sábado, 4 de outubro de 2008

Gabeira percorre mais de cem quilômetros num dia


Luiz Ernesto Magalhães e Waleska Borges
DEU EM O GLOBO


Na antevéspera da eleição, o candidato a prefeito Fernando Gabeira (PV) percorreu um longo trajeto para pedir votos. Começou o dia na Barra, com corretores das maiores imobiliárias do Rio, e acabou cumprimentando uma multidão na Central do Brasil, num roteiro de quase cem quilômetros que incluiu Copacabana e Cinelândia - além de um intervalo para passar em casa e descansar um pouco. A indefinição se o candidato - terceiro colocado nas pesquisas - conseguirá ou não chegar ao segundo turno parece não abalá-lo. No Barrashopping, em meio ao corpo a corpo, aproveitava para olhar vitrines, principalmente sapatarias. Comprou o livro "A promessa da política", de Hannah Arendt. Depois do almoço, encontrou tempo para gravar na Praia do Pepê um vídeo em que saudava os surfistas e que vai para o YouTube.

- Estamos em clima de primeiro turno lutando para chegar lá voto a voto. A discussão sobre aliança começa após a divulgação do resultado.

Gabeira disse que, se passar ao segundo turno, não pretende deixar a campanha servir de confronto com partidos da base do presidente Lula. PT e PDT anteciparam que não pretendem apoiá-lo porque o PSDB participa de sua coligação:

- Parto de uma análise muito clara da situação e dos problemas que o Rio enfrenta. E essa realidade não foi alterada. Ver isso como um confronto entre PT e PSDB é uma visão muito limitada. A lógica da minha campanha é discutir como conseguiremos sair dessa crise. Infelizmente as pessoas não vêem a cidade mas lutas partidárias.

Segundo ele, todos os apoios serão bem-vindos, inclusive para formar uma futura equipe, se eleito. Perguntado sobre os critérios para compor a equipe, disse que podem ser quadros da prefeitura, da iniciativa privada e até dos partidos, desde que tenham capacidade técnica e ficha limpa. E acenou que, assim, os nomes podem ser de partidos que só o apoiarem no segundo turno ou até da oposição.

Missão impossível


Merval Pereira
DEU EM O GLOBO

NOVA YORK. Para se ter uma idéia de quanto é difícil a tarefa de John McCain de derrotar Barack Obama nas eleições de novembro, basta relembrar uma passagem do debate de quinta-feira entre os candidatos a vice. Sarah Palin acusou o programa de corte de impostos de Obama, que estava sendo defendido por Joe Biden, de ser um "exterminador de empregos", pois penalizaria os pequenos negócios. Ontem, já de manhã, saiu o número oficial de desemprego no país, que aumentou em 159 mil pessoas em setembro último, mais do dobro do que em agosto e julho. Foi a maior perda mensal de emprego desde 2003.

Foi o bastante para que Obama batesse na tecla de que continuar com a mesma política econômica de Bush mais quatro anos seria desastroso. Previamente derrotada pelo pressentimento generalizado de que não resistiria à experiência e ao conhecimento de política externa do democrata Joe Biden, a candidata republicana Sarah Palin saiu-se surpreendentemente bem, o que não quer dizer que esteja preparada para assumir o poder em caso de necessidade.

Palin mostrou-se uma simpática dona-de-casa de classe média, e esteve tão à vontade que foi irônica em diversas ocasiões, mesmo enfrentando um dos ícones do Senado americano. Estava tão senhora de si que acusou a proposta Obama-Biden para o Iraque de ser "uma bandeira branca de rendição".

E foi sarcástica ao comentar que "vocês de Washington são engraçados", ao se referir aos votos de Biden a favor de intervenções militares dos Estados Unidos, inclusive no Iraque, e sua defesa agora do fim da guerra.

Esse apelo ao patriotismo, e a defesa de valores morais mais conservadores, juntamente com sua juventude, foi o que a tornou um sucesso de público desde que escolhida, e poderia contrabalançar a força natural que os democratas sempre tiveram nesta corrida presidencial. Mas a crise econômica tornou praticamente impossível a tática da campanha de McCain de distanciá-lo da gestão Bush, marcando-o, e depois a própria Palin, como políticos independentes dentro do Partido Republicano, longe das cúpulas que fazem politicagem em Washington.

Além do fato de que o "maverick" McCain votou sempre com o governo Bush, como salientou muito bem Joe Biden durante o debate dos vices, é forçar muito a barra marcar sua candidatura como distante da cúpula partidária, quando há montes de cenas filmadas dele ora com o velho George Bush pai, ora com Kissinger, de quem se orgulha de ser amigo há 35 anos.

Nesse item, a própria Palin veste melhor esse figurino, mas ela estava distante da cúpula partidária não por opção, mas por questões geográficas e políticas.

O Alasca não é um estado importante que mereça a atenção no jogo político, e ela só entrou na luta principal por ser uma desconhecida, mas com jeito de miss.

Quando o foco da discussão pública, porém, passa a ser a economia, com os efeitos da crise chegando ao cidadão comum, é constrangedor o candidato do partido oficial prometer medidas e atitudes que não foram tomadas nos últimos oito anos, e nem foram exigidas por ele.

O fato concreto é que Bush chega ao final de seu mandato com uma popularidade em torno de 20%, a mais baixa de toda a história republicana, ao contrário do que aconteceu logo depois dos ataques de 2001.

Naquele período, ele recebeu a maior consagração popular registrada na história recente americana, tendo atingido índices nas pesquisas de opinião maiores ainda que os de seu pai, também na Guerra do Golfo.

Naquela altura, o sucesso do governo era tanto que o líder da maioria na Câmara, Tom DeLay, previa que a hegemonia dos republicanos poderia durar décadas.

Como seu pai, por causa sobretudo da economia, George Bush termina o governo pessimamente avaliado, uma gestão que é responsabilizada pela "morte da marca republicana", que a escolha de Sarah Palin reavivou por alguns momentos.

Mesmo essa tentativa de ressurreição foi artificial, jogando a candidatura de McCain para a direita, que o rejeitava por ser considerado muito "liberal".

As dificuldades começam por aí: o último exemplo de sucesso dos republicanos na Casa Branca possível para McCain e Sarah Palin lembrarem é Ronald Reagan, há 20 anos, enquanto os democratas têm na figura de Bill Clinton uma referência mais recente de sucesso, e justamente resolvendo os problemas econômicos deixados pelo velho Bush.

A crise econômica ainda trouxe uma dificuldade adicional aos republicanos, ampliando as contradições em que se debatem. A formidável intervenção governamental representada pelo pacote de resgate dos bancos, afinal aprovado ontem pela Câmara, encontrou uma base parlamentar bastante dividida entre os conceitos tradicionais do livre mercado e não-intervenção estatal e a necessidade de uma providência urgente para não deixar a economia entrar em colapso definitivo.

O pacote recebeu 91 votos republicanos a favor e 108 contrários, mostrando como o partido está rachado. Todas as circunstâncias estão contrárias ao Partido Republicano, e a crise econômica só fez explicitar uma situação que era pressentida desde o início da campanha presidencial: o vencedor da disputa interna do Partido Democrata seria naturalmente o eleito presidente dos Estados Unidos.

O fato de ter sido Barack Obama, e não a senadora Hillary Clinton, criou uma divisão interna no partido que está sendo superada com o tempo. Também o fato de Obama ser o primeiro negro com chances reais de chegar à Casa Branca colocou em xeque boa parte do eleitorado americano, que somente agora, com a crise mordendo seus calcanhares, começa a se decidir pela alternativa natural de mudança dos oito anos de gestão republicana.

Distribuição de lucros


Dora Kramer
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


As disputas eleitorais em São Paulo têm tanto peso, são tão importantes na ordem geral das coisas da política que produzem ganhos suficientes para serem distribuídos até entre os perdedores.

Quem consegue chegar até lá já é por definição um vencedor. Vejamos o caso de Geraldo Alckmin, a quem se atribui a posse do troféu “dano irreparável” caso o eleitor não lhe dê amanhã uma chance de concorrer na final de 26 de outubro com Marta Suplicy.

Se terminar beirando os 20% como prevêem as pesquisas, na sua condição de vivente alimentado a votos, o tucano terá muito mais do que teria se tivesse ficado quieto no aguardo da legenda do PSDB para concorrer ao governo de São Paulo em 2010.

Exibiu-se teimoso, maculou a imagem de bom moço, passou a campanha às tontas sem saber direito qual história deveria contar no palanque, mas se exibiu. De todo modo está na boca do povo.

Contra isso há o argumento de que, sem a vaga no segundo turno, terá perdido a batalha interna para o governador José Serra. Além de uma meia-verdade, a assertiva parte de uma premissa falsa, pois Geraldo Alckmin nunca teve nem disputou a supremacia da influência na máquina do PSDB.

Nas duas vezes em que bateu de frente com Serra o confronto não chegou a se realizar. Em 2006, o então prefeito queria ser candidato a presidente, mas resolveu pular fora por avaliar que corria o risco de repetir 2002, quando ignorou as resistências, foi abandonado por sessões inteiras do partido e terminou vítima da teimosia e do excesso de confiança nos índices das pesquisas.

Em 2008, Serra poderia ter enfrentado Alckmin na convenção do PSDB e ganhado com as mesmas armas que levaram Gilberto Kassab do ostracismo à ante-sala do time de estrelas da política. Mas o custo seria enorme: ficaria com a fatura do “racha”, contrataria novos obstáculos internos e prejudicaria a “naturalidade” da construção da futura candidatura presidencial.

Geraldo Alckmin conseguiu se impor duas vezes sem medir forças, só contando com a prudência estratégica do adversário.

Portanto, ganhou mais do que se tivesse ido para casa depois de deixar o governo de São Paulo, ficando à espera do que dificilmente viria. O entendimento com o grupo do governador, como se vê pelos termos em que se expõem essas relações, era a aposta menos rentável no campo das probabilidades.

Alckmin investiu muito além da medida de seus atributos - basicamente, dois: a condição de herdeiro de Mário Covas e uma suposta “predestinação” ao sucesso - e nem de longe pode dar-se por insatisfeito com a colheita.

Na pior das hipóteses, depois de amanhã terá atrás de si a cúpula do tucanato a reverenciar o valor de seu apoio. Na melhor, será dono de um passaporte ao paraíso.

A respeito de Kassab, sequer cabe análise nesse panorama visto sob a ótica das derrotas de cada um, porque seus ganhos são óbvios demais para quem entrou nessa quase por acaso, praticamente empurrado pelo então presidente do PFL, Jorge Bornhausen, para a vice de José Serra na municipal de 2004.

Marta Suplicy também está plenamente credenciada a participar do jogo do contente, mesmo que a maré do favoritismo vire no segundo turno e ela fique sem a prefeitura e, talvez, até sem a possibilidade de voltar ao ministério.

No cenário de deserto de nomes do PT para enfrentar Serra na preliminar em curso, Marta já fez um bonito danado. Carregou o partido na ponta das preferências a campanha toda e mostrou que, não obstante a rejeição quase matadora, é senhora de vários milhões de votos.

Perdendo, põe esse capital num belo estandarte, dá argumento para o PT paulista pôr em movimento a articulação de sua candidatura para governadora ou presidente em 2010 e ainda contará com a vantagem de se livrar de experiências já vividas.

Digamos que hoje interesse muito mais a Marta Suplicy uma disputa bem travada do que um resultado que a prenda às obrigações de ser prefeita. Se não conseguir ganhar, ainda assim o PT lhe será devedor, pois sem ela hoje muito provavelmente estaria fora da competição em São Paulo.

Se juntarmos a isso a posição lamentável do candidato do partido no Rio e a anulação da identidade petista em Belo Horizonte, enxergamos com nitidez a dimensão do serviço que Marta Suplicy - perdendo ou ganhando - prestou ao PT pelo simples fato de ser candidata.

E, por que não dizer, a si - por motivos quase iguais aos de Alckmin, guardadas todas as diferenças -, por renovar o patrimônio imobilizado desde a derrota de quatro anos atrás, e ao presidente Lula.

Com toda sua popularidade, ele não pôde circular à vontade na segunda e na terceira maiores cidades do País por conta da insuficiência de desempenho do PT. Na primeira, conseguiu fazer o papel de grande cabo eleitoral graças a Marta.

Contas pagas, no segundo turno, porém, a história será outra. Lula vai calibrar sua presença: nem tão perto que seja obrigado a dividir a derrota nem tão longe que fique impedido de repartir a vitória.

A desmoralização do voto


Villas-Bôas Corrêa
DEU NO JORNAL DO BRASIL


Ufa! Terminou o calvário do patusco vexame do milionário horário eleitoral gratuito do primeiro turno, em rede nacional de rádio e emissoras de TV. O distinto público mandou o seu recado à violência que impõe a opção entre desligar o botão ou submeter-se ao suplício, com os baixos níveis de audiência que registram no Rio uma queda de 17% de aparelhos ligados nas transmissões da tarde e de 12% nas noturnas.

Mais do que a relativa modéstia dos tombos, a grande lição que entra pelos olhos, ferve na indignação e adverte para o ridículo a que se expõe a maltratada democracia é endereçada ao Congresso – dos presidentes do Senado e da Câmara, aos líderes de partidos e aos 81 senadores e 513 deputados.

Se o conceito do Legislativo anda aos trambolhões, creio que este é o momento exato para o apelo ao instinto de sobrevivência dos profissionais e dos aventureiros que desfrutam os privilégios de um dos melhores empregos do mundo, em que se cruza o mínimo de tarefas na semana de três dias úteis.

E é tudo isto e muito mais que está em jogo na escalada de desmoralização do mais democrático dos poderes. Se Suas Excelências querem proteger o bolso e as regalias não é pedir muito que, concluído o segundo turno com a proclamação dos eleitos para as prefeituras e a renovação das câmaras municipais dos 5.562 municípios do país, de volta à mansa rotina parlamentar iniciem a avaliação dos acertos e erros da rodada nacional de votos pela reforma do programa de propaganda eleitoral, privilégio que custa milhões e que não se sugere extinguir, mas corrigir as suas aberrações.

Já temos uma razoável experiência de muitas campanhas, com os seus altos e baixos. Com a óbvia constatação de que é o debate a atração capaz de bater recordes de audiência nos seus grandes momentos. A memória exuma velhas lembranças. E pára no debate entre Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, patrocinado pela Rede Bandeirantes com exemplar competência nos seus estúdios, em São Paulo, que bateu recordes nacionais de audiência. Indicado pela Rede Manchete, participei do grupo de jornalistas que fez duas perguntas cada um aos candidatos. E nunca encontrei a explicação satisfatória para o fraco desempenho de Lula, passando a impressão de intimidado diante do desembaraço de Collor, o cometa que se espatifou aos seis meses de mandato.

O torneiro mecânico colecionaria mais duas derrotas na eleição e reeleição de Fernando Henrique. E a sua obstinação o levou à desforra em dose dupla, com recorde de aprovação popular no segundo mandato.

Tento destacar o contraste entre extremos opostos. Da eleição presidencial decidida no debate que paralisou o país ao vexame da falsa propaganda eleitoral gratuita do primeiro turno mais chocho da crônica política do Rio e certamente em todo o país, com pontuais exceções.


Quem nada viu não pode fazer idéia do que foi o ridículo do desfile circense de candidatos ao prêmio de uma cadeira na Câmara Municipal na antiga capital do país, a ex-Cidade Maravilhosa na degringolada da decadência que começa com a mudança da capital para Brasília, em 21 de abril de 1960, e despenca com a violência dominando as favelas com o tráfego de drogas, o trânsito engarrafado, ruas, praças depredadas e a sensação de milhões acuados no beco sem saída do declínio.

Minha longa militância de seis décadas no jornalismo político não me acode no esforço para entender como e onde os partidos conseguiram recrutar os milhares de candidatos à vereança – com raras, raríssimas exceções – para o desfile ridículo de circo mambembe, com roupas exóticas, enfeites caricatos e desempenho de dar engulhos. Muitos, a maioria, incapazes de decorar uma frase de uma dúzia de palavras.

Na caminhada para 2010 que junta em grande pacote a eleição para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais, viria a calhar uma tentativa de exumar a reforma política com a iniciativa das lideranças qualificadas do Congresso.

Do governo não há o que esperar. O presidente Lula cuida em médio prazo da eleição da sua candidata, a ministra Dilma Rousseff, das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e demais obras que inflam a sua popularidade.

O Congresso deve cuidar de si. Já perdeu muito tempo, cometeu todos os erros imagináveis, chafurdou nos escândalos do caixa 2, do mensalão e outros com o tempero da impunidade.

20 anos de Constituição


Almir Pazzianotto Pinto
DEU EM O ESTADO DE S. PAULO


A Constituição da República Federativa do Brasil completa amanhã, 5 de outubro - dia de eleições -, seu 20 º aniversário. A atual Lei Orgânica da Nação é mais longeva que as de 1934, 1937, 1946, 1967 e 1969 - se temos a Emenda nº 1/69 como documento constitucional, como ocorre em relação à Carta Imperial de 25 de março de 1824, editada por dom Pedro I, e a Carta de 10 de novembro de 1937, decretada por Getúlio Vargas.

A Constituição de 1824 foi mais do que simplesmente duradoura, pois assegurou estabilidade ao Império e conviveu com o período da Regência, tida como a “experiência republicana”, entre 7 de abril de 1831, data da abdicação, e a ascensão ao trono de dom Pedro II, em 1840. Recebeu a emenda determinada pelo Ato Adicional aprovado pela Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834, interpretada mediante a Lei nº 105, de 12 de maio de 1840.

Contribuiu decisivamente para a longevidade de 65 anos, segundo a observação de Octaciano Nogueira, o artigo 178, cujo texto rezava: “É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e attribuições respectivas dos Poderes Politicos, e aos Direitos Politicos, e individuaes dos Cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, póde ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinarias.”

Redigida sob poderosa influência de Ruy Barbosa, a Constituição republicana de 1891 vigorou por 40 anos, sendo emendada unicamente em 1926. Denominada “Constituição Literária” pelo ministro Aliomar Baleeiro, tinha 94 artigos, acrescidos de oito disposições constitucionais transitórias. Não obstante a clareza e o estilo invejáveis, ao abandonar o modelo centralizador, inerente ao Império, investiu os Estados de acentuado grau de autonomia e criou governadores fortes, aptos a desafiarem o governo central. Incapaz de oferecer soluções para as crises que abalaram a Velha República, sucumbiu diante da Revolução de 1930.

Da Constituição de 1934 se pode dizer que nasceu morta. Getúlio, chefe do governo provisório, desejava permanecer no poder. Impedido de se reeleger, deu o golpe de 10 de novembro de 1937 e exerceu soberanamente a Presidência durante 15 anos, até ser deposto em 29 de outubro de 1945.

Traço dominante das Constituições tem sido o espaço vazio entre elas e o povo. Este assistiu - atônito e bestificado, como observou Aristides Lobo no episódio da Proclamação da República - a golpes, sedições militares e mudanças de regimes e de governos, em 1930, 1937, 1945, 1954, 1964, 1969 e 1985.

Pensada e redigida sob inspiração revanchista e utópica, a Constituição de 1988 passou ao largo das experiências de concisão e objetividade deixadas pela de 1824. A Assembléia Nacional Constituinte visou a torná-la original, como escreveu o dr. Ulysses Guimarães no preâmbulo A Constituição Coragem, ao destacar que, “diferentemente das sete Constituições anteriores, começa com o homem. Graficamente testemunha a primazia do homem, que foi escrita para o homem. Que o homem é o seu fim e sua esperança. É a Constituição Cidadã”.

Faltou-lhe, ademais, projeto com os princípios básicos que lhe indicasse os rumos, ausência não suprida com a indicação de inócuo Conselho de Notáveis.

A Constituinte foi composta segundo os critérios prevalecentes no Congresso Nacional: reduzido número de cardeais e numeroso baixo clero. O artificialismo das legendas partidárias deu, por sua vez, ensejo à eleição de pessoas de nulos ou escassos conhecimentos da técnica constitucional, carentes de experiência, inconsistentes no plano das idéias, convivendo com astutos profissionais da política, carreiristas e oportunistas.

Da Torre de Babel em que o Congresso se converteu não se poderiam aguardar bons frutos. Normas programáticas sobre proteção do emprego, modernização da estrutura sindical, direito de greve do servidor público, defesa do trabalhador contra a automação adormecem à espera de regulamentação. Em outros aspectos a Constituição é inoperante, como ao afirmar que saúde, educação, segurança são direitos de todos e dever do Estado. Assistência médico-hospitalar, acesso às boas escolas, proteção contra o crime são privilégios de quem pode pagar. O cidadão que não dispõe de meios para recorrer a médicos e hospitais de renome aguardará a vez no Sistema Único de Saúde (SUS), em longas filas de espera.

Prescrições referentes a meio ambiente, família, infância, adolescência, idosos são modelos da prolixidade constitucional inócua. Quem desconhece as queimadas e a extinção da fauna selvagem? Quem ignora a desagregação da família e o abandono da infância, responsáveis pela criminalidade entre adolescentes? Quem não sabe da violência contra crianças ou não ouvir falar da prostituição de meninos e meninas, do uso de menores no tráfico de drogas?

Corrigida por 62 emendas - uma das quais invalidou o princípio do direito adquirido e outra que permitiu a reeleição de chefes do Poder Executivo -, a Constituição conserva, não obstante, o cancro da medida provisória. A reiteração de notícias acerca do terceiro mandato presidencial é manifestação alarmante da fragilidade da lei que deveria estar acima da vontade dos governantes, ser respeitada, estável e duradoura.

A Constituição não se limitou às regras sobre a estrutura do Estado e os direitos dos cidadãos. Sugeriu o nascimento, como produto de simples “vontade política”, da sociedade ideal e utópica, titular de ilimitados benefícios, independentemente do esforço de cada um e da cooperação de todos.

Enfim, com todos os seus senões, é a Constituição que temos e devemos preservar.

Almir Pazzianotto Pinto foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Democrática e progressista


Dalmo de Abreu Dallari
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

VINTE ANOS de estabilidade política e econômica e avanços significativos no sentido da democratização da sociedade e da correção das injustiças sociais: essa é a realidade brasileira de hoje, e esse balanço positivo é devido, em grande parte, à Constituição de 1988.

Com efeito, graças aos princípios e normas que ela consagrou e aos instrumentos de ação política e jurídica nela estabelecidos é que tem sido assegurada, sem esforço, a continuidade da ordem constitucional democraticamente estabelecida no Brasil.

A par disso, vem crescendo continuamente a influência da Constituição na sociedade brasileira. Mudando seu tradicional ceticismo, as pessoas estão acreditando que têm direitos e que vale a pena lutar por eles.

Para a correta avaliação da Constituição e dos resultados obtidos a partir de sua vigência, é importante lembrar, antes de tudo, que ela foi o resultado de intensa mobilização social em favor da dignidade da pessoa humana.

A partir das reações contra as violências praticadas pela ditadura militar, alguns pontos foram ficando claros, e o potencial cívico adormecido do povo brasileiro foi sendo despertado.

Com efeito, ficou evidente a associação do uso da força com o objetivo de preservação de privilégios tradicionais, pois as vítimas das violências eram, em sua grande maioria, pessoas e organizações que propunham mudanças na ordem social, política e econômica brasileira visando a eliminação de injustiças tradicionais.

Assim surgiu a idéia de eliminar a ditadura e, concomitantemente, estabelecer uma ordem social mais justa por meio de uma Constituinte.

Um dado histórico de fundamental importância é que o povo continuou mobilizado mesmo depois de instalada a Constituinte, apresentando propostas e buscando contrabalançar o peso dos oligarcas ali presentes.

O resultado disso tudo foi a Constituição de 1988, que é, sem nenhuma dúvida, a mais democrática de todas as que o Brasil já teve, tanto pela participação do povo quanto por seu conteúdo, pois nela estão consagrados não só os tradicionais direitos individuais, mas também os direitos econômicos, sociais e culturais.

Esse é, aliás, um dos pontos indicados pelos adversários da Constituição -geralmente pessoas apegadas aos antigos privilégios- como utópicos e fora da realidade.

Desmentindo essa crítica, basta olhar para a realidade brasileira de hoje para verificar que não só aumentou consideravelmente a porcentagem de brasileiros com acesso a direitos como educação e saúde, como tem aumentado a exigência de efetivação desses direitos por meio de ações judiciais ou de manifestações de organizações sociais. Isso demonstra que o povo passou a acreditar que tem direitos e começou a lutar por eles.

Quanto aos defeitos da Constituição, é importante assinalar que algumas das alegadas imperfeições são assim qualificadas por incompreensão ou por se referirem a pontos que os saudosos dos antigos privilégios consideram negativos.

O que importa é que a Constituição de 1988 é, efetivamente, na sua essência, a expressão da vontade do povo. É claro que alguns aperfeiçoamentos são necessários, como a modificação do processo eleitoral, para dar mais autenticidade à representação e impedir práticas de corrupção.

A par disso, há ainda um longo caminho a ser percorrido para eliminar injustiças gritantes, como a existência de crianças e jovens vítimas de pobreza, vivendo à margem da sociedade. Há, também, a necessidade de eliminar vícios tradicionais que são causas de desigualdade regional e social.

Mas a conclusão, pelos dados divulgados pela imprensa, assim como pelo que se verifica facilmente em grande parte do Brasil em termos de redução das discriminações e marginalizações, é que há bons motivos para comemoração, pois a Constituição foi um passo de grande importância no sentido de assegurar a existência de uma ordem baseada no direito, tendo como fundamento a dignidade da pessoa humana e prevendo os meios para que, por vias pacíficas, as pessoas de boa vontade lutem para que os direitos fundamentais sejam direitos de todos, e não privilégios de alguns.

DALMO DE ABREU DALLARI, 76, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Erundina).

Senta que o leão é manso


Clóvis Rossi
DEU NA FOLHA DE S. PAULO

SÃO PAULO - "Lex", coluna do jornal britânico "Financial Times", mistura informações e comentários com aquele humor cáustico que é uma especialidade britânica. O "melhor de Lex" de ontem abusava da causticidade já no título:

"O mundo sobrevive à Segunda-Feira do Derretimento" (tudo em maiúsculas no original). Sim, é surpreendente que o mundo não tenha acabado na segunda-feira, "quando a Câmara dos Representantes votou contra o plano Paulson [de Hank Paulson, secretário do Tesouro], (e) os mercados no mundo todo reagiram como se o prego final tivesse sido colocado no caixão da vida moderna".

Sensacional. Só os ingleses são capazes dessa irônica contundência no meio do velório global. Do meu ponto de vista, é alentador ver que aumenta, devagarinho, o coro dos que dizem que a crise é séria, sim, mas pode não ser o fim do mundo nem ter o tamanho que os mercados financeiros dizem que tem.

A propósito, "O melhor de Lex" acrescenta: "Naturalmente, os investidores exagerarão a melancolia do mesmo modo que a exuberância irracional reinou suprema nos bons tempos."

Na vida real, a situação é, sim, complicada, mas nem remotamente se parece ao derretimento apontado na segunda-feira e nos dias subseqüentes. Veja-se, a propósito, o extrato da crise que a Folha puxou ontem para a capa: "Mesmo que a Câmara aprove hoje [sexta-feira] o pacote, teme-se que a economia dos EUA não escape da recessão".

Teme-se? Meu Deus do céu, se houvesse, na vida real, o derretimento que o noticiário aponta nos mercados, não é que se deva temer uma recessão; ela já estaria instalada e, pior, estaríamos aceleradamente rumo à depressão. O melhor conselho é o velho "senta que o leão é manso".

Se não for, agora é tarde para correr.

O que pensa a mídia

Editoriais dos principais jornais do Brasil
http://www.pps.org.br/sistema_clipping/mostra_opiniao.asp?id=1107&portal=