sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia - Fernando Gabeira

"O ataque aos jornalistas atingiu os jornalistas brasileiros, Coiban Costa, da Rádio nacional e Gilvan Rocha, da TV Brasil. Antes, Jamil Chade, do Estadão, e Fernando Duarte do Globo já haviam reportado a invasão dos seus quartos no Ramses Hilton, inclusive com busca de equipamentos e fotos.

O hotel cancelou a reserva dos jornalistas para depois de sexta-feira, numa tentativa de afastá-los. Jornalistas da Al Jazeera e do New York Times, BBC e El País já anunciaram também que foram vitimas de violência.

Não acontece com os brasileiros. Mas há uma diferença importante. No caso dos jornalistas americanos, através do porta-voz da Casa Branca, Robert White, o governo protestou.

Jornalistas como funcionários da ONU, militantes de direitos humanos, todos os estrangeiros que testemunham as manifestações no Egito estão sendo molestados pela polícia e seus capangas à paisana.

Há dois caminhos para mobilizar o governo brasileiro. O primeiro deles é a provocação direta dos repórteres que cobrem o Itamaraty: como é qe o Brasil vê essas agressões, o que tem a dizer a Mubarak sobre elas? O outro caminho, mais tortuoso, tento eu: acionar deputados para que falem com Patriota.

De qualquer maneira, o governo brasileiro não pode silenciar diante da agressão aos jornalistas e deveria orientar a Embaixada a prestar socorro aos jornalistas presos, espancados e a todos os brasileiros em dificuldade no Egito. "

GABEIRA, Fernando. A hora dos jornalistas. O Estado de S.Paulo Online, 3/2/2011

Ditadura expulsa jornalistas para isolar Egito do mundo

Jornalista estrangeiros integrantes de ONGs se tornaram alvo de ataques, agressões, prisões e até expulsões, numa campanha repressora do governo Mubarak para afastar as principais testemunhas do palco de confrontos e isolar o Egito da opinião pública internacional. Mais de 20 profissionais foram detidos ontem, no segundo dia de selvageria, em que mais dez pessoas morreram. Dois repórteres da estatal brasileira EBC passaram 16 horas de terror, presos com olhos vendados, num cubículo sem água e comida, até serem expulsos do país. A ONU retirou 350 funcionários. A oposição convocou grande manifestação para hoje, apelidada de Dia do Ultimato. Em entrevista a TV americana ABC, Mubarak disse ter pensado em renunciar antes de setembro, mas desistiu por temer vácuo de poder.

À caça de jornalistas estrangeiros

REVOLTA DO MUNDO ÁRABE

Adeptos de Mubarak agridem e prendem repórteres e membros de ONGs. ONU deixa o Egito

Fernando Duarte


Enquanto o centro do Cairo vivia novas batalhas entre partidários do presidente Hosni Mubarak e manifestantes pró-democracia, jornalistas estrangeiros se tornavam alvo de uma campanha repressora, que não poupou sequer membros de organizações de direitos humanos, e que parecia destinada a afastar a mídia do palco dos enfrentamentos. Carros de equipes de reportagem foram apedrejados, equipamentos arrancados e quebrados e jornalistas agredidos, enquanto o governo acusava estrangeiros de fomentarem os protestos. Mais de 20 profissionais foram detidos segundo o "Washington Post", e o paradeiro de pelo menos um deles era desconhecido.

A fúria dos partidários do governo egípcio resultou na primeira morte de um estrangeiro, um grego espancado e esfaqueado nas imediações da Praça Tahrir, morrendo no lobby do hotel Ramsés Hilton. O hotel, um dos mais usados pela mídia estrangeira, usado até ontem pelo GLOBO, devido à vista para o ponto central dos protestos, tornou-se um alvo - com o cerco de manifestantes e o convite para se retirar. Se na semana passada o Ramsés Hilton serviu de hospital de campanha para opositores, ontem se transformou em cárcere para os jornalistas. Vândalos o invadiram duas vezes.

- Apenas no meio da tarde o Exército veio proteger o hotel. Os manifestantes passaram muito tempo jogando pedras e todos os equipamentos de imagem foram confiscados pela segurança - contou ao GLOBO o brasileiro Otávio Mendes, produtor da CBC, do Canadá.

Mendes tentou comandar um plano de retirada, mas esbarrou na recusa de motoristas de táxi a levar estrangeiros, temendo ataques. Nem ofertas de US$200, equivalente a 30 vezes o salário mínimo egípcio, convenceram os taxistas. Uma entrevista do vice-presidente Omar Suleiman ajudou a disseminar a ideia de que os estrangeiros estariam fomentando os protestos.

- Quando existem manifestações desse porte, há estrangeiros que virão e tirarão vantagem. Eles têm interesse em aumentar a energia dos protestos - disse o premier à TV estatal.

Estados Unidos criticam ataque sistemático

Em Washington, o porta-voz da Casa Branca, Robert Gibbs, considerou inaceitável "o ataque sistemático" à imprensa. A secretária de Estado, Hillary Clinton, disse que "o governo egípcio deve demonstrar sua vontade em garantir aos jornalistas a capacidade de registrar os eventos".

Entre os detidos estão dois jornalistas do "New York Times", soltos na manhã de ontem, e dois do "Post", mais seu tradutor. Dois profissionais da al-Jazeera foram arrancados do carro e detidos. Outros três da mesma emissora foram presos e soltos. Um sexto está desaparecido. O brasileiro Luiz Antônio Araujo, do jornal gaúcho "Zero Hora", foi atacado a socos e pontapés na Praça Tahrir. O grupo, que estava armado com pedras e pedaços de pau, levou a máquina fotográfica e tentou roubar seu passaporte.

Movimentar-se é difícil e perigoso. Um repórter grego foi ferido na perna por uma chave de fenda. O carro de Anderson Cooper, da CNN, foi atingido por uma pedra. Na véspera, Cooper e sua equipe já haviam sido atacados na rua.

O Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ) denunciou a campanha do governo para difamar estrangeiros, mostrando-os como espiões em missão para desestabilizar o país. O CPJ registrou 15 incidentes de intimidação, prisão e agressão a jornalistas apenas ontem - classificados como "repulsivos" pela organização Repórteres sem Fronteiras (RSF).

- Parece que o objetivo é esvaziar o Cairo da mídia estrangeira - declarou Giles Lordet, diretor de investigações do RSF.

Num indício de que a situação fugiu ao controle, as Nações Unidas começaram a remover seus cerca de 350 funcionários do país - que junto às famílias formam um grupo de cerca de 600 pessoas - para a ilha de Chipre. Ativistas de direitos humanos também estiveram na mira: um centro usado por ONGs como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch foi ocupado pela polícia e 12 pessoas, presas.


No Ramsés Hilton, um grupo de brasileiros, formado por integrantes do GLOBO, "O Estado de S. Paulo" e "Folha de S. Paulo", conseguiu deixar o hotel de manhã, mas não sem antes passar pela revista numa barreira do Exército. Foram confiscados uma fita cassete e um cartão de memória com fotos dos protestos. Quem buscava estender sua reserva eram informado de que a lotação estava esgotada - apesar de o hotel ter 855 quartos. Procurado pelo GLOBO, um recepcionista sugeriu a saída o mais rápido possível:

- Eles (os manifestantes) sabem que vocês estão aqui. Saiam porque vai ficar perigoso.

Com agências internacionais

FONTE: O GLOBO

Cheiro de jasmim:: Roberto Freire

Não é a ideal, mas já melhorou muito a posição da diplomacia brasileira em relação a episódios envolvendo a luta pela democracia no Oriente Médio. Assistimos agora à cautela em expressar uma posição quanto à rebelião no Egito, em lugar da metáfora futebolística que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva utilizou para se referir aos protestos contra a fraude nas eleições que resultaram na recondução, ao poder, do ditador iraniano Mahmoud Ahmadinejad, em meados de 2009.

O povo, nas ruas, estava sofrendo as piores repressões, com morte, inclusive, e Lula negava a fraude, comparando a situação com um Fla-Flu. Ao menos saímos dessa lamentável situação!

O Brasil está em cima do muro, mas não está do lado do ditador Hosni Mubarak. A embaixadora brasileira nas Nações Unidas, Maria Luiza Viotti, anunciou que vai "acompanhar e ver como vai evoluir" a revolta. Cautela é bem melhor que desrespeito ao povo de um país.

Esperamos que o Brasil retome algo que existia antes do governo Lula: seriedade no trato das questões internacionais, respeito aos direitos humanos e defesa da democracia. No caso egípcio, o Itamaraty não está defendendo esses valores, mas pelo menos não está com a ditadura.

Não nos ombreia a regimes ditatoriais, teocráticos, fundamentalistas, como Lula fez no caso iraniano.

O Brasil deveria emitir uma nota em prol da liberdade, dos direitos humanos, da democracia. Seria ideal. Estaríamos nós a favor do vento que espalha aquela que vem sendo chamada de Revolução do Jasmim, que começou na Tunísia e levou à derrocada do ditador Zine al-Abidine Bem Ali, que estava no poder há 23 anos.

Munidos de esperança e da vontade de livrar-se de um regime corrupto e opressor, os jovens tunisianos sem querer desencadearam quem sabe a marcha fúnebre das ditaduras do Oriente. Pelo visto, perfume do jasmim estará no ar até que a última delas venha abaixo.

Todas as ditaduras vão tremer no mundo. Mesmo que a China proíba a busca da palavra Egito; mesmo que os ditadores utilizem a repressão à imprensa para frear a liberdade.

O mundo mudou e a cidadania pode fazer muito pela própria organização, como a utilização das redes sociais que tanta importância tiveram no caso do Egito.

O PPS defende a radicalidade democrática desde os tempos do PCB, quando falávamos do valor universal da democracia, ainda no tempo da existência do socialismo real.

A democracia é nosso norte, nosso cerne, a alma do partido. A busca da democracia é nossa questão central.

Vivemos em um mundo multifacetado. Nele, o que tem de presidir as relações são valores fundamentais, como o da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. A renúncia imediata de Hosni Mubarak é uma questão de honra para a humanidade.

Não podemos tolerar o banho de sangue que ele vem patrocinando no Cairo para manter-se no cargo e tentar abafar a rebelião que não se dá por vencida. Se os egípcios estão ali há mais de uma semana sem medo, não havemos nós, tão de longe, de temer o futuro que sairá daqueles valentes gritos de liberdade.

O cheiro de jasmim que perfuma o mundo árabe não se desmanchará no ar com as ditaduras. Que não haja recuo e floresça liberdade. Nenhuma ditadura ficará imune!

Roberto Freire é presidente do PPS

FONTE: BRASIL ECONÔMICO

Mubarak piscou:: Merval Pereira

Ao dizer que pretende sair, mas que só não o faz para evitar o caos no Egito, o ditador Hosni Mubarak piscou pela enésima vez desde o início da crise. Tudo indica que o ditador egípcio Hosni Mubarak errou ao tentar dispersar as manifestações contrárias ao seu governo na base da ameaça. Ao colocar nas ruas bandos de capangas para se confrontar com os manifestantes, o governo egípcio tentava dar ao mundo uma demonstração de que existem cidadãos que se dispõem a sair às ruas para defendê-lo.

Mas a estratégia foi tão mal construída que vários desses "manifestantes" a favor do governo foram identificados como agentes das forças de segurança do governo, e muitos deles tinham inclusive carteiras de identificação como policiais.

Em vez de demonstrar força, a ação dos capangas pagos pelo dinheiro dos contribuintes egípcios, que estão nas ruas justamente contra os abusos do Estado, trouxe à opinião pública internacional a certeza de que o governo de Mubarak não tem mais condições, sejam morais, sejam práticas, de conter a situação.

Se a ideia era assustar os manifestantes, que estão nas ruas há dez dias, também não funcionou, pois as manifestações só fizeram aumentar a partir da constatação de que os que protestam têm razões genuínas para estar nas ruas, enquanto os "defensores" de Mubarak só são mobilizados à custa de dinheiro, o que expõe ao mundo a fragilidade do atual governo.

Mubarak piscara várias vezes nos últimos dias, primeiro quando anunciou que não se candidataria a um novo mandato.

Depois, quando avisou que o vice-presidente do Egito, Omar Suleiman, de seu esquema militar e nomeado nos primeiros dias da revolta popular para um posto que nunca havia sido ocupado, também não seria candidato.

Como não aplacasse a fúria das ruas, Mubarak teve que anunciar que seu filho Gamal, apontado como seu provável sucessor, também não disputaria as eleições de setembro, data que ele quer manter para as eleições que definiriam o fim de seu mandato.

Não parece ser o suficiente, porém, nem para os que estão nas ruas pedindo sua saída imediata, nem para os governos dos Estados Unidos e de países europeus como a França.

Ainda existe nesses governos a vontade de preservar o antigo aliado, mas não no poder. As pressões se direcionam para a convocação imediata de eleições, embora ainda se tente garantias para que Mubarak não tenha que sair foragido do país, o que parece cada vez mais difícil.

A repercussão da violência no Egito restringe cada vez mais a margem de manobra a favor de Mubarak.

Já é possível encontrar nos muros de Paris uma série de pichações relacionando a crise na Tunísia e no Egito com os problemas internos dos imigrantes, especialmente os dos países árabes que têm ligação histórica com a França e volta e meia incendeiam literalmente as relações com o governo, especialmente nas periferias da cidade.

A perseguição aos jornalistas estrangeiros que acompanham a crise e enviam seus relatos a partir do Cairo e outras cidades revoltadas, é mais um ingrediente contra o governo de Mubarak, que a cada dia vê seu campo de manobra ser reduzido.

A justificativa oficial para a perseguição a jornalistas estrangeiros é que a imprensa internacional estaria fazendo uma cobertura com o viés contrário ao governo, ajudando dessa maneira os manifestantes que querem a queda de Mubarak.

O fato de o primeiro-ministro Ahmed Shafiq ter pedido desculpas pelo ataque de partidários do presidente Hosni Mubarak aos manifestantes que pacificamente defendiam a democracia nas ruas mostra que a reação das gangues armadas e pagas pelo esquema policial de Mubarak, que deixou ao menos uma dezena de mortos e mais de mil feridos, muitos dos quais vagam pela Praça Tahrir como zumbis insistentes, só fez piorar a situação do governo.

Ele anunciou que as investigações revelarão quem está por trás "desse crime e quem permitiu que ele ocorresse", e eles serão "punidos". Shafiq foi incisivo: "Não há qualquer desculpa possível para atacar manifestantes pacíficos".

Na versão do ditador Mubarak, no entanto, os confrontos foram insuflados pela Irmandade Muçulmana, o que serve para aumentar o pavor que o Ocidente tem de que esse grupo radical islâmico assuma o poder com sua saída, embora claramente não esteja liderando a oposição.

Tanto o vice-presidente quanto o primeiro-ministro, militares do esquema governamental, haviam sido nomeados como alternativas para que o partido do governo continuasse no poder em caso de o ditador ter mesmo que desistir, o que foi devidamente interpretado pela oposição como uma tentativa de permanência no poder sem negociações.

O que acontecerá no Egito é um sinalizador para outros países da região que também estão às voltas com manifestações populares. E parece estar assustando muito além da região.

O fato de a China ter censurado a internet, especificamente para impedir consultas sobre a crise no Egito, é um sinal de que outras ditaduras não querem saber de manifestações contra autoritarismo, mesmo indiretas.

FONTE: O GLOBO

Agora, basta!:: Eliane Cantanhêde

Diplomatas são treinados para ter sangue-frio, paciência, linguajar sutil e habilidade. Mas eles também são de carne e osso, e a paciência do embaixador brasileiro no Cairo, Cesário Melantonio, 40 anos de Itamaraty, parece que se esgotou ontem.

Ele considera, como qualquer pessoa razoável e qualquer regime que se preze, que o ditador Hosni Mubarak ultrapassou todos os limites ao jogar os cães -e policiais à paisana, travestidos de "manifestantes pró-governo"- contra jornalistas estrangeiros, não importando a nacionalidade.

A fúria atingiu jornalistas de aliados como os Estados Unidos (o maior de todos...) e de todo o resto: da Turquia, da Alemanha, da França. Nem os brasileiros escaparam, como relatam, com a adrenalina ainda alta, Corban Costa e Gilvan Rocha, da EBC.

A partir daí, o diplomata Melantonio abandonou o "diplomatês" e falou em claríssimo português o que estava achando daquilo tudo: "Uma barbárie".

Também classificou o governo de Mubarak de "gerontocracia" (numa referência à idade provecta do ditador) e opinou claramente sobre as chances de permanência de Mubarak no poder, ou da vitória de seu filho Gamal nas eleições de setembro: "O regime está morimbundo".

Em sua terceira nota, o governo Dilma Rousseff continuou excessivamente cauteloso, mas subiu o tom, ao usar um verbo pouco usual nos suscetíveis textos diplomáticas, onde uma vírgula pode mudar tudo: "deplorar". O Brasil, enfim, "deplora" o que ocorre no Egito.

Pelo que se vê, ninguém dá mais um tostão furado pela sobrevivência política de Mubarak, há 30 anos no poder. Agora, o problema passa a ser outro: depois dele, quem -ou o quê- virá no país árabe?

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

Arquivo morto:: Dora Kramer

A iniciativa pode ser louvável, mas não é nova. Ao propor ao Executivo e ao Legislativo a criação de um "pacto republicano" entre os três Poderes para modernizar e dar celeridade à Justiça, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cesar Peluso, repete o gesto feito pelo então presidente do STF Gilmar Mendes há menos de dois anos.

Em abril de 2009, no auge dos escândalos dos atos secretos do Senado, em cerimônia solene na Casa, representantes dos três Poderes comprometeram-se com a mesmíssima proposta: garantir ao brasileiro "um sistema de Justiça mais ágil, efetivo e acessível".

Presidia o Poder Executivo Luiz Inácio da Silva, mentor da atual presidente, comandava o Legislativo o atual presidente do Congresso, José Sarney, que, envolvido até o bigode em toda sorte de denúncias, apresentou-se de bom grado como anfitrião da solenidade.

Apenas uma maneira de produzir fatos positivos, porém inócuos, como se constata ante a evidência de que nenhuma providência foi tomada para materializar o pacto.

A declaração, bem-intencionada, careceu de condições objetivas para sua realização e de sinceridade nos propósitos de pelo menos parte dos signatários. O Legislativo só interessado em mudar de assunto e o Executivo empenhado em sustentar o desvio.

Lamentavelmente, as boas intenções do Judiciário não encontraram na época, e continuam não encontrando agora, correspondência na realidade.
Em sã consciência ninguém pode apostar na possibilidade remota de o Parlamento tocar novas legislações e regulamentações necessárias às medidas contidas no "pacto" na maneira como funciona hoje: desinteressado de quaisquer assuntos que requeiram trabalho, inteligência e preocupação com o bem-estar do público pagante.

Desigualdade. Imagine o leitor o que não pensa um aposentado comum diante das notícias sobre as aposentadorias vitalícias de ex-governadores? Recebem benefícios de até R$ 25 mil por, no máximo, oito anos de trabalho. Alguns deles fazem jus ao pagamento tendo dado meses, às vezes dias de um serviço que não é profissão, é delegação.

José Roberto da Silva, pernambucano de Jaboatão dos Guararapes, escreve para registrar sua perplexidade.

Aposentado desde 1992, ele recebe R$ 1.400. Como ainda trabalha, desconta 11% do salário para o INSS. "A contribuição vai para o ralo, pois não posso me aposentar de novo nem acrescentar essa contribuição à minha aposentadoria."

São 18 anos de contribuição para nada. "Não seria mais justo por parte do governo conceder aos aposentados a isenção desse tributo? Não seria mais justo e honesto que a contribuição de 35 anos fosse depositada numa espécie de poupança? Ou então que isso assegurasse um plano de saúde?"

Na opinião de José Roberto da Silva, 69 anos, 37 de contribuição pelo teto máximo como oficial da marinha mercante, passa da hora de "mudarmos a história deste país".

Não é, no entanto, a visão do governo, cuja determinação dada pela presidente Dilma Rousseff ao ministro da Previdência, Garibaldi Alves, por intermédio do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, é a de que não pense muito nem menos fale em alterações no sistema previdenciário.

Da conclusão da reforma, Dilma desistiu. E determinou a interdição do debate no âmbito do ministério.

Como dantes. Não é de espantar a violência do governo do Egito em relação aos jornalistas estrangeiros, brasileiros inclusive, que registram a revolta popular contra Hosni Mubarak. Afinal, trata-se de uma ditadura e, como tal, é de sua essência a barbárie.

Já de democracias, como o Brasil, o que se espera é, no mínimo, um posicionamento firme em prol da liberdade como valor universal. A nota em que o Itamaraty "deplora" os "confrontos violentos" não traduz repúdio ao essencial: o regime de força.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Dilma "contra" Lula:: Fernando de Barros e Silva

Dilma Rousseff caiu no gosto das pessoas que vivem no que Elio Gaspari costuma chamar de "andar de cima". As classes dirigentes parecem encantadas com a nova presidente. Quanto ao povo que a elegeu por causa de Lula, por enquanto é mais difícil saber o que está pensando, ou mesmo se estaria pensando algo a esse respeito.

Elogia-se em Dilma sobretudo o estilo. A discrição, a sobriedade, o formalismo dos gestos. É menos o governo que mal começou do que sua maneira de se comportar que tem arrancado entusiasmados aplausos dos analistas políticos.

Com mais ou menos consciência, elogia-se Dilma para criticar Lula -ou melhor, pretende-se atacar Lula elogiando Dilma, numa espécie de revanche póstuma e de efeito simbólico contra o boquirroto.

A agenda de boa parte da mídia tem sido intrigar Dilma e Lula, como se este fosse um governo de oposição, e não de continuidade.

O que os cães de guarda bem remunerados da imprensa governista chamavam de PIG (o Partido da Imprensa Golpista) hoje está mais para pug -o cachorrinho de madame.

Basta, por ora, que Dilma seja o negativo comportamental de Lula para sair bem na foto das elites. Se o Brasil fosse uma praia, é como se essas pessoas ficassem aliviadas com a retirada de cena do farofeiro.

Para além dos modos, há, é claro, razões objetivas sustentando a boa impressão da presidente. A extrema prudência na condução da economia é a primeira delas. O pragmatismo político é outra. Dilma também se mostra mais comprometida com os direitos humanos e menos disposta a patrocinar o antiamericanismo do antecessor.

Tudo isso tem colaborado para um clima geral de distensão no cenário político. O preço simbólico que essa comunhão cobrou até aqui foram as pauladas retóricas no lombo de Lula. Mas, como toda lua de mel, essa também tem prazo de validade. Mais adiante veremos o que havia de precipitação nesse súbito amor entre Dilma e a zona sul.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

A reforma política hoje:: Fernão Bracher

Voto distrital será a melhor opção para fundamentar um novo avanço no sistema de representação eleitoral no Brasil.

Dizem que a reforma política é a mãe de todas as reformas. E é verdade, porque cuida da reforma de como determinar o poder no Estado. E o Estado é a nossa segurança. É ele que estabelece as leis e as faz cumprir; é ele que cuida dos nossos interesses como nação; é ele que garante a vontade da maioria e os direitos das minorias. E o poder do Estado, diz nossa Constituição, ".... emana do povo, que o exerce por meio dos seus representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição".

O que se propõe neste artigo é considerar brevemente como hoje se expressa essa emanação do poder e em que ela é passível de melhoria para representar a vontade popular.

Na construção da democracia, o Estado brasileiro já venceu algumas etapas. É república e não monarquia, é presidencialista e não parlamentarista. O voto é de todos e secreto. Os poderes da República são três: Executivo, Legislativo e Judiciário; só os dois primeiros são objeto do voto popular.

Ocupêmo-nos, pois, em ver quanto a constituição do Executivo e do Legislativo corresponde à vontade popular.

Neste trabalho, para verificar a maneira de aferir a vontade popular e a acuidade dessa aferição, examinaremos quatro itens:

- Um homem, um voto

- Os partidos

- A circunscrição eleitoral

- O financiamento das campanhas

Depois mencionaremos alguns problemas pontuais mais importantes, como também progressos feitos. Finalmente, a conclusão.

Um homem, um voto

É uma proposição que, ao bom-senso, parece evidente. A cada cidadão deveria corresponder um voto. Por que seria alguém menos importante do que o outro? O tempo do voto censitário já passou. Naquela época, somente votava quem tivesse propriedades ou certa renda ou, mesmo, se fosse alfabetizado. Vencemos essa etapa. Todo brasileiro, nato ou não, alfabetizado ou não, maior de 16 anos, tem direito ao voto.

O quadro na página 15 mostra a distribuição de votos no Brasil para o Legislativo. São 135 milhões de eleitores, que se distribuem pelas 513 cadeiras da Câmara dos Deputados e 81 assentos no Senado. Essa distribuição é feita proporcionalmente ao número de eleitores, mas limitada aos tetos impostos a cada Estado. Não há Estado com menos de 8 deputados, nem mais de 70. No Senado, cada Estado tem 3 representantes.

A aplicação desses princípios traz, entre outras, a consequência de que 84% dos eleitores brasileiros elegem apenas 77% dos deputados e, no Senado, 16% dos eleitores elegem a maioria, isto é, 42 senadores.

Enquanto dar-se um número mínimo de cadeiras (8) na Câmara dos Deputados a Estados com escassa população parece atender a uma preocupação razoável, não parece acertado punir os brasileiros residentes em Estados mais populosos, diminuindo o peso do seu voto em relação aos demais. No Senado, a desproporção de, com 16%, fazer-se a maioria, dispensa comentários.

Os partidos

Um dos progressos da organização democrática é a formação dos partidos. Eles são o caminho encontrado e hoje necessário entre o povo e o poder. Os cidadãos devem organizar-se em partidos para, juntos, sob um determinado programa, postularem o comando. Sem o partido não se chega ao poder.

É necessário, portanto, que o partido seja um instrumento da adequada expressão da vontade popular e não uma camisa de força (como seria no caso da lista única, como veremos adiante).

Por terem os partidos essa importância central no exercício da democracia, levantam-se os seguintes pontos passíveis de aperfeiçoamento:

a) Representatividade - Quão representativa deve ser uma sociedade para poder denominar-se partido e gozar dos seus privilégios? A Constituição Federal é muito modesta nas exigências de representatividade para que os partidos tenham essa qualificação (art. 17).

Há algum tempo houve uma lei que criava a "cláusula de barreira". Exigia que os partidos tivessem maior representatividade para receberem esse título. Infelizmente, o STF entendeu que tal exigência era inconstitucional. Ficamos, assim, com 27 partidos, como fator de distorção, dos quais vários apelidados de "nanicos" e sem terem eleito um representante sequer.

b) Disciplina partidária - Uma das consequências desse grande número de partidos é a necessidade de o Executivo, sem maioria no Congresso, compor-se com muitos partidos. O Executivo está refém dessas barganhas e, com isso, toda a eficiência da máquina governamental. As empresas públicas ficam com a sua governabilidade extremamente comprometida.

c) Aumento de poder dos partidos - Apesar de toda essa fragilidade e falta de representatividade dos partidos, há quem proponha a adoção de lista única partidária para a eleição de deputados federais e estaduais, como para vereadores.

Aos partidos seria dado privilégio/incumbência adicional. Além de serem os canais necessários utilizados pelos cidadãos para se candidatarem, os partidos fariam uma seleção de candidatos e estabeleceriam com qual preferência deveriam receber os votos. Assim, os eleitores, em vez de votarem em determinado candidato, votariam em um determinado partido, que distribuiria os votos de conformidade com uma escala prévia dos candidatos, incluindo nomes que talvez não sejam do gosto do eleitor. Em outras palavras, para votar em "A", se teria também que votar em "B", e quem determina isso é o partido. Evidentemente, essa proposta afasta a transparência da emanação do poder pelo povo, objetivo inicial da democracia, e transforma o partido em camisa de força.

Pode-se ver um excesso no exercício do poder dos partidos também na maneira pela qual são escolhidos os candidatos, sobretudo aos cargos executivos. Os candidatos a presidente, por exemplo, têm saído sempre de acordos de cúpula.

A circunscrição eleitoral

A circunscrição eleitoral, nas eleições presidenciais, é todo o Brasil. Aqui sim temos um homem, um voto. O voto do eleitor do Amapá conta tanto quanto o do eleitor do Rio Grande do Sul.

Já para os governadores e deputados federais e estaduais, a circunscrição eleitoral é a do seu respectivo Estado. Assim também os senadores. Para os prefeitos e vereadores, a do seu município.

Com referência aos deputados federais e estaduais, sua circunscrição eleitoral é todo o Estado. Está aqui, em nosso entendimento, o principal ponto a se corrigir no ordenamento político. Tomemos como exemplo o Estado de São Paulo, assumindo que a situação é semelhante nos outros Estados.

A Câmara Federal constitui-se de 513 deputados e a cota de São Paulo é de 70. A Assembleia Legislativa de São Paulo tem 94 assentos. Tanto os 70 como os 94 lugares devem ser preenchidos por deputados aqui eleitos. Para isso, os partidos registraram nas últimas eleições 1.276 candidatos, que disputavam 70 vagas (Câmara Federal) e 1.976 candidatos para as 94 vagas da Assembleia Legislativa (no total, 3.252 candidatos).

Portanto, os eleitores - você que me lê, eu, todos nós -, nos defrontamos com uma lista de 3.252 candidatos. Primeira pergunta: em quem votei na última vez? Não me lembro. Se me lembro, o que fez ele? Não sei. O contato eleitor-eleito, se não é nulo, é quase. E o custo dessa eleição!? O candidato não tem um grupo interlocutor certo. Tem que distribuir sua propaganda por todo o Estado. E, em todo lugar, seu mais temido adversário é o colega de partido que também anda por todo Estado, a procurar a mesma coisa e com o mesmo programa: votos.

O custo de uma campanha para deputado federal foi estimado, em 2010, entre R$ 1 milhão e R$ 6 milhões. O salário do deputado federal hoje (depois do aumento) é de R$ 26,7 mil. Como ele vai pagar esses custos?

Só há uma maneira de reduzir drasticamente o custo da campanha para deputados e melhorar o relacionamento/conhecimento entre eleitor e representante: aproximar o deputado do eleitor pela criação do distrito eleitoral.

Em um distrito eleitoral, seriam apresentados, por partido, um candidato para deputado federal e outro para estadual. Portanto, com 27 partidos o eleitor confrontar-se-á, no máximo, com 54 candidatos (em vez de 3.252, como vimos antes). O custo é extraordinariamente menor, o eleitor pode conhecer o seu candidato e acompanhar seus trabalhos.

A criação desses distritos ficaria a cargo da Justiça Eleitoral, o que daria a possível garantia da sua lisura.

A grande dificuldade para fazer essa alteração é o receio dos deputados: é certo que será para melhor, mas o será para mim? Hoje recebo votos oriundos de todo o Estado. Qual será o melhor distrito para mim? Conseguirei que o meu partido me indique no quadro desse distrito?

A vantagem do voto distrital é tão grande que suplanta o possível risco de a proporcionalidade partidária não ser representada no resultado final. (Os eleitos nos distritos não representariam a maioria da somatória de todos os votos).

Financiamento das campanhas

Os candidatos precisam chegar aos eleitores e isso custa dinheiro (custará menos se eleitores e candidatos estiverem em um distrito). De onde devem vir esses recursos?

No Brasil, hoje (com certas limitações, em casos específicos) são permitidas doações de pessoas físicas ou jurídicas sem qualquer limitação (a não ser a própria capacidade do doador) e doações do Estado (tempo de televisão e contribuições para o fundo partidário).

Essa situação de contribuições sem limites traz distorções ao processo eleitoral. Favorecem-se os partidos com maiores possibilidades de assumir o poder ou mais coniventes com a corrupção ou, enfim, aqueles que têm o apoio das classes mais ricas.

Criar as mesmas condições para colocar o candidato próximo do eleitor com os menores custos (voto distrital) é condição da democracia e, consequentemente, obrigação do Estado. Isso, quanto aos gastos. Com referência aos recursos, tudo aconselha adequar a cota pública e restringir a contribuição a pessoas físicas e até certo montante.

Já hoje, a cota pública representada pelo fundo partidário não é pequena. Noticia "O Estado de S. Paulo" (15/1/2011) que o Executivo deverá, em 2010, destinar para esse fundo R$ 265 milhões, dos quais o partido mais beneficiado receberá R$ 42,8 milhões e o menor partido, R$ 510 mil.

Entraves vários

Demos antes as grandes linhas da representação na democracia. No dia a dia, aparecem ainda certas figuras que, por vários aspectos, se mostram negativas. As mais importantes são a coligação e o suplente de senador.

A coligação é o acordo pelo qual partidos políticos estabelecem que vão concorrer em determinada circunscrição (país, Estado, município) juntamente com outros partidos. Essa prática parece nefasta, porquanto enfraquece o pouco que ainda existe de sentido doutrinário dos partidos e estimula partidos menores a receberem candidatos "bons de voto" independentemente do seu conteúdo pessoal (por exemplo, Tiririca).

Veja-se agora a questão do suplente de senador. Manda o princípio federalista que cada Estado tenha sempre três representantes. Como fazer, então, quando ocorrer a vacância do assento de um dos três (morte, invalidez, licença por qualquer razão, assunção de um ministério etc.)? O candidato a senador apresenta-se à eleição com um suplente que, com ele, será eleito. O que ocorre, na prática, é que o eleitor não conhece nem fica conhecendo o suplente. Sem erro é possível afirmar que a representatividade desses suplentes é muito baixa, além de o expediente possibilitar negócios financeiros, como o suplente financiar o candidato aparente.

Progressos

Nosso caminho democrático também registra progressos, não tanto por iniciativa dos nossos representantes, mas por iniciativa popular e dos tribunais.

Duas iniciativas populares transformaram-se em lei, com alto valor moralizante na "emanação" da vontade do povo. São elas: mais de um milhão de assinaturas (lei 9.840/99) contra a compra de votos, e 1,3 milhão assinaturas (lei 135/10), da ficha limpa.

Todos nós sabemos quanto essas leis ajudam no aperfeiçoamento da democracia. Entre outras virtudes, nos fazem pensar que a coisa pública diz respeito a todos nós e está ao nosso alcance influir sobre ela.

Devemos também mencionar o Judiciário, que, por decisão interpretativa sua, criou regras que aperfeiçoam o funcionamento partidário, garantindo razoável disciplina, dificultando a troca de partidos.

Conclusão

A ideia básica que norteia o conceito de democracia é a de representar adequadamente a vontade do povo. Sem dúvida, o melhor é ter a democracia direta, como existe ainda, para alguns casos, em certos cantões suíços. Os cidadãos reúnem-se na praça, ouvem as proposições e votam. Não há intermediação, não precisa haver partidos nem propaganda. Isso, porém, no Brasil, com 135 milhões de eleitores, não é possível. Por essa razão é que se formam, nas democracias modernas, instrumentos para canalizar a vontade popular. É necessário, porém, que essa "canalização" não distorça a vontade popular. Ela será tão mais adequada e acertada quanto mais perfeitamente trouxer a vontade popular para os parlamentos e seu funcionamento.

O voto distrital é o que de melhor se pode fazer para trazer o candidato ao eleitor. Se não podemos mais decidir as questões em praça pública, que ao menos o façamos em um círculo humanamente compreensível, que é o distrito. Com isso, o eleitor pode ter um contato direto com o candidato, diminuindo consideravelmente o custo eleitoral e aumentando a possibilidade de contato eleitor-eleito.

Com referência ao dinheiro despendido em campanha, deve ser o menor possível. Deve importar o valor do candidato e não o enfeite do marqueteiro. Se isso não é possível nas eleições para o Executivo, nas quais, no regime presidencialista, o voto é em toda a região a ser administrada (país, Estado ou município), é possível nas eleições para deputado e vereador, com a utilização do princípio do voto distrital. O ideal é que o financiamento preponderante seja o do poder público.

Finalmente, como ressaltamos de início, há uma permanente procura de aperfeiçoamento da experiência democrática, em todo o mundo. No Brasil, temos que reconhecer que, apesar de tantas imperfeições que ainda nos infelicitam, temos feito belos progressos. É uma experiência que é vivida, discutida e na qual caminhamos para a frente. Sem falsa modéstia, acho que estamos de parabéns, o que não nos deve desestimular do muito que ainda há por fazer e que depende do esforço individual, corporativo, da imprensa, do Judiciário e do Legislativo. Cabe a cada um assumir sua responsabilidade.

Fernão Bracher é ex-presidente do Banco Central e do Itaú BBA.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

A conta e o faz de conta::Rogério L. F. Werneck

Chegou a conta da memorável farra fiscal do ano passado. As despesas não financeiras do governo central superaram em 22,4% as de 2009. Apesar do vigoroso crescimento da receita, na esteira da expansão da economia, o superávit primário do governo central, devidamente calculado, não chegou a 1,3% do PIB. Mas o governo ainda não deu sinais convincentes de que conterá gastos. As autoridades fazendárias nem mesmo reconhecem a existência do problema. Negam que tenha havido deterioração do quadro fiscal em 2010.

O que se vê é mais um preocupante desdobramento do descrédito em que caiu o registro das contas públicas, desde que o governo passou a adotar critérios contábeis indefensáveis para disfarçar o que vem ocorrendo com as finanças públicas. Tendo produzido estimativas completamente deturpadas dos indicadores fiscais que devem pautar a condução da política macroeconômica, o governo agora quer acreditar no faz de conta e concluir que, com base nesses indicadores, o quadro não parece requerer maiores ajustes na área fiscal.

Tal desdobramento era perfeitamente previsível. Poderia ter sido evitado se a deturpação das contas públicas tivesse ficado encapsulada no governo anterior. Mas essa oportunidade foi perdida quando a presidente Dilma Rousseff decidiu manter Guido Mantega e sua equipe no Ministério da Fazenda. Como era de esperar, o ministro agora atribui um custo proibitivo a reconhecer que os indicadores fiscais foram deturpados e deixaram de indicar o que deveriam. Para não ter de incorrer nesse custo, parece disposto a tudo.

A escalada de irracionalidade que isso pode desencadear não deve ser subestimada. Basta ver a lamentável reação de Mantega às observações sobre o quadro fiscal brasileiro, num relatório recente do FMI: "O diretor-gerente saiu de férias e algum velho ortodoxo deve ter escrito esse relatório com bobagens sobre o Brasil". Se há uma coisa que o FMI sabe fazer é manter registros cuidadosos da evolução das contas públicas de seus membros.

O relatório do qual se queixa Mantega oferece excelente exemplo desse cuidado, ao assinalar, meticulosamente, que nas estatísticas de resultado fiscal do Brasil "não estão incluídos empréstimos ao BNDES de mais de 3% do PIB tanto em 2009 como em 2010".

O FMI está coberto de razão ao constatar que o quadro fiscal no País piorou. Mas é apenas mais uma voz no imenso coro de analistas, aqui e no exterior, que defende mudanças na política fiscal, tendo em vista a deterioração das contas públicas e a necessidade de rebalancear a política macroeconômica, com alívio da sobrecarga que tem recaído sobre a monetária, num quadro de inequívoco sobreaquecimento da economia.

A reação destemperada do ministro não tem justificativa. Mas é apenas uma pequena amostra das dificuldades que ele deve enfrentar para tentar manter as aparências e continuar a pautar a condução da política fiscal por indicadores já sem credibilidade. A se julgar pela experiência argentina nessa área, a perspectiva não é animadora. Os Kirchners abriram a caixa de Pandora da falsificação de índices de preços no início de 2007. Até hoje, não conseguiram fechá-la.

Estará o governo disposto a abandonar a deturpação sistemática dos indicadores fiscais observada nos últimos dois anos? Há uma declaração do secretário do Tesouro a esse respeito, publicada no Estado em 1/2, que soa auspiciosa: "Vamos voltar ao mesmo sistema de superávit primário que usamos em 2007 e 2008. A meta é 3,3%. Vamos mirar na meta cheia. É possível abater, mas não vamos, [ESTE ANO]não tem isso". O problema é que tal declaração estava sendo apenas rememorada pelo jornal. Foi feita ao Estado há um ano, em janeiro de 2010. Mas o secretário não se emenda. Depois de toda a lambança contábil para disfarçar o descontrole de dispêndio do ano passado, quer agora que o País acredite que o quadro fiscal melhorou.

Com a Fazenda entregue ao faz de conta, será difícil conter gastos.

Economista, Doutor pela Universidade Harvard, é Professor Titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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Primeiro apagão de Dilma

Queda de energia provoca apagão e deixa parte do Nordeste sem luz

Athos Moura, Claudio Nogueira, Nívia Carvalho

Uma falha no fornecimento de energia fez com que parte da região Nordeste ficasse sem luz na noite desta quinta-feira e início da madrugada desta sexta. A pane que atingiu Bahia, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Sergipe, Piauí e Rio Grande do Norte ocorreu devido a uma falha no circuito eletrônico da subestação Luiz Gonzaga, no município de Jatobá, em Pernambuco, informou o diretor de operações da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco, Mozart Bandeira Arnaud.

- Houve uma falha em componente eletrônico, a cartela, que faz parte do sistema de proteção da subestação. Sem ter havido nenhum problema, por um defeito eletrônico, deu ordem para desligar a subestação. Isso às vezes pode acontecer, mas como a instalação era muito grande, os efeitos foram sentidos em várias regiões - afirmou.

De acordo com o diretor, a energia já foi restabelecida em todos os estados atingidos, podendo haver falhas pontuais que deverão ser corrigidas. Ainda segundo a Chesf, as usinas de Xingó e Paulo Afonso também teriam sido atingidas em consequência do apagão.

O problema afetou diversas estações que alimentam o Nordeste, e a energia começou a retornar a partir da 00h30. Mas até 3h30 alguns internautas ainda relatavam problemas com o restabelecimento da luz em capitais como Natal e João Pessoa, e em grandes cidades do interior como Feira de Santana, na Bahia, e Campina Grande, na Paraíba.

Na capital baiana a queda de energia atingiu o Parque de Exposições, onde acontece o Festival de Verão de Salvador. O show da cantora Ivete Sangalo teve que ser atrasado em 40 minutos por causa do apagão. Apenas os palcos, que funcionam com suporte de geradores, continuaram funcionando.

A Coelce, empresa que fornece energia elétrica para o Ceará, informou por volta das 3h30 através do Twitter que a luz já tinha sido restabelecida em todo o estado.

Às 4h30, internautas relataram que em Natal, capital do Rio Grande do Norte, e em Campina Grande, na Paraíba, a energia já tinha voltado. Mas grandes cidades do interior nordestino, como Olinda, em Pernambuco, e Vitória da Conquista, na Bahia, ainda permaneciam sem luz elétrica.

Detentos do presídio Aníbal Bruno, em Recife, aproveitaram a falta de energia para atacar um grupo rival. Um preso foi morto com uma faca artesanal e um segundo detento, atacado a tijoladas, está internado em um hospital da capital pernambucana.

De acordo com o estudante Thiago Galdino, de 23 anos, morador do bairro Casa Amarela, também em Recife, a falta de luz na cidade começou por volta das 23h (meia-noite horário de Brasília). Segundo Thiago, além da luz, os serviços de telefonia fixa e internet também não funcionavam.

- Eu estava ouvindo jogo na rádio e a transmissão parou. Depois o locutor entrou no ar e falou que havia um problema de energia na cidade e pediu que os ouvintes ligassem para informar quais bairros estavam sem luz. Conforme as pessoas foram ligando e contando que falaram com parentes de outros lugares, descobrimos que outras cidades de Pernambuco e do Nordeste também estavam no escuro - disse Thiago.

No Twitter, internautas postaram fotos e fizeram relatos da escuridão em Salvador, Recife, Maceió, João Pessoa, Fortaleza, Aracaju, Natal e São Luís. Enquanto o blecaute movimentava o microblog, fazendo a hashtag #apagão figurar nos Trending Topics - os assuntos mais comentados no Twitter - o site da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco estava fora do ar.
FONTE: G1

Dilma tira Furnas do grupo de Cunha e entrega a Sarney

A presidente Dilma Rousseff decidiu acabar de vez com a influência do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) em Furnas. Contrariada com a reação do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, que ameaçara entregar todos os cargos no governo caso o partido não mantivesse a presidência da estatal, Dilma escolheu, convidou e mandou anunciar o nome do engenheiro Flávio Decat para o cargo. Ex-diretor da Eletrobras, Decat é próximo do grupo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e também do senador Delcídio Amaral (PT-MS). Interceptações telefônicas feitas com autorização judicial pela Polícia Federal durante a Operação Faktor registraram, em 2008, uma conversa de Fernando Sarney com o pai em que pedia que o senador arrumasse um emprego na Eletrobras para o amigo Decat.


Dilma enfrenta Cunha e Alves

A HORA DA PARTILHA

E indica para dirigir Furnas Flávio Decat, que tem ligações com a família Sarney

Gerson Camarotti e Chico de Gois

Diante das ameaças feitas pela bancada do PMDB na Câmara de entregar todos os cargos no governo se não mantivesse o comando de Furnas, a presidente Dilma Rousseff decidiu ontem nomear o engenheiro Flávio Decat para a presidência da estatal como uma forma de barrar a pressão dos peemedebistas ligados ao deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Dilma ficou especialmente contrariada com as declarações do líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), ao GLOBO rejeitando a indicação do nome de Decat, ex-diretor da Eletrobras, que tem proximidade com ela e com o grupo do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP).

A decisão da presidente Dilma foi tomada no final da manhã, depois de uma reunião que contou com as presenças do vice-presidente Michel Temer e dos ministros Antonio Palocci (Casa Civil), Edison Lobão (Minas e Energia) e Luiz Sérgio (Relações Institucionais). Segundo relatos, a presidente não gostou de ter sido desafiada com a exigência feita pela bancada do PMDB do Rio de Janeiro de fazer a nova nomeação.

Diante disso, a presidente avisou que demitiria imediatamente o atual presidente da estatal, Carlos Nadalutti Filho, que tinha o respaldo do deputado Eduardo Cunha, pivô da atual crise em Furnas, com as denúncias reveladas pelo O GLOBO há duas semanas. Com isso, Dilma colocou um ponto final nas especulações em torno do futuro da estatal. A reunião de última hora acabou atrasando em 40 minutos a primeira cerimônia pública no Palácio do Planalto, na qual ela anunciou a distribuição gratuita de medicamentos contra hipertensão e diabetes.

Determinação é trocar diretoria

O anúncio foi feito pelo ministro Edison Lobão, depois que Dilma convidou pessoalmente o ex-presidente da Eletronuclear e ex-diretor da Eletrobras para presidir Furnas. Decat, que se reuniu com a própria Dilma também na tarde de ontem, aceitou. Dilma chamou Decat para uma conversa no mesmo dia e, no meio da tarde, mandou anunciar o nome do novo presidente de Furnas.

Decat recebeu a determinação de fazer uma substituição completa em toda a diretoria da estatal, inclusive nas indicações políticas do PMDB e do PT. Nas palavras de um ministro que acompanhou a crise, as declarações do líder Henrique Alves foram "exageradas" e de "muito atrevimento", o que motivou uma reação à altura.

- Decat vai pedir para que todos os diretores de Furnas coloquem seus cargos à disposição. Ele foi uma escolha da presidente Dilma. Ganhou sua confiança quando Dilma era ministra de Minas e Energia do governo Lula e ele, do setor elétrico - disse Lobão.

Lobão negociava uma saída honrosa para o PMDB. Em troca da nomeação de Decat para Furnas, o partido ficaria com os comandos da Eletrobras e da Eletronorte. Para dar uma justificativa ao partido, o governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) aceitou apadrinhar Decat para evitar reações. Mas a proposta foi rejeitada por Henrique Eduardo Alves.

Ainda pela manhã, Dilma foi surpreendida com o impasse em relação a Furnas. Isso porque Henrique Eduardo Alves mostrou-se irredutível numa negociação. Na noite anterior, houve uma longa reunião no Palácio do Planalto, que só terminou às 2h da madrugada de ontem. Participaram dessa reunião Antonio Palocci, Temer, Henrique Alves e o líder do governo, senador Romero Jucá (PMDB-RR).

Para superar o impasse, Lobão sugerira o nome de Decat. O PMDB, no xadrez ensaiado pelo ministro, poderia compensar a "perda" com o comando da Eletrobras e da Eletronorte. Mas Henrique Eduardo Alves não estava disposto a aceitar a oferta. Diante das ameaças de Henrique Alves, Palocci foi obrigado a reagir de forma dura.

- Se você quer romper, se você quiser sair do governo, fique à vontade - disse Palocci, segundo relato dos presentes.

Durante todo o dia de ontem, integrantes da cúpula do PMDB demonstraram preocupação com a postura de Henrique Alves. Ele foi alertado que, se insistisse em desafiar a presidente Dilma, poderia criar problemas para a sua própria pretensão de ser eleito presidente da Câmara num prazo de dois anos.

O ministro Edison Lobão minimizou o descontentamento da bancada de seu partido na Câmara. Ele disse que incumbiu Decat de conversar com o vice-presidente Michel Temer, presidente licenciado do PMDB.

- Decat vai ter uma conversa, que já recomendei a ele, civilizada com o vice-presidente Michel Temer. Eu próprio vou conversar com todos os líderes do PMDB e não há nenhuma guerra contra ele. Não há o que se dizer contra ele (Decat). Ele está sendo convidado e é um técnico e já trabalhou no sistema Eletrobras - adiantou Lobão, que negou que a indicação tenha sido sua.

- Foi um consenso do governo. A presidente conhece bem o Decat. Ela foi ministra de Minas e Energia no período em que ele atuava fortemente no setor.

De acordo com Lobão, as demais trocas na diretoria de Furnas serão definidas pelo próprio Decat em consulta a Dilma e a Lobão. Na opinião do ministro, não há necessidade da instalação de uma CPI sobre Furnas, como quer a oposição.

- A CPI é para momentos de grandes crises. E não há crise no setor - disse Lobão.

PPS apresenta projeto que multa empresas de pesquisa

Raquel Ulhôa

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), apresentou ontem projeto de lei que estabelece multa de até R$ 1 milhão para empresas que divulgarem, às vésperas da eleição, pesquisa de intenção de voto com dados muito diferentes do resultado das urnas (acima da margem de erro).

Pela proposta de Bueno, "a existência de vínculo formal de partido político ou de coligação com a entidade ou a empresa responsável pela divulgação de pesquisa fraudulenta, no período de um ano antes da eleição, pode resultar na cassação do registro ou do diploma" do candidato que for beneficiado.

"Queremos impedir fraudes e erros crassos que influenciam diretamente o resultado das eleições. Com a multa pesada para os institutos e a possibilidade de cassação de candidatos, as empresas certamente terão mais cuidado na divulgação de pesquisas. Isso também visa impedir a proliferação das chamadas pesquisas compradas, que beneficiam o candidato que paga mais", afirma.

Ele se sentiu "vítima de manipulação de pesquisas" em 2004, quando disputou a Prefeitura da Curitiba. O Ibope lhe dava 13% das intenções de voto um dia antes do pleito e ele obteve 20,04% dos votos. Rubens ingressou com ação contra o Ibope, que está tramitando na Justiça.

De acordo com o projeto, a divulgação de pesquisa "fraudulenta" constitui crime, punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 500 mil a R$ 1 milhão.

FONTE: VALOR ECONÔMICO

FHC diz ter se desapontado 'pessoalmente' com Lula

Raymundo Costa

Nem José Serra nem Aécio Neves. A principal estrela do programa partidário do PSDB, levado ao ar ontem à noite no rádio e na televisão, foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Escondido pelo PSDB nas três últimas eleições presidenciais, FHC foi escolhido pelos tucanos para ocupar o vazio causado pela disputa interna no partido.

FHC disse que Luiz Inácio Lula da Silva o decepcionou mais "pessoalmente" que como sociólogo, fez críticas indiretas à visão da presidente Dilma Rousseff sobre o contraditório desenvolvimento versus meio ambiente, defendeu a liberdade de expressão e disse que é possível "resgatar a credibilidade dos políticos, se eles ousarem, se eles não ficarem o tempo todo só cuidando de si".

O ataque frontal ao governo ficou por conta do presidente do PSDB, o deputado Sérgio Guerra (PE), segundo o qual, na eleição, os tucanos lutaram "contra um adversário que abusou do poder econômico, zombou da Justiça Eleitoral". Serra e Aécio aparecem na parte que menciona os governos do partido.

FHC ocupou a metade dos 10min11s de duração do programa. Ele é filmado no centro de uma arena dominada por jovens, que lhe dirigem perguntas. A primeira delas foi sobre as mulheres.

O ex-presidente, depois de tecer considerações sobre o papel das mulheres numa sociedade que teve duas candidatas na eleição presidencial, ressaltou que elas precisam ser "mais ativas" e lhes pediu que ajudem o PSDB a não ser um partido só de homens, "mas um partido onde as mulheres tenham um papel relevante também".

O programa esquenta quando outro jovem lhe pergunta se o ex-presidente Lula o havia decepcionado mais ao político ou ao sociólogo. "Até certo ponto, os dois", respondeu FHC. "Eu diria que mais o político, porque do ângulo da sociologia, o Brasil mudou. Houve avanços na sociedade, novas camadas estão participando das política, e isso não começou no governo Lula, mas ele acentuou", explicou o ex-presidente.

"Isso é bom", reconheceu FHC, para em seguida destacar: "Agora, eu conheci o Lula no ABC, em São Bernardo, o Lula inovador, que dizia o que era preciso, que a CLT precisava ser liberada, que os trabalhadores tinham que ter uma nova forma de relação, um sindicato mais independente, um plano de reformas. Ele não foi isso, eu acho que foi conservador", disse o ex-presidente.

O tucano se estendeu um pouco na explicação: "Lula aceitou muita coisa que não era boa de aceitar. Alianças, todo mundo faz, eu também fiz. Mas ele ficou até o fim, até promoveu mais alianças com setores muito atrasados do Brasil e permitiu que houvesse uma certa complacência com a corrupção. Esse lado me decepcionou talvez mais com a pessoa do que com o presidente". FHC referia-se ao fato de, nos anos finais de seu governo, ter se afastado de oligarcas como José Sarney (PMDB-AP) e Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), morto em 2007.

FHC aproveitou uma pergunta sobre a compatibilidade entre o desenvolvimento e a proteção do meio ambiente, para fazer uma crítica indireta à presidente Dilma, que no governo de Lula era acusada de pressionar os órgãos ambientais para apressar o licenciamento de obras governamentais. "É possível fazer as duas coisas", disse FHC, citando a experiência do etanol, uma fonte limpa de energia que ao mesmo tempo gera a criação de muitos empregos.

"Dá para compatibilizar", afirmou. "Agora, é preciso juízo, bom senso. Não dá para crescer a qualquer custo, a qualquer preço", disse. "Isso é coisa do passado. No período dos militares era assim: cresce, cresce, destrói, não se preocupa com nada, meio ambiente. Isso não é mais saudável. O mundo hoje é crescimento com respeito ao verde, e nós precisamos e podemos fazer isso."

Outro assunto escolhido a dedo para FHC responder foi a liberdade de expressão. Tem que haver liberdade total de opinião. Segundo FHC não há mais como limitar a liberdade de expressão na era da internet e do Facebook. "É impossível, a vida vai ser realmente cada vez mais devassada, cada vez mais clara. Terá seus inconvenientes, mas tem uma vantagem imensa, fica mais preto no branco. Não fica um escondido do outro, não tem mais como. Quanto mais transparente, melhor."

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Recursos atrasam processo do mensalão

Investigados no caso pedem revisão de assuntos já discutidos por ministros do STF

Carolina Brígido

BRASÍLIA. Mesmo depois de terminada a fase mais trabalhosa do processo do mensalão - a dos depoimentos de réus e testemunhas -, o caso ainda não entrou na reta final. O principal empecilho é a montanha de recursos e embargos que os 38 investigados propõem diariamente ao Supremo Tribunal Federal (STF), boa parte sobre assuntos já decididos na Corte.

Ontem, o plenário gastou cerca de uma hora julgando um embargo do presidente do PTB, Roberto Jefferson, sobre um tema que já havia sido questionado pelo mesmo réu. Ao negar novamente o pedido de Jefferson, os ministros da Corte ponderaram que esse tipo de recurso não será mais longamente discutido, para evitar atrasos no processo.

Na sessão de ontem, o relator, ministro Joaquim Barbosa, fez detalhado relatório com o pedido de Jefferson. Segundo os advogados, a defesa do réu estava sendo prejudicada por omissões e problemas administrativos, como a demora na digitalização das peças do processo. Joaquim acusou a defesa de tentar "tumultuar o processo" e de querer protelar a conclusão do caso.

- É a décima vez que o réu recorre das mesmas decisões reiteradamente - reclamou Barbosa.

Barbosa: "tentativa de manipulação dos fatos"

O relator também acusou os advogados de semear a intriga entre os ministros da Corte.

- A defesa finda por manipular as informações e acusa-me de sonegar informações dos demais ministros, na tentativa de gerar mal-estar e suspeita na condução do processo. Não satisfeita com os pedidos anteriores, prosseguiu com os recursos, a revelar que pretende tumultuar o processo - afirmou o relator. - É mais uma tentativa de manipulação dos fatos e de postergar os trabalhos.

A ministra Ellen Gracie sugeriu que o plenário desse a Barbosa poderes para rejeitar sozinho esse tipo de recurso, sem precisar submeter sua decisão ao plenário:

- É o tipo de comportamento em que é claro que o objetivo é retardar cada vez mais a resolução da lide, obrigando o plenário a se debruçar em centenas de páginas de perguntas já respondidas pelo tribunal ou sem sentido. O que fazer? Estimular esse comportamento ou trazer as partes para um comportamento mais racional e respeitoso em relação ao tribunal? - questionou a ministra.

O presidente da Corte, Cezar Peluso, ponderou que, ao negar o julgamento dos recursos em plenário, a Corte poderia dar aos advogados uma nova arma para acusá-la de conduzir o processo de forma irregular. A proposta de Ellen foi, portanto, rejeitada. Peluso sugeriu que, das próximas vezes que Barbosa levar recursos sobre assuntos já julgados ao plenário, apresente relatório sucinto, sem entrar em detalhes.

- Na próxima (vez), (o relator) traz (relatório) com duas linhas e, se as questões estiverem resolvidas, negamos - disse Peluso.

Governo teria pagado propina a parlamentares

O processo do mensalão investiga o suposto pagamento de propina por parte do governo federal a parlamentares, em troca de apoio em votações importantes no Congresso Nacional. A expectativa é que o julgamento ocorra no fim de 2011. O caso já contabiliza mais de 50 mil páginas.

FONTE: O GLOBO

Loterias bancam a gastança do governo

O hábito brasileiro de fazer uma fezinha nos concursos da Loteria Federal representa uma bilionária fonte de renda para a União equilibrar as contas públicas. Técnicos da Caixa Econômica Federal relatam ao Correio que mais de R$ 4 bilhões — praticamente a metade dos R$ 8, 8 bilhões arrecadados em apostas no ano passado — enviados à Secretaria do Tesouro Nacional não chegam aos programas sociais do governo, como determina a lei. Esses recursos são retidos para inflar o superávit primário (economia feita para pagar os juros da dívida pública). Nos últimos anos, a Caixa aumentou em 29% o repasse de recursos ao Tesouro, mas não tem a comprovação de como esse montante é aplicado.

Tesouro suga R$ 4 bi das loterias

Parcela do arrecadado com as apostas deveria financiar programas sociais, como manda a lei, mas é retida para o pagamento de juros

Gabriel Caprioli e Vânia Cristino

As diversas manobras fiscais utilizadas nos últimos dois anos pelo governo para sustentar a gastança pública incluíram o dinheirinho que os brasileiros separam semanalmente para tentar a sorte nos concursos das loterias administradas pela Caixa Econômica Federal. Parte dos bilhões arrecadados todos os anos está sendo retida para engordar o superavit primário (economia feita para pagar parcela dos juros da dívida pública), em vez de ser revertida para projetos sociais e de custeio das áreas de educação, saúde, esporte e segurança, como estabelece a lei. Os valores do ano passado ainda não foram divulgados, mas estimativas de técnicos dão conta do repasse de mais de R$ 4 bilhões da Caixa à Secretaria do Tesouro Nacional que não chegam ao destino legal. Isso é quase a metade dos R$ 8,8 bilhões arrecadados em apostas.

Apesar da soma vultosa, a identificação do caminho traçado pelos recursos depois que entram no Tesouro é difícil. “Quando a quantia chega aos cofres, junta-se ao resto do bolo de receitas. A Caixa manda com algumas rubricas específicas. Mas, depois que vai para a União, não é possível enxergar onde foi parar o dinheiro. Ele não fica carimbado”, detalhou um assessor do governo. O documento publicado mensalmente pelo Tesouro com a contabilidade pública não mostra, entre as receitas do governo, os recolhimentos feitos especificamente pelas loterias. Procurado pelo Correio, o Tesouro não deu explicações.

Controle

Em 2009, último ano em que os dados foram consolidados pela Caixa, a destinação de recursos ao Tesouro cresceu 29%, chegando a R$ 3,5 bilhões. Do total, a maior parcela (R$ 1,2 bilhão) foi direcionada para a seguridade social, numa expansão de 42% em relação a 2008. Os únicos recursos sobre os quais a própria Caixa tem controle são os valores revertidos para os comitês olímpico e paraolímpico brasileiros, que recebem as somas diretamente da instituição por não serem órgãos do governo. No mesmo período, os repasses para as duas organizações foram de R$ 119 milhões (aumento de 28%) e de R$ 21 milhões (26%), respectivamente.

Além de atrapalhar a execução de programas sensíveis, como o Fundo de Investimento do Estudante Superior (Fies) e a construção, a reforma e a ampliação de presídios, financiadas pelo Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), a retenção dos recursos da loteria beneficia duplamente a contabilidade criativa do governo. Isso porque, de cada R$ 100 que são arrecadados, R$ 30 vão direto para os cofres federais a título de Imposto de Renda.

“Os burocratas do Tesouro são extremamente competentes e bem informados. Formam um grupo de gente preparada que conhece bem o funcionamento da máquina. Além disso, temos uma conjuntura de gastos recordes, que é danosa para a administração do dinheiro público. Se juntarmos esses dois pontos, fica fácil entender de onde vêm essas alternativas usadas para compor o superavit”, afirmou o analista de um banco de investimentos, especializado em contas públicas.

Críticas

A falta de transparência não é o único problema na distribuição dos recursos das loterias. O excesso de programas que devem receber parcelas do total arrecadado acaba diluindo os recursos a ponto de eles terem pouca representatividade no custeio desses projetos. “Cada hora, o governo inclui mais alguém para receber, e a pulverização acaba prejudicando todos os beneficiados”, apontou um técnico do governo.

Outra crítica recorrente é o tamanho da parcela destinada aos prêmios, pequena se comparada a outros países onde há jogos de azar regulamentados. No caso da Mega-Sena brasileira, apenas R$ 32,20 de cada R$ 100 vão parar no bolso dos acertadores. “Quantias maiores certamente levariam mais pessoas a apostar, gerando mais recursos”, considerou o técnico.


FONTE: CORREIO BRAZILIENSE

Caetano Veloso - Sonhos

Baladas de uma outra terra:: Fernando Pessoa

Cancioneiro

Baladas de uma outra terra, aliadas
Às saudades das fadas, amadas por gnomos idos,
Retinem lívidas ainda aos ouvidos
Dos luares das altas noites aladas...
Pelos canais barcas erradas
Segredam-se rumos descridos...

E tresloucadas ou casadas com o som das baladas,
As fadas são belas e as estrelas
São delas... Ei-las alheadas...

E sao fumos os rumos das barcas sonhadas,
Nos canais fatais iguais de erradas,
As barcas parcas das fadas,
Das fadas aladas e hiemais
E caladas...

Toadas afastadas, irreais, de baladas...
Ais...