quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Todos contam sua história...


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL

O AI-5 me pegou pelo pé como assessor especial do ministro Magalhães Pinto, despachado pelo presidente Costa e Silva para a pasta do Exterior, de escassa valia aparente para um obstinado candidato ao Palácio do Planalto.


Nos rachas internos do golpe de 1º de abril de 1964, o espertíssimo mineiro perdeu o seu assessor político, meu saudoso compadre José Aparecido de Oliveira, que seria cassado logo nas primeiras listas de degola por conta de suas articulações do outro lado do muro com a banda à esquerda. Muito anos depois, a reconciliação no melhor estilo da mineirice enterrou os agravos caducos e restabeleceu a amizade com o nó que atou as duas pontas.


Sem Zé Aparecido, Magalhães Pinto apelou pela minha condição de suplente. E deixou claro que precisava de um amigo para extrair da garapa da diplomacia a rapadura da Presidência. Recusei além do limite da polidez. Entreguei os pontos com a desculpa para uso interno: se a ditadura militar encaixasse um paisano que assinara o manifesto dos mineiros seria um largo salto para fechar o pano sobre a Redentora.


Erro crasso, como se vê. Mas, não inteiramente frustrante. Com as costas quentes e a carteira vazia – a gratificação que recebia não dava para pagar o salário da nossa empregada – armei o esquema de contatos diretos com os representantes dos segmentos da sociedade que tivessem legítimos interesses no exterior, relacionados com o Itamaraty.


Abri o salão nobre ao fundo do lago dos cines do palácio da rua Larga para o almoço do futebol, com o Pelé no lugar de honra como representante do esporte, com o colar da Ordem Cruzeiro do Sul entregue pelo ministro. A foto em vários ângulos enfeitou as primeiras páginas dos jornais de todo o mundo.

Depois foi a vez dos cientistas, do esporte amador, da música popular e a do AI-5.

Mesmo as lideranças políticas ligadas ao governo desconheciam o texto que o ministro da Justiça, o fanático da ditadura, Gama e Silva, redigia com os requintes da sua paixão pela força. Temia-se o pior e bastava a autoria para antecipar a obra. Entendi que era a hora de bater em retirada, pois nada mais havia a fazer. Nem candidatura ou a abertura das conversas com representantes da sociedade. Do último ponto de encontro com políticos e jornalistas no velho Monroe, onde funcionou o Senado até a mudança da capital para Brasília, tentei avançar na antecipação do tranco anunciado.

E de lá saí em companhia do Haroldo Holanda para uma conversa com o ministro da Administração, Hélio Beltrão, filho do deputado Heitor Beltrão que é nome de rua na Tijuca e uma grande figura da história da cidade.

Tentei, com uma ingenuidade que não me envergonha, convencer o ministro a seguir a linha da coerência com a biografia do seu pai.

Voltei para o Monroe, murcho e desanimado. De lá, atendi ao chamado do ministro Magalhães Pinto, reunido com o seu chefe de gabinete e demais altos integrantes da sua equipe.

O ministro teve a delicadeza de declarar que estava à espera da minha opinião para fechar as consultas sobre a decisão que deveria basear o seu voto na reunião do Conselho de Segurança Nacional.

Reconheço, mas não me arrependo, que passei da conta. Não seria a minha opinião que mudaria o seu voto. Mas, quem começara a vida pública assinando o manifesto dos mineiros não deveria encerrá-la com o apoio ao ato do Gama e Silva.

E o AI-5, mesmo com alguns cortes, superou as mais pessimistas expectativas. Na versão original, colocava em recesso o Supremo Tribunal Federal e fechava o Congresso.

O ministro da Marinha, almirante Augusto Rademaker, linha duríssima, deu um basta: "Assim você desarruma toda a casa".

Surfe de Lula depende é do rumo da onda


José Nêumanne
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

A aprovação - medida pelo Datafolha - por 49% dos brasileiros da forma como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gere a crise não repete os índices espetaculares de seu desempenho no cargo, mas estimula governistas e é uma ducha gelada para a oposição. Surpreende quem esperava um número menos estimulante aos sonhos continuístas pela boa razão de que o governo brasileiro não tem feito muito a respeito: sua primeira reação foi de desdém; a segunda, de pânico; e a terceira, na velha base de vamos deixar como está para ver como é que fica. Em nenhum dos três casos o chefe do governo se mostrou particularmente apto a amenizar os efeitos do desastre financeiro internacional em nossa economia. E isso por si só basta para mostrar quão hábil ele é para se comunicar com seu vasto e fiel eleitorado, convencendo-o de que o mínimo que ele está mandando fazer é o melhor que poderia mesmo ser feito.

Este é o segredo da impermeabilidade do homem: não necessariamente fazer o melhor, mas mostrar a quem interessar possa - o operariado de baixa de qualificação e o lumpemproletariado, mas não só estas camadas mais pobres e desinformadas da população, pois as pesquisas têm detectado o crescimento de sua aceitação por classes mais favorecidas e instruídas - que o líder continua a seu lado e defendendo seus interesses. Estes começam pela mágica da multiplicação das proteínas postas à mesa dos mais pobres pelo milagre da Bolsa-Família e terminam nos negócios da alta burguesia financeira com o beneplácito da autoridade generosa e disponível. No miolo do sanduíche fica a classe média, espremida, desarticulada e desorganizada, incapaz, portanto, de reagir aos riscos de descenso social, até agora evitado pela bonança reinante nos países consumidores de nossas commodities. Estas antes eram cotadas a peso de ouro, mas já começam a rumar para os preços de banana na nova situação provocada pelo desabamento em tempo real dos pregões das bolsas do mundo inteiro. Enquanto seu lobo não vem, contudo, a classe média vai passear na floresta no trenó de Papai Noel, adotando a prática confortável de não sofrer por antecipação.

Enquanto o futuro presidente americano, Barack Obama, no olho do furacão e de olho no furacão, alertou que o pior está por vir, Lula manda os patrícios sem dívidas comprar. O alerta de Obama é costurado com a linha do realismo e a agulha da prevenção. Alvo das esperanças do mundo, depois de eleito para domar uma crise que pode levar todos à bancarrota, o futuro fiel depositário do maior tesouro do mundo advertiu a sôfregos e trêfegos que não opera milagres. Lá, como cá, uma é a retórica eleitoral e outro deve ser o discurso oficial. O “nós podemos” dos palanques - ainda antes da posse - tornou-se um “nós sabemos”. O candidato inspira, o governante terá de transpirar. O presidente do Brasil não tem as responsabilidades do colega americano em relação à crise, já que ela não nasceu aqui nem pode aqui ser resolvida. E também porque os efeitos deletérios dos erros e benéficos dos acertos da futura gestão democrata repercutirão pelo mundo inteiro, enquanto os do governo petista se abaterão apenas sobre nossas cabeças.

O incentivo de Lula ao consumo, neste momento em que um líder mais cônscio da situação e mais consciente de seus deveres recomendaria cautela, pode ser patético. Pois, de fato, ninguém em sã consciência vai comprar um carro, um apartamento ou outro bem de consumo durável de alto valor só porque nosso guia mandou. As pessoas só compram o que querem e o que podem, independentemente dos estímulos que recebam, seja de quem for. O que importa na frase de Lula é que ela está perfeitamente sintonizada com o que a grande maioria da população está pensando e fazendo em relação à crise. Mais que aconselhar a consumir o presidente refletiu o que o brasileiro comum pensa e como o seu eleitor potencial age. Enquanto a crise dos mercados não lhe tirar o emprego, no caso do trabalhador, o prato cheio, no caso do lúmpen, ou o bom lucro de cada dia do banqueiro, o brasileiro médio o apoiará, confirmando a regra, que comporta raras exceções, segundo a qual quanto mais o eleitor se sentir bem, mais prestigiará alguém lá em cima por cujo conforto responsabiliza e recompensa com seu sufrágio.

Obama, esperança de praticamente todos, desceu do palanque porque sabe que esse não é o lugar adequado para encontrar as medidas necessárias para decepar o nó górdio da crise e, com isso, frustrar o mínimo possível o planeta inteiro, que conta com ele. Lula não desceu ainda, primeiro, porque não aprendeu a fazer na vida algo muito diferente de uma competente campanha eleitoral e, em segundo lugar, porque ninguém (nem nada) até agora, pelo menos, exigiu dele que o fizesse. É humanamente impossível que a esperança de todos não termine por frustrar muitos, pois, afinal, não são raras as divergências dos grupos que fazem demandas conflitantes. O sucesso do surfe que nosso presidente se compraz em praticar vai depender, na vida real, muito mais do rumo que tomar a onda externa que de sua prancha particular e seu estilo de cavalgá-la.

Antes da crise e neste momento em que ninguém ainda atina ao certo de onde veio o tsunami nem para onde vai, o presidente brasileiro tem contado sempre mais com a sorte, que não lhe tem faltado, que com o juízo, que ele também, justiça seja feita, tem exibido sempre que é exigido. Sendo impossível vaticinar se a sorte continuará bafejando sua nuca, com efeitos benéficos para todos os brasileiros que o elogiam aos pesquisadores dos institutos de opinião, pois a sorte pode ser generosa, mas também costuma ser traiçoeira, resta-nos rezar para que ele tenha boas reservas de juízo para usar quando for preciso.

José Nêumanne, jornalista e escritor, é editorialista do Jornal da Tarde

A luta continua


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


Impunidade político-eleitoral e tolerância presidencial guardam relação direta com a descoberta de condutas reincidentes nos personagens dos escândalos de 2005.

Três anos depois, Marcos Valério - réu no processo do mensalão em curso no Supremo Tribunal Federal - é pego pela polícia prestando assessoria a empresários interessados em se livrar de multas da Receita por meio de inquéritos fraudulentos para desmoralizar agentes da fiscalização.

Agora, Enivaldo Quadrado, um dos acusados de integrar a mesma “organização criminosa” denunciada pelo Ministério Público ao STF, é preso no aeroporto de Cumbica com euros costurados na cueca. Trocou a moeda (dólar), mas manteve a tecnologia utilizada por José Adalberto Vieira da Silva, assessor do deputado estadual do PT cearense, José Nobre Guimarães, flagrado pela Polícia Federal com US$ 100 mil escondidos na roupa de baixo.

Isso quer dizer, no mínimo, que a quadrilha, ou parte dela, segue em plena atividade. Isso depois de todo o baque de imagem e risco político provocados por aquela série de escândalos, em cujo curso o presidente da República chegou a pensar em abrir mão do mandato.

Ou seja, não foram fatos triviais.

Mas, como estratégia de salvação política, assim que a oposição deixou patente a interlocutores autorizados pelo Palácio do Planalto que não levaria a coisa adiante, os episódios foram tratados com estudada leniência para dar a eles um caráter quase corriqueiro.

Exemplo máximo disso foi a entrevista dada pelo presidente Luiz Inácio da Silva em Paris a uma jornalista autônoma, que entregou de brinde o próprio discernimento.

Ali, Lula instituiu o padrão a ser seguido: pôs todos os crimes em exame na conta do caixa 2 de campanha e desafiou os inocentes no ramo a atirarem a primeira pedra. Em resumo, disse que o que o PT fez todo mundo fazia.

Verdade, cuja disseminação generalizada seria de se esperar que o chefe da Nação condenasse, no lugar de tratá-la sob a ótica do mal necessário.

O eleitor, por sua vez, reclamou muito nos botequins, mas nas urnas não fez muito diferente nem mais bonito. Reelegeu quase todos os implicados, antes devidamente absolvidos (à exceção dos notórios José Dirceu e Roberto Jefferson) no Congresso, e deu margem ao enterro definitivo dos processos políticos sob a alegação da soberania das urnas.

Só o Ministério Público e o Poder Judiciário cumpriram à risca das leis os respectivos papéis. Na Justiça, o processo é demorado; no meio tempo entre a denúncia e a sentença, se não houver censura política, social (consistente) ou eleitoral, a convicção do réu é na impunidade.

Esteja ele convencido por conta das circunstâncias favoráveis ou entregue ao banalíssimo processo psicológico da transmutação da mentira pública em verdade íntima.

Pois bem, diante da aceitação tácita praticamente geral, malfeitores seguem seus destinos de malfeitorias até que esbarram em novos obstáculos.

O constrangimento inexiste, da parte de quem presta o serviço e do lado de quem contrata os préstimos do notório saber. Ou do saber dos notórios, melhor dizendo.

Dificilmente a reincidência ocorreria de forma tão acintosa se a autoridade maior do País tivesse manifestado condenação inequívoca. Ou mesmo se as autoridades constituídas na condição de representantes no Congresso tivessem sobreposto a força dos fatos às conveniências do espírito de corpo e se a maioria do contingente de representados possuísse uma noção mais consistente dos direitos e deveres inerentes ao exercício da cidadania.

Obras Reabertas

Os dois presumidos adversários na eleição presidencial de 2010, PT e PSDB, a cada dia dão um passo para frente e dois para trás em relação à data ideal para a definição das respectivas candidaturas.

O mesmo Aécio Neves que logo após a eleição municipal defendia que os tucanos deveriam tomar a decisão o quanto antes, ontem informava que o partido “ainda tem uma longa estrada a percorrer” antes de decidir.

O mesmo PT que naquela encerrado o segundo turno de 2008 defendia a escolha de um nome o mais rápido possível e ensaiava um cerrar de fileiras em torno de Dilma Roussef, ontem começou a falar em definições só no ano da eleição propriamente dita.

Ninguém quer fechar questão por causa dos efeitos ainda desconhecidos da crise econômica. Há quem ache que se piorar melhora e há quem considere que se melhorar piora.

Fora do terreno da crise, em ambos os partidos há também movimentos de resistência a candidaturas que se tornem inamovíveis.

Raposa


Concluído o julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol - a ser retomado hoje -, finda a etapa da arbitragem, inicia-se a fase da mediação na qual o Executivo estará no centro da cena no exercício do poder moderador.

A arte de saber passar o bastão


Rosângela Bittar
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A campanha eleitoral que elegeu os prefeitos a serem empossados no primeiro dia de 2009 comprovou, segundo avaliações técnicas de pesquisas e votação, o que já vinha se delineando como uma realidade política na última eleição dos governadores: o eleitorado está valorizando a capacidade de gestão dos candidatos .

Disto há evidências já reunidas em estudos de especialistas que agora começam a ser conhecidos. Um exemplo emergiu na eleição de governadores, em que os dois reeleitos mais votados foram os que imprimiram maior importância à gestão pública: Aécio Neves (PSDB), em Minas Gerais, obteve 77,03% dos votos válidos, e Paulo Hartung (PMDB), do Espírito Santo, obteve 77,2% dos votos válidos, ambos reeleitos no primeiro turno.

O choque de gestão foi o principal tema da campanha de Aécio, e, mais que a gestão, um choque de ética no Estado foi o lema de Hartung. Na última campanha municipal, a reeleição do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM), depois de primeiro recuperar sua administração e imagem de gestor com uma atuação voltada para a melhoria de serviços e do ambiente urbano, é outro caso a confirmar a atenção do cidadão às questões administrativas.

O bom resultado, entretanto, só se torna possível se for preparado antes da posse e nos primeiros dias de governo. A importância do período de transição, tanto para quem sai mas, principalmente, para quem entra, é a essência de um trabalho que vem sendo desenvolvido por Claudio Porto e José Paulo Silveira, da empresa Macroplan, do Rio, que há 20 anos dedica-se a planejamento e gestão e viu crescer, após a experiência bem sucedida da transição do governo Fernando Henrique Cardoso para Luiz Inácio Lula da Silva, a demanda de governadores e prefeitos eleitos por esta experiência.

O período de transição e os primeiros dias de administração, segundo Silveira, ex-secretário de Planejamento do governo FH, funcionário da Petrobras cedido à transição do governo José Sarney para Fernando Collor, coordenador do Avança Brasil, programa de investimentos em infra-estrutura da gestão passada, hoje denominado PAC, é semelhante nas três esferas de poder. São cinco, a seu ver, as questões consideradas fundamentais para sedimentar uma base sólida da futura gestão, segundo orientação que transmite a prefeitos que procuram se informar.

A primeira, ter uma análise, a mais realista possível, da situação fiscal do município e dos compromissos de curto prazo. Com a crise econômica atual, então, torna-se imperativo, segundo os especialistas, o ajuste do orçamento. "O orçamento foi feito em um ambiente sem crise, agora é outro o quadro, o país vai crescer menos, a receita tributária também. Ou se muda o orçamento ou se ajusta o decreto de programação financeira", recomenda Silveira.

Um segundo ponto destacado no estudo da Macroplan é a continuidade de programas que estão dando certo. Para isto, tem que haver uma análise do que está em andamento já a partir de agora, para não prejudicar a população e o próprio governo. "É importante analisar os programas em andamento, ver os que não estão bem, os que precisam de reorientação face à nova política que resultou da eleição, e sobretudo os que vão bem, são aceitos pela população".

Segundo o especialista, o Bolsa Família, na esfera federal, é um exemplo eloqüente da transição bem feita. No governo Fernando Henrique existiam programas de transferência de renda abrigados no Projeto Alvorada. Quando assumiu o governo, Lula ampliou consideravelmente o programa: "De um lado, ele se beneficiou de um trabalho que havia sido feito, teve a inteligência de continuar e imprimiu um ritmo coerente com a sua proposta de governo. Quem ganha é a sociedade, pois toda descontinuidade tem custo, e custo quem paga somos nós", afirma. As obras inacabadas, interrompidas depois de mudanças de governo, são o lado negativo da falta de cuidado na transição. Silveira lembra que entre 40 e 50% do total de investimentos públicos (União, Estados e Municípios) são realizados pelas prefeituras. "É expressivo, a qualidade do gasto é muito importante. A sociedade deve mesmo pressionar, exigir que isto seja tratado com competência".

A agenda dos 100 dias é outro ponto a ser preparado na transição. O mecanismo, mais político que técnico, é fundamental ao governante, que entra com um capital político alto que começa a ser gasto no primeiro dia. "Realinhamento de programas, anúncio de novos, alinhamento da equipe devem estar no começo da gestão e ser comunicadas à sociedade para que ela perceba o eleito está governando".

O monitoramento da agenda legislativa, para fazer a negociação com quem sai, é o quarto ponto desta cartilha da transição. Evita, por exemplo, que o governante que vai sair mande ao legislativo projetos de anistia fiscal e outros benefícios que oneram de forma insuportável o governo que se inicia. A comunicação à sociedade de todos os atos da transição, dos estudos e planos, da formação da nova equipe, fazem parte do quinto ponto destacado por Silveira na orientação às prefeituras. Segundo José Paulo Silveira, os novos prefeitos estão absolutamente interessados em saber como fazer isto, e esta é uma preocupação que surgiu a partir da pressão do eleitorado.

Há outras medidas que devem ser tomadas rapidamente, assinala o especialista, e logo nos primeiros dias da nova administração, porque quanto mais passa o tempo mais difícil se torna implantá-las. Destacam-se, entre estas, as mudanças na organização do Estado: "fusões e extinção de secretarias, por exemplo. Se demorar muito, o novo prefeito vai enfrentar pressões, interesse político, e não terá como resistir".

A transição do governo FH para Lula, com a criação de cargos e nomeação de equipes pagas pelo poder público para fazer a passagem, estudos no local sobre as experiências americana, inglesa, portuguesa e italiana para escolher a melhor metodologia, sob a responsabilidade do técnico Rubens Sakai, firmaram este modelo, que se estendeu a governos estaduais, ainda em pequena escala, e, agora, se amplia para muitas prefeituras. Para o especialista, é uma inovação recente que veio para ficar, pois embora seja grande o desafio, os bons resultados estão garantidos.

Rosângela Bittar é chefe da Redação, em Brasília. Escreve às quartas-feiras

Olha o PIB aí, gente!


Nas Entrelinhas :: Luiz Carlos Azedo
DEU NO CORREIO BRAZILIENSE


O presidente Lula acredita numa bala de prata contra a crise: a redução da taxa de juros. Para alguns analistas, não existe risco de alta da inflação

Na semana passada, o alto índice de aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa pesquisa do instituto Datafolha supreendeu a todos: 70% de bom e ótimo. Não faltaram análises para explicar o fenômeno, ora atribuído ao recall das políticas sociais do governo, ora à capacidade de comunicação do presidente Lula. Ontem, veio a explicação: o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu 6,8% no terceiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo período do ano passado. Em relação ao trimestre anterior, a alta foi de 1,8%. Foi por essa razão que o presidente Lula desafiou os mais pessimistas e anunciou o melhor Natal de todos os anos de seu governo.

No coqueiro

O PIB é a soma das riquezas produzidas pelo país. Teve alta de 6,3% nos últimos 12 meses terminados em setembro e de 6,4% , somente em 2008. É o melhor índice desde o começo da série em 1996. Seu valor chegou a R$ 747,3 bilhões. Os números parecem dar razão ao presidente Lula de que vivemos num outro mundo. A indústria cresceu 7,1%; a agropecuária, 6,4%; o setor de serviços, 5,9%. O destaque na indústria foi a construção civil, com alta de 11,7%. Motivo: o aumento de 32% de crédito para habitação. Também houve forte expansão dos investimentos: 19,7%. O consumo das famílias continuou ascendente, com alta de 7,3%. E os gastos do setor público subiram 6,4%, ou seja, ligeiramente acima do PIB.

Onze entre 10 economistas avaliam que esse PIB subiu no coqueiro, pois não reflete o impacto da crise mundial e deve desabar. Os sinais estariam trocados em relação ao desempenho real da economia nas últimas semanas, com notícias de que as montadoras, siderúrgicas e mineradoras suspendem suas atividades, concedem férias coletivas ou demitem. Nas lojas de eletrodomésticos e concessionárias de automóveis, os sinais de que o crédito está empoçado são gritantes. Os preços desabam, quase ninguém compra. Os juros estão altos, o consumidor pôs as barbas de molho. O presidente Lula, porém, aposta na força de inércia do “espetáculo” do PIB, mesmo com o apagão financeiro mundial. Avalia que o Brasil pode resistir graças aos gastos do governo e ao pensamento positivo de empresários e trabalhadores. Essa é a lógica do espantoso discurso do “sifu”, no qual compara a economia a um doente no hospital. O povão entenderia o espírito da metáfora.

Bala de prata

O Brasil tem uma trajetória histórica de expansão anticíclica. Graças a isso houve a nossa industrialização. A receita foi câmbio favorável às exportações, investimentos públicos na atividade produtiva e discurso político otimista, motivador da nação. O populismo de Getúlio Vargas cumpriu esse papel. O modernismo bossa-nova de Juscelino Kubitschek também. Até o “Pra Frente Brasil” do regime militar, num terceiro e bem-sucedido de ciclo de substituição das importações, teve esse efeito durante o “milagre econômico”. Será que o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), menina-dos-olhos do segundo mandato, cumprirá esse papel ? É uma aposta de alto risco, mas está sendo feita pelo Palácio do Planalto.

O presidente Lula acredita numa bala de prata contra a crise: a redução da taxa de juros. Para alguns analistas, não existe risco de alta da inflação. A economia mundial está entrando em recessão, alguns países estão em deflação (recessão com queda de preços). Aqui os preços também deverão cair. Nosso problema seria outro: o desemprego bate à porta das fábricas, lojas e escritórios.No fundo, Lula acredita que o novo presidente dos Estados, Barack Obama, prepara um pacote trilionário para tirar seu país da recessão, o que pode reaquecer a economia mundial.E avalia que terá atravessado o Rubicão da crise se impedir uma onda de desemprego. Para isso, precisa manter e baratear o crédito, convencer empresários a não demitir e investir e estimular os trabalhadores a continuar comprando. Tudo isso pode ser uma grande ilusão, mas não terá a menor chance de evitar uma recessão por aqui se o próprio presidente de República não acreditar nele mesmo. Com perdão para a inversão da metáfora “desenvolvimentista”, é melhor voar como a galinha do que virar uma minhoca na crise.

Pesquisas feitas agora

Marcos Coimbra
Sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
DEU NO ESTADO DE MINAS


Dilma cresceu, Ciro caiu, Heloísa Helena ficou no mesmo lugar, Serra subiu três pontos, Aécio dois, sem que se possa dizer que qualquer uma dessas coisas decorra das eleições municipais

A nova pesquisa Datafolha sobre as eleições presidenciais de 2010 mostra que o quadro da sucessão de Lula não foi alterado pelas eleições municipais recém-transcorridas. Pelo que se lê em alguns veículos de imprensa, onde predomina uma torcida nem sempre discreta pela candidatura de José Serra, parece que não é isso que ela diz. Mas é.

Em qualquer cenário, seja os que têm o governador de São Paulo como opção do PSDB, seja aqueles onde está o nome de Aécio, é difícil dizer que tenha havido crescimento de um dos dois, entre março deste ano, quando foi feita a pesquisa anterior do instituto, e agora. Cotejando-as, o fenômeno mais real que temos é uma queda de Ciro Gomes, de até 6% (conforme as opções de candidatos), por razões que pouco têm a ver com eles.

Ciro teve pouca presença nas eleições deste ano e está sendo comparado a dois políticos que delas participaram intensamente. Serra e Aécio governam estados onde vive mais de um terço do eleitorado brasileiro e estão saindo de eleições muito disputadas nas duas capitais. Foram, além disso, o foco de centenas de campanhas no interior, onde os alinhamentos fundamentais se deram, como sempre se dão, em torno de quem está à frente do executivo estadual. Ambos, por exemplo, foram protagonistas importantes das disputas pela televisão nas cidades médias, aparecendo, às vezes, quase tanto quanto o candidato local.

Isso para não falar das muitas viagens que fizeram Brasil afora, para apoiar candidatos do PSDB ou de partidos próximos, indo a comícios, carreatas, debates e eventos que, mais tarde, chegaram à TV. Em cada uma, seus correligionários podem ter ganhado alguns pontos, mas os dois também lucraram.

Enquanto isso, Ciro ficou “sumido”, como costumam dizer os entrevistados em pesquisas qualitativas quando pensam em políticos a respeito dos quais pouco ouvem falar. Nem em Fortaleza seu empenho chegou a ser máximo, ainda que sua ex-mulher estivesse no páreo. Em outras cidades onde apoiou candidatos, foi apenas um coadjuvante.

O saldo disso é que tanto Serra, quanto Aécio melhoraram seu desempenho em alguma coisa, crescendo dois ou três pontos em relação à pesquisa de março. A rigor, no entanto, ficaram praticamente estáveis, considerando as margens de erro.

Pensando bem, é muito pouco, se levarmos em conta o que se passou com eles do começo do ano para cá. Depois de uma movimentação tão intensa, depois de horas e horas de televisão, dando entrevistas, aparecendo em programas eleitorais e inserções, contabilizadas suas vitórias, crescer apenas três pontos chega a ser uma decepção.

O teste do pouco significado do que se passou em outubro é dado pelos números de Heloísa Helena. Entre as duas pesquisas, a ex-senadora e possível candidata pelo PSol não mudou nem um ponto, permanecendo com 14%. Ela, que mal apareceu nas campanhas deste ano, pois brigava pela eleição a vereadora em Maceió, resistiu melhor que Ciro Gomes, o que sugere que seus simpatizantes formam uma base menos propensa a se deslocar para o PSDB e mais sólida. Pelo menos, enquanto outra candidatura à esquerda não surgir.

E Dilma? Em termos relativos, foi quem mais cresceu, aliás, a taxas espetaculares, pois saltou de 3% para 8%, quase triplicando suas intenções de voto. Ainda assim, seu crescimento absoluto continua modesto, provindo, ao que parece, também da redução da candidatura de Ciro. Este, como candidato algo “híbrido”, pelo passado tucano e o presente ao lado de Lula, pode distribuir votos à esquerda e à direita.

Dilma cresceu, Ciro caiu, Heloísa Helena ficou no mesmo lugar, Serra subiu três pontos, Aécio dois, sem que se possa dizer que qualquer uma dessas coisas decorra das eleições municipais. Elas permitiram, apenas, que aumentasse a visibilidade de alguns, aqueles que se envolveram diretamente nas disputas. Nada, porém, além disso.

As eleições de 2010 ainda estão muito longe para o cidadão comum. As pesquisas de agora querem dizer tão pouco quanto as que foram feitas, à mesma distância, em eleições parecidas, onde o processo político estava aberto, sem candidaturas óbvias e naturais. Por exemplo, sem Lula e sem alguém disputando sua reeleição.

Fisiologismo made in USA


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO


NOVA YORK. O mais impressionante para nós, brasileiros, neste caso da prisão do governador de Illinois, Rod Blagojevich, acusado de negociar uma vaga no Senado por vantagens pessoais e políticas, é imaginar que esse tipo de "negociação" acontece no Brasil todos os dias, em todos os níveis governamentais, e ninguém vai preso. Ao contrário, há quem defenda tecnicamente esse tipo de "pragmatismo" político, alegando ser natural nas negociações partidárias a obtenção de cargos em troca de vantagens pessoais, seja um bom emprego público - o caso mais recente e escandaloso foi a pressão do PMDB do Rio para ficar com a presidência de Furnas -, seja um lugar no Ministério.

Agora mesmo estão em todos os noticiários sobre a sucessão das presidências da Câmara e do Senado supostas exigências do PMDB, nunca desmentidas, para não apresentar candidato que confronte o petista Tião Vianna.

No caso dos Estados Unidos, o procurador federal Patrick Fitzgerald disse que a conduta do governador democrata "faria Lincoln se contorcer na tumba", em referência ao ex-presidente americano Abraham Lincoln, que foi senador por Illinois.

O governador também foi acusado de usar os poderes do estado para constranger ilegalmente a empresa proprietária do jornal "Chicago Tribune", numa tentativa de forçar uma mudança editorial e a demissão de críticos de seu governo.

Também pesam sobre Blagojevich, solto sob fiança no final do dia, acusações de favorecer com vantagens pessoais e materiais seus financiadores de campanha eleitoral. Nada que nos seja estranho.

O procurador federal classificou a situação como um caso de corrupção disseminada que tem que ser contida. Mas o governador já disse que não renunciará e garantiu que fez apenas política. O que no Brasil, e mesmo aqui nos EUA, amplos setores consideram uma atitude normal, foi considerado uma tentativa de vender uma cadeira do Senado.

Pela legislação eleitoral americana, geralmente cabe ao governador indicar o substituto de um senador que deixe o posto na metade de seu mandato, até a realização das próximas eleições, em 2010.

É o caso não apenas do presidente eleito, Barack Obama, cuja substituição estava sendo negociada pelo governador, como o do vice-presidente, Joe Biden, e da futura secretária de Estado Hillary Clinton. A substituição de Biden foi tranqüila, mas claramente com sua participação. A governadora de Delaware, Ruth Ann Minner, indicou Edward Kaufman, chefe da equipe do senador há 19 anos e seu amigo pessoal. Não se sabe se a governadora ganhou alguma regalia do vice-presidente.

Houve ainda um momento de nepotismo explícito, evitado por uma atitude digna do filho do vice-presidente eleito. Ele externou publicamente seu desejo de que seu filho fosse indicado para seu lugar. Joseph Biden III, capitão da 261ª brigada do Exército da Guarda Nacional de Delaware e também procurador-geral do Estado, não aceitou a sugestão e partiu para o Iraque com sua brigada. Disse que, caso um dia queira entrar para o Senado, disputará por conta própria uma cadeira.

O governador de Nova York, David Alexander Paterson, está decidindo a substituição de Hillary, e um nome forte é o de Caroline Kennedy, filha do ex-presidente John Kennedy e que teve atuação importante na campanha de Obama.

Foi justamente na substituição do presidente eleito que surgiu a confusão. Há indicações de que Obama gostaria de ver no cargo sua assessora Valerie Jarrett, cotada para um cargo na Casa Branca. No melhor estilo "fisiológico", Blagojevich foi grampeado falando uma linguagem chula, classificando de uma "oportunidade de ouro" a definição da vaga no Senado.

Segundo ele disse ao telefone, a decisão poderia lhe valer um cargo importante no futuro governo Obama - ele chegou a citar o cargo de ministro da Saúde - ou então um emprego de "seis números" (na casa do milhão de dólares por ano) com o apoio do milionário investidor Warren Buffet, muito próximo a Obama.

Numa das conversas com assessores, Blagojevich alega que o cargo é muito valioso "e não se abre mão de uma coisa dessas por nada". Chegou a ameaçar nomear-se para o Senado caso não obtivesse alguma vantagem pessoal na escolha, e queixou-se de que a assessoria do presidente eleito não parecia disposta a oferecer nada em troca "a não ser agradecimentos".

A solução americana para substituição de um parlamentar não parece ser das mais sábias, pois implica a indicação de um "sem-voto" por um governador com amplos poderes. No fim, acaba dando quase na mesma situação do Senado do Brasil, em que o suplente, que não foi eleito e que geralmente entrou na chapa apenas por financiar o candidato, ou por ser seu parente, acaba exercendo o mandato sem ter recebido um voto sequer. Aqui, pelo menos, o indicado fica apenas o tempo de disputar uma próxima eleição, e tem que confirmar nas urnas a escolha.

Achei interessante a explicação oficial do Palácio do Planalto sobre a exclusão do texto oficial da expressão "sifu" dita pelo presidente Lula em recente discurso. O que aconteceu não foi um expurgo para salvar o presidente de seu linguajar perante a história oficial, mas apenas uma falta de entendimento de "senhoras" que fazem a transcrição dos discursos oficiais.

Segundo o Planalto, essas "senhoras" desconheciam o significado daquela palavra, e tascaram um "inaudível" em seu lugar. Além de puritanas, são desleixadas essas "senhoras", pois não se deram ao trabalho de tentar entender o que o presidente estava querendo dizer.

Fica, no entanto, demonstrado que o presidente Lula não pode falar em público uma linguagem de botequim, pois fere os ouvidos dos que sabem do que se trata o termo chulo que utilizou, ou não se fará entender. Sem saber o que é "sifu", ninguém riria da brincadeira do presidente. E, mais grave, não seria informado de que o país "sifu".

Fragilidade institucional


Fernando Rodrigues
DEU NA FOLHA DE S. PAULO


BRASÍLIA - A reunião de hoje do Comitê de Política Monetária do Banco Central é um exemplo da fragilidade institucional do país. Lula enviou recados quase exigindo um corte na atual taxa básica de juros, de 13,75% anuais.

Criou-se um impasse. O presidente do BC, Henrique Meirelles, pode aceitar o ultimato. Reduz o percentual e submete-se ao Planalto. Nessa hipótese, Lula passa a ditar sozinho todas as normas monetárias até o final de seu mandato.

Mas Meirelles tem a opção de resistir. Aí abre-se uma crise profunda entre Lula e o presidente do Banco Central. Não haveria pior momento para tal desarranjo. O Brasil e o restante do planeta estão prestes a enfrentar a pior crise financeira em muitas décadas.

O episódio escancara a desídia com que a política econômica foi tocada nos últimos seis anos. Lula é um criptoestatista. Escolheu alguém do mercado para o BC para simular uma conversão ao modelo de livre mercado. Meirelles foi sua terceira ou quarta opção. Ninguém aceitava à época se arriscar no início da gestão petista.

Em Brasília, quem fala inglês, utiliza talheres corretamente e sabe escolher um bom vinho é logo classificado de gênio ou intelectual. É o caso de vários diplomatas do Itamaraty e também o de Meirelles.

Enquanto o mundo se esbaldava na farra do crédito fácil e do crescimento acelerado, Lula deixou Meirelles tocar uma política ortodoxa nos juros, evidentemente exagerada. O petista poderia ter mudado antes, em tempos de calmaria, criando mecanismos transparentes de cobrança de responsabilidade para o BC. Sem saber o que fazer, o presidente seguiu a máxima atribuída a d. João 6º -não fez nada.

Agora, à beira de um tsunami financeiro mundial, Lula resolve emparedar o Banco Central. É esse o modelo de solidez econômica do Brasil para enfrentar a crise.

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