domingo, 22 de março de 2009

PESQUISAS


Quanto pior, melhor

Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


Vamos supor que a crise chegue pra valer, atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados

Durante todo o seu período de bonança, a economia brasileira (centrada no controle da inflação, no superávit fiscal e no câmbio flutuante) parecia blindada em relação à política, apesar das duras críticas de setores empresariais, da oposição e até no interior do governo às altas taxas de juros. Porém, o mundo desabou e a política propriamente dita recuperou sua centralidade. No Brasil, tudo parecia de cabeça para baixo, com a política nacional blindada em relação à crise econômica. Até que as pesquisas de opinião divulgadas no final da semana se encarregaram de desnudar a mudança de humor na sociedade. No Ibope, a avaliação positiva do governo caiu 13 pontos. No Datafolha, caiu cinco pontos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mesmo assim, mantém grande popularidade. Mas colocou as barbas de molho. Sabe que não está surfando uma marolinha, conduz a nau governista num mar proceloso e desconhecido.

Humores

O governo finalmente percebeu que o Brasil não está à margem da crise ou atingido brandamente por ela. A crise chegou, é mais profunda do que se imaginava e atinge em cheio o setor exportador, do agronegócio às empresas de alta tecnologia. O lado mais globalizado da nossa economia foi abalado de duas maneiras: primeiro, pela retração do mercado mundial; segundo, pela desvalorização cambial. Não se conhece toda a extensão dos prejuízos das grandes empresas do setor com a especulação financeira, mas toda hora surge uma novidade. É o que está por trás de boa parte das dificuldades de gigantes do setor, como a Embraer e a Sadia, só para citar dois exemplos robustos.

O humor da sociedade mudou por causa da onda de desemprego no país. O principal sintoma é a desconfiança de investidores, produtores e consumidores em relação ao futuro imediato. O impacto da retração econômica na arrecadação federal já obrigou o governo a cair na real e rever o orçamento da União. Isso funciona como uma bola de neve, pois as receitas estaduais e municipais também estão desabando. Em pequenos municípios, prefeituras estão fechando as portas. Aqui no Distrito Federal, que parecia à margem da crise, os repasses federais para o GDF foram reduzidos, provocando cortes de investimentos, suspensão de concursos e de aumentos salariais. Inevitavelmente, haverá impacto na atividade econômica. Em estados como São Paulo e Minas, com mais dinamismo econômico, o problema do desemprego tende a retrair ainda o mercado, reduzir a arrecadação, elevar de índices de criminalidade e insatisfação social.

Desgastes

O sinal mais importante da pesquisa de opinião em relação ao prestígio do governo Lula é a queda de popularidade junto à população de mais baixa renda, aquela que foi até hoje o foco principal das políticas sociais do governo, com projetos como Bolsa Família e Luz para Todos. Teoricamente, esses setores deveriam ser preservados do desgaste provocado pela crise, seja pela empatia que têm com o presidente Lula, seja pelo fato de que não houve mudança na política de transferência de renda do governo federal. A única explicação para essa mudança é a retração generalizada da atividade econômica. É ilusão avaliar que o desgaste atingirá apenas o governo Lula. Governadores e prefeitos também vão pagar o preço da crise, em maior ou menor escala. Tudo vai depender das atitudes de cada um.

É por essa razão que tenho minhas dúvidas quanto aos benefícios que a oposição poderia colher com o agravamento da crise econômica. O “quanto pior, melhor” pode ser uma grande roubada para quem divide responsabilidade de governo, como acontece com os governadores de São Paulo, José Serra, e de Minas, Aécio Neves, ambos do PSDB, que postulam a posição de candidato da oposição. A crise mudou os planos do governo federal, que trabalhava com um cenário róseo para a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, mas agora já sabe que precisa ter foco na crise, para a casa não cair. Mas a situação não se alterou a ponto de inviabilizar o projeto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de eleger seu sucessor. Tudo vai depender da evolução da crise e da competência do governo na condução da economia.

Mas vamos supor que a crise chegue pra valer, com a recessão atropelando o governo. Não há garantia de que Serra e Aécio serão os mais beneficiados. Dependendo da situação social em seus estados, podem ser levados de roldão junto com Dilma. Um cenário de desastre, teoricamente, pode favorecer quem está fora dessa polarização, como o deputado Ciro Gomes (PSDB) ou Heloisa Helena (PSol), que se mantêm teimosamente em boa posição nas pesquisas. Mas o “salvacionismo” mesmo não seria a eleição de nenhum dos dois, seria um terceiro mandato para o presidente Lula, que continuaria sendo o político de maior prestígio no país. É o risco do “quanto pior, melhor”.

A garantia dos direitos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O "ativismo judicial" está fazendo com que o Supremo Tribunal Federal esteja no centro das discussões políticas desde que seu presidente, ministro Gilmar Mendes, a partir de uma denúncia da revista "Veja", levou diretamente ao presidente da República uma exigência de apuração sobre uma escuta telefônica clandestina de que teria sido vítima. A transcrição de uma conversa com o senador Demóstenes Torres, confirmada pelos dois, seria a prova de que a Operação Satiagraha, conduzida pelo delegado Protógenes Queiroz, teria grampeado ilegalmente diversas autoridades na seqüência da investigação que levou à prisão do banqueiro Daniel Dantas. Uma investigação da Corregedoria da própria Polícia Federal acabou indiciando criminalmente o delegado por ilegalidades na operação, entre elas escutas telefônicas não autorizadas e a violação de sigilo funcional.

Um grupo de agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), recrutados "informalmente" teve acesso a dados sigilosos da investigação, como escutas telefônicas, fazendo papel de polícia judiciária, o que é proibido por lei.

As constantes intervenções do ministro Gilmar Mendes contra os abusos da Polícia Federal nas investigações e prisões levaram a que fosse acusado de estar protegendo o banqueiro Daniel Dantas, a quem concedeu dois habeas-corpus.

A última polêmica tem a ver com a interpretação de uma decisão do ministro Carlos Alberto Direito, que arquivou uma representação do PPS que alegava que são inconstitucionais os decretos 4.376/2002 e 6.540/2008, que autorizam a Abin a manter, em caráter permanente, representantes dos órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência no Departamento de Integração do Sistema Brasileiro de Inteligência.

O arquivamento foi interpretado erroneamente como se o ministro Carlos Alberto Direito tivesse admitido que a atuação da Abin na Operação Satiagraha fora legal. O ministro me disse, no entanto, que decidiu apenas que a Ação Direta de Inconstitucionalidade não é o meio correto para questionar os decretos.

Outra decisão polêmica foi a súmula vinculante sobre o uso das algemas nas operações policiais, que devem ter caráter excepcional. Na verdade, o Supremo não pretendia editar uma súmula vinculante sobre o assunto, mas o fez depois que um delegado usou algemas desnecessariamente e, questionado sobre o pronunciamento do Supremo, disse que aquela decisão "não valia".

Joaquim Falcão, da Fundação Getúlio Vargas, do Rio, e membro do Conselho Nacional de Justiça, considera que a imagem do Poder Judiciário vem se afirmando diante da população. Com base em uma pesquisa nacional realizada pelo Ipespe, ele mostra que a Justiça do Trabalho e os juizados Especiais ou de Pequenas Causas são as instituições mais bem avaliadas pela população, o que demonstraria que a agilidade da Justiça, e sua atuação na base da sociedade, reforçam o seu papel institucional, legitimando um "ativismo" judicial.

O site Consultor Jurídico registrou recentemente que o advogado Saul Tourinho Leal, mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), uma instituição de ensino cujo proprietário é o ministro Gilmar Mendes, fez uma tese de mestrado em que compara as decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos em sua fase mais ativista, quando foi presidida pelo juiz Earl Warren, nas décadas de 1950 e 60, com precedentes adotados pelo Supremo no Brasil, garantindo direitos fundamentais aos indivíduos, em muitos casos contra a opinião majoritária da sociedade, como a progressão da pena para crimes hediondos ou o direito de um réu responder em liberdade, mesmo condenado, até que sejam esgotados os recursos legais.

Luiz Roberto Barroso, em estudo a ser publicado no mês que vem no volume 4 do livro Temas de Direito Constitucional, ressalta que quando Earl Warren deixou a presidência da Suprema Corte, em 1969, a segregação em escolas e demais ambientes públicos já não era mais permitida; o arbítrio policial contra pobres e negros estava minorado; acusados em processos criminais não podiam ser julgados sem advogado.

"Todas as profundas transformações foram efetivadas sem qualquer ato do Congresso ou decreto presidencial", realça. Barroso considera que esse "ativismo" do Supremo está acontecendo no Brasil por duas razões: primeiro, o Supremo mudou a composição.

Na sua análise, nos primeiros anos da Constituição de 1988, foi mantida a composição do Supremo que vinha do regime militar, que tinha um perfil muito comprometido com a velha ordem, fazia interpretações conservadoras, a jurisprudência ficava alinhada ao que sempre fora.

Nos últimos anos houve uma renovação do Supremo e, hoje, há mais ministros que têm um sentimento ligado ao novo regime, à Constituição de 1988, liberando forças represadas.

O outro motivo é que, para Barroso, o Poder Legislativo vive uma crise de funcionalidade que estimula também as medidas provisórias. A energia política que é necessária para aprovar qualquer coisa no Congresso é tão grande, para compor as maiorias, que é mais fácil atuar por medidas provisórias.

A recente decisão do presidente da Câmara, deputado Michel Temer, de encontrar um artifício legal para que as medidas provisórias não tranquem a pauta do Congresso, também é polêmica do ponto de vista jurídico e é outra forma de as interpretações jurídicas interferirem na política.

Barroso diz que ainda não se deteve a fundo na questão, mas considera que essa decisão frustra o sentido da lei, que é impedir que as medidas provisórias fiquem sem ser votadas. Mas admite que, ao mesmo tempo, o Poder Executivo ter o poder de paralisar a ação do Legislativo também fere a independência dos poderes. "O país precisa mesmo é de uma reforma política, e isso o Supremo não pode fazer."

De chips e outras bossas

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O Tribunal Superior Eleitoral concluiu um projeto de aperfeiçoamento do sistema de votação eletrônica que, segundo o presidente do TSE, ministro Ayres Britto, a partir de 2014 vai permitir ao brasileiro ir às urnas mesmo se estiver fora de seu domicílio eleitoral.

Hoje o eleitor é obrigado a justificar a ausência, mas não pode ter seu voto contabilizado.

"É espetacular. É uma revolução", comemorou o ministro Ayres Britto, entusiasmado com a nova sistemática de cartões eletrônicos com chips e outras bossas.

Todas novíssimas, à altura do avançado sistema de votação brasileiro, reconhecidamente um dos mais, se não o mais, modernos do mundo.

Em contrapartida, o Brasil é um dos poucos, entre as nações civilizadas, a sustentar a tradição do voto obrigatório. Isso desde 1932, há 77 anos, portanto.

Não obstante a longevidade do sistema, as mudanças ocorridas principalmente nos últimos anos e o consenso em torno da necessidade de uma reforma político-eleitoral, o voto facultativo é um tema interditado do debate.

Pouco se fala no assunto e, quando se levanta a hipótese de liberação do eleitor para decidir se quer ou não votar, o mundo desaba em argumentos segundo os quais o Brasil - e o brasileiro, portanto - ainda não está preparado para fazer a opção entre comparecer ou não comparecer às urnas.

O que é um direito na Europa, na América do Norte (à exceção do México), na maior parte da América Central, em 205 nações do planeta, no Brasil e em outros 23 países (a maioria da América do Sul) é uma obrigação, passível de penalidades. Insignificantes na forma, mas desconfortáveis no conteúdo, principalmente pelo caráter impositivo a um ato que resulta numa escolha.

Por conta de um acordo tácito firmado sabe-se lá onde ou quando, a tese é intocável. Foi rechaçada durante a Constituinte por parlamentares de todos os matizes ideológicos e não encontra porta-vozes dispostos a levantá-la, ainda que como hipótese de consulta popular para conferir se o eleitor está satisfeito com o sistema atual ou se gostaria de mudar.

Um dos poucos defensores de peso era justamente o ministro Ayres Britto, entusiasta da modernização do sistema de votação, que, no entanto, mudou de opinião depois das eleições municipais do ano passado.

Em outubro de 2008, o ministro entendia que brevemente o Brasil teria "um encontro marcado" com o voto facultativo.

"Entendo que a legislação consagrará, como em outros países, a voluntariedade do voto", que, argumentava ele, dá ao eleitor a possibilidade de se engajar no processo eleitoral "com mais conhecimento de causa e determinação".

Em janeiro de 2009, passou a defender o oposto. "A eleição é tanto mais participativa quanto obrigatório o voto. O voto facultativo significaria uma desmobilização física, provavelmente com maior repercussão nos setores economicamente mais necessitados e com menos educação formal." Os pobres, bem entendido.

A razão da mudança? A de sempre: o Brasil precisa de educação política e uma das formas mais eficientes de educar o povo é obrigá-lo a votar.

Com cartão eletrônico e chip para reconhecimento digital, mas no cabresto. De pai para filho desde 1932 e até quando a justiça divina decidir que o brasileiro sabe se comportar direitinho e não vai dar vexame na democracia.

À sorrelfa

Aos quase dois meses da mais recente crise, o Senado vai caminhado para debitar suas mazelas na conta dos funcionários. Desde a negociação da "trégua" entre PT e PMDB, a questão passou a ser tratada como se as irregularidades fossem meramente funcionais, quando a disfunção ali é atinente ao decoro parlamentar, ao desrespeito à Constituição, à cultura do privilégio.

"Precisamos enxugar essa máquina", alardeou o primeiro-secretário, Heráclito Fortes, que nos últimos dias assumiu o problema, permitindo ao presidente José Sarney um distanciamento estratégico do desgaste.

Fez um carnaval com a demissão de 50 diretores. Divulgou os nomes, ironizou a existência de diretorias bizarras, humilhou publicamente quem pediu para ficar, mandou recolher os carros oficiais aos costumes, falou como se o problema fosse da responsabilidade dos servidores e não primordialmente da alçada dos senadores.

Prometeu mais na semana que vem. Do mesmo, naturalmente.

O foco foi desviado para o lado administrativo. Assim, não se toca nos pecados dos parlamentares, não se responsabilizam aqueles que tomam as decisões e permitem que o Legislativo seja uma instituição onde o privilégio é a lei.

Há as diretorias absurdas, há os diretores sem compostura, há os passageiros de trens da alegria, há quem receba horas extras indevidas, há quem pinte e borde, mas nada - ou muito menos - disso haveria se suas excelências não autorizassem as práticas e não compartilhassem dos abusos.

A ira e o rei

Alberto Dines
DEU NO JORNAL DO COMMERCIO(PE)

Os EUA estão indignados, há muito tempo que o gigante não se agitava desta maneira. O caso Watergate, no início dos anos 70, mexeu com a sociedade, tocou a consciência pública. O caso dos bônus milionários oferecidos aos executivos das instituições financeiras falidas vai além dos brios cívicos, multiplica a indignação pessoal por milhões. A sociedade de massas, geralmente amorfa e ponderada, de repente individua-se. Através da ira.

O cidadão sente-se roubado. O contribuinte – desempregado ou não, quebrado ou não, mais ou menos informado – sabe que o tremendo abalo naquela estrutura que lhe oferecia tanta segurança e orgulho foi causado pela incompetência e ganância de altos funcionários de empresas salvas pelo Tesouro e, não obstante, agraciados com generosos prêmios em dinheiro. Os americanos ultrajados pelos abusos praticados no mercado financeiro não se tornaram esquerdistas, ao contrário, estão furiosos com estes traidores do capitalismo, duplamente fracassados como depositários da poupança e da confiança popular. Congressistas republicanos de direita chegaram a propor que os responsáveis pela quebradeira fossem obrigados a cometer haraquiri.

A legislação aprovada nessa quinta feira em Washington é extremamente rigorosa com aqueles que até recentemente simbolizavam a ousadia pessoal e o sucesso rápido. Inusitadamente casuista, sob medida, tudo nela tem endereço certo: taxa em 90% os ganhos com bônus em empresas que receberam mais de cinco milhões de dólares em ajuda e, além disso, é retroativa, inclui os ganhos de 2008 quando a crise escancarou-se.

Acostumado a engolir gigantescas mentiras, altas doses de cinismo e imensas bandalheiras semiabertas, o cidadão brasileiro começou o ano sem oferecer qualquer sinal de mudança. Nada indicava que a recondução de velhas raposas para presidir a Câmara e o Senado seria capaz de produzir algum tipo de comoção numa república dominada pela modorra estival e a inapetência para questões morais.

Um deputado-castelão, esquecido da sua função de corregedor, proclamou as virtudes da impunidade e o vício da amizade. A recondução de José Sarney à presidência da Câmara Alta atravessou as fronteiras e foi repudiada pela imprensa internacional. O ex-presidente Fernando Collor, desmoralizado pelas fraudes que praticou no passado, foi escolhido pelos pares para chefiar importante comissão parlamentar.

A sucessão de escândalos, principalmente no âmbito do Senado, somada à percepção de que a sociedade já não dispõe de uma agremiação política capaz de empunhar a bandeira da decência e da dignidade, acionaram iniciativas individuais desesperadas – quase suicidas, como a do senador Jarbas Vasconcelos – que, por milagre, produziram alguma ressonância.

Enquanto nos EUA a indignação alimenta-se nos milhões de dólares em prêmios indevidos, nossa numerologia é mais modesta e nem por isso menos absurda: para 81 parlamentares, o Senado dispunha de 181 diretorias administrativas e, mesmo que diante da grita tenham sido sumariamente cortados cinquenta marajás, cada senador continua com pouco menos de um diretor e meio (alguns com direito a carro oficial). Isto sem falar no séquito de assessores, aspones e no número assustador de senadores-suplentes, eleitos sem votos, por osmose.

Por força de sua biografia e dos atributos que faz questão de ostentar, o ex-presidente da República José Sarney tornou-se símbolo das pequenas, médias e grandes mazelas que deslustram nosso panteão político. Intoxicado pelas próprias façanhas tornou-se menos cuidadoso, não se importa em deixar as impressões digitais em episódios pouco edificantes.

Senhor absoluto do Maranhão foi visitar seu segundo feudo, o Amapá, que o escolheu como senador. Recebido no aeroporto como "nosso rei" aceitou o agrado sorridente, certo de que o merece.

Está evidente que nossa ira, ao contrário da americana, ainda é precária, difusa, insuficiente. A sociedade brasileira ainda não se sente violentada nem roubada como acontece agora com a história dos bônus nos EUA. A ignorância, a distância, os conchavos e cumplicidades impedem que a indignação chegue ao Amapá. Todos sabem que o rei Sarney está nu. Só falta mostrar.

» Alberto Dines é jornalista

As pegadinhas do governo

Suely Caldas
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


O Brasil inteiro torce para superar esta crise, acabar o tormento e o País voltar a crescer. Ah, se dependesse de torcida... Mas, infelizmente, a realidade não tem ajudado os brasileiros torcedores. Desde outubro de 2008 os indicadores têm mais piorado do que melhorado, e a cada pesquisa divulgada, a decepção: foi pior do que o esperado. Com isso, as projeções (do governo e fora dele) para o crescimento econômico em 2009 caíram em cinco meses de 4,5% para 3%, 2%, 1,5% e hoje oscilam entre 2% e 1,5% negativo.

O presidente Lula se diz um contumaz otimista, o que é bom. Expressar otimismo em situações adversas faz todo o sentido, mas com cuidado e equilíbrio para não romper a barreira da sensatez, do senso de realidade. Foi desastroso seu desdém com a crise: a marolinha caiu no ridículo, virou piada. E certos ministros e auxiliares de Lula não aprenderam com a marolinha. Seja pela ansiedade de imitar e agradar ao chefe ou porque confundem desejo com realidade e menosprezam a inteligência alheia, insistem em levar para a população análises e projeções contraditórias e desacreditadas que, de tão desmentidas pelos fatos, já não são levadas em conta.

O risco de um gestor público que engendra e administra soluções para a crise é justamente cair no descrédito por mascarar, falsear a dimensão real do problema. E, se ele vende uma versão fantasiosa, de que o pior já passou e chegou o momento da virada, vai encontrar quem a compre dentro da máquina do governo: os que procuram motivos para relaxar os controles de gastos que uma crise exige. É o caso, por exemplo, do escandaloso pagamento de horas extras para os funcionários do Senado em pleno recesso parlamentar.

Ao anunciar mudanças na remuneração das cadernetas de poupança, na última terça-feira, o presidente Lula cometeu um desses erros que falseiam a realidade. O vício de sair bem na foto, seja a notícia boa ou ruim, levou Lula a justificar as mudanças com a absurda explicação de que "é necessário proteger o pequeno poupador, o grande que procure outra aplicação, não a caderneta". Ora, como o novo cálculo vai reduzir o rendimento da caderneta, obviamente o pequeno investidor terá é prejuízo. Isso é protegê-lo? Cadê a oposição?

Também o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, tem mostrado desapreço com a verdade em suas projeções sobre o desemprego nesse período de crise. Na quarta-feira ele divulgou a pesquisa de emprego de fevereiro, que resultou em saldo positivo de 9,2 mil vagas, o primeiro depois da perda de 797 mil empregos desde novembro, mas um tombo respeitável se comparado com as 204,9 mil vagas de fevereiro de 2008. E Lupi não perdeu a pose: "Março será o mês da virada. Acredito que podemos gerar mais de 100 mil empregos e 1,5 milhão em 2009", delirou. A compulsão de Lupi é tal que, na véspera, já com os números na mão, ele afirmava que o saldo de emprego em fevereiro teria sido de 20 mil. Não chegou nem à metade.

Outro que faz estimativas contraditórias, desencontradas é o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcio Pochmann. Esse caso é mais grave porque ele dirige o órgão responsável por pesquisas e análises que orientam ações e decisões do governo. Em vez de trabalhar para ajudar o governo a amenizar a crise com propostas realistas, o Ipea dá uma estranha coloração política aos seus estudos. Na véspera da reunião do Copom para decidir juros, o órgão divulgou estudo intitulado A gravidade da crise e a despesa de juro do governo, propondo uma redução drástica de mais de 5% na taxa Selic. São conhecidas as divergências do Ipea com o Banco Central, em matéria de reclamar de juros altos o órgão só perde para o vice-presidente José Alencar. Daí o interesse em divulgar tal estudo na véspera do Copom. Nele o autor escreve: "A crise que o governo brasileiro enfrenta é gravíssima (...) o crescimento econômico e o nível do emprego estão comprometidos de forma bastante negativa neste primeiro trimestre."

Pois bem. Uma semana depois o Ipea mudou radicalmente seu diagnóstico. Ao analisar os números da pesquisa de emprego do Ministério do Trabalho, citada acima, seu presidente, Marcio Pochmann, afirmou à Agência Estado que "a economia vai recuperar em março, o PIB vai se crescer na margem e não haverá recessão técnica". A recessão é dada como certa pela maioria dos economistas, inclusive o autor do estudo sobre juros do Ipea. Assim Pochmann contribui para abalar a imagem de qualidade de um órgão que sempre baseou suas análises em fundamentos técnicos da realidade.

*Suely Caldas, jornalista, é professora de Comunicação da PUC-Rio

Vida após a vida

Bemvindo Sequeira
ator e diretor de teatro e TV, autor e idoso.


Sempre pensei que ia morrer cedo. A luta armada, a clandestinidade na luta contra a ditadura, aventuras, promiscuidade, orgias, riscos...tudo me levava a crer que não chegaria aos trinta anos. Para quem tem vinte anos, quem tem trinta já é coroa. Tomei um susto quando vi-me vivo e saudável aos trinta. Aos quarenta percebi a possibilidade real da morte. No dia do meu aniversário quarentão, um jovem ator de 24 anos perguntou como eu me sentia: “Agora? de frente para a morte”. Para minha surpresa foi o jovem quem morreu logo depois.

Aos cinqüenta apaixonei-me pela letra de Aldir Blanc na voz de Paulinho da Viola: “...aos cinqüenta anos, insisto na juventude...”, isto enquanto percebia meu ângulo peniano caminhando para os 90º. Mas, antes dos sessenta a pílula azul alargou minhas possibilidades e possibilitou-me ver o sexo por ângulos mais estreitos.

Agora estou além dos sessenta. Aos quarenta rezava pela alma dos mortos amigos e parentes.

Nome por nome eu pedia ao Senhor. Hoje, são tantos os que caíram, que apenas peço “...pelos mortos em geral”. E mais uma vez espanto-me por estar ainda vivo, e consolo-me no Salmo 91.7 que diz: “...1.000 cairão ao teu lado e 10.000 à sua direita, mas você não será atingido”. Mesmo confiando na Palavra, ainda assim caminho embaixo de marquise pra São Pedro não me ver.

Ainda estou vivo, e pra quem pensou que morreria aos trinta descubro que existe vida após a vida. Mas o preço do viver é muito alto para o jovem de hoje: tem que comprar apartamento, arranjar um trampo, ganhar dinheiro, ficar famoso, comer todas, bombar no iutube, malhar, casar, ter filhos, comprar carro, estar bronzeado, conhecer tudo de web, e ainda ir ao show da Madonna, entre outras miudezas.

Após os sessenta você já está quite com tudo isto e pensa que vai viver em paz. Qual o quê: tem que tomar insulina, antidepressivos, rivotris, controlar a pressão, não comer açúcar, não comer sal, não fumar, não beber, se conseguir comer uma e outra já é uma vitória, tem que caminhar ao menos meia hora por dia mesmo sem querer, cuidar do joanete, dormir cedo, vender o apartamento, fugir da bolsa, não discutir no trânsito, não se alterar no caixa do supermercado, tolerar os filhos, agradar os netos, ficar calado diante da mediocridade, aceitar o salário de aposentado, ter o testamento em dia, e curtir todas as dores ósseas, nervosas e musculares porque se algum dia você acordar sem dor é porque está morto.

Claro que o idoso tem suas vantagens: uma delas é a transparência. Quanto mais velho mais transparente você se torna. Chega a ficar invisível: ninguém mais lhe percebe, mais um pouco e nem lhe enxergam. Mas, pode passar à frente dos jovens nas filas todas, com aquele ar de superior: “Você é jovem e sarado, mas eu tenho prioridade”. E ante qualquer aborrecimento ou dificuldade você ameaça enfartar ou ter um AVC. Funciona sempre, todos logo se tornam gentis e cordatos, e é garantia de muitas meias e lenços como presentes no Natal.

Lidando com a minha “terceira idade” ouço de meu psicanalista, o bom Luiz Alfredo : “Só há dois caminhos: envelhecer...ou o outro, muito pior”. Prefiro envelhecer, aceitando cada minúsculo “sim” que a vida me dá com uma grande alegria e uma grande vitória. Hoje quando encontro vaga num elevador do shopping, quando o banco está vazio, ou quando encontro promoção na farmácia, já considero uma bênção gigantesca e agradeço a Deus pela Graça Alcançada.

Após os sessenta, como no filme de Brad Pitt, regrido na existência, deixo Paulinho e a viola de lado e reencontro Lupiscinio “Esses moços, pobres moços...ah se soubessem o que eu sei...” . Mas se soubessem não ia adiantar nada: porque a sabedoria é filha do tempo.

Como diz o amigo Percinotto, também idoso: “o diabo é sábio porque é velho”.

Pelo andar da carruagem, percebo que já morri muitas vezes nesta vida, e que viverei até fartar-me.

Exportação de manufaturados desaba 34%

Paulo Justus e Márcia De Chiara
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A crise de crédito e de consumo derrubou as exportações dos manufaturados brasileiros. As vendas externas desses produtos encerraram o primeiro bimestre com a maior queda em 20 anos, aponta a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Em janeiro e fevereiro, a receita de exportação de manufaturados recuou 34% na comparação com o mesmo período de 2008. A última queda anual ocorreu em 1999 e foi de 7%.

Da perda de US$ 6,6 bilhões nas exportações no primeiro bimestre de 2009 na comparação anual, quase 70% provêm dos manufaturados. Já os produtos básicos tiveram retração de 9,7% no bimestre. "O quadro é preocupante", diz o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro. Ele destaca que os manufaturados têm forte efeito multiplicador no emprego e na renda. Até os anos 90, a cada US$ 1 bilhão de manufaturados exportados eram gerados 50 mil empregos. Nos básicos, esse número não passava de 20 mil.

No primeiro bimestre, os manufaturados que apresentaram maiores quedas de exportação foram automóveis, com US$ 345,6 milhões; máquinas (US$ 192 milhões); bombas e compressores (US$ 163,6 milhões); aviões (US$ 119,9 milhões) e celulares (U$ 105,6 milhões), mostra levantamento do economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex), Fernando Ribeiro. Ele observa que, se fosse pelo câmbio que se desvalorizou 20,8% nos últimos seis meses, a exportação de manufaturados deveria subir: "O tipo de crise que estamos vivendo, baseada na falta de crédito, tende a afetar investimentos e bens de consumo".

A Mabe, fabricante de eletrodomésticos com as marcas GE e Dako, por exemplo, teve queda de 15% nas exportações em fevereiro ante o mesmo mês de 2008. "Os números de fevereiro indicam que a crise atingiu os países emergentes", diz o presidente da companhia para o Mercosul, Patricio Mendizábal. No Brasil, a filial da empresa mexicana vende fogões para a América Latina e África.

Pesquisa da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) indica que a receita de exportação de eletrodomésticos caiu 31,6% no primeiro bimestre de 2009 na comparação anual. Os celulares sofreram tombo maior, de 44%; nos eletrônicos houve retração de 32,2%. De acordo com a sondagem, 68% das empresas consultadas viram a exportação recuar no período.

A redução na demanda externa provocou forte ajuste na produção das exportadoras. Em fevereiro, a Embraer demitiu 4,2 mil funcionários por causa da redução nas expectativas de vendas. Em novembro, planejava produzir 270 aviões este ano; agora prevê 242 entregas. Também a Embraco, que produz compressores e tem 70% do faturamento baseado nas exportações, reduziu em 5,7% o salário de 4,6 mil funcionários neste mês.

A proteção social de Lula e a crise

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Pibinho arranha presidente, mas rede luliana de benefícios sociais e salariais ficou ainda mais ampla e alterou a política

O PRESTÍGIO de Lula caiu. Seriam os primeiros reflexos do baile da crise, parece. Mas a reação política a períodos de dureza econômica não é previsível como a de um cão de Pavlov. De resto, quem pretenda estimar os efeitos do PIBinho na avaliação do presidente e, mais temerário, na eleição de 2010 terá de prestar ainda mais atenção à "rede de proteção social" de Lula. A ambiguidade é proposital: é proteção de Lula e dos desvalidos.

Mesmo em termos apenas quantitativos, os benefícios sociais vão muito além do clichê do Bolsa Família e não afetam apenas recipientes diretos de assistência. Em termos políticos, a rede social luliana parece ter redefinido o contrato entre pobres e governante; alterou a qualidade e a quantidade dos "mínimos sociais" que devem constar dos compromissos dos futuros candidatos.

A quantidade de pessoas colhida diretamente pela rede social luliana é imensa. São os 11 milhões de famílias do Bolsa Família (cerca de 40 milhões de pessoas). São os 17,8 milhões que recebem benefícios previdenciários e assistenciais de até um salário mínimo, que teve reajuste real de 45,5% no governo Lula.

Mesmo que não alterem a qualidade da economia de pequenas cidades, os benefícios previdenciários e de assistência social alimentam o pequeno comércio, os negócios caseiros e dão vazão a pequenas sobras da agricultura de subsistência. O "Bolsa Avós", a Previdência "rural", auxilia parentes e agregados. Entre Previdência e assistência, contados só programas de renda, são 37 milhões de beneficiados diretos.

O menos conhecido Pronaf concede, por ano, 1,5 milhão de financiamentos para agricultores familiares (média de R$ 5.000 para cada um). Há outros tantos no Proger, que auxilia micronegócios, mas que foi em parte desvirtuado e ajuda negócios maiores, o que dificulta o cálculo de beneficiados pobres (no total, são 2 milhões de operações por ano). O ProUni banca o ensino superior de 310 mil garotos. Há os assentados da reforma agrária, os quilombolas, os resgatados do trabalho infantil etc.

Uns 7% da população ocupada, 6,2 milhões, são funcionários públicos. Muitos servidores federais receberam aumentos sob Lula. Servidores estaduais e municipais tiveram os reajustes do mínimo, que também elevou o salário dos mais pobres.

Há mais empregos formais. O país não crescia tanto como no último quinquênio desde os cinco anos encerrados em 1981 ou em 1988 (este não conta muito, dados a hiperinflação, a base baixa de comparação e o estelionato do Cruzado). O nível de pobreza é o menor desde que se tem registro (isto é, em 32 anos).

Mesmo que não piore no resto do mundo, a crise ainda vai produzir coisas feias no Brasil. Até 2010. Mas a maioria vai absolver Lula, por considerar que ele cumpriu o "contrato" de aliviar a pobreza (tanto faz se mal ou bem, esse é um debate teórico, restrito a poucos)? Verá em Dilma Rousseff a herdeira dessa credibilidade política (caso a herança não se desfaça)? A memória dos "direitos adquiridos" vai fazer com que o eleitor queira mais, a ponto de arriscar o novo? Ou vai torná-lo conservador? Com qual programa a oposição convencerá a maioria pobre de que vai respeitar esse "novo contrato social" e ainda oferecer algo mais?

Marolinha que virou tsunami

Yoshiaki Nakano
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Os que perderam o emprego reduzirão a demanda, o que levará à queda na produção e gerará novas demissões

TINHA RAZÃO nosso presidente quando disse que a crise financeira mundial chegaria ao Brasil suavemente e seria transitória. Estávamos construindo um círculo virtuoso de crescimento baseado no aumento de emprego e de salários, acompanhado de elevação na produtividade, desenvolvendo um dinamismo baseado na expansão do mercado interno. Mas a incapacidade de diagnosticar e a excessiva cautela das autoridades monetárias fizeram a marolinha virar tsunami. O FMI estimou a queda do PIB global no quarto trimestre de 2008 em 5% (taxa anualizada), 6% nos EUA e na zona do euro e 13% no Japão. Pelo mesmo critério, a queda do PIB no Brasil, no mesmo período, foi de 15,2% -o país foi um dos que sofreram maior redução na produção e no emprego, e queda de 45,3% nos investimentos! Dada essa queda, vamos amargar recessão neste ano, e, se as respostas na área monetária e creditícia continuarem tímidas como a última decisão do Copom, não demoramos a concluir que o PIB poderá ter contração, que poderá superar quatro pontos percentuais.

No agregado, pelo canal do comércio, a crise chegou ao Brasil como uma marolinha. Numa economia fechada como a nossa, a queda nas exportações e nos preços das commodities teve impacto mínimo na contração da demanda agregada porque as importações sofreram forte desaceleração. Pelo canal da destruição de riqueza, com queda nas Bolsas, prejuízos nos fundos de investimento e aplicações em derivativos tóxicos, o impacto também não foi grande. O canal da desalavancagem ficou circunscrito a poucas empresas -as que apostaram em derivativos exóticos- e a pequenos bancos.

Foi pelo canal do crédito e da incerteza que a crise chegou ao Brasil. Enquanto todos os demais BCs reagiam prontamente, expandindo fortemente o crédito doméstico e reduzindo os juros para contrabalançar a restrição no crédito externo, o nosso reagiu timidamente. Argumentou-se que o crédito externo representava pequena parcela do crédito bancário total e que o problema de liquidez estava restrito a pequenos bancos. Esqueceram do efeito multiplicador de crédito e que houve parada total no fluxo de recursos que vinha pelo mercado de capitais. As reduções no depósito compulsório tiveram pouco impacto num ambiente de incerteza aguda em que o próprio BC, pagando 13,75% ao ano para aplicações no over, criava alternativa óbvia de aplicação. E, como previsto, as medidas não conseguiram compensar o crédito externo. Assim, a contração brusca de crédito para as empresas foi brutal, gerando um quase pânico, levando-os a paralisar os investimentos, a cancelar os pedidos e a frear a produção preventivamente, já que a demanda não havia caído, como as vendas do comércio comprovam, a não ser naqueles setores diretamente afetados pelo crédito, como o automobilístico.

O erro grosseiro do BC já custou 800 mil postos de trabalho. Em mais dois ou três meses, aqueles que perderam o emprego vão reduzir a demanda, provocando queda na produção e gerando novas demissões. Infelizmente, o erro de política monetária obrigará o governo a acionar mais ativamente a política fiscal, que, aliás, não tem muito espaço.

Yoshiaki Nakano, 64, diretor da Escola de Economia de São Paulo, da FGV, foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001).

Ponto crítico

Panorama Econômico :: Miriam Leitão
DEU EM O GLOBO


Aqui vão algumas frases que nos ajudam a pensar neste domingo, dia de olhar por outro ângulo esta onipresente crise. "O sucesso mascara as vulnerabilidades", disse Michael Porter, professor de Harvard, guru da competitividade. Para ele, "houve um amolecimento geral" e isso porque "a economia ia bem, os mercados progrediam e mesmo quem tinha uma estratégia ruim era capaz de surfar a onda".

Consigo pensar em tantos exemplos que confirmam a frase acima que só a lista já completaria esta coluna. Ficando num exemplo distante: a Rússia se sentia tão poderosa que foi capaz de entrar numa aventura militar. Tinha reservas de quase US$600 bilhões, acumuladas pelo fluxo de capitais para o país, depois da crise de 1998, e pelas altas do preço do petróleo. Desde o ano passado, o país enfrenta uma forte fuga de capitais, queimou bilhões de dólares tentando segurar o rublo e uma das hipóteses é impor controle de capitais.

No mercado financeiro, jovens com alta performance, em ativos exóticos, garantiam que o risco havia acabado e que, contrariando a lei da gravidade, as ações brasileiras só subiriam. Em política econômica, qualquer insensato era gênio. Na Venezuela, Hugo Chávez encampava multinacionais, rasgava contratos e estatizava empresas de adversários, mas o risco Venezuela caía. No Brasil, o governo estava convencido... deixa pra lá, como diria Ancelmo Gois. Segundo Porter, "entramos num período de limpeza, um momento de repensar tudo e voltar ao básico".

"A crise é uma oportunidade boa demais para ser perdida", disse Michael Silverstein, vice-presidente do Boston Consulting Group. Esqueça aquela velha conversa do ideograma chinês, tão batida. Crise, às vezes, é risco puro. Mas, como em qualquer situação, algumas portas se abrem. Só que escolher por qual delas entrar é mais perigoso.

Empresa tímida demais ficará num comportamento defensivo e pode perder mercado e competitividade. Quem tiver um comportamento aventureiro e desconhecer os riscos extremos de um momento tão fluido pode acabar saindo do mercado. Esse é o dilema que vai presidir o dia a dia das empresas nos próximos meses. O ponto ideal de equilíbrio é o de assumir riscos, sim, mas bem medidos e pesados.

Dirk Buchta, diretor da A.T. Kearney no Oriente Médio, lembra que a primeira iniciativa de qualquer empresa quando quer cortar custos é demitir funcionários. Ele alerta que nem sempre é a melhor solução. Aconselha "focar em fatores internos para garantir o crescimento lucrativo". Tudo o que uma empresa fizer, deve fazer da melhor forma que puder. A frase dele é: "Na crise, o nome do jogo é eficiência."

Melhor que a frase de Dirk Buchta é a do diretor geral da Marcopolo, José Rubens de la Rosa, sobre a qual falei aqui algumas colunas atrás. Ele chamou a equipe e disse que não pode haver erro algum. "Estamos na floresta e os animais estão nos ameaçando." A imagem pode não ser ecologicamente correta, mas trabalhar com senso de urgência, e em busca do erro zero, é um bom lema para as empresas que quiserem se fortalecer nesta turbulência.

"A crise é, na verdade, o momento de clarear a mente sobre nossas estratégias", diz Richard Rumelt, professor da Anderson School of Management, da Universidade da Califórnia. Só mesmo nas crises é que as organizações se dedicam ao saudável exercício de parar para pensar e se perguntar em que direção estão indo. Nos momentos de euforia, esses encontros das empresas são sempre autocongratulatórios.

Em geral, nos momentos de boom, quando são feitos os planejamentos estratégicos, a tendência é construir cenários como se o futuro fosse ser sempre igual ao presente. Quem construir o cenário de ruptura, com consequências extremamente negativas, será tratado com desprezo, a menos que registre o cenário com um percentual ínfimo de probabilidade. Assim, só para inglês ver.

Estratégia é mais do que uma apresentação de PowerPoint no data show em reuniões de fim de ano. Nas crises, ela vira uma questão de vida ou morte. "É preciso ter uma estratégia para a crise, mas estratégias são ineficazes sem implementação. A execução é tudo, atenção no dia a dia para os detalhes e aprender com os erros", explica Jeffrey Pfeffer, professor de Comportamento Organizacional da Universidade de Stanford.

As urgências são tantas numa crise que deixa de haver separação entre metas de curto e longo prazo. O futuro começa agora, no minuto seguinte. "Ao enfrentar uma crise, a experiência nos ensina que os passos para lidar com os problemas imediatos devem ser a base de uma estratégia de longo prazo", diz Michael Porter.

Os economistas costumam olhar com desprezo para os especialistas em administração, como os pesquisadores da ciência pura olham para os da ciência aplicada. Na verdade, ambos erraram nesta crise e deveriam, como disse Porter, "voltar ao básico".

Algumas grandes empresas brasileiras ou setores empresariais fortes não precisam perder tempo com nada do que foi dito acima. Basta pegar o próximo voo para Brasília e montar um bom lobby por uma ajuda governamental, um empréstimo subsidiado, uma venda salvadora de ações, uma rolagem de dívida em banco público, uma isenção tributária. Para dar certo a estratégia, basta dizer a certos ouvidos governamentais que o setor, ou a empresa, corre o risco extremo de ser comprado por multinacionais e desnacionalizado. Isso abre portas, ou melhor, cofres, em Brasília.

Yaô / Melodia

Autores: Pixinguinha e Gastão Viana
Arranjo: Pixinguinha
Gilvan Filho (violão) no Bandão da Escola Portátil
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O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
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