quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Todos estão devendo

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


O triste espetáculo da eleição para as mesas da Câmara e do Senado, com mais um festival de traições e negociações por baixo do pano, demonstra mais uma vez como o processo político brasileiro se deteriorou, não havendo mais uma linha divisória entre os métodos do baixo e do alto clero parlamentar. O processo de impeachment do ex-presidente e atual senador Fernando Collor, em vez de colocar a política brasileira na rota correta, como se esperava na ocasião, deixou uma maldição que tem custado caro às nossas instituições: estabeleceu-se desde então a premissa de que é preciso fazer qualquer tipo de acordo político para viabilizar o que se convencionou chamar de "governabilidade".

Não no sentido de uma coalizão política que dê sustentação a um projeto de governo, mas simplesmente para a garantia de uma maioria parlamentar para que o governo da ocasião não seja inviabilizado, ou até mesmo derrubado, por um golpe parlamentar.

Por essa tese, Collor não teria sido impedido, se naquela ocasião tivesse dividido as benesses do governo com uma base parlamentar ampla. O baixo clero passou a ter uma dimensão maior desde então, e o PMDB a dar as cartas nesse jogo político.

Nos governos de Fernando Henrique, a parte fisiológica do partido ocupou lugares tão importantes quanto o Ministério da Justiça com o mesmo Renan Calheiros, que hoje é usado pelo PSDB para justificar seu apoio ao PT no Senado.

Lula começou seu governo tentando sair dessa armadilha e vetou um acordo que o então chefe da Casa Civil, José Dirceu, fizera com o PMDB. Na primeira dificuldade que encontrou, porém, teve que voltar atrás e incluiu uma parte do partido no seu Ministério. No segundo governo, incluiu a outra parte, aprofundando a dependência fisiológica.

O resultado dessa mixórdia é que se tornou um axioma da política brasileira que ninguém consegue governar sem o PMDB, embora o PMDB não consiga nunca disputar a Presidência da República unido, em condições de vencer.

Não é possível saber, hoje, quem será com certeza o futuro presidente do Brasil na sucessão de Lula, mas já se sabe quem mandará no governo: o PMDB, que domina o Senado e a Câmara com suas duas faces e, pela primeira vez, está dividindo o poder e os cargos de um mesmo governo.

Lula conseguiu o prodígio de distribuir poderes equivalentes aos dois grupos em que se divide o PMDB, e agora tem a possibilidade de levar o partido unido para a sucessão presidencial, mas, para isso, não pode cair na besteira de oferecer a um dos lados a vice-presidência.

A outra parte cairá imediatamente nos braços da oposição, em que pese o distanciamento cada vez maior entre o ex-presidente Fernando Henrique e o governador José Serra e o grupo de Sarney.

Mas, se foi possível uma reconciliação política entre Collor e Sarney agora, para a eleição do Senado, por que não haveria chances de uma reaproximação entre Sarney e os tucanos, se vingar a idéia de dar a vice na chapa de Dilma Rousseff a um representante da Câmara, Michel Temer ou Geddel Vieira Lima, tradicionais aliados do PSDB?

Para Lula ter o PMDB ao seu lado, mesmo desunido, basta que seu governo se mostre capaz de continuar popular, mesmo com a grave crise econômica que está reduzindo o crescimento e comendo os empregos criados. Como constatou a pesquisa do CNT/Sensus de ontem, dando espetaculares índices de apoio.

Se, no entanto, a popularidade presidencial vier a se mostrar, como a de todos os políticos, vulnerável às consequências dos maus resultados da economia, veremos novamente o PMDB se dividindo para buscar na seara do PSDB um candidato com maior possibilidade de vitória do que a petista Dilma Rousseff.

Quem saiu derrotado claramente dessa disputa pelas presidências da Câmara e do Senado foi o PT, que já não é uma referência política para Lula, que deve se sentir mais seguro com Sarney do que com o senador Tião Viana.

Não foi à toa que Lula escolheu em seus quadros, mas fora de sua política mais tradicional, a candidata à sua sucessão, impondo o nome de Dilma Rousseff goela abaixo dos petistas.

E se ela não se mostrar viável, é possível que Lula saque da cartola outros nomes, mesmo fora do PT, como o do deputado Ciro Gomes do PSB, ou até mesmo tente patrocinar uma unidade peemedebista em torno do governador de Minas Gerais, Aécio Neves.

O PT se transformou em um clone do PMDB, afogado no fisiologismo, mas ainda sem dominar completamente suas manhas mais sutis, e já sem aquele manto de pureza que lhe dava um poder político que o PSDB equivocadamente tentou resgatar.

Se o surpreendente apoio tucano ao PT no Senado tiver sido entendido como uma reafirmação do apoio a Michel Temer na Câmara, a extemporânea manobra pode ter resultados colaterais positivos mais adiante.

Uma coisa é certa, porém: o PSDB, mesmo alegando imperativos éticos para apoiar a candidatura natimorta de Tião Viana, não conseguirá se livrar da fama de fisiologismo que o liga aos vencedores do momento: o ex-ministro da Justiça Renan Calheiros; o ex-ministro dos Transportes Eliseu Padilha e seus assemelhados peemedebistas.

Não há possibilidade de se prever com quem estará o PMDB na sucessão de Lula, e isso de repente não terá a menor importância, já que todos os lados na disputa usam as mesmas armas e partem dos mesmos pressupostos, que só incluem a ética política como um penduricalho para atrair os mais desavisados.

Qualquer governo que dependa de um acordo político com esse PMDB que aí está, dentro de um quadro partidário completamente desfigurado, já começa devendo.

O melhor remédio

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A melhor parte da proposta de Michel Temer, de estender a cobertura da TV Câmara às atividades legislativas nos Estados, é que o novo presidente da Casa não fala sério. Isso é dito em prol do deputado, em cuja trajetória não se inclui a falta de juízo.

Graças às boas relações do circunspecto Temer com o bom senso é possível afirmar com ínfima margem de erro que a sugestão tem por objetivo único fazer uma média com os colegas, agradecer os votos recebidos e deixar esse tipo de tolice morrer de fritura na gordura dela mesma.

O problema do Congresso, os dois presidentes pemedebistas estão cansados de saber, não é falta de divulgação de suas atividades. Esta está plenamente garantida no noticiário dos veículos privados de comunicação e por meio dos instrumentos oficiais: informativos, sites, emissoras de televisão e rádio.

O problema do Congresso, os dois presidentes pemedebistas estão cansados de saber - embora possam não concordar em admitir -, é ausência de compostura.

Temer usa como premissa uma verdade, desenvolve um raciocínio equivocado e chega obviamente a uma conclusão falsa.

Parte do princípio de que as atividades legislativas não se resumem ao plenário. É certo.

Argumenta que a imprensa só presta atenção aos momentos de votação, criticando o Parlamento com base na presença dos deputados nessas sessões e levando a população à errônea impressão de que a atividade parlamentar é um "dolce far niente" sustentado a benesses financiadas com dinheiro público.

Está parcialmente certo. Há muito tempo as críticas a respeito da conduta do Parlamento deixaram de lado o critério da presença no plenário para se dedicar aos inúmeros e crescentes exemplos de indiferença do Poder Legislativo com as demandas da sociedade.

Quando elas não se confrontam com os interesses da corporação, a "Casa faz o que o povo quer"; quando estes afrontam demais aquelas, dá-se um jeito, providenciam-se recuos, tomam-se meias medidas à guisa de satisfação. Mas, quando é possível administrar as reclamações e juntar esforços para enfrentá-las, a primeira vítima é sempre a voz da rua.

Aí é que reside o motivo da desmoralização do Parlamento como instituição representativa da população. Esta fica com a obrigação de votar e aquele não se sente minimamente obrigado a se conduzir nos conformes mais confortáveis ao eleitorado.

Há a semana de três dias que, assim como privilégios inaceitáveis, indispõe o Legislativo com a opinião pública.

Se nesses três dias e com todos os benefícios já devidamente incorporados aos costumes suas excelências andassem na linha, a imprensa ainda assim reclamaria por dever de ofício, mas haveria argumentos para contrabalançar a situação.

Nenhum deles, porém, suficiente para tornar a proposta de Michel Temer algo aceitável. Deputados federais são eleitos para prestar serviço no Parlamento. Por isso recebem auxílio para pagar telefonemas, despesas de correio e moradia na capital.

O trabalho "nas bases" diz respeito às respectivas carreiras, é com ele que sobrevivem politicamente e garantem a renovação dos mandatos. A propaganda disso equivale a financiamento público (ilegal) de campanha.

Inclusive porque os trabalhos transmitidos pela TV Câmara em Brasília não são editados e as transmissões das andanças estaduais se fariam mediante escolha unilateral - e induzida - de melhores momentos.

Nó da madeira

A eleição de José Sarney devolve a Renan Calheiros instrumentos de poder. Este é, para ele, o lado bom da história.

O outro é que essa eleição o põe de novo na ribalta junto com seus contenciosos com a Justiça e o decoro parlamentar. Em geral, a luz dos holofotes e o som dos microfones não fazem bem a quem tem contas em aberto para com a sociedade.

Foi o conselho dado pelos companheiros de partido, em 2001, ao então senador Jader Barbalho quando ele insistiu em presidir o Senado. Seis meses depois renunciou, levado pela folha corrida.

Anacronismo


Em seu discurso final antes da eleição, o senador José Sarney lamentou que o considerem "velho" para presidir o Senado, quando não era esse o foco da questão.

Não são os 78 anos de idade que tornam Sarney antiquado, mas a opção por um modo de fazer política sinuoso, personalista e patrimonialista.

A confusão proposital de conceitos faz parte do método. Amplamente aceito em todas as faixas etárias, correntes ideológicas e posições da República. Serrador

Muito mais que derrotar Sarney no Senado, o PSDB queria eleger Michel Temer na Câmara. O resultado final, contudo, saiu melhor que a encomenda, pois o partido assistiu à derrota do PT e ainda fez ar de moço bom.

Até onde vai o PMDB

Cláudio Gonçalves Couto
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A vitória pemedebista nas eleições para as duas Casas do Congresso Nacional já acendeu vivas discussões sobre o alcance que a eleição de Michel Temer e José Sarney pode ter para as ambições futuras da agremiação. Alguns já falam inclusive no possível lançamento de um postulante próprio do partido na próxima disputa presidencial, enquanto outros - mais comedidos - entendem que o partido se credenciou definitivamente para o posto de possível ocupante da candidatura vice-presidencial na chapa majoritária em plano nacional.

Há muito de evidentemente especulativo em toda essa discussão, mas se trata de uma especulação baseada no entendimento de que só pode ser muito poderoso um partido que possui as maiores bancadas nas duas Casas do Congresso, e os maiores números de governadores, prefeitos, deputados estaduais e vereadores entre todas as legendas. Partindo de uma base como estas, o PMDB teria - em tese - enormes chances de eleger um candidato presidencial, pois a estrutura de poder que possui no país se constituiria numa ferramenta utilíssima em qualquer disputa eleitoral. Mas é neste ponto que se torna necessária uma análise mais detida.

Recorrendo a uma metáfora futebolística (bem ao gosto do presidente Lula), podemos dizer que o PMDB é como aqueles times muito fortes "no papel", mas que não necessariamente se saem bem dentro de campo. No caso do futebol, esta disjuntiva entre uma equipe teoricamente forte, mas efetivamente débil, explica-se pelo fato de que não são apenas as individualidades que formam um grande time, mas a articulação que se logra estabelecer entre elas. Por isto mesmo, equipes muitas vezes menos brilhantes em termos dos seus talentos individuais são aquelas que logram sucesso nas competições de que participam. Algo similar pode ser aplicado à análise da força dos partidos políticos: uma agremiação menos poderosa nos números (de postos de poder que ocupa) pode se mostrar mais competitiva eleitoralmente se consegue articular-se como uma organização dotada de maior coesão e capaz de oferecer alternativas atraentes ao eleitorado. Pois bem, o PMDB opera desta forma em três âmbitos: nas disputas municipais e estaduais, e dentro do Legislativo nacional, em disputas como a desta segunda-feira, pela presidência das duas Casas.

Já se tornou um lugar comum afirmar que o PMDB é uma federação de caciques regionais (ou estaduais). Isto é verdadeiro e explica porque o partido é tão competitivo nas eleições que disputa nos Estados e municípios: a liderança desses caciques faz com que haja PMDBs substancialmente coesos como organização dentro de cada Estado e, em decorrência, nos municípios. Isto permite à agremiação eleger governadores, deputados estaduais e prefeitos com desenvoltura, liderando o número de ocupantes desses cargos. O PMDB é forte no Rio, com Sérgio Cabral; no Paraná, com Requião; em Santa Catarina, com Luiz Henrique; em São Paulo, com Quércia e Temer, e assim por diante. Essas lideranças dão ao partido uma linha de ação clara dentro de seu Estado, fortalecendo-o.

No Congresso Nacional, a estrutura de poder institucional das lideranças partidárias (com base nos regimentos) e a vantagem que os membros do partido obtêm por agirem coesamente também logram sucesso, conferindo ao PMDB um comportamento razoavelmente disciplinado nas votações nominais (embora seja o menos disciplinado dos grandes partidos) e uma unidade de ação em momentos como o da escolha da presidência das Casas.

Entretanto, essa mesma consistência partidária não se verifica quando tomamos o PMDB como um partido nacional. Os mesmos caciques regionais que conferem unidade ao partido em seus Estados são aqueles que disputam poder entre si no plano nacional, enfraquecendo a agremiação. É bem verdade que esta disputa é hoje bem mais amena do que foi no passado, mas ela ainda subsiste em boa medida. Há alguns anos atrás, o governador do Paraná, Roberto Requião, chegou a criar um "Disque-Quércia", para que os cidadãos pudessem realizar denúncias de atos de corrupção de seu correligionário paulista. Hoje ambos já se entendem melhor. E é na eventual superação destes estranhamentos que reside a possibilidade do PMDB alçar voos mais altos a partir da formidável base organizacional de que dispõe ao longo do território nacional.

Vale lembrar que desde as eleições de 1994, quando Quércia amargou um vexatório quarto lugar nas eleições presidenciais, com menos de 5% dos votos, o PMDB não consegue emplacar uma candidatura própria. Ficou sem conseguir sequer se coligar a outros partidos nas eleições de 1998 e, em 2002, lançou a vice na chapa de José Serra, Rita Camata, para novamente não participar da disputa nacional nas eleições de 2006 - no que foi ajudado pela esdrúxula regra da verticalização das coligações. Portanto, não basta dispor da apreciável base política que tem o partido no país, nem sonhar alto a partir da bem-sucedida conquista das presidências do Congresso, para que o PMDB se torne um jogador temível nas próximas eleições. Talvez a legenda consiga "apenas" barganhar um apreciável posto de vice em alguma chapa presidencial nas eleições vindouras. Nos termos do deputado Eliseu Padilha: "O PMDB não tem candidato a presidente, mas é a grande noiva de 2010" (http://oglobo.globo.com, 03/02/2009).

E o dote oferecido por esta noiva apresenta características curiosas, que refletem o que é simultaneamente força e fraqueza do PMDB: um partido sem qualquer definição ideológica, podendo se aliar a quem quer que seja, e uma organização grande e bem estruturada país afora, porém incapaz de entabular um projeto nacional próprio. É por isto que o PMDB pode receber a qualquer um em suas fileiras, não tem porque punir quem quer que seja por indisciplina e é sempre cortejado por aqueles que necessitam dos recursos de que o partido pode dispor (incluído aí o tempo de televisão). Dificilmente, contudo, veremos o PMDB na posição de quem corteja aliados em prol do seu próprio projeto de poder; a não ser que surja algum demiurgo, capaz de unificá-lo em torno de si - algo improvável.

Cláudio Gonçalves Couto é professor de Ciência Política da PUC-SP e da FGV-SP. A titular da coluna, às quartas-feiras, Rosângela Bittar, está em férias

A restauração peemedebista

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


A leitura atenta da pesquisa divulgada pela CNT-Sensus mostra que uma avenida se abriu para a cúpula do PMDB chegar ao centro do poder

A grande incógnita da sucessão de 2010 é o jogo do PMDB, que acabou de empalmar o comando do Congresso, para o qual elegeu José Sarney (AP), no Senado, e Michel Temer (SP), na Câmara. Ninguém sabe quem será o candidato da legenda na sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, o que embaralha o jogo.

O déjà vu

Nas colunas de cartas de leitores nos jornais, a volta do PMDB ao comando do Congresso é vista pela maioria da pessoas como uma espécie de déjà vu. A expressão francesa significa um reação psicológica a lugares, pessoas e situações que parecem se repetir. Literalmente, é o “já visto”, aquilo que não acrescenta nada de novo. Na História, o grande déjà vu foi a restauração da monarquia na França, em 1851, como se fosse reverter historicamente a Revolução Francesa (1789-1799). Em pleno capitalismo, a volta às velhas relações feudais era uma missão impossível para a aristocracia francesa.

Marx escreveu sobre isso num livro famoso, sua única obra dedicada à análise do processo político real: O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. É desse livro a afirmação que me vem à cabeça quando tento entender o desfecho das relações do governo Lula com o PMDB depois de seis anos de poder: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado”.

As ganas

Por causa da crise mundial, as ações do governo Lula apontam para uma guinada à esquerda, no rumo de uma espécie de novo “capitalismo de Estado” nacional-desenvolvimentista. Porém, a estabilidade política do governo e o projeto eleitoral encarnado pela candidatura de Dilma Rousseff foram confiados ao ex-presidente Sarney, o mais veterano dos caciques políticos em atividade, e a Temer, cristão-novo na base governista, que darão as cartas no PMDB. Ambos são políticos moderados, de formação liberal, sem nenhum alinhamento às concepções socialistas da ministra-chefe da Casa Civil. A conversa mais fácil de Sarney é com o governador mineiro Aécio Neves; a de Temer, com o governador paulista José Serra. Ambos são do PSDB, mas um deles está sobrando na luta pela vaga de candidato tucano.

A cúpula do PMDB realizou com sucesso exemplar o “aggiornamento” do partido em direção ao governo. Mesmo assim, para a maioria dos analistas, está irremediavelmente dividida, não tem projeto nacional, faz valer sua hegemonia no parlamento apenas para participar com ganas do condomínio de poder. Será mesmo isso? Não está escrito nas estrelas que a única alternativa do partido é se dividir entre dilmistas e serristas. Se o grupo de Sarney convergir em direção ao de Temer, com apoio dos governadores e das bancadas, pode surgir uma candidatura própria do PMDB, que sempre foi um projeto derrotado na luta interna da legenda, seja pela falta de um candidato que empolgasse realmente as bases do partido, seja em razão das conveniências regionais de seus caciques. A leitura atenta da pesquisa divulgada pela CNT-Sensus mostra que uma avenida se abriu para a cúpula do PMDB chegar ao centro do poder. O presidente Lula aparece mais forte do que nunca, no alto dos seus 84% de aprovação pessoal. Serra continua na frente. Dilma se consolidou. Mas Aécio é um candidato competitivo, seu problema é conseguir uma legenda confiável. Ou seja, o PMDB tem três alternativas pela frente, mas precisa marchar como monobloco em torno de um candidato para a História não se repetir como farsa.

Janela de oportunidade

Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


A história é pródiga de exemplos políticos em que o grande reformador de direita é o político de esquerda e vice-versa.

Foi o republicano Richard Nixon o responsável pelo reatamento dos EUA com a China comunista.

Os democratas Bill Clinton, Robert Rubin e Larry Summers (hoje com Obama) foram os ideólogos da liberação das fusões entre bancos comerciais e de investimento, um dos motores da crise financeira atual. No Brasil, a ortodoxia econômica só se estabeleceu, de fato, com o petista Lula no poder.

Agora, no Congresso, abre-se uma janela de oportunidade semelhante. Nada se espera do PMDB no comando da Câmara e do Senado. O passado da legenda é um filme de terror. Não há como sustentar qualquer previsão otimista. Sem falar da aliança de interesses obscuros salivando no entorno de José Sarney e de Michel Temer.

É a chance perfeita para os dois nomes à frente do processo. Sarney, 78 anos, e Temer, 68, chegaram a um ponto de suas carreiras políticas no qual podem se dar ao luxo de arriscar mais.

Ambos ao tomar posse fizeram os discursos convencionais de sempre. Sugerem encaminhar a reforma política, a tributária. Falam em mais transparência e em aproximar o Congresso dos eleitores.

Seria ingênuo acreditar na liberdade de Sarney e de Temer para patrocinar determinadas reformas. Mas os dois têm, de longe, muito mais autonomia do que a imensa maioria dos congressistas.

O regime dentro do Congresso é presidencialista. Quando os presidentes da Câmara e do Senado querem algo, é meio caminho andado. Se Sarney e Temer enfrentarem o desafio de derrubar as resistências de sempre, daqui a dois anos sairão maiores do que entraram. Se deixarem prevalecer a política miúda, confirmarão tudo o que já foi dito e escrito sobre o PMDB.

Contra-ataque

Míriam Leitão
DEU EM O GLOBO


A munição para atenuar a crise virá das reservas cambiais. Elas serão usadas para financiar exportação e empresas com dívida externa. Não é função do Banco Central, mas o governo diz que são "tempos emergenciais". O Brasil não teve uma queda de produção industrial tão grande em outras crises. Detalhe: o BC ganhou US$10 bilhões apostando nos títulos do Tesouro americano.

Ontem apareceu o tamanho da devastação. Os números divulgados pelo IBGE foram todos horrorosos: quedas generalizadas e muito acentuadas. O tombo na produção de veículos em dezembro foi de 39,7% e na produção de equipamentos de comunicação foi de 48,8%. Numa nota divulgada aos clientes, a MB Associados afirma que o país está em recessão e que foi revista, com base nos dados da produção industrial, a previsão da consultoria para o PIB do último trimestre do ano passado. Agora é de 2,5% de queda em relação ao terceiro trimestre de 2008. A CNI também divulgou seus dados ontem e afirmou que o país terá recessão técnica; ou seja, dois trimestres de queda do PIB.

O gráfico abaixo, enviado pelo economista Marcelo Sperb, da Nobel Asset Management, mostra que essa crise é pior que as outras. Ele comparou outros períodos de retração, como o de agosto de 91, na recessão do Collor; o do fim de 94, na crise do México; o de outubro de 97, na crise cambial da Ásia; em dezembro de 2000, no começo do apagão; e no fim de 2002. O início de todas as curvas é nas datas mostradas abaixo de cada uma e o gráfico vai até 10 meses depois da crise se iniciar. A queda acumulada da produção é contada a partir do momento em que começou cada um desses períodos.

O governo está montando a resposta em várias frentes, mas uma delas se passa dentro do Banco Central, que está assumindo funções que não são as clássicas de um banco central. Esta semana, ou no máximo no começo da próxima, o BC vai divulgar as regras pelas quais ele vai emprestar para as empresas que têm dívidas no exterior.

Pela lei, o Banco Central só pode fornecer dinheiro para instituições financeiras. Então, ele emprestará parte das reservas para que bancos emprestem para empresas. Eles terão que provar que estão fazendo isso. Uma fonte do governo explica que o BC poderia ter simplesmente vendido mais dólar no mercado à vista.

O risco é que esses dólares acabassem indo atender à demanda por dólar no exterior. Por isso, o Banco Central fará uma operação direcionada.

A origem da queda tão forte da produção industrial de dezembro está no colapso do crédito em dólar. Quando as linhas foram interrompidas, os exportadores não puderam financiar sua produção para exportar. Reduziram a produção. Como a taxa de renovação das linhas externas está baixa, as empresas estão tendo que quitar essas dívidas. Mesmo empresas brasileiras que atuam no exterior enfrentam um outro fenômeno desses tempos: "o protecionismo financeiro". Os pacotes de cada país são para ajudar as empresas daqueles países.

Diante disso, o BC está usando as reservas para financiar exportação. Hoje, 90% dos adiantamentos de contratos de câmbio, os ACCs, são com dólares fornecidos pelas linhas do Banco Central. Agora, a instituição prepara uma nova modalidade de crédito que será anunciada em breve, destinada a empresas endividadas. O risco disso quem conhece a história econômica do Brasil sabe qual é: a estatização da dívida, como aconteceu nos anos 80. No governo, as autoridades alegam que estão todos atentos a esses riscos, mas que em outros países o intervencionismo estatal e o ativismo dos bancos centrais são muito maiores.

O BC brasileiro teve um ganho de US$10 bilhões com a valorização dos títulos do Tesouro americano. No auge da crise, os investidores correram para estes papéis e eles se valorizaram, mas o Brasil já estava aplicado nestes papéis por razões prudenciais, e ganhou com a crise.

Só que a pressão sobre o Banco Central depois da hecatombe da produção industrial será maior. Vai recomeçar a pressão para a queda dos juros. A ideia que está embutida na ata do Copom, de que a maior parte da queda já ocorreu, dificilmente faz sentido diante desses números de produção. Outros e mais fortes cortes terão que ocorrer, não por pressão política, mas porque a conjuntura econômica permite e exige. Os juros reais estão no nível mais baixo da história recente. Estão em 6% ex-ante, ou seja, comparado com a previsão de inflação.

Mesmo assim, é alto para um momento em que se contabiliza um retrocesso de quatro anos na produção industrial e uma queda mensal só comparável a números que se atingiram no governo Collor.

Morte súbita

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Desmaio" da indústria em dezembro só se compara ao do período do confisco de Collor ou da crise dos 1980


A SENSAÇÃO que fica é como aquela do torcedor de futebol que vê o time perder o campeonato com um gol na morte súbita. Ou de blecaute geral, de desmaio inopinado. Sim, trata-se da indústria em dezembro. Sabia-se há um mês que a produção das fábricas havia afundado no final 2008. Mas os resultados divulgados ontem pelo IBGE dão a impressão de que a indústria foi abduzida por alienígenas.

Nunca se viu coisa igual desde que temos estatísticas comparáveis da indústria (desde 1991). Talvez tenha havido coisa semelhante no confisco de Fernando Collor, em 1990, ou no colapso da economia no final da ditadura militar, no início dos anos 1980 -mas isso é mera sugestão dos números da indústria tais como aparecem nas contas do PIB, que não são comparáveis com os da nova série mensal do IBGE.

É óbvio que a economia brasileira era então muito diferente e, aparentemente, agora não está em colapso (isto é, com déficits externos ou fiscais enormes, hiperinflação e outras desordens). A comparação com aqueles períodos de desgraça serve apenas para destacar que, estranhamente, o desmaio industrial de agora foi de grandeza semelhante aos dos piores momentos da nossa história econômica.

Pode-se dizer que, não, os dados não surpreendem, dado o tumulto econômico mundial, o maior talvez em 80 anos. Pode ser. Mas a contaminação não foi apenas rápida demais; foi principalmente brusca demais. Mesmo que se leve em conta o corte do crédito externo (vimos esse filme outras vezes). Ou mesmo que se leve em conta a alta brusca dos "spreads" bancários no final de 2008, que ficou entre as duas maiores desde que há registros (2000). A pancada nas exportações, embora forte, não foi de magnitude condizente com o tombo da indústria.

A procura de uma explicação "material" para o tombo inédito não é apenas especulativa. Pode dizer algo sobre o destino da produção nos próximos meses e sobre a relevância das medidas que o governo tem tomado e pode tomar. Dizer que houve um "choque de confiança" não ajuda muito, pois resta a pergunta: por que empresas e bancos anteciparam de modo tão radical os efeitos domésticos do tombo da economia no resto do mundo?

Outro fator da retração aguda pode ter sido o tamanho dos estoques industriais no imediato pré-crise. A economia vinha crescendo a um ritmo anual de quase 7%. E então veio o colapso mundial de setembro, a seca aguda de crédito, a explosão dos derivativos cambiais, o mergulho final das commodities, tudo ao mesmo tempo. Os empresários e banqueiros podem ter decidido, pois, atirar primeiro e perguntar depois. Isto é, na dúvida diante do tumulto, resolveram queimar todos os estoques e desligar máquinas e crédito.

Ainda assim, o tombo foi chocante. Para piorar, foi muito além do apagão nos bens de consumo. A produção de máquinas e equipamentos e de bens intermediários (insumos industriais) também afundou de modo inédito. O apagão, que poderia ser temporário e transformar-se em apenas lentidão, agora é realimentado pelo também brusco aumento nas demissões. Banco Central e governo vão ter de agir mais rápido agora. Muitíssimo mais rápido.

Indústria cai pelo 3º mês e aponta recessão no país

Tombo histórico
Cássia Almeida e Bruno Villas Bôas
DEU EM O GLOBO


Indústria tem maior queda desde 91 e economistas veem recessão no país

A indústria brasileira registrou em dezembro, a maior queda na sua produção desde 1991, quando começou a série histórica do IBGE. O recuo foi de 12,4% em relação a novembro. Foi a terceira queda consecutiva e, em três meses, o setor encolheu 19,8%. Os números surpreenderam analistas e governo, que pretende agora tirar da gaveta um projeto para estimular compra de geladeiras por R$ 500. Consultorias e bancos calculam que o PIB tenha recuado entre 1,3% e 3% de outubro a dezembro de 2008. A Confederação Nacional da Indústria já admite recessão.

Um verdadeiro colapso atingiu a indústria brasileira em dezembro do ano passado. Uma chuva de números negativos tomou conta da divulgação da pesquisa industrial ontem pelo IBGE. A produção do setor caiu 12,4% frente a novembro e 14,5% contra dezembro de 2007, nas maiores quedas já vistas desde 1991. É o terceiro mês seguido de retração, na comparação com o mês anterior, o que fez a produção encolher 19,8% no período. Tombo desse tamanho em período tão curto ainda não tinha sido registrado na história recente do país. Diante da queda da produção em dezembro, acima das expectativas que giravam perto de 10%, as previsões de estagnação da indústria este ano começam a surgir e há economistas que já consideram o país em recessão.

- É inexorável considerar que estamos numa recessão - afirmou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, que prevê queda de 2,5% no quarto trimestre de 2008 no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) frente ao período de julho a setembro, e de 0,2% nos três primeiros meses deste ano. - Para o ano de 2009, esperamos expansão de 1,2% (o que seria a menor taxa desde 2003 quando a economia avançou apenas 1,1%).

Com essa derrubada da indústria no último mês de 2008, a quantidade de bens produzidos voltou aos níveis de março de 2004, recuando quase cinco anos. Em dezembro, houve queda na produção de 69,5% dos 755 itens pesquisados pelo IBGE. A expansão de janeiro a setembro impediu que o setor caísse em 2008. A alta foi de 3,1%, menos da metade dos 6,4% captados até setembro no ano.

- Foi um colapso sem precedentes na era pós-Real. Nada parecido houve até agora. E há risco, sim, de estagnação da economia este ano - afirmou o economista-chefe da GAP Asset, Alexandre Maia.

Segundo Isabella Nunes Pereira, gerente da pesquisa do IBGE, vários fatores levaram à essa derrubada na produção:

- Houve deterioração forte do nível de confiança, com o crédito escasso e caro, o que reduziu a produção de bens duráveis (-42,2% frente a dezembro de 2007), puxada pela redução de 49,4% na fabricação de veículos.

Ela também culpou o freio brusco na demanda internacional por commodities metálicas, como minério de ferro e produtos siderúrgicos. Isso afetou diretamente a produção de bens intermediários (os insumos da indústria) que recuaram 18,2% frente a dezembro. Essa categoria de produtos é a que mais preocupa o economista-chefe da Convenção Corretora, Fernando Montero.

- Esse setor responde por mais de 50% de toda a produção. Com a retração local, o caminho natural seria desviar o excedente para o mercado externo. Diante do quadro mundial, não há o que fazer com o excedente. Temo por esse ajuste de estoque dessa parcela da indústria. Nada indica neste início de ano que a indústria alcançou o fundo do poço em dezembro. Mesmo com a queda no fim do ano, pode ter havido novo corte em janeiro.

Há visões mais otimistas. Bráulio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, prevê alta de 10% na produção em janeiro frente a dezembro. Queda da mesma magnitude, 10%, vai se observar na comparação com janeiro de 2008:

- Há sinais positivos, como melhoria na confiança do consumidor e dos empresários. E as vendas de veículos avançaram bem. Mas essa alta se dará sobre uma produção muito deprimida.

PIB pode cair 0,8% no 1º trimestre

Borges diz que o ajuste de estoque da indústria vai se esgotar no primeiro trimestre. Daí a sua previsão de crescimento mais forte da produção no segundo trimestre.

- A história mostra que depois de um ajuste de estoque, a indústria reage rápido e forte.

Os números de dezembro provocaram revisões nas projeções do PIB. Há consultoria prevendo que este ano a economia poderá sofrer contração de 0,2%, aproximando-se da estagnação verificada em 1998 e 1999, anos de crise cambial. Oito instituições consultadas pelo GLOBO revisaram seus números para baixo. Todas acreditam no encolhimento da economia no quarto trimestre frente ao terceiro (de -1,3% a -3%) e não descartam nova queda no PIB no primeiro trimestre deste ano, embora a maioria não tenha números fechados.

André Perfeito, economista da Gradual Investimento, aposta em queda de 2,25% do PIB no quarto trimestre e de 0,8% de janeiro a março deste ano. Ele fez uma das projeções mais pessimistas para a economia brasileira este ano, ao prever uma retração de 0,2% no PIB em 2009. Resultado da recessão nos EUA e do crescimento menor da China:

- Mesmo com um corte maior nos juros, não acredito em expansão na economia. O resultado de 2009 já está contratado, principalmente por estar comparado com 2008 quando a economia cresceu forte.

Alexandre Maia, da GAP, diante da chuva de números negativos, acredita que os juros básicos da economia (Taxa Selic em 12,75% ao ano) cheguem a um dígito este ano:

- É de se esperar uma resposta agressiva do Banco Central.

Para Sergio Vale, da MB Associados, a recessão será puxada pela indústria, principalmente a extrativa mineral, com as fortes quedas observadas nos preços de minério de ferro. Pelo lado da demanda, ele prevê investimentos ainda positivos, graças ao setor de construção civil e máquinas e equipamentos.

- As exportações devem cair 8,7% no quarto trimestre, resultado da queda da demanda externa.
Embora não descarte completamente a retração da economia este ano, a maioria dos analistas prevê crescimento fraco para o PIB, de 1,2% a 2,8%. Marcela Prada, economista da Tendências, acredita em estabilização no segundo trimestre deste ano e um início de recuperação a partir de julho.

- Tem aumentado o risco de PIB negativo no ano, mas tudo dependerá do nível de confiança do consumidor e dos empresários. Precisamos aguardar os resultados das medidas de política fiscal e monetária que estão sendo tomadas - afirmou Marcela.

PRODUÇÃO INDUSTRIAL CAI 12% EM DEZEMBRO

Pedro Soares
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Dimensão e velocidade inéditas da queda surpreendem IBGE e analistas; produção de 70% dos itens pesquisados recua


Economistas atribuem resultado à retração nas exportações e no crédito e ao temor dos empresários e consumidores com a crise

Em dezembro, a crise fez a produção industrial brasileira registrar queda de 12,4% na comparação com novembro, livre de efeitos sazonais. Foi a maior queda desde o começo da série histórica do IBGE, em 1991. Em novembro, já tinha havido recuo de 7,2%; em outubro, a queda ficara em 1,4%. A retração verificada em dezembro foi ainda pior comparada ao mesmo mês de 2007: 14,5%, também a mais intensa em 17 anos.

Nunca nem de forma tão rápida a indústria sofreu uma derrocada tão forte como no último trimestre de 2008. Em dezembro, o tombo foi de 12,4% na comparação livre de efeitos sazonais com novembro. Foi a maior queda desde o começo da série histórica do IBGE, em 91.

Em novembro, o índice já havia recuado 7,2%. Em outubro, a queda ficara em 1,4%. Em apenas três meses, a indústria acumulou perda de 19,8%, variação negativa sem precedentes no histórico da pesquisa para período tão curto.A atual crise bateu com mais força e mais rapidamente na indústria do que a do governo Collor, em 1992, a do México, em 1995, a do racionamento de energia, de 2001, e a da eleição de Lula, em 2002.

"Nunca se viu uma queda tão forte num espaço de tempo tão curto. Desse ponto de vista, o resultado de dezembro surpreende. Houve uma mudança abrupta de cenário", disse Isabella Nunes, do IBGE.

Na comparação com dezembro de 2007, a retração foi mais intensa: 14,5%, também a maior desde 1991. Com isso, o último trimestre fechou com queda de 6,8% ante o terceiro trimestre e de 9,8% em relação a mesmo período de 2007.Diante de dados tão negativos, a produção da indústria encerrou 2008 com expansão de 3,1%, taxa modesta se comparada com o crescimento de 6,4% acumulado de janeiro a setembro -antes do recrudescimento da crise. Em 2007, a expansão havia sido de 6%.

Com a queda desde outubro, a indústria voltou a produzir no mesmo patamar registrado em março de 2004. E acumulou recordes negativos de produção em diversos setores -só em 7% deles houve expansão, e 70% dos produtos registraram queda em dezembro.

Para Nunes, o movimento de retração "foi intenso e generalizado", mas afetou mais os ramos ligados às exportações e dependentes do crédito. Entre eles, estão veículos, máquinas e equipamentos, metalurgia e indústria extrativa -com destaque para o minério de ferro.

"O que se viu em dezembro foi uma paralisia total da indústria. Ninguém imaginava uma queda tão forte", disse Bráulio Borges, economista da LCA.Tal retração, segundo ele, ocorreu especialmente na esteira do "medo de empresários de investirem e empregarem, de consumidores de se endividarem e de bancos de emprestarem e não receberem".

Esse efeito subjetivo, avalia, foi mais importante do que a restrição do crédito e a contração da economia global -fatores que também pesaram no fraco desempenho da indústria, segundo ele. "Todo mundo parou, sentou e resolveu esperar para ver."

"A indústria acusou com força o golpe em dezembro. A queda foi generalizada e abrupta. É impressionante como a indústria encolheu em dezembro", diz Rogério César Souza, do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).Para o economista Leonardo Carvalho, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o quadro de dezembro apontou "para uma parada geral da produção da indústria", sob efeito principalmente de um elevado nível de estoques.

O acúmulo excessivo de estoques, diz, já havia sido verificado -especialmente na indústria automotiva- no momento em que a crise bateu com mais força no setor fabril. "Foi uma triste coincidência, que resultou nessa queda tão forte."

Essa conjunção já afeta a saúde financeira das empresas. "Algumas fábricas já começam a ter problemas. É só ver o número de recuperações judiciais, que tem aumentado. Não esperávamos um número tão ruim, só comparável com a época do Collor", diz Sérgio Vale, da MB Associados.

Perdidos na estrada Belém-Davos

ENTREVISTA: Alain Touraine
Laura Greenhalgh e Ivan Marsiglia –
DEU EM O ESTADO DE S.PAULO / ALIÁS

Crise que agitou dois fóruns mundiais é resultado do descolamento da economia em relação à política, afirma guru da 'sociologia da ação'

SÃO PAULO - O sociólogo francês Alain Touraine, de 83 anos, não fez as malas nem para ir a Davos, na Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial, nem a Belém, no Pará, para estrelar o Fórum Social Mundial. Ou seja, mundo por mundo, preferiu ficar em Paris mesmo. Do ponto de vista das ideias, teria algo importante a dizer em ambos os encontros. Para os apóstolos do mercado financeiro voluptuoso e indomável - uma turma que hoje em dia anda, digamos, na muda - teria a dizer que o jogo virou: o descolamento da economia em relação à política foi de tal ordem nos últimos anos que sistemas financeiros aceleraram rumo ao abismo, gerando a quebradeira geral. "Agora vem o tempo da regulação", profetiza. Para os apaixonados militantes do Fórum Social, o recado seria outro: "Ajeitem seus canais de expressão se quiserem ter influência política. E se despeçam daquele velho antiamericanismo". Acha que os atores sociais poderão assumir um papel fundamental nesta crise, como instâncias de contestação da irracionalidade do mundo financeiro e propulsores dos agentes políticos. "Desde os primórdios da Revolução Industrial a classe política não andava tão por baixo", avalia.

Não é de hoje que Alain Touraine fala de controle social sobre a economia. Formado na França, com títulos e especialização em universidades americanas, há quase 50 anos investe na chamada "sociologia da ação", estudando a fundo o itinerário de movimentos sociais em diferentes países. Entre eles, o Brasil. Amigo pessoal do ex-presidente Fernando Henrique, acredita que o País foi beneficiado pela transição da era FHC para a era Lula. "Esses governos formaram uma continuidade salutar", diz. Mas acha que os movimentos sociais brasileiros só avançarão se perceberem que o País hoje é urbano e um dos poucos a ter condições de influenciar a globalização econômica.

Diretor de pesquisa da renomada Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, Touraine é autor de clássicos da sociologia moderna, como O Pós-Socialismo e Crítica da Modernidade. Há dois anos surpreendeu ao lançar um estudo sobre a condição feminina, chamado O Mundo das Mulheres. A seguir, os principais momentos da entrevista que concedeu ao Aliás, por telefone:

Que imagem Davos traz ao senhor, a do sanatório do livro ?A Montanha Mágica?, de Thomas Mann?

(Risos). Como vocês sabem, A Montanha Mágica não foi escrito com um tom de confiança no futuro. Nem mesmo o personagem mais sincero, aberto e simpático do livro, Naphta, apresenta uma visão de esperança no futuro. A Davos de Thomas Mann vivia uma época de esgotamento de um certo modo de vida da Europa Central.

A referência aos sanatórios pode aparecer como piada este ano em Davos: afinal, a economia mundial está perdidamente enferma ou há sinais de convalescença?

A esta questão é preciso dar uma resposta clara: jamais, desde a 2ª Guerra, houve uma crise tão grave. O sistema econômico sob o qual vivemos, há muito tempo, tem como base a seguinte ideia: concentram-se os recursos nas mãos de uma elite dirigente que deve se voltar para a sociedade, mas, para que a coisa funcione, é preciso ter mecanismos de reequilíbrio e regulação. Porém, o que temos visto do pós-guerra para cá, principalmente em função do desenvolvimento rápido das novas tecnologias, é a ruptura entre essa elite econômico-financeira que se define por ela mesma e os apelos de uma grande massa da população por participar do crescimento da riqueza. Assistimos a uma separação crescente entre a organização econômica globalizada e os sistemas de reequilíbrio político e social, que se tornaram incapazes de atingir o patamar das decisões globais.

Mas houve uma grande expansão da riqueza, não?

Sim, e ela se deve justamente ao avanço tecnológico e à abertura dos mercados. Porém, após um período inicial de desenvolvimento, o sistema financeiro descolou-se completamente do corpo da economia, para atuar num campo fora das possibilidades de ação social e coletiva, campo este onde ele poderia ser reequilibrado e corrigido. Resultado: mesmo nos EUA a desigualdade social aumentou. Em toda a América Latina ela cresceu muito só em tempos mais recentes países como o Brasil e o Chile lograram diminuí-la. Ocorreu, portanto, uma falha fundamental do capitalismo ou mesmo da economia moderna.

É um diagnóstico grave da crise.

Sim, é algo muito grave. Trata-se da crise da dominação ocidental. Os países do Ocidente, com os EUA à frente, estão perdendo poder e capacidade de decisão, que está se deslocando para as mãos da Ásia: em primeiro lugar da China, mas também do Japão e da Coreia. Não é só uma crise econômica. Ela é geoeconômica e geopolítica. A era Bush marca o esgotamento do modelo hegemônico dos EUA, que já tinha ficado evidente na compra, em enormes quantidades, de bônus do Tesouro americano pelos chineses.

Qual é o aspecto mais complicado da crise: a falta de confiança que se generaliza ou a ignorância sobre os meios de combatê-la?

Nem uma nem outra. Essa crise não é questão de conhecimento. Não que entendê-la não seja importante, mas ela vem do fato de que estávamos vivendo um período de formidável desenvolvimento financeiro, em que o sistema bancário recebia US$ 1.000 e, a partir da especulação com derivativos, empréstimos e refinanciamentos, punha em circulação para o consumo US$ 6.000 - isso, sem nenhuma materialidade. Hoje, o cidadão americano tem, em média, rendimentos comprometidos na faixa de 140%. Tudo repousa sobre um sistema de papéis sem lastro, que pode levar à quebradeira. Foi o que houve em 2001, na Argentina, quando a situação se agravou tanto que bateu o pânico e todo mundo correu aos bancos para resgatar seu dinheiro. Em poucos meses a Argentina passou de país que tinha a mais forte classe média da América Latina para um lugar onde multidões afluíam dos trens de subúrbio para remexer o lixo no centro de Buenos Aires.

Mas se existe algum diagnóstico para as causas do problema, o mesmo não se pode dizer sobre sua solução. Tony Blair disse: "Pergunte aos especialistas o que é preciso fazer neste momento e a resposta mais honesta será: eu não sei". O desnorteio tem sido geral. As ciências sociais e econômicas falham ao lidar com essa situação?

Eu não diria isso. Estamos assistindo a mais uma manifestação de um fenômeno que chamo de "marginalização dos atores sociais e políticos". As ciências sociais encontram-se em situação de fraqueza, mas não se trata de um problema de natureza intelectual: trata-se da impossibilidade de os atores sociais intervirem para reequilibrar a sociedade. Com relação aos economistas, a consequência foi direta.

Em que sentido?

De 25 anos para cá, a ideia predominante sobre o funcionamento da economia foi a da "gestão", não a dos objetivos nacionais e coletivos. Ouvimos repetidamente, a partir do consenso de Washington, que foi aplaudido em Davos inclusive, que era necessário destruir todos os obstáculos ao livre funcionamento do mercado. Os economistas aplicavam cálculos econométricos sobre tudo: sistema financeiro, acumulação de capital, funcionamento do mercado. Para a econometria jamais faltaram recursos... Já a orientação que podemos chamar de pós-keynesiana, a "escola da regulação", o estudo das interações e compensações entre os sistemas econômico e social, isso tudo foi esvaziado. Economistas do mais alto nível protestaram contra essa concepção totalmente desequilibrada. Sem sucesso naquele momento. Vejam bem, não estou dizendo que as pessoas se enganaram, mas que a situação criada conduziu ao fracasso das análises.

A ideia de regulação ganha força?

Sem dúvida. Ao longo dos últimos 10 ou 20 anos, vimos o tema da ecologia ganhar tanta importância quanto o da economia. E o que é a ecologia senão um sistema de regulação? Trata-se de regular, de um lado, as relações entre cultura e natureza, mas, de outro, trata-se de regular inclusive as relações entre os países, tocando decisões globais importantíssimas como o controle de emissão do CO2 na atmosfera ou a deterioração do clima. Produto disso são as tentativas, inclusive brasileiras, de encontrar novas fontes de energia.

O senhor acredita que possa se formar algum novo consenso mundial, algo que venha substituir a formulação do consenso de Washington?

Em primeiro lugar, o consenso de Washington não era mundial, mas americano e ocidental. E, honestamente: um consenso neste momento é muito difícil. Estamos vendo, como disse, uma transformação profunda da distribuição da riqueza no mundo. Surgirão novas formas de concorrência, haverá ganhadores e perdedores, mas os grandes grupos econômicos dos países desenvolvidos, ao se sentirem ameaçados, vão se defender contra os interesses dos emergentes. Daí haverá atritos.

Os "altermundialistas" reunidos em Belém têm valorizado justamente o discurso ecológico. Qual será, enfim, o papel do ambientalismo no cenário político global?

Infelizmente, sobre Belém é preciso dizer coisas opostas. Os temas introduzidos pelos "altermundialistas" no Fórum Social são, de fato, essenciais na tomada de consciência sobre os riscos que o mundo corre. Mas essa gente tem grande dificuldade em organizar suas ações, por uma razão elementar: o adversário contra o qual lutam são as grandes empresas multinacionais, que estão fora de seu alcance. Além disso, parte dos "altermundialistas", em particular os franceses, ainda pratica aquela velha política antiamericana. Felizmente essa ala vem perdendo poder no movimento.

O senhor ainda acredita na "ação da sociedade", um dos eixos do seu trabalho em sociologia?

Acredito e, ao mesmo tempo, acho que ela tem sido insuficiente. O mercado paira sobre tudo e todos, tem sido muito difícil mudar isso. Só que os fatos estão aí. De repente descobrimos que algumas figuras centrais do sistema financeiro internacional não passam de ladrões e mentirosos: chega a ser espantoso saber que uma fraude bilionária foi praticada nos EUA por Bernie Madoff, o homem que dirigia a Nasdaq, símbolo da economia moderna.

É possível encarar a crise como uma oportunidade real de mudança? Basta um passeio no site do Fórum de Davos para perceber que há muita gente buscando soluções paliativas, que permitam a manutenção do sistema...

Há três visões em curso em Davos. A primeira diz que é preciso reconstruir apenas as partes do sistema que apresentaram defeito. A segunda, defendida por um batalhão de especialistas sem poder de pressão, é a visão de que é preciso controlar o sistema econômico global. E há uma terceira visão sugerindo que não serão as pessoas, nem as inteligências e nem os governos que vão domar a crise, pois o sistema é capaz de se corrigir sozinho. Esta visão nos remete a um sistema de não-governo, a uma espécie de destino ou de catástrofe anunciada: ninguém pode agir contra o que está aí. Desse ponto de vista, a discussão que Barack Obama traz ao mundo é positiva. Bem-vindo o discurso de que é preciso reforçar o sistema político para que ele possa, de fato, promover a regulação do sistema financeiro-econômico!

O senhor compartilha esse grande otimismo em torno de Obama? Será mesmo o retorno à era da política, como dizem alguns analistas?

De fato existe um imenso otimismo em torno da eleição de Obama, e sente-se isso em quase todo o mundo. A meu ver, o otimismo é a maneira que as pessoas estão encontrando para expressar essa busca de meios para intervir no presente. Talvez seja esse o retorno à política. A chegada de Obama à presidência americana abre formidáveis perspectivas, porém, se ele é capaz de enfrentar os cataclismas econômicos que devem aparecer, isso não sabemos.

O que o senhor acha?

Na minha opinião, ele é capaz. Mas leve em conta que Obama não está sucedendo tão somente a um presidente conservador moderado, mas a um homem ultrarreacionário, que alimentou uma inédita predisposição internacional contra os EUA, com ramificações em vários campos, do econômico ao religioso. A herança que lhe deixaram não é fácil.

Nos últimos dias, análises publicadas na imprensa internacional acabam por indagar se Obama terá coragem de nacionalizar bancos americanos, ainda que seja temporariamente. Qual é sua opinião?

Posso dizer que a resposta já foi dada. Nós estamos vendo a transferência de trilhões não só para instituições financeiras e empresas americanas, mas europeias também. É de se esperar que os governos que fizeram essas transferências venham a ter assento nos conselhos de administração dessas instituições. Isso é lógico, obedece a critérios técnicos, eu diria. E deve acontecer até na indústria automobilística. Estamos rumando para uma situação em que o Estado vai, sim, tomar parte nas decisões do mundo empresarial. Não se trata de saber se Obama terá ou não coragem de nacionalizar, mas de reconhecer o rumo que as coisas já estão tomando.

Falemos de desemprego. A cada dia divulgam-se cortes de milhares de postos de trabalho.

E não tem saída. Se cai a produção, encolhe o emprego e consequentemente, o consumo. O que posso dizer, de novo, é que estamos sofrendo os efeitos do descolamento da economia em relação à política. Sinceramente não vejo como estancar o desemprego sem promover mudanças profundas no sistema econômico. Não dá para pensar a economia sem levar em conta suas consequências sociais, sem falar de sustentabilidade, sem considerar a ecologia. E era exatamente o que se fazia há dez anos. Agora estamos atravessando um momento da globalização em que os atores sociais serão convocados a se manifestar. Como o internacionalismo sindical, que tende a ganhar força, já que não é mais possível pensar a economia apenas do ponto de vista nacional.

Mesmo que a crise venha a ser superada, temos aí as consequências da própria modernização da economia, com saltos tecnológicos que acabam por gerar mais desemprego. Como equilibrar as demandas de trabalhadores ativos e inativos, definir o tamanho da jornada de trabalho, cuidar do lazer das pessoas, etc?

Hoje é necessário valorizar o tempo livre da mesma forma que é preciso consertar o processo econômico e estancar o desemprego. Estou seguro disso. Não imagino que estejamos rumando para uma crise como a dos anos 30, nos EUA, em que os desempregados vagavam pelas ruas, mas a situação é muito complexa. Os franceses fecharam acordo para reduzir a jornada de trabalho a 35 horas semana, os alemães, a 36 - isso têm impacto num mercado de trabalho já com muito imigrante. Mas como equilibrar a economia mundializada? Direcionando os avanços técnicos à ideia do desenvolvimento sustentado, e não exclusivamente à competição. Devemos pensar em qualidade de vida, na saúde dos imigrantes, nas possibilidades de entretenimento da população, no nível geral de conhecimento, na formação, no avanço científico. Tudo isso conta.

A crise começou financeira, virou econômica, já é social e certamente será política. Estamos caminhando para sistemas políticos mais autoritários e economias protecionistas?

Acho que não. Porque também estamos acordando para a ideia de que é preciso ampliar nossa capacidade de intervenção política. Não adianta apenas reforçar partidos e Parlamentos.

Claro, eles são importantes e têm sua função no mundo da economia moderna, mas é vital reinventar instâncias de contestação e criar um movimento de opinião pública forte. Aí está a força da política e então volto a pensar nos ambientalistas. Ou nos "altermundialistas" que fazem a crítica à sociedade voltada para o consumo. Acho que já estamos caminhando. O discurso conservacionista vem ganhando espaço, os níveis de consumo no mundo industrializado têm sido discutidos, as condições são propícias para o renascimento da política.

Há 40 anos nossa prioridade era o processo de descolonização. Depois embarcamos numa ideia política meio vaga, em torno do Terceiro Mundo, encaramos o autoritarismo, a corrupção, e hoje, diante dos impasses da economia mundial, devemos nos decidir claramente entre a política ou a negação dela.

Como decidir?É simples. Sem política, os sistemas econômicos tornam-se desequilibrados.

O senhor acompanha o processo político brasileiro há muito tempo. Na sua opinião, como o Brasil deve atravessar esse período de alta turbulência?

O Brasil vem se dando bem e deve continuar assim, apesar das dificuldades. O País mudou muito nas últimas quatro presidências e a continuidade Fernando Henrique-Lula, em termos de projeto para o País, foi decisiva. Deu consistência ao processo, ao mesmo tempo em que garantiu a estabilidade política e o rumo econômico. Fez-se um patamar de confiança.

Que deve durar?

Independentemente de quem venha a ganhar a próxima eleição, haverá essa sensação de que o Brasil continuará seguindo seu caminho. Isso estimula percepções de estabilidade e maturidade de um país que é capaz de controlar a si mesmo. Quando olho para a América Latina, vejo apenas Brasil e Chile em condições de atuar efetivamente no nível mundial. E não estou sequer citando o México, que se tornou um país completamente enquadrado pelos interesses americanos.

A redemocratização brasileira também resultou do vigor dos movimentos sociais. Como eles estão hoje: mais fracos, mais fortes, mais cooptados?

Tenho duas coisas a dizer. A primeira é que o País mudou muito. Era um país rural, hoje é urbano, sendo São Paulo uma metrópole das maiores do mundo, polo de desenvolvimento global. Então, não dá para pensar em movimentos sociais que se prendam àquele Brasil rural e camponês que já não existe.

O senhor fala do MST, que acaba de completar 25 anos?

Falo de movimentos que, se ficarem presos ao que já não existe, terão uma posição cada vez mais fraca no sistema político. A segunda coisa que eu teria a dizer é que os movimentos sociais precisam se abrir para o mundo se querem influenciar a classe política. Porque só influenciando os políticos poderão colocar limites aos interesses econômicos. Hoje os atores políticos estão muito enfraquecidos - como nunca estiveram, desde os primórdios da Revolução Industrial. Então será fundamental que atores sociais os empurrem para a frente. Que os façam se deslocar. Além de movimentos sociais mais abertos, precisaremos de Estados mais fortes. Estados que contenham os desequilíbrios da globalização sem cometer desvios autoritários, como acontece na Venezuela, sob Chávez e às custas de uma economia petroleira. O único país que possivelmente pode se deixar influenciar pelo modelo venezuelano é a Bolívia. O Brasil é sábio. Não entra nesse jogo.

TARSO GENRO E A MÍDIA NEOLIBERAL

Caso Battisti e “caso Dreyfus”, nada a ver
Alberto Dines
DEU NO OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA


O ministro da Justiça irritou-se novamente com a imprensa e resolveu acusá-la de neoliberal. Estava no Fórum Social Mundial de Belém, e contagiado pelo clima "alternativo" preferiu não comentar as críticas à sua decisão de conceder o status de refugiado ao militante italiano Cesare Battisti. "Falei tudo o que tinha que falar sobre Battisti. Está fora da minha jurisdição."

Manhoso, confundiu alhos com bugalhos e desancou a imprensa que crítica algumas indenizações pagas a vítimas da repressão durante a ditadura militar ("Tarso ataca a imprensa", O Globo, 31/1, pág. 3).

Nada a ver: a política de indenizações foi adotada ainda no primeiro governo FHC quando a Secretaria de Direitos Humanos estava subordinada ao Ministério da Justiça. A imprensa geralmente respeita os pareceres sobre as indenizações. Críticas ou gozações são inevitáveis, embora injustas, no caso de celebridades eventualmente agraciadas com vultosas reparações.

Terceiro voto

O ministro Tarso Genro tentou confundir as pesadas reclamações contra a maneira como desconsiderou o parecer do Conare (Comitê Nacional para os Refugiados, que recomendou a recusa do status de refugiado a Cesare Battisti) com uma suposta campanha para condenar o ex-militante.

Como lhe faltam argumentos, recorre ao velho bordão ideológico. E antes que alguém lhe sopre a idéia de reviver o caso do capitão Alfred Dreyfus – um dos maiores erros judiciários da história – convém lembrar alguns fatos. O capitão do exército francês foi condenado em 1894 pela imprensa católica anti-semita francesa antes mesmo de julgado num tribunal militar. E foi reabilitado pela justiça graças à pressão da imprensa liberal-progressista do mundo inteiro (o nosso Ruy Barbosa foi um dos primeiros a escrever a seu favor).

Cesare Battisti foi julgado pela justiça do seu país que, até prova em contrário, é plenamente democrático. Erro judiciário, se houve, foi do ministro da Justiça que arvorou-se em juiz sem o devido processo.

Tarso Genro estava furioso naquele dia com o "furo" da Folha de S.Paulo ("Decisão do comitê contradiz todas as alegações de Tarso", 30/1, pág. A-4). O jornal fez um excelente trabalho investigativo e obteve o documento sigiloso de 16 páginas no qual os integrantes do Conare justificam a não concessão de asilo a Battisti.

O ministro recusava-se a divulgar o teor do documento porque dos três funcionários do governo que votaram contra Battisti, dois são subordinados seus, altos funcionários da pasta da Justiça (um deles secretário-executivo do ministério e o outro, delegado da Polícia Federal). O terceiro voto contra a concessão de asilo veio da representante do Ministério das Relações Exteriores.

Contraponto eficaz

Graças às revelações da Folha o STF soube da existência do documento e imediatamente requisitou uma cópia. A divulgação do placar no Conare deixa o ministro em péssima situação. Confrontou três abalizados técnicos do governo, divulgou sua decisão e escondeu o parecer que lhe era contrário. Apesar do seu republicanismo adotou uma posição claramente anti-republicana. E como não poderia investir contra a Folha, que cumpriu estritamente o seu papel, voltou-se contra a mídia "neoliberal".

Carta Capital não pode ser considerada uma publicação identificada com o neoliberalismo. Os artigos de Mino Carta e Walter Fanganiello Maierovich sobre o caso Battisti (edições de 28/1 e 4/2) não têm qualquer travo ideológico. Discutem o comportamento voluntarista e impulsivo do governo brasileiro numa complexa questão jurídica. Seu poder de persuasão advém justamente do fato de que não se trata de um veículo do establishment.

A entrevista de IstoÉ com Cesare Battisti na prisão da Papuda não pode ser considerada como manobra neoliberal para subverter os fatos. É justamente o contrário (ver, neste Observatório, "Entrevista reequilibra o noticiário").

A "grande mídia" (para usar a expressão empregada por Tarso Genro) está desde o início mais interessada na decisão a ser votada no plenário do STF pelos supremos magistrados do que na canetada do ministro da Justiça.

A sociedade brasileira aprendeu a respeitar as votações do STF, confia no seu saber jurídico e no seu senso de equilíbrio. O plenário do STF tem sido um eficaz contraponto ao generalizado simplismo vigente nas esferas oficiais.

Em compensação, a sociedade brasileira deixou de respeitar o Ministério da Justiça a partir do vergonhoso episódio do repatriamento dos boxeadores cubanos, Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, num avião cedido por Hugo Chávez durante os Jogos Panamericanos no Rio (agosto de 2007).

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1229&portal=