quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Excluído, Lula tenta fazer as pazes com esquerda

Soraya Aggege e Maiá Menezes
DEU EM O GLOBO

No Fórum Social, presidente vai dizer que saída para a crise global é um novo modelo de produção e consumo

BELÉM. O presidente Lula vai tentar fazer as pazes com os movimentos sociais, hoje em Belém, no Fórum Social Mundial (FSM). Vaiado no encontro de 2005, agora Lula será cobrado por antigas promessas e engolirá até um veto - de antigos aliados, como o MST - para sua participação em um dos eventos. Lula vai dizer ao FSM o que a esquerda quer ouvir: a saída para a crise global será a construção de um novo modelo de produção e de consumo, ambientalmente sustentável. Lula também dirá que, graças aos avanços da esquerda, a América Latina está mais bem preparada para enfrentar a crise. Lula pretende pedir a "unidade de ação das forças populares" para combater a crise, além de propor uma cooperação entre os países amazônicos para projetos de desenvolvimento sustentável, segundo O GLOBO apurou.

O presidente deverá afirmar ainda que a crise financeira global se soma a outras, como a alimentar, a ambiental e a energética. Lula vai prometer que seu governo combaterá a crise com produção e geração de empregos. E vai aproveitar o embalo para apresentar sua candidata à sucessão, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), aos movimentos sociais que ajudaram a elegê-lo em 2002, no mesmo FSM.

Para muitas das organizações do FSM, no entanto, Lula não é mais considerado um governo de ruptura com o neoliberalismo, como são os governos de Bolívia, Venezuela, Equador e Paraguai.

- Não viemos aqui para vaiar o Lula, como alguns pequenos grupos querem fazer na visita. Mas não consideramos seu governo afinado com o FSM e por isso o excluímos dos convidados. Tanto Lula quanto seu governo, os ministros presentes, não são nossos convidados - disse Ulisses Manaça, da direção nacional do MST e da Via Campesina.

Foram convidados para o debate da integração popular da América Latina com MST e Via Campesina os presidentes Hugo Chávez (Venezuela), Rafael Correa (Equador), Evo Morales (Bolívia) e Fernando Lugo (Paraguai). Os presidentes teriam tentado convencer as organizações a convidarem Lula, alegando que a situação seria embaraçosa, mas não houve acordo.

- Não consideramos ofensivo. O fato é que o MST quer discutir temas como a Alba (Alternativa Bolivariana para as Américas), que não dizem respeito ao nosso governo - reagiu o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci.

Lula se reunirá separadamente com os quatro colegas latinos em um hotel, logo que eles retornarem do evento. Na pauta, a crise global e as saídas para a América Latina. Depois, os cinco presidentes ocuparão um dos mais badalados palcos do FSM: cinco organizações sociais farão perguntas aos cinco presidentes, provavelmente sobre dois temas: crise mundial e Amazônia. É nessas respostas que Lula deverá encaixar seu discurso.

Amanhã, ele tem um encontro fechado com conselheiros internacionais do FSM. Foi o próprio presidente quem convidou o Conselho, integrado por 165 membros, incluindo o PT.

Alguns dirigentes petistas afirmaram ontem que a importância do FSM para Lula é de preparação para a crise. A ordem no PT é garantir uma reaproximação com os movimentos, não só para dar sustentação popular a Dilma Rousseff em 2010, mas para evitar oposição nos momentos críticos da economia. O presidente estaria temeroso de uma onda de greves, invasões e rejeição ao governo. O espaço de recomposição do partido com os movimentos é exatamente o FSM. Depois, em março, o partido convocará uma reunião para viabilizar sua rearticulação com os principais movimentos sociais.

O papel da oposição

Gustavo Fruet
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Com poucas exceções, o que temos é uma oposição tímida, num Congresso Nacional cada vez mais submisso ao governo

UMA REGRA não escrita, mas consagrada, das democracias é que quem ganha eleições governa, quem perde é oposição -critica e fiscaliza.

Idealmente, ambos os lados partilham os valores democráticos, o que pressupõe atitude construtiva mesmo na oposição e até a possibilidade de compor com o governo quando estiverem em jogo interesses maiores do país, do Estado ou da cidade.

O que não é razoável é que a oposição abra mão do seu papel institucional, que é justamente o de contrapor pontos de vista e projetos, além de fazer denúncias. Nos últimos anos, esse princípio salutar tem sofrido abalos no Brasil.

Numa realidade política em que o presidente da República ostenta altos índices de aprovação popular e vetores tradicionais de contestação -como os movimentos sociais e até o sistema financeiro- alinham-se ao governo, ser oposição transformou-se num fardo que muitos relutam em carregar. Com poucas exceções, o que temos é uma oposição tímida, num Congresso Nacional cada vez mais submisso ao governo.

Três anos depois do escândalo do mensalão, a produtividade da Câmara dos Deputados melhorou, mas ainda é baixa. Em 2008, mais da metade das sessões tiveram a pauta trancada.

A participação das medidas provisórias em relação ao total de matérias apreciadas caiu em relação a 2007, quando representaram 42% de tudo o que foi votado. Mas elas continuam com destaque no balanço do que foi aprovado. De cada 4 matérias aprovadas pela Câmara dos Deputados em 2008, 1 é medida provisória.

A atuação do Poder Executivo no Legislativo também é registrada nos projetos discutidos: o governo federal encaminhou 40% dos projetos de lei aprovados e 37,5% dos projetos de lei complementar.

Neste ano, a capacidade da oposição -e, particularmente, do PSDB- para organizar uma ação coordenada será testada por uma agenda repleta de temas difíceis e até polêmicos.

A política terá uma dimensão maior, exigirá novas referências e uma concepção positiva. Já na volta das sessões da Câmara dos Deputados, a pauta incluirá a reforma tributária e o arremedo de reforma política proposto pelo governo. É importante saber o que realmente motiva tal proposta, em especial ao tratar ou não do fim da reeleição.

Entre os temas mais polêmicos para discussão estão ainda o fim do fator previdenciário e o reajuste salarial dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo. Ainda no campo trabalhista, a crise internacional, que já mostra sérios reflexos no Brasil, deverá impulsionar o debate sobre a redução da jornada de trabalho. Outro tema que certamente provocará ainda muita discussão é a proposta de alteração no Código Florestal, que opõe ruralistas e ambientalistas, favoráveis e contrários à redução da área protegida na Amazônia.

São temas que não admitem meio termo nem devem servir de suporte para posições populistas. Todos terão impactos no país. Exigem, portanto, posicionamento firme, coerência e clareza. Qual será a posição da oposição? Vai se alinhar ao governo ou simplesmente se posicionar contra?

É necessário definir posições e firmar um discurso claro que permita à sociedade compreender que papel desempenha cada ator do cenário político nacional. Política se faz com identidade.

Nenhum partido ou candidato de trajetória dúbia pode pretender a confiança dos eleitores. Por mais personalista que seja o voto, ao fazer os cálculos que resultarão numa escolha política, o eleitor levará em conta o grau de identificação com determinado partido -o que naturalmente está relacionado com a orientação adotada por esse partido, a maneira como se posiciona diante de determinados temas e a sua prática cotidiana.

É necessário ter clareza, e a agenda que espera o Congresso Nacional em 2009 é uma excelente oportunidade para demonstrar até onde a oposição está disposta a fazer oposição.

Gustavo Fruet , 45, doutor em direito pela Universidade Federal do Paraná, é deputado federal (PSDB-PR) e vice-líder do seu partido na Câmara.

Como Pôncio Pilatos

Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A candidatura do senador José Sarney à presidência do Senado não foi decidida na semana passada nem é fato que tenha contrariado o presidente Luiz Inácio da Silva nem chegado ao conhecimento dele no encontro que os dois tiveram dia 20 último.

É urdida há quase dois meses. A data da operação em si pode ser estabelecida a partir do dia 18 de dezembro quando o presidente do Senado, Garibaldi Alves, num movimento estranho, mas agora compreensível, foi lançado pelo PMDB à reeleição, a despeito dos questionamentos jurídicos.

Naquele mês, mais de um senador da base governista foi chamado ao gabinete de Renan Calheiros e ouviu que José Sarney seria o próximo presidente do Senado e, ele, Calheiros, líder do partido. O roteiro da trama é conhecido, mas poucos ousam revelá-lo e nenhum senador o faz sem a proteção do anonimato.

Articulador da candidatura por intermédio da qual volta ao poder e busca o prestígio perdido em meio a denúncias que lhe custaram a renúncia à presidência do Senado e um processo no Supremo Tribunal Federal, Renan Calheiros abriu o jogo na ocasião.

Disse que tiraria a liderança de Valdir Raupp, que no dia 20 de janeiro Sarney anunciaria a candidatura e que até lá seria necessário criar um fato para impedir a viabilização da candidatura do petista Tião Viana.

Dito assim, exatamente assim foi feito. O senador Garibaldi prestou-se ao papel de simular a retomada da ideia de se candidatar à reeleição e, desse modo, evitou que Viana se consolidasse, o que fatalmente ocorreria se ficasse sozinho no páreo.

Na ocasião, quem quis foi conferir o roteiro com Sarney. A conversa, meio atravessada como sempre, foi sendo conduzida para o desmentido, a negativa da candidatura. Até que Sarney fez uma vírgula, e disse o que de fato queria dizer: "Mas o Tião, nesse meio tempo, terá que decolar..."

Pois "nesse meio tempo", o PMDB tudo fez para que não decolasse. Lançou Garibaldi, manteve a possibilidade Sarney no ar e foi levando em banho-maria o momento de decisão que seria anunciada logo após o encontro com Lula.

Reunião de cartas marcadíssimas. O presidente explicou a Sarney que já havia tentado demover Tião Viana da candidatura, naquela altura irreversível, assumida no PT com o compromisso de ir até o fim, "dê o que der".

O senador, então, deu cartada final, dizendo ao presidente que, se ele pedisse, retiraria a candidatura. Lula respondeu que não "faria isso" com um "parceiro" leal e um político da estatura de Sarney. Estava, portanto, sacramentado o abandono de Tião Viana à própria sorte.

Destino, ademais, traçado por diversos companheiros que o alertaram para que não se iludisse, pois seria deixado no meio do caminho.

Feita a cena no dia 20, no dia 21 Sarney começou a procurar os colegas senadores. Comunicou a "revisão" daquela posição de não concorrer e relatou a conversa com o presidente. Só.

Não pediu voto, mas começou a negociar os cargos na Mesa, assegurando ao DEM logo a primeira-vice-presidência para o senador Heráclito Fortes, um dos mais aguerridos opositores do governo Lula.

Ao PSDB de maneira enviesada fez entender que os votos do partido poderiam levar o apoio do grupo aliado a Lula desde o primeiro momento da campanha pelo primeiro mandato para a candidatura José Serra a presidente em 2010.

Pelo que anda dizendo o presidente do partido, senador Sérgio Guerra, a seus pares, o tucanato acreditou.

Não teria tanta confiança assim, porém, se tivesse tido oportunidade de testemunhar a sem-cerimônia com que aliados de Sarney circulam por Brasília comemorando antecipadamente a vitória no Senado e apostando que, na Câmara, não se elege Michel Temer e sim Aldo Rebelo, cuja campanha, cumpre registrar, está mergulhada no silêncio e no mistério.

Ele atua fortemente, pedindo votos sob o argumento de que não interessa a ninguém, nem ao governo nem à oposição, ver o PMDB no comando total do Congresso.

O grupo de Michel Temer acusou o golpe desde o primeiro instante e passou a trabalhar contra Sarney. Eles não querem briga com o presidente da República (em nome dos cargos que ocupam desde a reeleição), mas já detectaram a evidência: para o Palácio do Planalto não seria de todo mau - ao contrário - que Temer seja derrotado.

Principalmente se Aldo Rebelo ganhar, abrindo-se a oportunidade para a compensação pela derrota para Arlindo Chinaglia, na eleição de presidente da Câmara em 2007, e a desistência da candidatura a prefeito de São Paulo para integrar, como vice, a chapa de Marta Suplicy.E qual o ganho da eventual derrota de Temer?

A perda do comando do partido, hoje presidido por ele, cuja máquina nacional é diamante para qualquer que seja o plano de Lula para 2010. Esse grupo, como se sabe, é próximo de José Serra, fez parte do governo Fernando Henrique Cardoso e, desde a adesão da seção paulista à candidatura de Gilberto Kassab, costeia perigosa, mas firmemente, o alambrado do campo adversário.

Crise, sucessão e um Congressodiferente na fase final do governo

Jarbas de Holanda

A conquista pelo PMDB dos comandos da Câmara e do Senado, já praticamente definida a menos de uma semana das duas eleições – em ambas numa aliança com a oposição, na segunda contra o PT e na primeira sem depender do apoio dele – poderá mudar significativamente a qualidade do relacionamento do Palácio do Planalto com o Congresso, terá algumas implicações no enfrentamento da crise econômica e, sobretudo, condicionará o processo da sucessão presidencial, em particular a campanha da candidata situacionista Dilma Rousseff.

A mudança da qualidade de tal relacionamento será facilitada ou propiciada por progressiva evolução do partido majoritário no Legislativo federal de uma postura que combinava a partilha do governo com a subordinação ao projeto sucessório de Lula para um posicionamento pragmático de persistência da partilha mas sem compromisso com o referido projeto e, mais que isso, aberto à exploração de duas alternativas: apoio a um candidato oposicionista, provavelmente o tucano José Serra, ou lançamento de um nome próprio (na hipótese, de difícil e incerta operação, da troca de legenda por Aécio Neves). Nos dois casos, com interrupção daquela partilha bem antes da disputa presidencial.

Manifestações previsíveis de tal mudança: com um PT enfraquecido, o presidente Lula dependerá decisivamente de um PMDB centrista para o enfrentamento dos efeitos da crise econômica no Legislativo e para a própria governabilidade, bem como para a montagem de seu projeto sucessório. Outras manifestações do gênero: o fechamento do caminho para proposta de um terceiro mandato presidencial consecutivo (que poderia reemergir com força num cenário – bem mais adiante – de manutenção de altos índices de popularidade de Lula e de precária afirmação de candidatura por ele patrocinada), que o PSDB reforça com cobrança de explicitação contrária por Sarney; e aumento das dificuldades enfrentadas pelo projeto oficial de ingresso da Venezuela de Hugo Chávez no Mercosul, carente de aprovação por um Senado com um presidente reiteradamente hostil à iniciativa. Mas tudo isso se processando por meio da ambigüidade própria do pragmatismo peemedebista, sem envolver iniciativas de ruptura com um presidente com alta taxa de popularidade e que conta ainda com dois anos de mandato.

Em relação à crise, o fortalecimento do PMDB centrista, em detrimento do esquerdismo do PT, poderá refrear propostas e ações de setores do governo para enfrentamento dela por meio de medidas de exacerbação populista, tais como nova escalada dos gastos com programas assistencialistas e das despesas de custeio (além das já contratadas para este e os próximos anos) ou o bloqueio político à negociações trabalhistas destinadas a minimizar a avalanche de demissões, sobretudo na indústria. Quanto a decisões tomadas pelo Planalto que têm sido questionadas – como a criação do Fundo Soberano, com recursos internos, e o uso de vultosas e subsidiadas verbas públicas para a capitalização do BNDES – o PMDB não tem posição contrária ou nada a opor. Como também em relação ao PAC e outros programas de investimentos, de cuja gestão buscará participar mais e colher melhor dividendos.

Especificamente a respeito da sucessão de 2010, a dependência maior de Lula para com o PMDB deverá traduzir-se num esforço da pré-candidatura Dilma Rousseff para associação dele a sua campanha. Que, por isso, enfrentará mais restrições no PT, restrições, porém, de um partido debilitado e sujeito ao comando do presidente Lula. A busca dessa associação terá a virtude de reduzir o esquerdismo histórico da chefe da Casa Civil, compelindo sua campanha a ampliar articulações com setores do empresariado em torno de propostas desenvolvimentistas nas quais ela disfarçará seu dirigismo estatizante e a serem combinadas com a capitalização dos programas assistencialistas de Lula. Pois, para disputar o apoio do PMDB, como uma candidatura a ser socialmente construída, Dilma terá de escudar-se num discurso moderado, capaz de sensibilizar o eleitorado centrista (ao contrário daquele que Lula fez no segundo turno da disputa com Geraldo Alckmin em 2006, ao usar retórica radical antiprivatização e anti-av.Paulista, esta como símbolo do empresariado da Fiesp).

A disputa para mostrar quem é mais miserável

Maria Inês Nassif
DEU NO VALOR ECONÔMICO

"Vocês não vão para Serra Pelada? Vocês têm que ver a miséria lá. Lá é muito pior. Tem 800 casos de hanseníase para uma população de seis mil habitantes", incita o vereador Paulo Higino da Silva aos jornalistas e membros da comitiva do Fórum de Carajás promovido pelo MST, que levou cerca de 150 pessoas a percorrer quase 1,5 mil quilômetros dentro do Pará, de sábado até terça-feira, para ver mata que virou pasto e árvore que virou madeira, e muita miséria. Na curva do "S", onde há 15 anos a PM do Pará, no governo de Almir Gabriel (PSDB), emboscou milhares de sem-terra e matou 19, se o clima era mais amistoso do que há uma década - a Força Nacional estava lá para proteger a comitiva, que tinha muitos estrangeiros; a prefeitura recebeu com festa; o palanque foi destinado a poemas de músicas da "luta pela terra"; a inauguração de um monumento aos mortos de Carajás foi feita pelo MST, que descerrou a placa com a sua bandeira -, o desfile de misérias individuais e coletivas não deveria ser diferente. Higino insistia que os olhos internacionais vissem a degradação da parte de Curionópolis que já foi a maior mina de ouro do mundo e hoje é o maior índice de lepra do Brasil. Tem também prostituição infantil, insiste o vereador. Mais adiante, moradores de Parauapebas, município que sedia Carajás, reivindicavam ao seu município o mais alto índice de HIV e de câncer de pênis do país (atribuído a hábitos de higiene precários), além de um dos mais altos custos de vida do Estado. Parauapebas tem 110 mil habitantes e prevê que, em três anos, chegará a 300 mil. Oitenta por cento de seus habitantes são maranhenses - a Vale do Rio Doce atrai levas de migrantes pobres que incham a periferia da cidade, lá se incorporam às tarefas de peões da mineradora, ou ficam desempregados e engrossam as filas do MST.

Mil e quinhentos quilômetros de estrada, onde se alternam projetos grandiosos e miséria igualmente grandiosa, são suficientes para convencer qualquer um que o grande problema da Amazônia ainda é o fundiário. O Pará é, hoje, uma fronteira que está sendo empurrada - e os tratores das madeireiras e os bois transitam e comercializam áreas de grilagem, do Estado e da União, sem serem incomodados. É terra sem lei, mas dono, na verdade, ela tem. São a União e o Estado. A União, todavia, tem quase 70%. Aliás, em quase toda a Amazônia Legal a União é a grande proprietária de terras públicas, porque o governo militar, na década de 70, desapropriou cem metros à margem das rodovias e saiu abrindo picadas no meio da mata e fazendo projetos de colonização que distribuíram muita isenção fiscal a grandes empresas sem nenhuma vocação para o agronegócio; atraiu levas de nordestinos e largou-os no meio da floresta; e botou combustível numa região de mais alto e antigo conflito de terras do país. Na região amazônica, portanto, a questão fundiária é principalmente um problema federal.

Essa situação tem um custo que vem sendo empurrado governo a governo após a redemocratização. Não existe solução possível para a preservação da Amazônia, para a erradicação da miséria na região e para a redução da desigualdade social que não passe por uma definição clara de um projeto do governo para a questão agrária. A primeira questão, urgente, é a regularização fundiária. Existe uma enorme controvérsia sobre o assunto, mas talvez isso ocorra por causa das omissões sucessivas dos governos, inclusive do próprio presidente Lula, que não foi diferente nessa questão. Há uma divergência profunda entre o que querem os movimentos sociais - que estão empenhados em estabelecer limites à regularização da grande propriedade - e o que desejam o Congresso e o governo federal, que definiram a regularização de propriedades de até 15 módulos (1,5 mil hectares).

Essa é uma questão polêmica porque a concentração de terras na região nas mãos dos grileiros têm ocorrido, desde os anos 70, com a conivência de agentes públicos. Quem está fora do processo não imagina por que razão um deputado ou senador da região sempre fez tanta questão de indicar o responsável pelo Incra estadual. Nem todos os presidentes dos Incras estaduais fizeram isso, é lógico, mas ao longo do tempo essa troca de favores entre governo federal e sua base parlamentar foi proporcionando poder aos mal intencionados para regularizar grilagens em troca de dinheiro.

Segundo um integrante da Comissão Pastoral da Terra (CPT), no início do governo Lula foi feito um acordo entre o governo, os movimentos sociais e o próprio grupo do PT que comanda desde o início o Ministério do Desenvolvimento Agrário, para que os Incras estaduais não fossem moedas de troca com a base de apoio de governo. A idéia era substituir a indicação política pela indicação técnica, para que fosse quebrada a relação entre o poder local e a grilagem. Não foi o que aconteceu. Agora, quando a questão da regularização fundiária entrou, enfim, na pauta do governo, a sirene parece ter soado alto. Tanto a agência especial proposta pelo ministro Mangabeira Unger, como a força especial formada pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), que foi a fórmula vitoriosa, são um reconhecimento de que a regularização fundiária é impossível num Incra cujas estruturas estaduais foram apropriadas pela base aliada. Jorram interesses aí, que simplesmente imobilizam o Incra nacional.

O governo Lula demorou seis anos para resolver essa contradição. A outra que tem que resolver é o que fazer com os milhões de miseráveis que vêm para a região em busca de uma oportunidade, nos grandes projetos de mineração ou hidrelétricos. Hoje eles vivem do Bolsa Família, dão votos a Lula, são mão-de-obra de madeireiras, alvo fácil de fazendeiros que usam trabalho escravo e candidatos a conviver com os esgotos a céu aberto das cidades que são sede de grandes projetos. Isso não é projeto para o futuro.

Maria Inês Nassif é editora de Opinião. Escreve às quintas-feiras

O grande estelionato mercadista

Vinicius Torres Freire
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mercado se anima com rumor de que Obama pode comprar dívida podre da banca, dando anistia à farra de Wall Street

BARACK OBAMA , o "cavaleiro da esperança", vai mesmo doar dinheiro para donos de bancos? Tão importante quanto o pacotão fiscal (gastos em obras, energia, educação, saúde e ciência) é a menos popular "fase dois" do pacote de salvação do sistema financeiro.

Mesmo que seus efeitos práticos apareçam apenas daqui a um ano, o pacotão fiscal pode ter a utilidade de insinuar a consumidores e empresas que a situação não deve degringolar em depressão, reanimando os espíritos. Mas o pacotão funciona como o empurrão que faz um carro "pegar no tranco". Se o carro tem um defeito mecânico ou está sem combustível, porém, vai parar de novo. A pane nas finanças é uma das piores a afetar o carro da economia.

Obama terá de consertar as finanças. Ficou mais evidente que os bancos não têm capacidade de comprar nem pechinchas miúdas no mercado de instituições quase falidas. Não vão sair do chão puxando os cabelos. O problema é que, diz o rumor, o plano Obama para as finanças pode ressuscitar o plano Paulson-Bush, um presente para grandes acionistas e gestores da banca. O mercado ficou animadinho ontem por causa disso.

No plano Paulson, o governo compraria a dívida podre dos bancos por um preço alto e esperaria até que, no dia de são Nunca, ela voltasse a valer algo. Isto é, no mínimo, o governo daria a acionistas de bancos um quase trilionário empréstimo de pai para filho, com seguro grátis.

Alternativa? Desapropriar, estatizar a preços módicos e revender os bancos que sobrarem quando tiver sido limpa a porqueira de Wall Street.

Caso ocorra a mãe de todas as socializações do prejuízo, é bom que se faça um registro, para o bem do serviço de prevenção da patranha, da bravata e do estelionato ideológicos:

1) O "cavaleiro da esperança", Obama, terá dado dinheiro a ricos;

2) Ficará gravado em pedra que a grande finança não apenas depende de normas e seguros estatais para funcionar: também tem o direito de ser ressarcida pelo público em caso de lambança, ficando com todos os lucros do período da farra;

3) A grande farra financeira ocorreu na década em que o crescimento médio dos EUA superou apenas o dos anos 1930, da Grande Depressão (mesmo excluídos 2008 e 2009; considerado o período que começa em 1930). Na década da farra, a renda do trabalho estagnou e a desigualdade aumentou nos EUA. Apenas mercadistas vulgares e estelionatários continuam a repetir que a finança desembestada foi a responsável pelo "período mais próspero da história" (ou a nova camarilha chinesa na verdade era toda composta de agentes de Wall Street?).

Menos importação de besteiras

O governo não vinha fazendo grande besteira na crise. Até agora há pouco. Ameaça fazê-las, seguindo o ministro do Trabalho, ao condicionar empréstimos à manutenção de emprego. Ou pisando na jaca podre, como o fez ao impor barreiras burocráticas à importação, tolice antieconômica, que suscita favorecimentos e é, enfim, contraproducente. Teve de rever a medida.

É hora de impor barreiras à emissão de disparates. Mais comentário sobre a bobajada das importações no blog desta coluna:

''Concessão de refúgio é atuação partidária''

Daniel Bramatti
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Para Roberto Romano, doutor em filosofia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (França) e professor da Universidade Estadual de Campinas, a concessão do refúgio político a Cesare Battisti foi ideológica e partidária. A seguir, trechos de entrevista concedida por telefone:

O governo agiu certo ao conceder o refúgio político a Battisti?

Não. Neste episódio, como tem sido a norma no governo Lula, o Brasil abriu mão de sua tradição diplomática. O Itamaraty sempre teve pauta independente do presidente, sobretudo de sua ideologia. Em vez de diplomacia, houve atuação partidária em escala internacional.

O sr. acha que o ministro Tarso Genro fez um juízo de valor indevido sobre o Judiciário italiano ao dizer que Battisti não teve direito a ampla defesa?

Sim. Foi um juízo não fundamentado na leitura do processo, inclusive do processo histórico. Ao julgar um indivíduo, não se pode olhar apenas os papéis, é preciso ver o contexto. Aquela facção (Proletários Armados pelo Comunismo) estava, na época, em guerra, praticando assaltos a banco e uma série de atividades ilegais que não cabem no sistema democrático.

Como o sr. avalia a reação das autoridades italianas?

Mesmo em se tratando de um processo que, da parte brasileira, foi profundamente desastrado, a reação de parte da imprensa italiana, da opinião pública e do próprio governo me pareceu em um tom demasiado elevado. Deveria haver mais frieza por parte da Itália em relação ao Brasil.

Na opinião pública italiana havia uma avaliação demasiadamente positiva de Lula e de seu governo. Então a decepção trouxe essa acidez, que no meu entender é excessiva, inclusive em termos diplomáticos.

Há outros casos de italianos envolvidos na luta armada que ficaram no Brasil por decisão do Supremo Tribunal Federal. O sr. acha que Battisti teria sido extraditado se a decisão ficasse nas mãos do STF?

Creio que sim. O Supremo é uma corte com pessoas altamente gabaritadas, algumas nomeadas pelo atual presidente da República, mas que têm mostrado autonomia nos julgamentos. Apesar de a lei dizer que o Poder Executivo pode conceder o refúgio, a prudência recomendava ouvir a maior autoridade judiciária do País.

O paradoxo de Davos

Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


DAVOS. O paradoxo de defender o livre mercado e o sistema capitalista e, ao mesmo tempo, admitir que somente uma vasta intervenção dos governos nacionais poderá tirar o mundo da crise sistêmica em que se encontra, é a marca dessa edição do Fórum Econômico Mundial. O que se vê aqui em Davos é uma imensa catarse, com temas como regulação do mercado financeiro, que já foram considerados tabus, agora sendo prioritários. Não há quem discuta a necessidade de maior transparência no mundo financeiro, ou de um controle regulador que devolva a confiança no mercado internacional. E todos estão convencidos de que, no momento, apenas os governos nacionais têm condições de sustentar o mercado financeiro e dar credibilidade ao sistema.

Mas foi George Soros, o megainvestidor, quem melhor definiu como os sustentáculos do sistema capitalista veem essa intervenção maciça dos governos na economia: "Os governos são péssimos agentes econômicos. Assim que tudo estiver normalizado, eles têm que sair de cena, deixando para as entidades privadas o papel de tocar a economia".

Para se ter uma ideia do ambiente em que o fórum se desenrola, basta verificar a pergunta mais frequente: quanto você perdeu até agora? Duas respostas são exemplares. O escritor brasileiro Paulo Coelho diz que não perdeu nada por que só aplica em renda fixa. Já o megainvestidor George Soros declarou-se feliz por estar conseguindo preservar o que tem e ficar "levemente positivo", o que, no atual "colapso", considera "digno de comemoração".
Foi, aliás, de Soros a melhor resposta sobre a crise. Não tem a menor importância saber quanto tempo ela vai durar, disse, mas "o que vamos fazer para sair dela". E ele deu duas ideias, polêmicas, mas pelo menos inovadoras. Uma sugestão de Soros é a formação de um imenso fundo, financiado pelos países desenvolvidos e controlado pelo FMI, a fim de restabelecer linhas de crédito para os países emergentes.

Para proporcionar solidez ao sistema bancário internacional, Soros propõe um imenso Proer. Ele se anunciou disposto a investir no que chamou de "bancos bons", que seriam aqueles livres dos investimentos podres, que ficariam nos "bancos ruins", que ficariam com os governos.
Os bancos, de maneira generalizada, defendem essa tese, que lhes garantiria a segurança necessária para restabelecerem o fluxo de crédito internacional. A "aversão ao risco" seria compensada por garantias governamentais.

Mas não foram as entidades privadas que provocaram esse "colapso"? Para um encontro que supostamente reúne as melhores cabeças e os líderes do sistema capitalista, não ter captado a crise que se avizinhava é uma lição de humildade que vem sendo cuidadosamente aproveitada este ano, com a admissão tardia, mas fundamental, de que o mercado por si só não é capaz de corrigir seus excessos.

Não se via tanto mea-culpa desde que, em outubro passado o ex-presidente do Banco Central americano Alan Greenspan, confrontado por um congressista americano, admitiu, "chocado", que o modo de vida capitalista não deu certo, e se disse "surpreso" de constatar que o mercado não conseguiu se autorregular, e que as pessoas não conseguiram trabalhar em seu próprio benefício, refreando os excessos do sistema financeiro.

Recebi do Ministro da Justiça, Tarso Genro, a seguinte mensagem: "Lendo tua coluna de do dia 27 último, verifico comentário sobre os dois boxeadores cubanos que deixaram a delegação do Pan. Estás correto ao lembrar que um deles finalmente conseguiu viver na Alemanha. Mas equivocado quando afirmas que "entreguei" os dois atletas a Cuba. À época do Pan, ambos deixaram a delegação justamente com a promessa de viver na Alemanha. Ficaram alguns dias em uma pequena praia do Rio, sem que o empresário que os procurara fizesse qualquer contato.

"Desiludidos, pediram a um pescador local que fizesse contato com a polícia, que os levou à Polícia Federal. Lá foram ouvidos por duas vezes, com o acompanhamento de advogado representante da OAB-RJ e de um procurador do Ministério Público do Rio.

"Nos dois depoimentos, afirmaram o desejo de volta a Cuba. Foi-lhes oferecido asilo, que recusaram. Tudo está registrado em documentação da Polícia Federal. Mas quero lembrar outros dois fatos: um treinador de handball (Rafael Capote) e um ciclista (Michel Fernandez Garcia) também deixaram a delegação cubana no Pan. Pediram refúgio no Comitê Nacional para os Refugiados, o que foi concedido.

"Mais recentemente, quatro músicos de um grupo cubano que se apresentava no Brasil também pediram refúgio no Conare. Hoje vivem em Recife. Naturalmente, a Embaixada de Cuba protestou, o que não impediu que mantivéssemos a decisão. E outra informação: há 123 cubanos vivendo no Brasil, sob refúgio político.

"Portanto, não posso concordar com tua afirmação, de que o governo brasileiro adotou "uma atitude ignóbil, tão marcada de ideologia que não merece discussão sobre soberania brasileira.

"Mais recentemente, já no governo Sarkozy, a França negou a extradição para a Itália da ex-brigadista Marina Petrella. Sem clamores por parte de seu país de origem. Finalmente, reitero: o que me levou a conceder refúgio a Cesare Battisti foi reconhecer que havia fundado temor de perseguição política, conforme preceitua a lei brasileira."

Registro a mensagem do Ministro da Justiça, mas continuo achando que considerar que há "fundado temor de perseguição política" num governo democrático como o da Itália, onde a livre imprensa existe e o Judiciário é um poder autônomo como deve ser nas democracias, é uma atitude política, e não técnica, do governo brasileiro, que nada tem a ver com a soberania do país.

O capitalista e o comunista

Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


DAVOS - Pode-se acusar George Soros de tudo ou de quase tudo, menos de não saber ganhar dinheiro.

Mesmo sabendo, é o único grande capitalista que tem feito críticas sólidas ao capitalismo.Sua análise sobre a presente crise é irrebatível nesse aspecto. Começa por dizer que a decantada eficiência do mercado "foi desmentida", assim como foi desmentida a tese de que os mercados, deixados por sua conta, "tendem ao equilíbrio". Na verdade, Soros usou o verbo "desproved", que, em português, seria "não provado/a", mas fica esquisito, não é?

O megainvestidor lembra, de novo com toda a razão, que não foi um "choque exógeno" que levou aos "distúrbios" no sistema financeiro.

Ou seja, os "distúrbios" nasceram no próprio sistema financeiro e acabaram por levá-lo ao "colapso", sempre na análise de Soros.

Ele se recusa a fazer previsões sobre o tamanho e o tempo de duração da recessão provocada pelos "distúrbios" (ou "colapso", você escolhe). Diz que não é importante.

Ou que de fato importante seria reconstruir o sistema que entrou em colapso, o que exige uma fantástica, quase incalculável, injeção de dinheiro para capitalizar os bancos em coma.De onde virá o dinheiro? Óbvio: de papai-Estado, o único que tem recursos para fazê-lo, nem que seja preciso imprimi-lo.

Soros também defende o que a maioria de seus pares rejeita: a regulação do sistema financeiro. Não que acredite na capacidade de o Estado fazer direito as coisas. Mas "tem que fazê-lo, mesmo que tenda ao erro, porque, se errar, o mercado reage e permite corrigir o erro", que no caso seria de calibragem da regulação.

Prefiro Soros a um suposto comunista, o premiê chinês Wen Jiabao, que só ontem se lembrou de que, ao reler os dois clássicos de Adam Smith, encontrara apenas uma única menção à justiça social.

Governo recua e elimina restrição a importação

Martha Beck, Eliane Oliveira e Cássia Almeida
DEU EM O GLOBO

Após protesto de empresários, Mantega nega intenção protecionista e diz que a medida foi mal-interpretada

BRASÍLIA. Atordoado com a péssima repercussão no meio empresarial da medida que, desde a última segunda-feira, exigia licença prévia de importação para cerca de três mil itens, o governo recuou ontem e suspendeu os efeitos da nova regra a partir de hoje. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, veio a público explicar que a ideia era acompanhar o comportamento da balança comercial, que vem apresentando um desempenho ruim no primeiro mês do ano, e não impor uma barreira não-tarifária.

- O Ministério do Desenvolvimento resolveu tomar uma medida para poder fazer um monitoramento mais preciso do que estava acontecendo na balança comercial. Essa medida foi mal-entendida, causou ruídos, foi mal-interpretada. Por isso, concordamos pela sua suspensão - disse Mantega.

A restrição acabaria tornando mais lento o desembaraço das mercadorias, alertaram representantes da classe empresarial. O ministro, porém, indicou que a preocupação do governo era com a entrada no país de produtos que pudessem causar concorrência predatória e prejudicar as empresas nacionais, num momento em que as exportações estão em baixa. Em outras palavras, ele admitiu que o déficit que vem se concretizando este mês, depois de sete anos em que não é registrado um único saldo negativo mensal, pesou na decisão:

- A crise internacional provocou uma redução da demanda de commodities e, portanto, uma diminuição das exportações brasileiras. Causou uma preocupação em relação ao desempenho da balança comercial.

Sob fortes críticas, o governo já havia começado a reduzir o número de produtos que estavam na lista desde a última terça-feira. Trigo, autopeças, plásticos e derivados e alguns bens de capital foram retirados.

Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a revogação "foi uma demonstração de bom-senso do governo". O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, afirmou:

- Qualquer tipo de apreensão referente a dificuldades no que diz respeito ao processo de produção não é bom.

Para entidade, governo teve sensibilidade

Schneider esteve anteontem com Mantega. Uma fonte do governo disse que o setor automotivo ajudou a convencer o governo a voltar atrás, alegando que poderia haver problemas na escala de produção se houvesse dificuldades na importação de peças e plásticos.

A Associação Brasileira da Indústria Elétrica Eletrônica (Abinee) comemorou a decisão. Muito dependente das importações para sua produção, o setor levou suas queixas diretamente ao ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, em viagem pela África, por meio do presidente Humberto Barbato. Para a entidade, "o governo demonstrou sensibilidade".

Segundo fontes, a imposição da licença prévia foi acertada diretamente pela Fazenda com o Palácio do Planalto. O Ministério do Desenvolvimento fora encarregado de executá-la. A nova regra saiu justamente quando nem Miguel Jorge nem o secretário de Comércio Exterior (Welber Barral) estavam no país. Apreensivo com a possibilidade de outros países questionarem a medida na Organização Mundial do Comércio (OMC), o Itamaraty sequer foi consultado.

Também pesou na decisão de exigir licença prévia o risco de uma invasão de produtos da China, em diversos casos com fraudes e subfaturamentos nas aduanas, e a tendência protecionista da Argentina.

Crise deixará 51 milhões sem trabalho, diz OIT

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Mais de 51 milhões de pessoas podem perder o emprego em 2009 em decorrência da crise, segundo relatório da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

O estudo do órgão das Nações Unidas estima que o número de desempregados pode aumentar entre 18 e 30 milhões e pode chegar a "51 milhões se a situação seguir se deteriorando".No melhor dos cenários, a taxa média de desocupação passaria de 5,7% em 2007 para 6,1% em 2009, o que significa 191 milhões de pessoas sem trabalho. "A mensagem da OIT é realista, não alarmista. Nós enfrentamos uma crise global do emprego", afirmou o diretor-geral da OIT, Juan Somavia.

A previsão anterior da OIT, divulgada em outubro, era de que 20 milhões de empregos iriam desaparecer ao fim de 2009. No pior dos casos previstos pela OIT, a crise pode ainda fazer com que 200 milhões de trabalhadores sejam levados para abaixo da linha da pobreza, principalmente nos países em desenvolvimento.

Na América Latina, as previsões sugerem que a taxa de desemprego na região pode chegar a 8,3% neste ano.

FMI derruba previsão de crescimento para o Brasil

Patrícia Campos Mello
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

O Fundo Monetário Internacional (FMI) reduziu de 3% para 1,8% a estimativa de crescimento do Brasil em 2009. Foi a segunda vez em quatro meses que o FMI baixou a projeção, que era inicialmente de 3,5%. Apesar disso, o desempenho do País deve ficar acima da média da economia global - que, de acordo com o Fundo, deverá crescer apenas 0,5%. A taxa é a mais baixa desde a Segunda Guerra Mundial. Outro que vê dificuldades para o Brasil é o economista Nouriel Roubini, célebre por ter previsto a crise financeira global. Ele acha que o País sofrerá forte desaceleração, relata de Davos, na Suíça, o enviado especial Fernando Dantas. "O crescimento do Brasil pode ser próximo de zero, pode ser 1% ou até acabar sendo negativo", disse Roubini, uma das estrelas do Fórum Econômico Mundial.

Brasil vai crescer só 1,8%, prevê FMI

Fundo revê previsão de expansão, que era de 3% há quatro meses

O Fundo Monetário Internacional (FMI) voltou a revisar para baixo a estimativa de crescimento do PIB do Brasil em 2009, que passou de 3% para 1,8%. Essa é a segunda vez em quatro meses que o Fundo revê a projeção de crescimento mundial. Para o Brasil, a previsão inicial de expansão em 2009 era de 3,5%. Em 2010, o País vai crescer 3,5%, prevê o FMI.

Já a economia mundial deve ficar "virtualmente paralisada" em 2009, nas palavras de Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo. O crescimento mundial deve ficar em 0,5% em 2009, a taxa mais baixa desde a Segunda Guerra Mundial (a estimativa em novembro era de 2,2%). Nos países ricos, haverá contração de 2% , sendo -1,6% nos EUA, -2% na União Europeia e -2,6% no Japão em 2009.

Os países emergentes terão crescimento, mas de apenas 3,3% neste ano - na China, considerada a locomotiva do mundo, o crescimento será de 6,7% - a metade do que foi há dois anos.

Segundo Charles Collyns, vice-diretor no departamento de pesquisas do Fundo, a América Latina está sendo afetada pela crise por três canais de transmissão: redução nos fluxos de capital estrangeiro, queda no preço das commodities e redução nas exportações. "Mas a América Latina tem muito mais espaço de manobra desta vez, pode absorver choques com as taxas de câmbio flutuantes, tem grandes volumes de reservas para lidar com problemas de liquidez e menor endividamento", disse. "Não vamos ver a região mergulhando em uma crise grave, como ocorreu em outros casos."

Caso políticas de combate à crise sejam adotadas logo, o Fundo espera que o mundo volte a crescer no fim de 2009. Até lá, as condições financeiras terão melhorado, já vão ser sentidos os efeitos dos pacotes de estímulo fiscal e o mercado imobiliário americano estará mais estável, acreditam os economistas do Fundo. Para 2010, o FMI prevê crescimento de 1,1% nos países ricos, 5% nos emergentes e 3% no mundo.

A estimativa de expansão mundial noa ano foi reduzida em 1,75 ponto porcentual desde a última previsão. Para Blanchard, o Fundo revisou as estimativas de novo porque "os efeitos da crise global são cada vez maiores, operando por canais diferentes". Nos países ricos, a turbulência abalou a confiança dos consumidores e empresas e aumentou o custo do crédito. Já os países emergentes foram afetados por canais externos: a queda na demanda externa levou ao colapso nas exportações, o aperto global de crédito dificultou e encareceu os empréstimos e a queda nos preços das commodities afetou a receita desses países.

Segundo Blanchard, as políticas adotadas até agora para lidar com a crise não são suficientes. "Ainda não foi implementado um programa para restabelecer a saúde financeira e lidar com ativos podres", disse .

REAÇÃO DO GOVERNO

O Ministério da Fazenda ignorou a previsão do Fundo. "Deixa o FMI! Vamos esperar até o final do ano para ver quem está certo", comentou um assessor.

Mundo crescerá este ano 0,5%, menor taxa desde o pós-Guerra, segundo FMI

DEU EM O GLOBO

Projeção anterior era expansão de 2,2%. Para organismo, Brasil avançará 1,8%

WASHINGTON. A economia mundial vai ficar praticamente estagnada este ano, à medida que mais de US$2 trilhões de ativos podres travam o sistema financeiro, revelou ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI), em seu relatório sobre a economia. De acordo com o documento, a economia mundial vai crescer apenas 0,5% este ano, a expansão mais fraca desde a Segunda Guerra Mundial, o que representa uma queda acentuada em relação à previsão anterior, feita em novembro, de um crescimento de 2,2%. Naquela ocasião, o FMI achava que as economias emergentes conseguiriam conter a desaceleração dos países ricos. Essa perspectiva, porém, mudou a partir do momento em que nações como Brasil, Índia, China e Rússia passaram a acusar os efeitos da crise. Na mesma comparação, a previsão de crescimento em 2009 para o Brasil caiu de 3%, em novembro, para 1,8% agora.

O FMI disse, em dois relatórios, que a crise financeira atual está restringindo o crédito para empresas e consumidores, e esta é a razão principal das dificuldades atuais da economia global. O Fundo também elevou sua estimativa de perdas totais para os bancos e outras instituições financeiras para US$2,2 trilhões, por causa das hipotecas subprime (com alto risco de inadimplência) nos EUA. Em sua previsão de outubro, esse valor era de US$1,4 trilhão.

"Uma recuperação econômica não será possível até que a funcionalidade do setor financeiro seja restaurada e os mercados de crédito, destravados", disse o Fundo em seu relatório. A instituição revelou ainda que os governos devem tomar uma série de medidas para enfrentar a crise, inclusive injetar capital para tornar viáveis as instituições e retirar os ativos podres dos bancos.

Apesar dos esforços, tais como o pacote de US$700 bilhões do governo dos EUA e outras iniciativas similares no exterior, "os riscos da instabilidade financeira se intensificaram desde outubro", apontou o relatório.

Segundo a nova estimativa, a economia americana vai encolher 1,6%, contra a previsão feita em novembro de recuo de 0,7%. Já as 16 nações da zona do euro verão uma contração de suas economias de 2%, contra apenas 0,5% previsto em novembro. No Japão, a mesma comparação mostra piora de perspectiva de -0,2% para -2,6%, agora.

Para o FMI, governos têm que agir com rapidez
"A não ser que as severas restrições e incertezas financeiras sejam resolvidas, o círculo vicioso entre a atividade real e os mercados financeiros vai se intensificar, levando a ainda mais efeitos tóxicos no crescimento global", aponta o relatório.

O presidente americano, Barack Obama, negocia um pacote de estímulo, que inclui corte de impostos e mais investimento público em infraestrutura, para tentar ajudar a maior economia do mundo, que amarga uma recessão há 13 meses, a voltar a crescer. O pacote passou ontem na Câmara, enxugado de US$825 milhões para US$819 milhões, e deve seguir para o Senado semana que vem.

O Banco Central Europeu (BCE) cortou sua taxa básica de juros em mais da metade desde o início de outubro, para 2%. Os governos também estão começando a flexibilizar suas políticas fiscais, para tentar sair da pior recessão já vivida pelo bloco desde a sua criação.

O FMI afirmou que "o processo de reestruturação pode exigir dinheiro do contribuinte. Para o Fundo, os governos devem agir com rapidez para recapitalizar os mercados e eliminar os papéis podres.

O QUE PENSA A MÍDIA

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1223&portal=