PIB, R$ 110 bilhões. O governo está inflando despesas de maneira enganosa ou vai falir o país em um ano. Dou um exemplo: as despesas de custeio foram de R$ 282 bilhões em 2010. O orçamento deste ano diz que o governo vai gastar R$ 404 bilhões: um aumento de 43%. Os restos a pagar do governo Lula se elevam só neste ano a R$ 129 bilhões. Quer apostar como vão cancelar muitos dos projetos, depois de servirem como instrumento para atrair votos na campanha?

O senhor tem usado bastante o Twitter para criticar e cobrar ações do governo Dilma. O que destacaria deste início de governo?

JOSÉ SERRA: O destaque é o estelionato eleitoral. Há quatro meses falavam em investir num monte de coisas, milhões de casas, milhões de creches, de quadras esportivas, de estradas, de ferrovias. A realidade é que está tudo parado, a herança maldita deixada por Lula é gigantesca em razão do descontrole dos gastos, dos maiores juros do mundo, da desindustrialização.
A montagem do governo foi um festival de barganhas e, antes de terminar o segundo mês, ainda tivemos o bloqueio a um salário mínimo melhor, o escândalo de Furnas e a não apuração dos escândalos da Casa Civil. Não é à toa que a presidente fala pouco e nunca de improviso. O atual governo optou por fingir que nada disso é com ele.

As suas recentes aparições em público têm sido interpretadas como uma demonstração de interesse pela presidência nacional do PSDB. O senhor está disposto a disputar o cargo?

JOSÉ SERRA: Depois da eleição, eu me recolhi, tive e tenho um período de maior reflexão. Eu estou voltando aos poucos. Não tenho me movimentado nem aparecido tanto assim. Mas vou voltar a trabalhar e ao ativismo político. Não é emprego, não é cargo. Meu objetivo é debater o Brasil. Eu já fui presidente do PSDB entre 2003 e 2004. Em nenhum momento, a ninguém, expressei o desejo de voltar à presidência do partido. Não acho que seja uma questão tão importante agora. Há muita fofoca, diz-que-diz-que, presunções. Em todo caso, dentro do partido são muito poucos os que desejariam trazer 2014 para 2011. Além de surrealista, isso nos tiraria o foco, enfraqueceria a oposição.

Um de seus principais aliados, o senador Aloysio Nunes Ferreira já disse publicamente que "Serra deve estar presente na direção do partido". Isso não é um sinal de que há uma tentativa de viabilizá-lo?

JOSÉ SERRA: Posso garantir que não há nenhum movimento. A afirmação do Aloysio deve ter sido feita em resposta a alguma pergunta específica e tirada de contexto. Mas me parece óbvia: por que o PSDB iria excluir de seu quadro dirigente uma pessoa que teve o voto de 44 milhões de brasileiros? Por que excluiria um de seus fundadores? Por que excluiria um quadro que já foi deputado, líder, senador, ministro duas vezes, prefeito da maior cidade e governador do estado mais populoso?

O senhor cogita criar um novo partido?

JOSÉ SERRA: Isso é uma calúnia anônima, sem pé nem cabeça.

O seu nome também tem sido lembrado para a eleição de 2012 à Prefeitura de São Paulo. O senhor estuda essa possibilidade?

JOSÉ SERRA: Já disse e repito: não vou disputar eleição em 2012. Quem está trabalhando com essa hipótese está perdendo tempo.

Em 2010, o senhor foi considerado o candidato natural do partido à Presidência da República. O senador Aécio Neves é o candidato natural do PSDB para 2014?

JOSÉ SERRA: Não sei como aferir se uma candidatura é natural ou não. Quando só há um candidato, a candidatura não é natural, é única, como aconteceu com o Covas (Mário Covas) em 1989 e com o Fernando Henrique em 1994 e 1998. Em 2002, muita gente achava que eu era o candidato natural. No entanto, quando a eleição se aproximou, pelo menos dois qualificados companheiros também se apresentaram. O que eu acho é que 2014 ainda está muito longe, e há muitas variáveis ainda imprevisíveis. Seria perda de tempo ficar especulando sobre o assunto.

Leia a entrevista na íntegra no Globo Digital . (Somente para assinantes)

Período eleitoral seguido de aperto fiscal determina o ciclo econômico do país :: Tony Volpon

Existe um "ciclo eleitoral" no Brasil? O ciclo eleitoral é a tese segundo a qual governos tentam controlar o ciclo econômico para influenciar o resultado das eleições.

Essa tese encontrou pouco apoio nos Estados Unidos, onde, diante de uma economia complexa, seria difícil manipular o ciclo econômico para coincidir com o calendário eleitoral.

Mas, se não parece ter obtido sucesso nos EUA, no Brasil a historia é outra em relação a esse ciclo eleitoral.

O economista Marcelo Neri, da FGV, estudou a variação na renda, pobreza e gastos do governo nas eleições de 1982 a 2006 e encontrou forte evidência sobre a existência do ciclo eleitoral.

Por exemplo, Neri descobriu que o aumento da renda mediana foi de 12,5% no período pré-eleitoral, para cair a 11,9% nos anos pós-eleição.

Essa evidência empírica mostra que infelizmente nossa ainda jovem democracia, onde o Estado possui muitas políticas para influenciar o nível da atividade, parece estar sujeita ao ciclo eleitoral.

De fato isso parece ser a única maneira de explicar o último ano do governo Lula, que acelerou o impulso positivo da política econômica apesar da fortíssima recuperação pós-crise.

Por exemplo, os gastos do governo aumentaram em 10,1% entre 2009 e 2010.

Acelerações em 2010 em relação a 2009 foram também vistas nos aumentos de salários dos servidores, transferências para cidades e municípios e aumento de crédito dos bancos públicos.

Não surpreende que em 2010 a economia brasileira deva ter o maior crescimento anual em décadas.

Se 2010 for de fato um caso extremo, mas não atípico, do ciclo eleitoral no Brasil, o que esperar para 2011?

Como mostram os dados, o boom pré-eleitoral é seguido por forte ajuste.

Afinal, não vale a pena deixar a economia perseguir um caminho insustentável no inicio de um novo mandato.

As recentes medidas de ajuste do governo devem ser entendidas dentro desse contexto.

Tony Volpon é chefe de pesquisas de mercados emergentes da Nomura Securities International Inc

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

ONG cobra para implantar programa do Esporte

Entidade dirigida por membro do PCdoB exige taxa de cidades para oferecer ação bancada pelo governo.

A organização não governamental Bola Pra Frente cobra de prefeituras uma taxa de intermediação do Programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva, filiado ao PCdoB. Documentos revelam que a entidade, dirigida por membros do partido, exige de prefeitos paulistas comissão para levar o Segundo Tempo às cidades. Mas o governo federal já repassa verba para a implementação do projeto criado para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e nas férias. Dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, vereadora pelo PCdoB em Jaguariúna, a ONG mantém contrato de R$ 13 milhões com o Ministério do Esporte. Karina confirma a cobrança, mas diz que precisa dos recursos para pagar contrapartida de R$ 520 mil exigida pelo governo. Reportagem publicada ontem pelo Estado mostrou que o programa gera ganhos para o partido.

ONG de vereadora do PC do B cobra taxa para implantar programa federal

Leandro Colon

A organização não governamental (ONG) Bola Pra Frente cobra de prefeituras uma taxa de intermediação do Programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, comandado por Orlando Silva, filiado ao PC do B. Documentos obtidos pelo Estado revelam que a entidade, dirigida por membros do partido, exige de prefeitos do interior paulista uma comissão para levar o Segundo Tempo para as cidades.

O programa do ministério foi criado para oferecer a crianças e jovens carentes a prática esportiva após o turno escolar e também nas férias. O esquema da Bola Pra Frente é cobrar uma espécie de "taxa de sucesso" conforme cada criança cadastrada.

Só que a ONG já recebe recursos do governo federal justamente para implantar o programa. Atualmente, a entidade, que é dirigida pela ex-jogadora de basquete Karina Rodrigues, filiada ao PC do B e vereadora na cidade de Jaguariúna (SP), mantém um contrato de R$ 13 milhões com o Ministério do Esporte.

Para beneficiar 600 crianças na cidade de Cordeirópolis com o projeto do governo federal, a Bola Pra Frente cobrou da prefeitura uma taxa mensal de R$ 15 por aluno. Segundo os documentos, a prefeitura teve de pagar R$ 90 mil no ano passado para a ONG, em parcelas mensais, num prazo de 10 dias, após o "recebimento dos serviços".

O prefeito da cidade decidiu não pagar mais pela intermediação, não renovou o contrato, e pediu em novembro passado, por ofício, a parceria direta ao Ministério do Esporte para "viabilizar a continuação do Programa Segundo Tempo" sem a necessidade de "empresas para assessoria". Até a semana passada, o ministério não havia respondido à prefeitura de Cordeirópolis.

"Principal referência". Desde 2004, a ONG Bola Pra Frente conseguiu, sem licitação, o privilégio de aplicar o Segundo Tempo no interior paulista. É a campeã de recursos recebidos do projeto do Ministério do Esporte.

Recebeu R$ 28 milhões do governo até hoje, sendo R$ 13 milhões no contrato vigente até o fim deste ano. Com o dinheiro, deveria criar núcleos esportivos nas cidades e dar aulas às crianças. O contrato não fala em parcerias com prefeituras ou algo parecido. A responsabilidade pelo projeto é da entidade.

Em entrevista ao Estado, Karina Rodrigues admitiu que o prefeito que não paga não leva o programa do governo federal. "Eu não tenho como implantar o projeto na cidade dele", disse. Karina fundou a ONG e hoje atua como "coordenadora-geral". Recebe R$ 5 mil oficiais de salário da entidade. "A Bola pra Frente é a principal referência dentro do Segundo Tempo", disse o ministro Orlando Silva numa visita à cidade de Jaguariúna (SP).

O documento assinado entre a ONG e a prefeitura de Cordeirópolis evita mencionar a palavra Segundo Tempo, mas, questionada pelo Estado, Karina acabou admitindo que a parceria se refere ao projeto do governo federal. "Sim, era o Segundo Tempo", disse, em conversa gravada.

"A contratante pagará à contratada o valor global estimado de R$ 90.000,00", diz o documento da administração municipal de Cordeirópolis, assinado pelo prefeito Carlos Cézar Tamiazo (PPS) e pela presidente da ONG, Rosa Malvina da Silva. Uma tabela explica o "valor unitário" de R$ 15 por aluno.

A mesma prática ocorreu com a prefeitura de Ourinhos (SP), que teve de pagar R$ 110 mil para receber o Segundo Tempo. Outros prefeitos relataram que é comum esse pagamento. Para tanto, simulam tomadas de preço ou aprovam projeto de lei para garantir o convênio.

Ao todo, a ONG Bola Pra Frente, cujo nome recentemente foi alterado para "Bola Pra Frente Brasil", atende cerca de 18 mil crianças. O Ministério do Esporte informou que ainda não respondeu à prefeitura de Cordeirópolis porque há pendências burocráticas a serem cumpridas pelo município. "O ministério recebeu o ofício em 6 de dezembro de 2010. Esclarecemos que o encaminhamento de ofício não é suficiente para a formalização do programa Segundo Tempo."

PARA LEMBRAR

Partido turbina caixa em todo o País com ação

Reportagens publicadas ontem pelo Estado mostraram que o programa Segundo Tempo, do Ministério do Esporte, serve para gerar dividendos eleitorais e financeiros ao PC do B em todo o País.

A reportagem visitou o programa em São Paulo, Piauí, Santa Catarina, Brasília e Goiás e flagrou entidades de fachada recebendo recursos do projeto, núcleos esportivos fantasmas, outros abandonados ou em condições precárias com crianças expostas ao mato alto e todo tipo de detritos.

Em algumas unidades faltam uniforme e calçados para as crianças, os salários de funcionários estão atrasados e a merenda, vencida.


RAIO X

Programa Segundo Tempo

Ano de criação: 2003

Quem comanda: Ministério do Esporte

Objetivo: oferecer prática esportiva para crianças e jovens carentes após o turno escolar e também nas férias

Recursos já recebidos: R$ 1,5 bilhão, até hoje

Orçamento para 2011: R$ 255 milhões

Crianças cadastradas, segundo o ministério: cerca de um milhão

Repressão a manifestações contra Kadafi deixa mais de 230 mortos

Forças de segurança abrem fogo contra manifestantes que participavam do funeral das vítimas de sábado na cidade de Benghazi e médico diz que somente ontem recebeu mais de 50 corpos; segundo testemunhas, policiais e soldados começam a aderir a protestos

CAIRO - Milhares de líbios voltaram ontem a desafiar o regime do coronel Muamar Kadafi, apesar da feroz repressão que deixou mais de 230 mortos, e tomaram as ruas de Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia. Forças de segurança dispararam contra uma multidão que deixava o funeral de manifestantes mortos no sábado pelas forças do governo e mercenários estrangeiros leais a Kadafi, matando 50 pessoas.

À noite, circularam informações não confirmadas de que Kadafi teria deixado a Líbia e estaria seguindo para a Venezuela ou o Brasil. O Itamaraty disse não ter nenhuma informação sobre a notícia e fontes na Venezuela desmentiram que o líder líbio estaria indo para o país. Em uma aparição na TV, um dos filhos de Kadafi, Saif al-Islam, afirmou que seu pai continua na Líbia e tem o apoio do Exército.

Ele também advertiu que o país esta à beira de uma guerra civil, pois manifestantes tomaram tanques e armas dos quartéis, e disse que a violência é resultado de um "complô estrangeiro". "Destruiremos os elementos da sedição", disse, prometendo uma Constituição e novas leis liberais. "O Exército terá agora um papel essencial para impor a segurança, pois é a unidade e estabilidade da Líbia que está em jogo", acrescentou. Ele admitiu que o Exército cometeu erros, mas disse que o número de mortos está sendo exagerado.

Os protestos contra Kadafi, há 42 anos no poder, são similares aos que tomaram conta da região depois que manifestações populares conseguiram depor os presidente do Egito e da Tunísia, mas estão sendo reprimidos com maior violência.

O Departamento de Estado dos EUA disse ter informações confiáveis de que há "centenas de mortos e feridos" na Líbia e pediu às autoridades de Trípoli que autorizem as manifestações pacíficas. A ONG Human Rights Watch informou ontem que pelo menos 233 pessoas morreram desde quarta-feira.

Um médico do hospital Al-Jalae, o principal de Benghazi, disse que já tinha recebido 209 corpos. Habib al-Obaidi, chefe da UTI, afirmou que somente ontem à tarde chegaram 50 corpos, a maioria com ferimentos a bala. Os líbios qualificaram de "massacre" a repressão aos protestos.

A rebelião da população frustrada com o governo autoritário de Kadafi espalhou-se por várias cidades da Líbia e ontem chegou a Trípoli, onde à noite foram ouvidos intensos tiroteios, mas Benghazi tornou-se o palco dos principais protestos. Segundo testemunhas, a situação é caótica na cidade e até um carro-bomba teria sido detonado diante de um quartel. Os jornalistas não podem trabalhar livremente e as informações vêm sendo obtidas por telefone. Vídeos e mensagens vinham sendo postados na internet, mas o serviço foi cortado no sábado, assim como a energia elétrica.

As ruas foram tomadas pela população após os militares se recolherem ao Centro de Comando. Testemunhas disseram que soldados e policiais juntaram-se aos protestos. O advogado Mohamed Al-Mana afirmou à Reuters que membros de um esquadrão especial do Exército chegaram ao hospital com soldados feridos durante confronto com a guarda pessoal de Kadafi. O representante da Líbia na Liga Árabe, Abdel Moneim al Honi, deixou o cargo para se unir à revolução e "protestar pela violência contra os manifestantes".

Prédios do governo foram incendiados pela população, enfurecida com a brutal repressão e frustrada com o governo da Líbia, país que, apesar de sua grande reserva de petróleo, tem graves problemas sociais.

Críticas. Os EUA, a União Europeia e a Liga Árabe manifestaram ontem sua preocupação e pediram ao regime líbio que ponha fim à violenta repressão.

A responsável pela política externa da União Europeia, Catherine Ashton, manifestou sua preocupação e condenou o uso da força. A Líbia ameaçou ontem deixar de cooperar com a UE com relação à imigração se seus representantes, uma referência a Ashton, não deixarem de fazer comentários sobre os protestos.

Na Itália, deputados de oposição criticaram o premiê Silvio Berlusconi por não condenar a violência na Líbia. O governo de Berlusconi, que corteja os petrodólares da Líbia e estendeu o tapete vermelho a Kadafi nas várias vezes que ele visitou a Itália, não fez nenhum comentário sobre os protestos.

Questionado no sábado sobre se tinha falado com Kadafi, Berlusconi declarou que a situação ainda está em curso e ele não queria perturbar ninguém. / AP, REUTERS e AFP

''Queremos o apoio de Brasil na ONU''

Roberto Simon

Hadi Ghaemi, Diretor da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã

Com apoio de ONGs brasileiras, grupos de dissidentes iranianos estão lançando uma iniciativa para tentar fazer com que a mudança retórica do governo de Dilma Rousseff em relação aos direitos humanos no Irã leve a ações concretas - votos na ONU condenando os abusos de Teerã e um diálogo direto com opositores. Informalmente, a campanha tem início hoje, com a visita de Hadi Ghaemi, diretor da Campanha Internacional pelos Direitos Humanos no Irã, que está sendo trazido a São Paulo e Brasília pela ONG Conectas. Ghaemi terá reuniões na Secretaria de Direitos Humanos da Presidência e no Itamaraty. A seguir, trechos da entrevista ao Estado.

Qual é o objetivo de sua visita ao Brasil?

Queremos pedir ao Brasil que apoie resoluções da ONU para a crise humanitária no Irã. Nosso desejo é que o País se preocupe com as violações que estão ocorrendo no Irã.


Imagino que uma das prioridades seja mudar a forma como o Brasil tem votado na ONU.

Exatamente. O Brasil sistematicamente se abstém diante de resoluções da ONU sobre a questão dos direitos humanos no Irã. A única exceção foi um voto contrário ao governo iraniano em 2003 - o único nos últimos nove anos. Em outubro e dezembro, por exemplo, o Brasil voltou a se abster. Estamos extremamente preocupados com essa mensagem. Parece que o governo brasileiro não se importa com o que está acontecendo no Irã. Acreditamos que a promoção dos direitos humanos deve ser uma prioridade da política externa brasileira.

O Brasil costuma justificar suas abstenções na Assembleia-geral da ONU dizendo que a instância adequada para esse tipo de debate é a Comissão de Direitos Humanos (CDH) das Nações Unidas. Como o sr. vê essa posição?

Então está vindo uma grande oportunidade: a CDH se reunirá em março e o Irã constará em sua agenda. Queremos que o Brasil vote "sim" para a resolução que será proposta.

E qual será o teor do texto?

Sobre as violações sistemáticas, a pouca cooperação do Irã com os mecanismos da ONU e a nomeação de um representante que se reportará diretamente à CDH sobre a situação iraniana.

O Brasil argumenta que isolar o Irã é talvez a pior atitude para lidar com essas violações. O sr. acha possível fortalecer os laços com Teerã, mas, ao mesmo tempo, condenar os abusos?

Certamente, pois o Brasil é um poder emergente que não pode ser ignorado. Nós saudamos essa nova posição do País no mundo, mas queremos que a questão dos direitos humanos conste na agenda brasileira. O Brasil pode ter um papel muito construtivo, por não ser um país do chamado "Norte" e despertar grande admiração do povo iraniano. Mas, na medida em que a diplomacia brasileira ignora os direitos humanos, ela perde respeito.

O último governo brasileiro considerava que americanos e europeus usavam a questão dos direitos humanos para ampliar a pressão sobre o programa nuclear iraniano. O sr. reconhece que existe essa correlação?

Primeiro, não são americanos ou europeus que estão pedindo condenações às violações cometidas no Irã, mas a própria comunidade de direitos humanos iraniana. E isso ocorre há anos. Segundo, esse argumento demonstra como é fundamental o envolvimento do Brasil - um país emergente, fora dos centros convencionais de poder - na questão. Esse debate não tem nada a ver com os EUA, mas com o povo iraniano e com as obrigações internacionais do governo do Irã de proteger sua população.

Uma vida e o cinema: Celso Marconi permanece há mais de 50 anos em seu enlace

Vidas em perfil // Cultura

Geisa Agrício

Nelson Pereira dos Santos escreveu a respeito de Celso Marconi que ele "fazia cinema ao escrever", na apresentação do compêndio Cinema Brasileiro, que reúne críticas do pernambucano sobre filmes nacionais. Assim, o cineasta de clássicos como Rio, 40 Graus, Vidas Secas e Como Era Gostoso o Meu Francês resumiu o papel fundamental do trabalho de Marconi e sua dedicação ao cinema. Dos tempos das resenhas na Folha da Manhã e no periódico comunista Folha do Povo, na década de 50, até os atuais posts em blog e outros projetos culturais, são mais de 50 anos voltados a lançar um olhar questionador sobre a sétima arte.

Formado em filosofia, começou a escrever sobre cinema como lazer. Sob o pseudônimo de João do Povo, assinou críticas na Folha do Povo. Chegou a ser preso por três meses nos tempos da Ditadura Militar e tornou-se persona non grata para o mercado. “Os jornais estavam proibidos de admitir ex-funcionários da Folha do Povo, passei mais de um ano sem poder trabalhar”, só não teve mais problemas por nunca ter abonado o posto de funcionário público no INSS.

Depois, tornou-se crítico do Jornal do Commercio na década de 60, e acompanhou de perto o desenvolver do cinema brasileiro. Testemunhou com seus registros tanto o nascimento das vanguardas cinematográfica, do Cinema Novo de Gláuber Rocha ao cinema marginal Boca do Lixo de Sganzerla e Bressane, até a retomada na década de 90. É uma das vozes capazes de tecer não só sobre os filmes, mas também retratar sobre uma época, sobre a dinâmica dos bastidores do cinema de lá para cá e o contexto histórico atravessado pela cultura brasileira.

“A indústria cultural dominou tudo, mas o cinema independente sempre há de conseguir sobreviver, do neorealismo italiano ou da nouvelle vague de Godard até o cinema novo ou a retomada pernambucana, quem busca um cinema para transmitir uma idéia e para pensar o mundo dá um jeito de preservar sua arte”, comenta Celso Marconi.

“A tecnologia abriu portas sem dúvidas, e mais gente teve chance de fazer parte. Vivemos isso com o super oito e nomes como Kleber Mendonça Filho ou Camilo Cavalcanti despontam com obras belas graças à revolução digital. E o melhor de tudo é a ‘pirataria’. A internet permitiu que a gente possa ver filmes que antigamente seria de difícil ou impossível acesso. Se quero conhecer o trabalho de um cineasta, eu busco e baixo seu filme. O cinéfilo não é mais refém dos interesses comerciais da programação das salas, espaço que tem seus dias contados. Podemos constatar com o fim dos cinemas de bairro ”, polemiza com sorrisos.

Fez parte de uma geração que falava o que pensava e tinha autoridade para o livre comentário, nos tempos em que opinião estruturava-se como uma das bases da análise crítica cultural. Obviamente, pelo caráter mais personalístico e menos consensual, não agradou a gregos e troianos. No começo da década de 90, foi se despedindo da vitrine jornalística. Mas ela, tão somente, nunca resumiu seu entrelace com o cinema.

E reza o jargão popular que quem não sabe fazer, escreve sobre. Mas a relação de Celso Marconi, 80 anos, com o cinema ultrapassa a análise externa e distanciada e flerta com a mão na massa e a vontade de fazer parte significante do trabalho de levar a público aquilo que "merece ser visto", seja documentando em super oito ou vídeo o que desperta interesse de seu espírito irrequieto, ou seja, trabalhando como formador de platéia abraçando o papel de programador de sala.

Muito antes de existir o Cinema da Fundação, hoje o principal recanto de exibição de filmes de arte no Recife, tertúlias de cinefilia eram possíveis graças a um grupo de apaixonados que encabeçou, na década de 80, umas alternativas sessões de arte que ao longo dos anos passaram por salas como São Luiz, AIP (Associação da Imprensa de Pernambuco), Trianon, Arte Palácio, Coliseu. A projeto era persistido ao lado de Fernando Spencer, Ivan Soares, José de Souza Alencar e do colunista Alex.

Daí surgiu a idéia de transformar o Teatro do Parque numa sala de cinema. Voltado para a formação de platéia, o intuito era dispor bons filmes, com uma curadoria artística, a preços módicos. O Cinema do Parque passou a figurar na década de 80 e continua até hoje com outras administrações municipais. Nos anos 90,

Celso Marconi também esteve à frente, mediante o papel de diretor do Museu da Imagem e do Som de Pernambuco (Misp), do cinema da programação de cinema do Ribeira, depois deslocada para o Arraial. Numa tranqüila e ventilada casa em Olinda, reside na companhia de familiares e de seus “melhores amigos”, cerca de seis mil livros, dos quais quase metade sobre cinema.No momento, debruça-se sobre a leitura de uma biografia de Godard assinada por Antoine de Baecque.

Hoje, aos 80 anos, não pensa em parar. Desde 2008, com aprovação do projeto no Funcultura, luta para lançar o duplo DVD que compila seus trabalhos como diretor. São 22 obras reunidas em mais de 6 horas de exibição. O Cinema de Celso Marconi será lançado no dia 5 de maio.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Vanessa da Mata -- Vermelho

Emoções do dia-a-dia::Graziela Melo

Verdades
Que
Não foram
Ditas

Abraços
Que
Não foram
Dados

Beijos
Hipotéticos
Apenas
Imaginados

Palavras
Tantas vezes
Repetidas...

Gestos doces
Quase tímidos
Desarmados...

Figuras
Tão sombrias
Lembranças
Tão tardias...
Saudades tantas
Agonia...

Emoções
Do dia-a-dia!

Rio, junho/2002


MELO, Graziela. Crônicas, contos e poemas. Abaré Editorial/ Fundação Astrojildo Pereira, Brasília, 2008.